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01 dezembro 2011

Cineastas baianos apelam ao governador

O cineasta Jorge Alfredo (Samba Riachão) enviou-me os textos das cartas que a Associação de Produtores e Cineastas da Bahia mandou ao governador Jaques Wagner. É bem de ver que a referida associação tem se reunido e discutido os graves problemas que enfrentam os cineastas baianos para a realização de seus sonhos: fazer cinema na Bahia. Sem mais delongas e abrindo as necessárias aspas:


Excelentíssimo Senhor Jaques Wagner
Governador do Estado da Bahia

c/c
Ilm.º Sr Albino Rubim
Secretario de Cultura do Estado da Bahia

Senhor Governador:

Em atenção aos encaminhamentos da reunião ocorrida no vosso gabinete no dia 9 desse mês, a Associação de Produtores e Cineastas da Bahia – APCBahia vem apresentar algumas propostas consideradas emergenciais, buscando desta forma contribuir para a continuidade do ciclo vigoroso em que o cinema baiano está vivendo.
Preocupados com a proximidade do final do ano e a consequente necessidade de definições orçamentárias, e considerando também a impossibilidade de agendar uma reunião com o Secretário Albino Rubim em tempo hábil, sem detrimento do encontro que teremos com ele, agendado para o dia 14 de dezembro, estamos encaminhando a nossa proposta diretamente a vossa apreciação, na confiança de que nosso pleito será atendido ainda neste final de ano.
Vale ressaltar, que os resultados dessa reunião supracitada, foram amplamente divulgados e repercutiu de forma muito positiva na categoria dos profissionais de cinema da Bahia e também no meio cinematográfico nacional. Isso, devido à evidente receptividade que encontramos para com as nossas reivindicações, bem como a vossa disposição em adotar uma politica de Editais anuais de cinema, que contemplem todas as fases do fazer cinematográfico (pesquisa, desenvolvimento de projeto, produção, finalização, distribuição, exibição e memória).
Também de suma importância foi a vossa sensibilidade em aderir à ideia de uma ação emergencial e meritocrática ainda nesse ano de 2011. Fruto do entendimento e compreensão do atual momento da nossa cinematografia, onde constatamos;
1) Filmes baianos  lançados no circuito comercial neste último semestre do ano;
2) Outros já finalizados  e percorrendo o circuito de festivais e mostras, na expectativa do próximo passo: conseguir uma distribuição para o circuito comercial;
3) E ainda outros filmes que já foram rodados, montados, mas precisam passar pela fase de finalização.
Buscando solucionar este “gargalo”, acordamos na reunião, que formaríamos um grupo para definir uma proposta com ações emergenciais, que efetivamente conseguisse escoar a produção de filmes baianos dos últimos anos, que se encontram imobilizados devido à ausência de apoio e necessitam estar circulando, contribuindo assim para mostrar a força do cinema feito na Bahia. 
Após uma intensa discussão, que envolveu mais amplamente a categoria de profissionais ligados ao cinema de longa metragem, a Diretoria da APCBahia formulou a seguinte sugestão de proposta, que ora apresentamos como prioridades emergenciais do cinema baiano.

1 - DISTRIBUIÇÃO
O Governo da Bahia contemplará filmes baianos que estejam completamente finalizados, tenham o registro de CPB e ainda não conseguiram ser lançados no circuito comercial, independentemente de terem sido selecionados, exibidos e premiados em festivais de cinema.
Os filmes inscritos deverão estar em pelo menos um dos formatos seguintes: 35 mm, DCP ou Mobz / Auwe.
O produtor ao inscrever seu filme, deverá apresentar uma carta de anuência de uma distribuidora com o devido projeto de distribuição do filme para o circuito comercial nacional.
Para cada um dos filmes selecionados, será destinada uma verba de R$ 200.000,00, observando o atendimento aos critérios de seleção pré-definidos. O contrato seria assinado com a Produtora, que administraria a verba da distribuição.
 O prazo para inscrição seria até o dia 20 de dezembro de 2011. E o resultado será anunciado ate o dia 20  de janeiro de 2012.

2 - FINALIZAÇÃO
Serão contemplados filmes já rodados, necessitando de alguns complementos como: pagamento de direitos autorais, pietagem e legendagem, edição e mixagem de som, cópias em HD e/ou 35mm etc. Estes filmes receberiam um aporte financeiro para a finalização, possibilitando assim que possam fazer o circuito de festivais e mostras que antecede a distribuição comercial.
O valor para cada filme não seria pré-determinado, uma vez que depende do que o projeto precisa para ser concluído.
Sugestão de valor para a Finalização: R$600.000,00

3 - EXIBIÇÃO
MOSTRA CINEMA BAIANO SÉCULO 21 (longas e curtas-metragens)
Local:  Salvador (verão de 2012)

 A Mostra  será realizada durante o período em que nossa cidade estará recebendo  um número significativo de turistas, ávidos por conhecer a cultura e a arte produzida na Bahia. Por isso, consideramos este momento mais que oportuno para juntar numa mostra os  filmes baianos produzidos nesse século. Esta é uma iniciativa de grande importância para o cinema baiano, que vive um momento de efervescência e certamente terá uma grande repercussão de público e de mídia. O cinema baiano precisa dessa visibilidade para consolidar a sua produção cinematográfica, perante um público nacional e internacional.
O Governo do Estado promoveria uma ampla divulgação (folder, catálogo, outdoor, chamadas nas TVs etc.) com a participação da "turma da publicidade" como nos sugeriu Vossa Excelência na citada audiência e desta forma, acreditamos que a Mostra será um marco histórico para a visibilidade do Cinema Baiano. O Governo também garantiria a compra antecipada de determinada quantidade de ingressos para assegurar assistência e sustentabilidade financeira à Mostra.
Os critérios para a seleção dos filmes de longa metragem e curta metragem (que antecederão os longas) serão definidos por uma curadoria formada para esse fim pela APCBahia. Os filmes  serão exibidos em três salas de cinema do circuito comercial da Bahia.
A Mostra seria realizada na primeira quinzena de fevereiro/2012.
Sugestão de valor para o investimento na Mostra: R$600.000,00

Senhor Governador,
Acreditamos que adotando estas ações emergenciais, finalizando alguns filmes e liberando para a distribuição outros tantos, associados à grande Mostra do Cinema Baiano do Século 21, o Governo da Bahia expressa de forma muito concreta seu compromisso em estar ao lado do cinema baiano.
Estamos diante de um momento tão amplamente favorável que só nos resta avançar. E para isso queremos formalizar a intermediação direta do Governador entre as Secretarias de Cultura, Comunicação, Planejamento, Educação e Indústria e Comércio. A partir desses encontros setoriais se consolidarão diversos outros projetos de promoção do Cinema Baiano.
Estamos ainda sob o impacto positivo dos lançamentos de quatro filmes baianos no circuito de exibição nacional, algo inédito e histórico em nossa longa cinematografia. Com os Editais sendo proclamados já no início de 2012, iniciando a sequencia de Editais anuais, estaremos dando passos largos para o que o cinema baiano fique estruturalmente vigoroso.

Com tudo isso, ganhando o cinema baiano, a Bahia tem muito a ganhar.


Salvador, 30 de novembro de 2011

Associação de Produtores e Cineastas da Bahia (APCBahia)
Jorge Alfredo Guimarães
Presidente

30 novembro 2011

Metamorfose da crítica

A crítica de cinema sofreu, com o passar do tempo, uma metamorfose, e tudo se relaciona a uma questão cultural. Com o desaparecimento dos suplementos culturais, a exemplo do "Quarto Caderno" do "Correio da Manhã", do SDJB ("Suplemento Dominical do Jornal do Brasil"), entre outros, os textos ficaram reduzidos de tal maneira a ponto de, atualmente, ser impossível se ter uma página inteira, em corpo pequeno, de uma análise caudalosa sobre Rastros de ódio, entre tantos filmes, como faziam Antonio Moniz Viana nas décadas de 50 e 60, ou Rubem Biáfora e Paulo Emílio Salles Gomes no Estado de S. Paulo ou, mesmo, em Salvador, Walter da Silveira em A Tarde.

Os críticos do pretérito se caracterizavam por uma forte formação nas chamadas humanidades, e tinham cultura literária, o que significa dizer: sabiam escrever bem e possuíam estilo. Com o império da cultura audiovisual, os críticos foram se formando pelo cedeefismo canalizado na contemplação das imagens em movimento. Se Moniz Viana, Walter da Silveira, Paulo Emílio, Francisco Luiz de Almeida Salles, Paulo Perdigão, entre tantos, distinguiam-se por uma cultura generalista, ampla visão de mundo, cultura geral, por assim dizer, os que escrevem hoje sobre cinema, na sua grande maioria, são 'especialistas' e não estão preocupados em tratar bem a língua pátria.

Assim, na crítica pretérita havia esta ampla visão do mundo. Paulo Emílio, por exemplo, pensava o homem e a sociedade através da visão de filmes, nunca esquecendo que estes sempre refletiam o seu momento histórico, o seu momento político. A crítica pretérita, portanto, abraçava a política em conjunção com a arte, a haver, nisto, um compromisso do artista com a sua circunstância. O que determina uma abrangência na análise fílmica antes que esta fosse tomada de assalto pela crítica estruturalista, que lê a obra cinematográfica como se esta fosse um rato a ser destrinchado em laboratório. A tentativa de "cientifização" do cinema se tornou um passo avançado no sentido de matar a emoção de um filme para acomodá-lo aos modelos acadêmicos.

Quer-se, hoje, nesta maldita contemporaneidade, ler-se o filme e não vê-lo com os olhos da emoção e da razão. A visão crítica é fundamental, mas não se pode apartá-la da sensibilidade, porque a obra de arte deve ser vista em toda a sua integridade significativa e na sua essencialidade poética. Quem quiser tirar uma prova basta ler as antologias críticas já editadas, principalmente Um filme é um filme, de José Lino Grunewald, Um filme por dia, de Moniz Viana, Um filme é para sempre, de Ruy Castro, - todas as três da Companhia das Letras, os escritos de Paulo Emílio editados em dois volumes pela Nova Fronteira nos anos 80, Fronteiras do cinema, de Walter da Silveira (Tempo Brasileiro), entre muitas outras.

A ausência da cultura literária e o desprezo pela política aliadas ao império do audiovisual determinaram a falência do estilo e do prazer da leitura. É claro que toda regra tem as exceções, mas o fato é que a crítica que se pratica é uma crítica mais carregada de um fanatismo filmográfico, por assim dizer, do que uma crítica analítica dotada de presença de espírito, humor, estilo.

Mas seria bom se destacar que a análise do filme tem nuances, a haver, nela, um cipoal de pontos de vistas. A ligeireza de uma resenha para guia de consumo, que não pode se considerar uma crítica na expressão da palavra, assim como o comentário ¿ o cinema se tornou, hoje, objeto de verificação analítica por quase todo aspirante a intelectual no Brasil, como todo brasileiro que é "técnico de futebol" - são as constantes no papel impresso. O que o cinema, pobre coitado, fez a esta gente?

Poder-se-ia ver a crítica propriamente dita e o ensaio, este mais rigoroso, mais profundo, a ser dotado de um instrumental analítico de maior investigação perfuratriz. Desaparecida dos suplementos as críticas copiosas, o pensar cinematográfico tomou, no último decênio, principalmente, as dissertações e teses acadêmicas e, com isto, lá se foi embora o prazer da leitura. E com o advento da internet, a sua expansão em sites especializados (alguns bons) e blogs -todo 'blogueiro' que se atreve a comentar filmes se considera um crítico de cinema.

Questão cultural, portanto, esta da crítica de cinema. De homens cultos e inteligentes, com ampla visão da arte, ela passou às mãos de fanáticos e 'cdfs', maníacos despreparados, fanáticos para os quais o youtubismo é o avatar mais proeminente da contemporaneidade.

Há que se ler, então, para aprender a criticar, os escritos do pretérito. Ler os textos de Moniz Viana, Grunewald, Walter da Silveira (quatro volumes de seus ensaios foram já lançados), Paulo Perdigão, Sérgio Augusto, Almeida Salles, et caterva. Para se ter uma idéia, basta dizer que a crítica como era escrita nos jornais e revistas nos anos 50 e 60 se poderia considerar, talvez, até num gênero literário, porque tinha um estilo revelador na maneira de apreensão da estesia cinematográfica. Lia-se os escritos sobre filmes além da necessidade de esclarecimento na tradução do filme, mas, e sobretudo, apreciava-se o estilo de seus mestres. A leitura de Moniz Viana revela não somente um erudito do cinema, mas, também, um estilista. Assim como a de Walter da Silveira, Almeida Salles, entre os outros citados. Esta maneira de escrever é que desapareceu e o seu desaparecimento vem associado à ausência quase completa da cultura literária que se estimulava e era um hábito dos bem pensantes.

E a crítica, com o tempo, passou por uma metamorfose que se poderia mesmo dizer kafkiniana. A ponto de, muitas delas, não sair da condição de baratas pseudo-análises destituídas de qualquer base referencial.

28 novembro 2011

"O jardim das folhas sagradas", de Pola Ribeiro


O jardim das folhas sagradas, primeiro longa metragem de Pola Ribeiro, é uma produção genuinamente baiana (um filme da Bahia e não um filme na Bahia, como se costuma muito confundir), que procura um tratamento temático em plural: a questão ambiental (as folhas e, principalmente, o verde, muito mais que um símbolo assume a dimensão de uma proposição), a intolerância religiosa (o candomblé como manifestação autêntica da cultura negra), o preconceito racial (a posição do negro na sociedade brasileira), e um brado retumbante contra a matança de animais em liturgias religiosas e, ainda, a questão da identidade do homem negro e sua necessidade de uma adequação num meio social que ainda revela preconceitos e animosidades.

Bonfim (Antonio Godi) é um bancário que se torna gerente, bem posicionado no trabalho, negro e bissexual, casado com Ângela (Evelyn Buchegger, atriz baiana que também está presente em O homem que não dormia, de Edgar Navarro), mulher branca e evangélica. Vivendo na Salvador contemporânea, a mãe dele fora uma figura importante nos rituais de candomblé, e, por isso, alertado por Martiniano (Harildo Dêda, o grande ator soteropolitano), homem branco, mas de importância na hierarquia dos terreiros, entra em crise de identidade. De repente, toma a decisão de sua vida: rasgar as vestes da sociedade branca (cabelo cortado, roupas clássicas) e assumir a sua cultura (rastafari, roupas coloridas e típicas, e, principalmente, a branca). Tem como objetivo montar um terreiro de candomblé no espaço urbano. Para atingir o seu plano, todavia, enfrenta a especulação imobiliária sedenta de lucro e corrupta (compra um lote de terras e é enganado pelo corretor), o preconceito racial e a intolerância religiosa. Bonfim, apesar de obediente aos ensinamentos de Martiniano, não concorda com a morte de animais nos rituais de celebração, e procura substituí-los pelas folhas verdes, o jardim das folhas sagradas, como sugere o título do filme.

Produção caprichada, O jardim das folhas sagradas, sobre ser um filme bem cuidado na sua elaboração técnica, tem, no entanto, uma sobrecarga temática que determina um não aprofundamento dos diversos assuntos em que pretende questionar, além de uma ausência de ritmo mais dinâmico que é substituído por uma virtuose de imagens com teor mais ilustrativo e maneirista do que propriamente estético. Na estrutura narrativa (e Pola Ribeiro, o diretor, tem consciência de que o cinema é uma estrutura audiovisual), há um desequilíbrio na estruturação do dínamo propulsor dos conflitos. Em seu lugar, O jardim das folhas sagradas perde tempo dramático na virtuose da contemplação da paisagem, das folhas, do verde, e na inclusão de efeitos figurativos desnecessários ao desenvolvimento da idéia (Godi agachado, rodando, plenamente iluminado, por exemplo). O diretor não seguiu o conselho de Alberto Cavalcanti, quando disse que ao invés de se fazer um documentário sobre o correio é melhor fazê-lo sobre uma carta.

Mas estas observações não eliminam a beleza plástica da obra cinematográfica, havendo, nela, um fascínio mais para a contemplação de sua plástica de imagens. O que resiste à crítica é concernente ao elo semântico (a hipertrofia temática) e defeitos estruturais narrativos concernentes ao elo sintático, à sintaxe cinematográfica para ser mais exato. Há um momento, inclusive, de especial especulação não imobiliária, mas satírica e futurística: a câmera, acelerada, registra um metrô de filme de ficção científica a andar nos trilhos de uma paisagem idealizada. O que dá, ao filme, um touch especial.

Pola Ribeiro em O jardim das folhas sagradas faz o seu primeiro longa muitas décadas depois de sua iniciação cinematográfica. É um ativo participante da explosão superoitista, desse boom da pequena bitola que deu origem também à iniciação de praticamente todos os cineastas baianos que labutam na árdua tarefa de expressar seus pensamentos e seus anseios por meio das imagens em movimento. Lembro-me, inclusive, se não há falha memorialística, que seus primeiros ensaios no Super 8, A conversa e Abílio matou Paschoal, que foram proibidos pela Polícia Federal na época da ditadura militar (1977). A lenda do pai Inácio, feito em 35mm, ainda que um média metragem, foi exibido com grande sucesso de público e crítica no extinto Teatro Maria Betânia, que ficava no bairro do Rio Vermelho.

A função da crítica é apontar, na sua leitura do filme, os desequilíbrios na ordenação do tempo e do espaço cinematográficos, e verificar a devida correspondência entre o seu elo semântico (o chamado conteúdo) e o seu elo sintático. O fato é que, observados esses aspectos, O jardim das folhas sagradas é um filme bonito de se ver e que vale a locomoção do cinéfilo. Há, nele, patente, como já me referi, o cuidado de produção, a fotografia funcional de Antonio Luiz Mendes, e a consonância da cor na estrutura dramática, isto quer dizer: o filme é verde e o verde se integra à  sua paisagem cinematográfica.  

Nas fotos, Harildo Dêda (o grande ator baiano, decano de toda uma geração) e Antonio Godi (que faz Bonfim). Cliquem nas imagens para vê-las ampliadas.

Desabafo justo de um cineasta veterano

O cineasta João Batista de Andrade, veterano do cinema brasileiro, realizador de alguns filmes consagrados como O homem que virou suco, A próxima vítima, O país dos tenentes, Doramundo, entre outros, desgostoso com a atual política cinematográfica vigente, faz um desabafo em sua página no Facebook que vale a pena ser transcrita aqui no blog. Reflitam! 

"VAMOS FALAR SÉRIO AQUI NO FB? Recebi mensagens muito amigas. Algumas me perguntam qual a dificuldade. Eu sempre me pergunto se minha vida é o cinema ou se o cinema é que é minha vida. Quem pertence a quem. A resposta poderia me ajudar a suportar a dificuldade em retomar minha carreira, depois de tantos filmes, tanta história, tanta luta, tantos prêmios, tantas homenagens. Tenho me mantido sereno, racional, tenho procurado falar com amigos. Mas tenho denunciado também a política de exclusão e a eutanásia cultural. "Novos" valores pedem "novos" cineastas. Serão mesmo "novos"?- por trás de tudo há uma luta cega pelo poder. E pelos recursos. Na Europa, os cineastas podem dizer que morrerão filmando. Não no Brasil. Aqui somos descartáveis. Venho vivendo esse desrespeito desde os anos 90, fazendo filmes na marra, na contramão, com escassos recursos e apoios. Há dez anos não ganho um só edital de produção e se não parei é por que comecei minha vida de cineasta assim, fazendo filmes na pura loucura, sem dinheiro. Assim fiz o "Rua Seis sem Número " (Berlim/2002) "Vida de Artista" (Melhor filme Fest. Mostra Filme Livre Rio/2004), "Veias e Vinhos" 2006, "Vlado, 30 anos depois"( 2005). Mas chega um momento em que é preciso voar mais, sair das pequenas produções, voltar ao meu ciclo virtuoso dos anos 80 com "Doramundo" (Melhor filme Gramado/78), "O homem que virou suco" (Melhor Filme Moscou/81), "A próxima Vítima" (vários prêmios1983), "Céu Aberto" (Melhor filme Office Catolic/1985 e muitos outros prêmios), "O País dos Tenentes" (Melhor filme Festval do Rio/1987 e muiiiitos prêmios). É o ciclo de filmes que seguiram a história do Brasil da ditadura à abertura. É isso. Me danei em 90, com o plano Collor, perdi o filme de ficção que faria sobre o Vlado (Vladimir Herzog). Me auto-exilei em Goiás, voltei em 2002, fui Secretário da Cultura de SP, elaborei e implantei a Lei da Cultura, o PROAC que injeta milhões de reais todos os anos na produção cultural desse estado (inclusive no cinema paulista). Saí da Secretaria da Cultura pensando em voltar à minha carreira de cineasta. É difícil. Como já disse, o desrespeito é enorme: há dez anos não ganho um só edital nem estadual nem federal. E posso garantir: os projetos são bons e tenho toda a minha carreira como aval. Olha, eu gosto de muita coisa na vida: gosto de cinema, gosto de escrever, gosto de desenhar, gosto de mato (tenho paixão pelo cerrado e conheço ali as frutas, as plantas, os animais). Não pertenço ao cinema e nenhum laço covarde vai me prender a essa cadeia de insensatez e covardia. Pois o descarte dos veteranos é mesmo uma eutanásia cultural que denuncio. Daqui a poucos dias completo meus 72 anos, quase 50 deles dedicados ao cinema e à luta do cinema brasileiro. Sou ainda um garoto em todos os sentidos: fisica e mentalmente. E vou procurar minha vida em algum prazer de viver, fora dessa perigosa irracionalidade que, infelizmente, não tenho conseguido mudar. Se for assim, ficarão minhas obras, meus livros, meus textos, a memória de minhas lutas, as entidades e festivais que criei ou ajudei a criar, minha presença um tanto fantasmagórica pela história dos últimos 50 anos do cinema brasileiro e de nossa política cultural. O QUE NINGUÉM PODERÁ FAZER É ME IMPEDIR DE PENSAR E SER CRÍTICO, EXPOR MINHA INSATISFAÇÃO COM O MUNDO EM QUE VIVEMOS."

"Ao sul do Pacífico", de Joshua Logan

É um musical amável e ingênuo, que nunca foi apreciado pela chamada crítica, mas que me encantou quando o vi pela primeira vez em 1959, em Salvador, aos 8 anos de idade. Visto, saiu de cartaz e somente vim a revê-lo mais de 50 anos depois, quando o localizei numa locadora. Trata-se de Ao sul do pacífico (South Pacific, 1958), de Joshua Logan, musical baseado em montagem teatral de Hammerstein & Rodgers, que fez enorme sucesso na Broadway dos anos 50, que se localiza no coração do Pacífico Sul, e conta uma história de amor entre uma enfermeira da marinha e um fazendeiro francês em paralelo com a paixão de um jovem oficial por uma nativa. 

Logan, se não tivesse feito mais filmes, e o fez, já estaria consagrado por Férias de amor (Picnic, 1955), filme que encantou toda uma geração daquela época, com William Holden, Kim Novak, Rossalind Russell, Arthur O'Connell, Susan Strasberg. Tem um pendor para o melodrama, mas melodrama classudo, com finesse, como, por exemplo, Sayonar(1957), com Marlon Brando. Assinalo também Nunca fui santa (Bus stop), com um dos melhores desempenhos de Marilyn Monroe. 

No elenco de Ao sul do Pacífico, Rossano Brazzi (Quando floresce o amor/Summertime, de David Lean, A condessa descalça, de Joseph Mankiewicz, O candelabro italiano/Rome adventures, de Delmer Daves, entre muitos outros), Mitzy Gaynor, John Kerr, Ray Walston, Juanita Salão. Custou, para o dólar da época, 6 milhões de dólares, e rendeu 360 milhões.


27 novembro 2011

"Teorema", de Pier Paolo Pasolini


Lançado no desaparecido cine Liceu da rua Saldanha da Gama (de saudosa memória), em Salvador, Teorema, de Pier Paolo Pasolini, se constituiu quase num escândalo pela maneira despojada e direta com que o cineasta italiano trata o tema. Controverso, ainda que realizado em plena ebulição de um ano em transe como o de 68, o filme de Pasolini causou rumorosas objeções, chegando, inclusive, a ser proibido em alguns países. No Brasil, pós Ato Institucional número 5, monstruosidade jurídica do Ministro Gama e Silva, do governo ditatorial de Costa e Silva, Teorema, cuja estréia se deu em 1969, não se sabe por que razão, passou incólume pela censura.
Pasolini teve morte trágica em novembro de 1975, despedaçado pelas rodas de um carro, restando, seu corpo, irreconhecível. Desapareceu na periferia de Roma, numa zona freqüentada por homossexuais e, pelo que se sabe, um deles atacou o cineasta, que, já morto, foi totalmente esmagado pelo automóvel do assassino. Homossexual assumido, Pier Paolo Pasolini já anuncia, como numa premonição, a sua morte em sua derradeira obra, Saló ou Os 120 dias de Sodoma, baseado em relatos do Marquês de Sade adaptados para a Itália fascista dos anos quarenta. O filme é uma verdadeira descida ao inferno e, nele, patentes, o desespero, a desesperança, o ceticismo do autor de Teorema.
Um rico industrial, casado, dois filhos, recebe, de repente, a visita de um anjo, que, elemento deflagrador, provoca, com a sua presença, uma crise familiar. O anjo, que não se sabe de onde veio, tem relações sexuais com todos os familiares. Estes ficam totalmente atônitos e começam a ter comportamentos esquisitos. A mãe (interpretada pela deusa Silvana Mangano) sai pelas ruas de Roma à cata de homens para satisfazer suas fantasias, com um gosto insólito pelos tipos mais rudes e grossos. O filho vira artista abstrato numa pulsação quase maníaca. A sua irmã, chocada, fica catatônica, enquanto o pai, desesperado, corre pelo deserto após doar a sua fábrica aos operários. Apenas a criada (Laura Betti) é que é salva pelo autor, pois sai da casa onde trabalha e se dirige ao vilarejo natal, quando levita e fica parada no firmamento. Objeto de culto e veneração.
O anjo, interpretado por Terence Stamp, é um personagem bem típico dos filmes cujas fábulas apontam pelo aparecimento de um elemento deflagrador que provoca uma crise de identidades ou um pandemônio quando se instala. Geralmente um forasteiro, como o Shane de Os brutos também amam, western grandioso de George Stevens, que, ao chegar a uma cidade, muda seus rumos e o de seus habitantes.
Assim também William Holden, o forasteiro que, em Férias de amor (Picnic) , provoca os ânimos de uma sociedade aparentemente ordeira, mas altamente preconceituosa. Stamp, revelado por William Wyler em O colecionador (1964), logo virou, pelo seu carisma, pelo seu olhar angelical, pela sua maneira de ser, um ator cobiçado pelos mestres do cinema, a exemplo de Federico Fellini que o destacou para o quadro principal de seu curta incluso no longa Histórias extraordinárias, filme pouco visto do cineasta de La dolce vita, com um sabor insólito e surrealista.
O elenco de Teorema é excelente. Além de Stamp e La Mangano, Laura Betti, que faz a servente, atriz combatente, militante e amiga de Pasolini, que, até hoje, preserva a sua memória e trabalha no sentido de que sua morte seja revelada como um assassinato político. O industrial é Massimo Girotti. Rever Teorema é uma exigência nesses tempos pós-modernosos nos quais os filmes como que pararam de investir no desnudamento das idiossincrasias do homem, preocupados apenas com as suas ações exteriores. Teorema, de Pier Paolo Pasolini, é um filme aparentemente estranho para aqueles não acostumados à poética do autor. Mas, indiscutivelmente, uma obra de arte.
Parábola cristã sobre a graça, Teorema, para Pasolini, numa entrevista ao jornal Jeune Cinema número 33 (outubro de 1968), disse o seguinte: "Numa família burguesa chega um personagem misterioso, que é o amor divino. É a intrusão do metafísico, do autêntico, que vem destruir, transformar uma vida inteiramente inautêntica, mesmo que cause pena, mesmo que possa ter momentos de autenticidade nos sentimentos".
A partitura, deslumbrante, é do maestro Ennio Morricone. E a luz, que parece pentecostal, vem da sensibilidade de Giuseppe Ruzzolini.
Marxista, ateu, Pasolini, pouco antes de Teorema, filmou a melhor vida de Cristo no cinema, que foi O evangelho segundo São Matheus, que dedicou ao Papa João XXIII. Além de cineasta, poeta, romancista, articulista, homem de combate, Pasolini revela, em suas obras, o seu sentido humanístico que aflora através de parábolas como Gaviões e passarinhos, entre outros. Um sentido que se perde, porém, nos últimos anos de vida, quando a descrença, o ceticismo, e a revolta parecem tomar-lhe conta como expõe muito bem seu canto de cisne chamadoSaló.