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15 abril 2006
O melhor filme brasileiro de todos os tempos
Afinal saiu o DVD de Terra em transe, o melhor filme brasileiro de todos os tempos. Custa 59,90. A curadoria ficou a cargo de Paloma Rocha (filha de Glauber com Helena Ignez) e Joel Pizzini. Nos extras, Maranhão 66, curta que Glauber realizou para a campanha de José Sarney para o governo do estado que intitula o filme. Também há um documentário com raridades: Depois do transe, que, entre outras preciosidades históricas, apresenta o caloroso debate no Museu da Imagem e Som do Rio. Quando lançado, Terra em transe causou grande polêmica.
Meus favoritos do cinema brasileiro
01) Terra em Transe, de Glauber Rocha (1967), com Jardel Filho, Glauce Rocha, Paulo Autran. O melhor filme brasileiro de todos os tempos, que retrata, num painel alucinante, o terremoto da política brasileira. Obra de grande impacto em sua mise-en-scène, com seqüências audaciosas, é, também, um canto agônico, onde um poeta - dividido entre a política e a arte, no processo de sua lenta morte, após um tiroteio numa estrada, repassa o seu pretérito. O filme, portanto, tem sua ação localizada na mente desse personagem enquanto dá seus últimos suspiros. Não se pode deixar de ver a influência de Alain Resnais (pouco reconhecida), a de Orson Welles, e a de Jean-Luc Godard. Surpreendente sob todos os aspectos.
_ _Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), de Glauber Rocha, com Geraldo D’El Rey, Othon Bastos, Maurício do Valle, Yoná Magalhães e Sonia dos Humildes. Filme-ópera que rompe com os cânones narrativos do cinema brasileiro para instaurar uma estética dilacerante onde estão em simbiose a tragédia sertaneja, plena de ecos gregos, e a expressão lancinante de brasilidade, onde, num toque original e impactuante, a influência de vários cineastas (Ford, Kurosawa, Buñuel, e principalmente Eisenstein - a matança dos beatos é nitidamente influenciada pela seqüência da Escadaria de Odessa de O encouraçado Potemkin) se espraia num estilo personalíssimo. Este filme traumatizou duramente o cinema brasileiro.
02) São Paulo S/A, de Luís Sérgio Person (1965), com Walmor Chagas, Eva Wilma, Otelo Zelloni. O Cinema Novo se desloca, aqui, do campo para a cidade. Person realiza uma obra delicada e sensível onde a cidade paulistana se integra no conflito audiovisual, inserindo-se na estrutura narrativa do filme como um personagem. Esta incorporação do ambiente ao tecido dramatúrgico é rara na cinematografia. Centro da metrópole, em plena era de industrialização, um homem perdido está à procura de um sentido para a sua existência. Exemplar!
03) O Bandido da Luz Vermelha, de Rogério Sganzerla (1967), com Paulo Villaça, Helena Ignêz, Luiz Linhares. Carro-chefe do chamado Cinema Marginal - ou underground ou, ainda, udigrudi. Um faroeste do Terceiro Mundo, na definição de seu autor, obra de estréia em longa metragem, um filme único na cinematografia nacional. As imagens, desordenadas mas com uma cadência rítmica explosiva, aparecem, na estrutura narrativa, como a ilustração de um programa de rádio de classe Z. Duas vozes narram a trajetória de um perigoso marginal da periferia paulistana. O que se pode ver, neste filme extraordinário, é a apreensão, por um jovem cineasta de 21 anos, do melhor cinema praticado em décadas anteriores. Radiofônico, como Welles, sincopado em sua montagem, como Godard, mas de uma boçalidade exclusivamente brasileira. O autor assume a bregüice nacional com uma total non chalance, proporcionando, com isso, um retrato esculhambado por excelência, mas inteligentíssimo como expressão da arte do filme.
04) A Hora e A Vez de Augusto Matraga, de Roberto Santos (1965), com Leonardo Villar, Jofre Soares. O realizador venceu uma batalha mais forte do que a do seu personagem: adaptar, com poder de convencimento, uma obra de Guimarães Rosa. Problemas de especificidades lingüísticas à parte, o fato é que o filme é deslumbrante na tentativa de descrever o universo rosiano por meio da força de um outro signo expressivo: o da linguagem cinematográfica. Um grande momento para o Cinema Novo e para todo o cinema brasileiro. E Leonardo Villar está como que inexcedível no papel título.
05) Absolutamente Certo, de Anselmo Duarte (1958), com Dercy Gonçalves, Anselmo Duarte, Odete Lara. Em pleno domínio da chanchada, o maior galã do cinema nacional da época dirige o seu primeiro longa. O resultado fica acima da expectativa, pois uma inteligente comédia de costumes que retrata, com graça e humor, a classe média paulistana. Mas, mais importante que isso, é o cinema ágil, engraçado, com excelentes transições, de um ritmo frenético que acaba por funcionar como um trabalho que ultrapassa o espírito de sua época. O realizador, anos depois, conquistaria a cobiçada Palma de Ouro no Festival de Cannes com O Pagador de Promessas. Mas é aqui que se encontra o melhor do cineasta.
06) Vidas Secas, de Nelson Pereira dos Santos (1964), com Átila Iório, Maria Ribeiro. Adaptação do romance homônimo de Graciliano Ramos. Poucas vezes o cinema e a literatura puderam se dar as mãos em harmonia como nesta obra cinematográfica. O livro parece um indicativo das imagens em movimento pela sua linguagem seca, sem floreios. O diretor, precursor do Cinema Novo - Rio, quarenta graus, Rio Zona Norte, soube apreender as indicações da escritura romanesca, transformando-as em pura linguagem fílmica. Desde a fotografia sem filtros, que denuncia a aridez da paisagem e o sol dominador, passando pelas rigorosas interpretações de Átila Iório e Maria Ribeiro, até o clímax da morte cansada da cadela, tudo é luz e maravilhamento.
07) Noite Vazia, de Walter Hugo Khoury (1964), com Mário Benvenutti, Norma Bengell, Odete Lara, Gabrielle Tinti. Um autor original no panorama do cinema brasileiro que, muito criticado pelos cinemanovistas pelas influências de Ingmar Bergman e Michelangelo Antonioni, conseguiu, como poucos neste país, revelar-se um verdadeiro autor na expressão exata do vocábulo. Com um universo ficcional próprio e um estilo particularíssimo, com cada obra singular sendo uma variação de um mesmo tema - o macrofilme, que é toda a sua filmografia, Khoury enfrentou incólume as turbulências da crítica e hoje está estabelecido como um dos maiores cineastas brasileiros. Noite vazia investe na noite de São Paulo com seus personagens amargurados à procura de um significado para as suas existências desiludidas. Mas o que se faz notar no filme é uma emergência poética a cada instante, um domínio formal impressionante na condução da mise-en-scène. A seqüência da chuva na janela, em montagem paralela com as mulheres deitadas e o ovo que se estala no fogão, é uma das mais belas do cinema brasileiro.
08) Todas as Mulheres do Mundo, de Domingos de Oliveira (1966), com Paulo José, Flávio Migliaccio, Leila Diniz, Ivan de Albuquerque, Irma Alvarez. Nenhum filme brasileiro revelou tão bem o espírito de uma época como este delicado poema à mulher amada de um realizador em sua primeira incursão no universo das imagens em movimento. Domingos se encontra em sua quintessência, dotado de um singular humor e uma capacidade intuitiva rara no estabelecimento de uma poética sobre o seu tempo.
09) A margem, de Ozualdo R. Candeias (1967), com Mário Benvenutti, Lucy Rangel, Valéria Vidal, Bentinho. A câmera do realizador, um dos principais nomes do cinema paulista, registra com uma insólita poesia a vida da gente humilde que habita as margens do Rio Tiête. Filme na cinematografia brasileira, que causou, e ainda causa, grande impacto diante de suas imagens plenas daquele tão necessário poder de verdade. Aqui se encontra visceralidade, conhecimento do que se está a retratar, intuição do sentido poético cinematográfico, um saber pensar cinematograficamente numa precária estrutura de produção.
10) Liliam M: Relatório Confidencial (1975), de Carlos Reichenbach, com Célia Olga, Benjamin Cattan, Sérgio Hingst, Maracy Mello, Edward Freund, José Júlio Spiewak, Numa época em que o predomínio era da chamada pornochachada, em meados da década de setenta, surge este filme intrigante na maneira pela qual o seu realizador trata o tema. Obra autoral, na qual a estrutura narrativa tem modulações várias, como se fosse um caleidoscópio burlesco. Crê-se que, neste filme, o seu diretor dá o ponto de partida para seus filmes mais maduros como Filme Demência, Alma Corsária, Anjos do Arrabalde, e o recente Bens confiscados.
HORS CONCURS
Limite, de Mário Peixoto (1930), com Olga Breno, Taciana Rei, Raul Schnoor. Clássico absoluto do cinema brasileiro. Um filme que não se compara mas se separa. Três pessoas viajam sem destino num barco e relembram o passado. Filme-mito, que provocou estesia e polêmica, realizado ainda na estética da arte muda por um jovem realizador que estreava, aqui, na direção cinematográfica e depois desse filme se trancou numa ilha para sempre. Obra essencial, visual, puro cinema, ou o cinema como música do olhar. Fotografia excepcional de Edgard Brazil.
14 abril 2006
Da visceralidade necessária
Há cineastas que detestam captar recursos, mas, neste caso, podem arranjar um gerente de produção para a tarefa. Este, no entanto, que seria o diretor de produção, não possui a força de vontade suficiente, pois o filme a se realizar não é dele. O diretor de produção gosta mesmo é de gerir recursos já captados. Edgar Navarro, por exemplo, ficou louco com a necessidade de ter de se inteirar das dificuldades na realização de seu Eu me lembro, ainda que não tivesse de captar recursos, pois seu filme se tornou possível por causa de um prêmio num concurso de roteiros e num aporte salvador do Minc. Há, por outro lado, cineastas que gostam de captar recursos ou, pelo menos, conhecem a economia de mercado, os trâmites para se arranjar e aplicar dinheiro. É o caso da empresa de Fernando Meirelles e seus sócios, que há mais de 20 anos está no mercado publicitário. Também o pessoal da Conspiração, Walter Salles, entre outros. Já Barretão, Cacá Diegues, et caterva, estavam acostumados com as burras da Viúva e, por isso, gritam tanto quando há alguma modificação na legislação que possa lhes causar cortes no patrocínio. Se vivo fosse, como estaria Glauber Rocha, que detestava qualquer tipo de burocracia?
Os realizadores, assim, para captar recursos necessários, moldam seus roteiros para agradar às empresas patrocinadoras, tirando, com isso, a dose de audácia. Alguns diretores, a exemplo de Andrucha Waddington, Walter Salles, entram pelo sertão sem nenhuma vivência da problemática retratada e acabam por embelezar a paisagem, o décor. Um Glauber, por exemplo, compreendia bem o que estava a retratar, fazendo filmes viscerais. Uma coisa que está fazendo falta ao cinema brasileiro atual é a visceralidade. E, neste visceralidade, entenda-se total liberdade de expressão. Rogério Sganzerla, por exemplo, um dos mais geniais cineastas da história do cinema brasileiro, realizou sua obra-prima, O bandido da luz vermelha, em 1968, com um resto de negativo de um outro filme. Não teve que passar uma imagem para ninguém. E suas imagens em movimento são viscerais, assim como as de Deus e o diabo na terra do sol, de Glauber Rocha, A margem, de Ozualdo Candeias, À meia-noite levarei a sua alma (entre outros do mesmo autor), de José Mojica Marins, Lilian M, Alma corsária, de Carlos Reichenbach, Bang bang, de Andreia Tonacci, O viajante, de Paulo César Saraceni, Amarelo Manga, de Cláudio Assis, Contra todos, de Roberto Moreira, entre tantos outros que encheriam, se citados, o espaço deste quilométrico blog.
Os realizadores, assim, para captar recursos necessários, moldam seus roteiros para agradar às empresas patrocinadoras, tirando, com isso, a dose de audácia. Alguns diretores, a exemplo de Andrucha Waddington, Walter Salles, entram pelo sertão sem nenhuma vivência da problemática retratada e acabam por embelezar a paisagem, o décor. Um Glauber, por exemplo, compreendia bem o que estava a retratar, fazendo filmes viscerais. Uma coisa que está fazendo falta ao cinema brasileiro atual é a visceralidade. E, neste visceralidade, entenda-se total liberdade de expressão. Rogério Sganzerla, por exemplo, um dos mais geniais cineastas da história do cinema brasileiro, realizou sua obra-prima, O bandido da luz vermelha, em 1968, com um resto de negativo de um outro filme. Não teve que passar uma imagem para ninguém. E suas imagens em movimento são viscerais, assim como as de Deus e o diabo na terra do sol, de Glauber Rocha, A margem, de Ozualdo Candeias, À meia-noite levarei a sua alma (entre outros do mesmo autor), de José Mojica Marins, Lilian M, Alma corsária, de Carlos Reichenbach, Bang bang, de Andreia Tonacci, O viajante, de Paulo César Saraceni, Amarelo Manga, de Cláudio Assis, Contra todos, de Roberto Moreira, entre tantos outros que encheriam, se citados, o espaço deste quilométrico blog.
O cinema brasileiro está sendo assassinado pelos golpes de uma estética televisiva. Daniel Filho é, talvez, o seu maior algoz.
13 abril 2006
Da recente safra brasileira
Os filmes oriundos da equpe da Globo, a exemplo do campeão de bilheteria Se eu fosse você, de Daniel Filho, atentam contra o processo de criação cinematográfica, porque o que produzem é a imagem televisiva. Tem-se a sensação de que se está a assistir a algum especial da Vênus Platinada. Filmes certinhos e realizados com uma artesania mortuária que chamam a atençao do grande público pelo apelo de seus protagonistas, estrelas globais. Da safra mais recente do cinema nacional, são absolutamente fracas e anêmicas obras como O gatão de meia-idade, de Antônio Carlos Fontoura (que já realizou filmes curiosos como Copacabana me engana, A rainha diaba...), Irma Vap, o retorno, de Carla Camuratti (que, se teve algum acerto em Carlotta Joaquina, fez feio em Copacabana), Se eu fosse você, O casamento de Romeu e Julieta, de Bruno Barreto (ainda que este tenha, em sua filmografia, filmes decentes: Ato de amor, O romance de uma empregada, Bossa Nova, Além da paixão...), entre outros. Os filmes citados, porque produzidos em parceria com multinacionais, conseguem ser exibidos nas melhores salas, enquanto os exemplares mais significativos do cinema brasileiro ficam restritos às salas alternativas ou, mesmo, não conseguem sequer a inclusão no mercado. Os melhores filmes nacionais vistos recentemente são Bens confiscados, de Carlos Reichenbach, Crimes delicados, de Beto Brant, Serra da desordem, de Andreia Tonacci, Eu me lembro, de Edgard Navarro, Cinema, aspirina e urubus, de Marcelo Gomes, entre mais alguns outros - Veneno da madrugada, de Ruy Guerra, é chato e confuso. O cinema patrocinado pela iniciativa privada (com o governo a proporiconar que empresas descontem do imposto de renda significativa parcela que injeta em produções audiovisuais) se, por um lado, tem favorecido alguns cineastas, por outro, está liquidando os artistas mais viscerais, a exemplo de um José Mojica Marins, de um Ozualdo Candeias. E há aqueles que, entendidos da economia do mercado, sabem se adequar ao esquema neoliberal, enquanto outros, eternos dependentes do auxílio estatal, ficam a reclamar da necessidade da ajuda do estado.
10 abril 2006
Sergio Leone é um esteta
O DVD de ‘Era uma vez no Oeste’, de Sergio Leone, lançamento em edição especial, cheia de extras, é, simplesmente, uma beleza. O filme, com o passar do tempo – é de 1968, ficou ainda melhor, não perdendo em nada do seu impacto inicial, quando o vi pela primeira vez na gigantesca tela do cinema Tupy em cópia de 70mm. Ainda que a dimensão da tela doméstica não possua o mesmo poder de envolvimento e êxtase – sim, é a palavra correta em se tratando de uma obra-prima como essa, momento, sem exagero, de rara inspiração em toda a história da arte do filme, vejo ‘Era uma vez no Oeste’ como se fosse uma sinfonia, como se uma música de imagens. A partitura do maestro Ennio Morricone está tão entrosada no filme que faz parte dele, e, neste caso, poderia dizer que Morricone é uma espécie assim de co-autor da obra, da mesma maneira como Michel Legrand o é de ‘Os guarda-chuvas do amor’, de Jacques Demy. Morricone, com sua extraordinária musicalidade, funciona, aqui, em ‘Era uma vez no Oeste’, não apenas como uma complementação da narrativa, mas uma espécie de ‘mise-en-musique’. E Leone é um esteta, um mestre absoluto, que sintetiza, neste ‘western sui generis’, toda a sua primeira fase constituída de obras que ‘rascunham’ esta belíssima reflexão sobre a estética westerniana num prisma novo e insinuante, apátrida, singular e original. Quem viu ‘Por uns dólares a mais’, ‘Por um punhado de dólares’ e ‘O bom, o mau e o feio’ – também conhecido por ‘Três homens em conflito’ – pode testemunhar que estes filmes são uma ‘anunciação’ de ‘Era uma vez no Oeste’. A sua revisão comprova a magnificência de Sergio Leone que, nos anos 80, com seu canto de cisne, ‘Era uma vez na América’, traumatizou toda uma década, realizando uma das maiores obras de toda a história do cinema. Pena que a morte prematura – ia fazer 60 anos – o tenha levado embora.
Morricone compôs quatro temas fundamentais destinados a cada um dos personagens principais: Claudia Cardinale, Jason Robards, Charles Bronson e Henry Fonda – magnífico no papel de vilão, cínico, cruel, frio, super maquiado, super estilizado, capaz de matar até criancinhas com irrepreensível sangue frio. Quando os personagens se cruzam, as partituras também entram em rodízio com um resultado impressionante em se tratando da relação música e imagem. A seqüência inicial, de abertura, é uma obra-prima à parte, que mostra a espera, por três pistoleiros, em uma velha e encardida estação (há alguns anos, existia, no Boulevar que fica em Itaigara, em frente do shopping do mesmo nome, um bar cuja decoração, uma estação de trem, era baseada em ‘Era uma vez no Oeste’, por causa da admiração que o seu proprietário tinha por este filme), da chegada do trem. Morricone chegou a compor um tema, mas desistiu e, influenciado por John Cage – para quem todo ruído num concerto é música, fez dos ruídos uma espécie de ‘sinfonia’. Assim, o estalar dos dedos de um dos pistoleiros, a gota d’água que cai modorrenta no chapéu de Woody Strode, a mosca que fica zoando no rosto de Jack Élan, o ranger do moinho, a chegada estrepitosa do trem, etc, formam uma tensão inusitada.
Leone tem um sentido de duração que difere da maioria dos cineastas, aproximando-o mais, na utilização do tempo cinematográfico, dos realizadores japoneses. Gosta de alternar extremos ‘close ups’ com planos gerais de grande amplitude, provocando, com isso, um contraste nos códigos perceptivos. Mas, para Leone, o rosto humano não é uma face oculta, mas, e principalmente, também uma paisagem. Seus ‘closes’ demoram na tela, enchendo-a, para perscrutar a alma humana, para adentrar na interioridade dos seres. Tudo é muito estilizado e rigoroso, sem perder, contudo, o caráter de introspecção.
O argumento de ‘C’era una volta in West’/’Once upon a time in West’ foi escrito a seis mãos: as de Bernardo Bertolucci, o consagrado cineasta de ‘O último tango em Paris’, as de Dario Argento, diretor ‘cult’ de terroríficos e crítico afamado, e as de Sergio Donati, que ficou responsável pela decupagem, além, é claro, da participação de Leone em todas as fases do processo de criação cinematográfica.
O DVD é especial mesmo e tem muitos extras, inclusive um documentário precioso com depoimentos de Tonino Delli Colli, o fotógrafo, Alex Cox, Gabrielle Ferzetti, Bertolucci, Claudia Cardinale, Henry Fonda, entre outros. Para assistir de joelhos.
Morricone compôs quatro temas fundamentais destinados a cada um dos personagens principais: Claudia Cardinale, Jason Robards, Charles Bronson e Henry Fonda – magnífico no papel de vilão, cínico, cruel, frio, super maquiado, super estilizado, capaz de matar até criancinhas com irrepreensível sangue frio. Quando os personagens se cruzam, as partituras também entram em rodízio com um resultado impressionante em se tratando da relação música e imagem. A seqüência inicial, de abertura, é uma obra-prima à parte, que mostra a espera, por três pistoleiros, em uma velha e encardida estação (há alguns anos, existia, no Boulevar que fica em Itaigara, em frente do shopping do mesmo nome, um bar cuja decoração, uma estação de trem, era baseada em ‘Era uma vez no Oeste’, por causa da admiração que o seu proprietário tinha por este filme), da chegada do trem. Morricone chegou a compor um tema, mas desistiu e, influenciado por John Cage – para quem todo ruído num concerto é música, fez dos ruídos uma espécie de ‘sinfonia’. Assim, o estalar dos dedos de um dos pistoleiros, a gota d’água que cai modorrenta no chapéu de Woody Strode, a mosca que fica zoando no rosto de Jack Élan, o ranger do moinho, a chegada estrepitosa do trem, etc, formam uma tensão inusitada.
Leone tem um sentido de duração que difere da maioria dos cineastas, aproximando-o mais, na utilização do tempo cinematográfico, dos realizadores japoneses. Gosta de alternar extremos ‘close ups’ com planos gerais de grande amplitude, provocando, com isso, um contraste nos códigos perceptivos. Mas, para Leone, o rosto humano não é uma face oculta, mas, e principalmente, também uma paisagem. Seus ‘closes’ demoram na tela, enchendo-a, para perscrutar a alma humana, para adentrar na interioridade dos seres. Tudo é muito estilizado e rigoroso, sem perder, contudo, o caráter de introspecção.
O argumento de ‘C’era una volta in West’/’Once upon a time in West’ foi escrito a seis mãos: as de Bernardo Bertolucci, o consagrado cineasta de ‘O último tango em Paris’, as de Dario Argento, diretor ‘cult’ de terroríficos e crítico afamado, e as de Sergio Donati, que ficou responsável pela decupagem, além, é claro, da participação de Leone em todas as fases do processo de criação cinematográfica.
O DVD é especial mesmo e tem muitos extras, inclusive um documentário precioso com depoimentos de Tonino Delli Colli, o fotógrafo, Alex Cox, Gabrielle Ferzetti, Bertolucci, Claudia Cardinale, Henry Fonda, entre outros. Para assistir de joelhos.
09 abril 2006
Sam Peckinpah, cineasta implacável
Thriller vigoroso, sem falsos moralismos (o crime, afinal, para o casal protagonista, compensou), Os implacáveis (The getaway, 1972), de Sam Peckinpah (1924/1984), incorpora, inclusive, procedimentos resnaisianos ao gênero (como nos lances de memória, que se poderia dizer flashes de memória, quando Steve McQueen, logo na apresentação, dentro da cela, pensa na mulher que deixou, Ali MacGraw), além da montagem procurar, ao mostrar o trabalho dos presidiários, uma associação não de continuidade, mas de significações através das ações humanas e dos objetos que adquirem, na composição peckinpahniana, um sentido que é acrescido à representação da imagem, como queria André Bazin. Há quase trinta e cinco anos de sua realização, The getaway se mostra uma obra ágil, vibrante, como se tivesse sido realizada nos dias atuais. Aliás, Peckinpah em Meu ódio será tua herança (The wild bunch, 1968) já preconizava um cinema de cortes rápidos em determinadas seqüências (como a do tiroteiro final avassalador e terminal), nunca, porém, como se faz hoje, com a abominável estética da tesourinha, quando a narrativa cinematográfica vira um papel picado não deixando ao olhar qualquer possibilidade de contemplação. The wild bunch é um filme que detona uma escrita que seria tomada como base pelos cineastas (como o uso da câmera lenta para enfatizar e robustecer a violência).
Em 1994, seguindo à risca o roteiro de Walter Hill (que viria a dirigir ótimos filmes de ação), Roger Donaldson realizou um remake de The getaway, que serve de exemplo, apesar de um filme fraquíssimo, como a mão de um grande diretor é que determina a excelência de um filme. O caso de Gus Van Sant no remake de Psicose é também exemplar, porque, mesmo contando com os préstimos do mesmo roteirista de Hitch, o resultado foi desastroso. O primeiro filme notável de Peckinpah, depois de realizados vários filmes de ação, está em Pistoleiro ao entardecer (Ride the high country, 1961), western outonal, crepuscular, que prenuncia a morte do gênero, com Joel McCrea e Randolph Scott como dois velhos pistoleiros que já sentem sinais do tempo, mas, assim mesmo, insistem na permanência como cowboys. Obra melancólia, de rara beleza, que também pode ser comparada a O homem que matou o facínora, do grande John Ford, também um western do crepúsculo.
McQueen, um tipo admirável, raro se se pensar no cinema contemporâneo tão cheio de adamascados, teve um affair impeduoso e implacável com Ali MacGraw, que, na época, era esposa do presidente da Paramount. Na cena em que ele bate nela, encostados num carro numa estrada, Peckinpah o orientou no sentido de socá-la com vontade
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