Seguidores

09 agosto 2007

Dublagem maldita e atentados


Pesquisa feita pelas majors dão conta de que o público está aceitando muito bem os filmes dublados. As distribuidoras, a exemplo do que fez com o quarto Duro de matar, estão a jogar seus blockbusters em várias cópias dubladas em português. A aceitação excelente pelos consumidores (cinéfilo agora virou sinônimo de consumidor) animou as majors e algumas delas estão a pensar seriamente na ampliação das cópias dubladas. Segundo revelou reportagem da Folha de S. Paulo domingo passado, dia 5, a dublagem pode vir a ser adotada no Brasil. A notícia, para mim, foi cruel, pois considero a dublagem uma intervenção criminosa na integridade da obra cinematográfica, considerando que a inflexão vocal tem muita importância no desempenho dos atores e, mesmo, na significação do que se está a ver. Por outro lado, como um filme tem três bandas de som (a de ruídos, a de diálogos, a de música), a mixagem original, destruída no processo de dublagem, é mal construída a posteriori, fazendo com que a banda de diálogos tenha predominância em detrimento das outras. Se a dublagem vir a ser adotada, e não havendo mais filmes nos idiomas originais, deixo, definitivamente, de ir ao cinema. O perigo está também nos DVDs. Não duvido que a dublagem venha a se constituir em prioridade no lançamento dos DVDs em território brasileiro. Infelizmente, e esta a verdade, o público, ignorante, prefere a película dublada, porque, segundo diz a pesquisa, tem preguiça de ler, e não se importa com a estética de uma obra cinematográfica. O que o público se interessa é pela história, pelo enredo, pela trama. Não quer saber de mais nada. E se os atores falam em português, melhor, pois não precisa ler embaixo as legendas. Não seria demasidado dizer que mais de cinquenta por centos dos ditos alfabetizados, segundo uma outra pesquisa, desta vez do governo, são analfabetos funcionais. O Brasil desce, a passos largos, ladeira abaixo.
Vi, por estes dias, dois filmes argentinos em co-produção com a Espanha: Conversando com Mamãe, e Elza & Fred, cujos diretores, agora, quando digito estas, não mo-los recordo. O segundo faz homenagem a Fellini, com alusão repetida a A doce vida, tendo, ambos, a veterana atriz China Zorrillo. O que me espantou, neles, foi a deformidade de suas imagens, pois a distribuidora responsável, curiosamente conhecida como Imagem, comprimiu o formato original dos filmes (cinemascope, lente anamórfica, tela larga) na sempre abominável tela cheia (full screen), como vem praticando agora com todos os filmes originariamente realizados com lente anamórfica o híbrido Telecine Cult. Por que destruir a possibilidade de contemplação dos filmes agindo de tal maneira, retalhando as obras cinematográficas, deformando-as? A partir de agora todo filme que for distribuído pela Imagem é preciso que se tenha muito cuidado quando de sua compra ou locação. A Europa, aliás, outra distribuidora, destruiu o lançamento em DVD de Menina de ouro, de Clint Eastwood, enquadrando-o indevidamente na tela cheia, e não permitindo o formato original, que é em cinemascope. Há poucas semanas, a notícia da exibição de Da terra nasce os homens (The big country), de William Wyler, grande filme, fez-me cancelar compromisso para ficar frente à telinha doméstica para vê-lo no Telecine Cult. Finda a apresentação dos créditos, que estava em cinemascope, com aquela tira, puxaram-na para encher a tela, deformando a imagem e deformando, também, a minha paciência. Desliguei, quase apopléxico, a televisão e, com isso, perdi o compromisso e o filme, que recuso em vê-lo assim tão deformado como quer o Telecine Cult. Até o Canal Brasil está fazendo a mesma truculência, pois Abril despedaçado, de Walter Salles Jr, passou sem o formato original. Queria revê-lo, mas constatando a sua deformidade, a monstruosidade no qual foi apresentado, desliguei. Que o Telecine faça isso, compreende-se nesta era neoliberal em que tudo é mercadoria para o consumo de imbecis, mas o Canal Brasil poderia ter tido mais respeito com o seu público.
Mas Jogo mortal (Sleuth, 1972), de Joseph L. Mankiewicz, filme que não via há mais de trinta anos, passou ontem, quarta, no Cult, mas no formato original (não é originariamente em cinemascope), ainda que alargando um pouco, para encher a tela, além do que seria permitido a um programador que prezasse a arte do filme e sua integridade. A cópia um tanto quanto velha, descolorida, não impediu a contemplação desse derradeiro trabalho de um dos mais intelectualizados diretores do cinema americano. Com roteiro de Anthony Shaffer, iluminação (que não dá para ver direito na cópia televisiva) de um artista, Oswald Morris (fica-se a pensar a beleza de ver o filme numa sala de exibição em cópia restaurada), e partitura do competente John Addison, hermaniano, Sleuth é um jogo entre dois personagens - e que atores: Laurence Olivier e Michael Caine, um jogo de caça e rato, no qual se estabelecem como atrativos a excelência da interpretação dos dois, os diálogos afiados, a crítica aguda à arrogância britânica, e a alusão do cinema como uma representação contínua sem, contudo, o discurso metabólico e academizante que se quer ver em tudo e em todos. Veio à lembrança a relação senhor/escravo hegeliana que Joseph Losey, via Harold Pinter, enfoca no magnífico O criador (The servant, 1963), um dos momentos sublimes desse cineasta que anda meio esquecido pela crítica que se diz atenta e consciente. Joseph L. Mankiewicz é um realizador americano (irmão de Herman, que fez, com Welles, o roteiro de Kane) que gosta de diálogos apurados, bem escritos, um diretor mais intelectualizado, como se pode ver em A malvada (All about Eve, 1950), A condessa descalça (The barefloot contessa, 1954), Júlio César, Charada em Veneza, entre tantos outros filmes. Três filmes que lhe são atípicos: Eles e elas (Guys and dolls, 1955), cujos méritos se encontram mais localizados na coreografia de Michael Kidd, musical com Marlon Brando e Frank Sinatra, e Ninho de cobras (There was a crocked man, 1971), western, com Henry Fonda e Kirk Douglas. E o mastodante Cleópatra. Não sei se é possível se achar, no disquinho, Sleuth. Está na programação do Telecine Cult, que, por sinal, vai abrir a sua grade aos assinantes da Net em agosto a partir do dia 9.
A foto é de Charada (1963), de Stanley Donen, onde se vê Cary Grant e Audrey Hepburn. Bogdanovich escreveu que Charada é o último filme do cinema americano clássico.

07 agosto 2007

Salve Catherine Spaak, a bela!




Estou escrevendo sobre as mulheres no cinema, fugindo um pouco ao exercício do comentário, da crítica, ou dos capítulos didáticos que se pretendem introdutórios à arte do filme, fazendo ver, em prestações, como se expressa a linguagem cinematográfica. Mas hoje, terça, é dia de saudosismo, sim, nostalgia, e por uma bella donna, uma mulher pela qual me apaixonei quando jovem, mas um amor platônico, considerando que ela era (e é ainda) uma atriz. Refiro-me a Catherine Spaak, belíssima personalidade, envolvente criatura, e bela, muito bela, como se pode ver nas imagens que acompanham este post. Filha do roteirista belga Charles Spaak, Catherine nasceu em 3 April de 1945, em Boulogne-Billancourt, Hauts-de-Seine, Ile-de-France, e já conta, portanto, com sessenta e duas primaveras. Mas ainda está trabalhando. Fez um filme em 2005. O tempo, no entanto, levou a sua beleza jovial como a vemos nas fotos. Mas c'est la vie. Não podemos ficar para sementes!

Curtas e rápidas






Há mulheres e mulheres, como, aliás, tudo na vida. Existem algumas atrizes que me atrairam sobremaneira e, entre elas, excetuando-se Brigitte Bardot, primus inter pares, vale citar Ingrid Thulin, Catherine Spaak, Claudia Cardinale, entre outras. Das suecas do falecido Bergman, a mais apetitosa no sentido gastronômico é Ingrid Thulin, seguida, de perto, por Gunnel Lindblom, aliás as principais atrizes de O silêncio. O elenco feminino de Bergman é algo mágico de beleza e sensualidade e, realmente, custa a crer, como observou Jonga Olivieri, que as suecas possam ser chamadas de frias. Frias coisa nenhuma, elas são quentes, e como já dizia o título português de um filme de Billy Wilder, quanto mais quentes melhores as fêmeas. Mas recebo um comentário que me indica uma matéria no The New York Time sobre a minha cara Brigitte Bardot. Não poderia deixar de recomendar e dar, aqui, o seu endereço eletrônico: http://www.nytimes.com/2007/08/07/movies/homevideo/07dvd.html?_r=1&oref=slogin

Mas Catherine Spaak, que curtia muito quando jovem, deve estar uma velha. Vou dar uma olhada no Imdb para constatar a sua idade, se já parou de fazer cinema, se, até, já não morreu. Spaak, magra, filha de um roteirista belga, era uma mulher muito interessante. Entre muitos filmes que trabalhou, destacam-se O incrível exército de Brancaleone, Aquele que sabe viver, o famoso Il sorpasso, de Dino Risi. O outro é de Mario Monicelli, cineasta italiano que ainda está na ativa, apesar de seus noventa e tantos anos, beirando ao centenário. Segundo li alhures, está a terminar um filme. Claro, não foi um dos gênios do cinema italiano, não foi um Visconti, um Fellini, um Antonioni, mas Monicelli tem obras notáveis, diria mesmo imprescindíveis, humanas, sinceras, gratas (Os companheiros), cínicas (Parente é serpente), satíricas (Brancaleone). Analista de costumes da sociedade italiana (Pais e filhos, entre tantos), tem um filme particularmente sensacional, uma comédia extraordinária, que é Os eternos desconhecidos (I soliti ignoti) feito lá pelos meados dos anos 50 como uma espécie de resposta cômica a Rififi, de Jules Dassin, que, por coincidência, revi recentemente e é um grande filme, um grande film noir. Mas fiquemos por aqui por hoje.

06 agosto 2007

O que há para ler na web



Marcelo Miranda, um dos mais criteriosos e lúcidos críticos da nova geração, a geração que veio a ser conhecida no espaço virtual, conseguiu uma façanha: realizar uma entrevista exclusiva com o cineasta Carlos Alberto Prates Correia para o jornal O Tempo, de Belo Horizonte, para o qual Marcelo escreve críticas cinematográficas. Prates, que tem obras cultuadas como Minas, Texas, Cabaret Mineiro, e Noites do sertão, há mais de 15 anos desapareceu das telas brasileiras. A entrevista feita por Marcelo é muito boa e ele permitiu a sua disponibilidade. Recomendo aos quatro leitores deste blog, eu e mais três que ficam no espaço virtual au hasard, que leiam a interview. Vale mais do que a pena. Ao lado deste blog, à esquerda de quem usa o computador, existem vários links e, num deles, está o endereço do blog de Marcelo Miranda: Impressõs cinéfilas. E aqui está o link para a entrevista de Carlos Alberto Prates Correia:


Ladrão que sou, mas ladrão de fotos na internet, roubei a foto que ilustra este post, a do velho Ingmar Bergman, fotografia bem expressiva que estava dando bobeira no blog de Marcelo Miranda. Bergman morreu bem, porque poucos os que podem chegar perto dos 90 anos e deixar uma obra tão importante, tão imprescindível. Antonioni também morreu como não podia deixar de ser, pois todos nós temos que enfrentar a Implacável um dia, assim como Max von Sydow enfrentou a morte personalizada em O sétimo selo (Det sjunde inseglet, 1956), filme que foi considerado pelos críticos da Folha de S. Paulo como o melhor Bergman.


E o cinema e a crítica paulista estão bem representados na Revista Zingu!, editada pelo pesquisador Matheus Trunk. O dossiê do mês passado foi dedicado a Rubem Biáfora, mas o que saiu agora é sobre Carlos Maximiliano Motta, companheiro de Biáfora na redação do Estadão e, como ele, crítico dedicado, atento aos mínimos detalhes. Conhecia como poucos o cinema japonês. A Revista Zingu! é muito interessante de se ler, pois Matheus, ainda que um jovem, adora o cinema de seu estado, idolatrando mesmo certas figuras do cenário paulistano. Impressionante como um rapaz de sua idade se preocupa com pessoas da Sé de Palha, como faz mensalmente na sua revista eletrônica. Palmas para ele!

Setaro no "Nacocó"

Convido os meus leitores - se é que os tenho - a uma visita a um site baiano, Nacocó, que, malgrado o nome, é uma revista cultural variada e feita com a inteligência peculiar a seus dois editores, Vitor Pamplona e Diego Damasceno. O convite é por causa de um texto que escrevi para a edição que se encontra no ar sobre Bergman e Antonioni. Para acessá-lo direto e sem intermediários:

A foto é de uma princesa: Ingrid Thulin. Sensual e bela, bela e sensual.

Cinco ligações afetivas



O bloguista e crítico Rafael Carvalho do blog Cinematógrafico XXI (http://www.cinematografo21.blogspot.com/) me passa uma corrente para que escolha os cinco livros que considero essenciais na literatura. Tarefa difícil que me exigiria (assim como escolher os melhores filmes) um certo tempo e uma certa pesquisa memorialística. Mas decido fazê-la já. Escolher cinco é muito pouco, pois aprecio com entusiasmo algumas dezenas de livros (ao contrário do cinema contemporâneo, do qual é complicado, no final de cada ano, escolher cinco melhores). Com pena de ter deixado obras essenciais de fora, o resultado é o seguinte:

1) OS IRMÃOS KARAMAZOV. de Fiódor M. Dostoiévski. Segundo escreve o gênio russo, trata-se da 'história de uma família', mas, na verdade, é um livro que investiga o ser humano nas suas profundezas, traçando rico painel do homem e de sua condição. Transcende a literatura para se situar como um monumento da humanidade. Ninguém pode deixar de lê-lo antes de morrer. Colocaria, também, Crime e castigo.

2) O VERMELHO E O NEGRO (Le rouge et le noir), de Stendhal. Ponto de partida do romance moderno, uma crônica exemplar de uma província francesa do século retrasado e de seus hábitos, usos e costumes. A trajetória de Julien Sorel é pontilhada de incidentes que faz deste livro uma obra-prima de observação social e humor.

3) DON QUIXOTE, de Cervantes. Precursor de tudo que se faria em termos de literatura a seguir. Na classificação do crítico americano Harold Bloom, que situou como o cânone ocidental Hamlet, de Shakespeare, para o romance moderno não seria Cervantes o detentor deste cânone? Uma narrativa desenvolvida com uma inteligência assustadora: há comentários a latere sobre a ação que se desenrola, e até mesmo congelamento da imagem. Cervantes traumatizou duramente todas as gerações que lhe seguiram.

4) MADAME BOVARY, de Flaubert. Os desejos íntimos da mulher, que, casada com um médico de província, são analisados com singular poeticidade pelo escritor francês, que desvenda, aqui, a alma feminina. Flaubert revela suas fantasias recônditas, e a sua Emma Bovary, pela sua singeleza, pela maneira com a qual o autor a trata, está definitivamente imortalizada na história da literatura.

5) QUNCAS BORBA, de Machado de Assis. Acredito que Machado está em pé de igualdade com os grandes escritores do século retrasado. A demora na sua celebração veio por causa de ter escrito em português. Mas tem uma obra fundamental. Muitos destacam Memórias póstumas de Brás Cubas e Dom Casmurro como seus dois momentos sublimes. Sem desconsiderar estes, que são geniais, do ponto de vista afetivo fico com Quincas Borba, Rubião Braz, e Sofia, seus personagens. A descrição que Machado faz de Sofia não fica muito longe da de Flaubert, não!

A foto é de Dostoiévski

Ingmar e Liv: ele, o mestre, ela, a discípula


Na foto, que acompanha esta postagem, vê-se, em 1971, Ingmar Bergman, ainda em plena forma, com uma cativante Liv Ullmann. Conta a lenda que o autor de O sétimo selo ficou decepcionado com a ida de Ullmann para Hollywood, onde trabalhou como atriz em Horizonte perdido, musical anacrônico que, por sua vez, era um remake de um outro filme dirigido por Capra. A lenda conta que Bergman chegou a ir a Nova York para estar presente na avant-première de Horizonte perdido. Amargurado com o que viu, vagou pelos bares da cidade querida de Woody Allen até a madrugada, quando, caindo de bêbado, foi dormir num hotel. Acontece que Ullmann era uma atriz de filmes sem importância e foi Bergman quem realmente a conscientizou da importância da arte do filme e da de atriz. Ullmann, posteriormente, viria a escrever alguns livros, e dirigir filme pelo menos dignos com roteiros preparados pelo próprio Bergman, que foi casado com ela por vários anos. A Folha de S.Paulo de ontem, domingo, traz o seu caderno cultural, o Mais!, todo dedicado a Bergman e a Antonioni. A foto registra um intervalo das filmagens de Gritos e sussurros, um dos grandes filmes do sueco, e que, quando aqui passou, na Bahia, levou quase dez semanas em cartaz no extinto cinema Bristol. Era o auge da bergmania. Um professor de filosofia, apaixonado pelas obras e pelo pensamento de Bergman, cujo nome não posso dizer, viu Gritos e sussurros várias vezes, e ajoelhado, lembro-me bem porque presenciei o fanatismo. E chegou a tirar fotografias, quando, naquela época, era muito difícil se tirar fotos das imagens de um filme, pois não existia recursos para isso.

05 agosto 2007

Introdução ao Cinema (7)


Afinal, chegamos a um momento decisivo do processo de criação cinematográfica: a montagem.
Planejado no roteiro, que contém todas as tomadas em ordem cronológica e precisamente numeradas, a filmagem, não obedece, todavia, ao que está estabelecido no papel. O cineasta, tendo em vista, além de outros fatores, a exequibilidade e a viabilidade econômica, começa a filmar a partir de qualquer tomada do roteiro - pelo meio, pelo fim, pelo começo. A tarefa de ordenar os diversos fragmentos de um filme cabe a uma etapa do processo de criação do cinema muito importante, qual seja a montagem. Que, grosso modo, pode ser definida como o trabalho de reunir as partes do material filmado de acordo com a ordem estabelecido no roteiro. O montador edita o filme, isto é, faz uma reconstituição da primeira à última imagem, colando ponta com ponta e na ordem numérica os diferentes pedaços de película, que foram revelados e impressos numa "cópia de trabalho". Geralmente são colados em seguida pedaços de filme que reproduzem planos diferentes, até completar uma cena. Há, portanto, dentro da mesma cena, diversas mudanças de plano - e de um plano para outro se verifica uma descontinuidade rápida chamada corte.

A montagem não se limita - longe disso - a um simples trabalho de cortes e colagens: é também, e sobretudo, uma criação. Linguagem do realizador, ela, a montagem, impõe um estilo e revela uma visão original do mundo. A montagem, segundo a ótica de Bretton, preside a organização do real visando satisfazer simultaneamente a inteligência e a sensibilidade, provocando, com isso, a emoção artística, o efeito dramático ou onírico: faz malabarismos com o tempo e o espaço, com cenários e personagens (trucagens e dublês). É o elemento mais específico da linguagem cinematográfica, "o fundamento estético do filme", segundo Pudovkin. Os grandes cineastas e estetas (Eisenstein, Pudovkin, Balazs, Arnheim, etc) esforçaram-se em estabelecer a nomenclatura dos diversos processos de montagem e em analisar seus efeitos psicológicos.

Geralmente classifica-se os tipos de montagem em três categorias principais: (1) a montagem rítmica, (2) a montagem intelectual ou ideológica, (3) a montagem narrativa, sendo que esta última compreende quatro tipos - a) a montagem linear, (b) a montagem invertida, (c) a montagem alternada, e, (d) a montagem paralela.

01. A Montagem Rítmica: visa criar ritmo ao filme, alternando os tempos fortes com os tempos fracos, dando ordem e proporção no espaço e no tempo. O ritmo resultado do movimento das imagens entre si e da convergência entre o movimento da atenção do espectador e o das imagens. Um plano, conforme observou o ensaísta francês J. P. Chartier, não é percebido da mesma maneira do começo ao fim. A princípio, é reconhecido e situado; é, digamos, a exposição. Vem então um momento de atenção máxima em que a significação, a razão de ser de um plano, é captada: gesto, palavra ou movimento fazem o desenvolvimento progredir; em seguida, a atenção baixa, e, se o plano se prolongar, nasce um momento de aborrecimento, de impaciência. Se cada plano for cortado no momento exato da baixa da atenção para ser substituído por outro, a atenção será sempre mantida, o filme terá ritmo. O que chamamos de ritmo cinematográfico não é, portanto, a apreensão das relações de tempo entre os planos, mas a coincidência entre a duração de cada plano e os movimentos de atenção que ela suscita e satisfaz. Não se trata de um ritmo temporal abstrato, mas de um ritmo de atenção", conclui Chartier. A percepção intuitiva do ritmo pelo espectador nasce da sucessão dos planos, segundo as relações precisas criadas pelo cineasta (e montador). É do ritmo que a obra cinematográfica extrai sua ordem e sua proporção, sem o que não teria ela as características de uma obra de arte. Diferentes fatores intervêm na criação do ritmo, especialmente o movimento no plano (conteúdo estático ou dinâmico da imagem), a extensão do plano (uma sucessão de primeiros planos cria uma elevada tensão dramática). Mas o ritmo é sobretudo uma questão de distribuição métrica, sendo a extensão dos planos o elemento decisivo para mostrar (valor documentário), através de certos detalhes, ou para sugerir efeito dramático. Assim, num filme, os acontecimentos, que se precipitam num ritmo rápido de ação, são traduzidos por uma seqüência de planos curtos (ritmo nervoso, dinâmico, violento, trágico, etc), enquanto que uma seqüência lenta, num filme psicológico é, ao contrário, representada por uma sucessão de planos longos que dão uma impressão de languidez, de tédio (vide "A Noite", de Antonioni), de ociosidade, de tristeza, de monotonia, de sensualidade, etc. Planos cada vez mais curtos traduzem, em princípio, um aumento da intensidade dramática em direção ao nó ou a reviravolta da ação. Os planos cada vez mais longos provocam, normalmente, a impressão inversa: volta à calma, relaxamento progressivo, abrandamento da angústia, etc. Finalmente, uma seqüência de planos breves e longos numa ordem qualquer provoca um ritmo sem tonalidade dramática ou psicológica especial. É alternando as durações e variando com freqüência a extensão dos planos que o filme adquire diversidade e vida. A evolução recente de um certo cinema de autor, principalmente a partir dos anos 60, caracteriza-se pelo recurso sistemático do plano - seqüência, muitas vezes ligado à grande duração do filme, como podem ser exemplos, para ficar em apenas dois, Memórias de uma mulher de sucesso (Souvernirs d'en France), de André Téchiné, e Com o passar do tempo (Im lauf der zeit), de Wim Wenders. Essa evolução foi preparada pelas pesquisas de alguns mestres do underground, particularmente Andy Warhol e Michael Snow, que realizaram filmes extremamente longos (seis ou oito horas de duração, no caso de Warhol) e contendo, estes filmes, pouquíssimos planos (às vezes um só) e, sempre, fixos
A imagem que ilustra o post é a de um cinema em Dortmund, na Alemanha. Fotografia de Ediane do Monte.