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17 maio 2008

Os piores filmes já feitos

A Sessão do Comodoro, mês que vem, vai apresentar os 50 piores filmes já feitos. Ela se realiza em São Paulo, creio que ainda no Cine Sesc (apesar do fechamento do indispensável fumódromo) e é patrocinada pelo cineasta Carlos Reichenbach, o Comodoro que tem um reduto bastante apreciado no espaço virtual: http://redutodocomodoro.zip.net/.
Quando um filme atinge um grau de ruindade insuportável passa, na minha opinião, a ser interessante. É o caso das fitas realizadas por Ed Wood, que foi considerado o pior cineasta do mundo e objeto de atenção, para um filme, do prestigiado Tim Burton. O que é um filme ruim? Quando pode um filme atingir às raias da imperfeição absoluta? Eis a questão. Pena que não esteja em São Paulo para enriquecer minha pouca bagagem cinematográfica com 50 preciosas porcarias.Porcarias, aqui, num sentido angular e não na expressão da palavra.
Um dos mais respeitados e festejados cineastas brasileiros, Carlos Reichenbch tem, em sua filmografia, títulos importantes como Lilian M - Relatório confidencial, de 1974, o seu segundo longa, quando tem seu roteiro eleito como o melhor do ano da Associação Paulista dos Críticos de Arte. Obra de inusitada importância no panorama do cinema brasileiro dos anos 70, Lilian M é um filme que precisa, e urgentemente, ser revisitado. E importantes também são Filme Demência (1985), aclamado em Gramado, Anjos do arrabalde, sincero e comovente drama sobre professoras da periferia de São Paulo, em 1987, único filme brasileiro incluído na mostra The Cutting Edge, que percorreu mais de 30 cidades norte-americanas. Além do prêmio L'âge d'or da cinemateca da Bélgica. Cinco anos se passaram para o próxima longa, Alma corsária, que tem no seu elenco a presença do baiano Bertrand Duarte (por onde anda?), obra de impacto que, inclusive, além de rodar quase o mundo todo, foi votado pela Associação dos Críticos do Rio de Janeiro como um dos 10 melhores filmes de 94. Vieram depois: Dois córregos (1998), As garotas do ABC, Bens confiscados (que passou recentemente no Canal Brasil como o filme do mês) e, atualmente, está com um filme no mercado e muito bem recebido pela crítica: Falsa loura.
Reichenbach, além de cineasta, é um profundo conhecedor de cinema. Tem uma bagagem filmográfica considerável. Seu ensaio sobre Valerio Zurlini, o grande realizador italiano de Dois destinos (Cronaca familiare) é definitivo e se constitui numa exegese erudita da obra desse importante diretor.
Bem, queria falar neste post sobre a mostra dos piores e acabei a me referir ao patrocinador desta, e o título, creio, não ficou muito adequado. De todo modo, fica como está. Não vi Corrida em busca do amor, primeiro longa de Reichenbach em 1971. Mas me lembro de ter visto, em programa duplo, em cinema poeira de Salvador, A ilha dos prazeres proibidos. Outros, infelizmente, desconheço: O império do desejo (1980), Amor, palavra prostituta (1980), Extremos do prazer (1983).
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15 maio 2008

"Ensaio sobre a cegueira"

Aplaudido de pé durante cinco minutos seguidos, na sua apresentação como filme de abertura do Festival de Cannes 2008, Ensaio sobre a cegueira (Blindness), de Fernando Meirelles, baseado em livro homônimo de José Saramago, ainda que na sessão para a imprensa não tenha sido ovacionado, deixa claro que Meirelles é um dos poucos realizadores brasileiros de trânsito internacional, um nome respeitado no cenário do exterior. O que implica em muita inveja por parte de outros cineastas que não conseguiram atingir a dimensão estelar do realizador de O jardineiro fiel. Alguns gostam de acusá-lo de que é mero executor de idéias alheias, uma espécie assim de diretor administrativo. O jardineiro fiel, cuja fonte é o livro de John Le Carré, desmente o dito, pois há uma tradução cinematográfica bastante pessoal e dotada de estilo brilhante. Mas o que se pode fazer com este pecado capital que é a inveja? Quando Anselmo Duarte ganhou em Cannes com O pagador de promessas só faltou ser amaldiçoado pela conquista, aliás, da única palma recebida, por filme, pelo Brasil - houve a palma de melhor diretor para Glauber Rocha em O dragão da maldade contra o santo guerreiro, houve a palma de melhor filme de aventuras para O cangaceiro, de Lima Barreto.

The constant garden ( O jardineiro fiel) já foi uma prova para Meirelles de sua competência como diretor que pode conduzir um filme de proporções internacionais. Aliás, é bom de ver que Domésticas é um trabalho bem elaborado que passou em brancas nuvens. Claro, não é lá grande coisa, mas um filme a reter, a considerar um cineasta que surge nesta obra. Cidade de Deus bastou, foi o suficiente para deixar Meirelles na nuvens. E daí os convites internacionais. É muito difícil se saber pensar cinematograficamente como Fernando Meirelles pensa. Ensaio sobre a cegueira, que, por enquanto, está invisível para o grande público e boa parte da crítica, é uma obra que se espera com certa ansiedade, a considerar tudo que já se disse aqui sobre o diretor.

Na foto, vê-se Julianne Moore (uma das mais marcantes atrizes do cinema contemporâneo) e Mark Ruffalo. O elenco ainda tem: Danny Glover (o narrador), Alice Braga (a sobrinha de Sonia Braga que lhe está a tomar o trono), Don McKellar (também o roteirista), Gabriel Garcia Bernal, entre outros. Uma epidemia faz com que habitantes de uma grande metrópole fiquem cegos. Apenas uma mulher não é atingida (Moore).

Mas mudando de água para vinho, de cegueira para visão, não posso deixar de parabenizar o Telecine Cult por ter exibido Cleópatra e Blade Runner nos seus formatos originais, isto é, em cinemascope. Será que o canal se deu conta do crime que estava a cometer? De qualquer forma, espero que tenha aprendido com os erros cometidos. Mas, e se continuar a deformar os filmes com o full screen?

14 maio 2008

"Saneamento básico" é filme encantador

Difícil se ver, no cinema brasileiro contemporâneo, um filme simples, fluente, imaginativo, despretensioso, a exemplo de Saneamento básico, o filme, de Jorge Furtado. Diretor consagrado por um curta na década passada, que espantou pelo engenho e arte, pela fragmentação com a utilização sábia de materiais de procedências diversas (cartazes, letras, imagens, animação...), A ilha das flores é exemplo de cinema de invenção - ao contrário de certas experimentações que se querem inventivas e não passam de um atestado de confusão mental e dementia precox.
Não tinha vista Saneamento básico, o filme quando do seu lançamento em meados do ano passado. Peguei-o para ver, ontem, em DVD e, ainda que conhecendo os trabalhos anteriores de Jorge Furtado, Saneamento... surpreende. É uma celebração ao cinema e seu processo criador. Na foto ao lado, a exuberante Camilla Pitanga, Breno Garcia e Jorge Furtado num ensaio durante as filmagens desse filme cativante e pouco reconhecido.
Furtado tem pleno domínio formal da narrativa. Mas, sobre ser um cineasta de fluência admirável, é extremamente humano na observação do comportamento de seus personagens. É o estabelecimento da vida que se vê durante o transcorrer de Saneamento básico, o filme. Da vida e do seu processo de lhe acrescentar, com graça, a ficção

Françoise Dorleac e Catherine Deneuve



Françoise Dorleac (irmã de Catherine que veio a falecer pouco depois das filmagens) e La Deneuve em Duas garotas românticas (Les demoiselles de Rochefort, 1967), filmusical de Jacques Demy (1931/1990), obra de grande encantamento, de engenho e arte, de originalidade, de beleza indiscutível, mas que, misteriosamente, continua ignorada pelas distribuidoras de filmes em DVD. Agnès Varda, esposa do diretor, fez uma restauração primorosa, nos anos 90, e é considerada patrimônio cultural pelo Ministério da Cultura da França.

11 maio 2008

Introdução ao cinema (5)


Domingo é dia da introdução ao cinema, embora isso não implique que não possam haver outras postagens. O fato é que, embora a morar na Bahia, detesto praia. A última vez que fui à praia data de trinta anos atrás, e fui por causa de uma namorada, que me obrigou a ir, ainda que irritado. Mas lá chegando, lembro-me bem, ao invés de ficar deitado na areia, postei-me, isto sim, debaixo de uma barraca e bebi a cerveja suficiente para o meu bem estar na época.


É fundamental insistir que a câmera intervém no plano da conotação sem, porém, modificar o plano da denotação. O exemplo do filme de Claude Chabrol, O Açougueiro, é cristalino nesse sentido. Assim, mesmo quando a discreta sugestão da câmera não é apreendida pelo espectador, o desenvolvimento da narrativa não se perturba, pois prossegue seu caminho ao abrigo de qualquer tipo de imprevistos, salvo a surpresa provocada pela habitual reviravolta final. E a surpresa, diga-se aqui, será tanto maior quanto menor tiver sido a atenção prestada pelo espectador aos sinais premonitórios lançados pela câmera através de seus movimentos alusivos. Se a narrativa lança sinais premonitórios, o espectador, porém, que, somente atento à fábula (a história, a trama) não percebe o discurso cinematográfico, tem uma surpresa, por assim dizer, maior do que o espectador mais atento ao desenvolvimento da narrativa paralela ao da fábula. Por outro lado, este último tem a possibilidade de contemplação da poética cinematográfica e de sua especificidade lingüística.

Nem sempre, no entanto, os movimentos de câmera são bem escondidos, ou, se se quiser, efetuados "nos bicos dos pés", pois há casos em que os movimentos, por evidentes, explícitos, eliminam o interesse pelo próprio desenrolar da narrativa. Em O Passageiro, Profissão Repórter (Professione Reporte, 1975), de Michelangelo Antonioni, quando o protagonista - que, sabe-se, tem a intenção de morrer - se estende sobre o leito do quarto do hotel onde está hospedado, aguardando o momento fatal, a câmera afasta-se gradualmente dele, dirigindo-se num lentíssimo travelling para o exterior do local, onde, de resto, não acontece nada de particular. Somente quando a câmera volta a trazer o espectador por uma via diferente para o interior do quarto, é que é dado se ver o corpo do homem sobre o leito já sem vida, morto. Neste caso, a morte do protagonista (interpretado por Jack Nicholson), em vez de ser mostrada de maneira direta, é sugerida pelo lento movimento que exprime, precisamente, o afastamento definitivo do homem em relação à vida.

A tensão criada por este efeito é, de longe, superior à que poderia produzir, por exemplo, a visão do homem moribundo em primeiro plano. Nos filmes dos grandes autores, como Michelangelo Antonioni - ver em Das Obras-Primas do Cinema uma análise de A Noite, Alfred Hitchcock, etc, a narrativa tem prepoderância sobre a fábula e, nestes casos, "é a câmera quem fala".

Por outro lado, a câmera pode optar por espiar as personagens desde o primeiro plano, seguindo-as silenciosa nas suas deslocações espaciais ao longo de toda a duração dos acontecimentos. Em Acossado, na seqüência que precede a traição final, a protagonista deambula no quarto onde acabou de dormir com o jovem procurado (ela, Jean Seberg, ele, Jean-Paul Belmondo) pela polícia e interroga-se em voz alta sobre a decisão a tomar. A câmera segue-lhe o vaivém até que ela abandona o local sob o pretexto de ir comprar leite. O comportamento ambivalente desta mulher tem sua significação pela oscilação da câmera.

Como se vê, quando a câmera se movimenta nunca o faz de uma maneira indiferente. As suas deslocações nas várias direções possíveis não correspondem a uma simples exigência de clareza ilustrativa, pois para a conseguir o travelling e a grua não são imprescindíveis. Estes correspondem exclusivamente ao nível da escrita fílmica, pois intervêm sobre o como e não sobre o objeto da representação. É certo que certos cineastas fazem um uso indiscriminado dos movimentos de câmera, principalmente do travelling, em função de alcançar efeitos espetaculares. Mesmo nestes casos, no entanto, nada impede que os movimentos de câmera se remetam para algo que se situa para além do conteúdo de determinado plano. Pense-se nos numerosos westerns em que a elevada mobilidade da câmera tem por único objetivo recriar por dentro o envolvimento homem-ambiente tão importante para a definição estilística do gênero correspondente. A função designativa assume papel de primordial importância. No entanto, quem poderá negar que a diferença que separa o modo como Anthony Mann faz mover a câmera daquele que é utilizado por John Ford é a mesma que separa duas visões diferentes do mundo?

O travelling, já disse Jean-Luc Godard, é uma questão de moral. O que evidencia, no cineasta de Acossado, que este movimento de câmera é revelador da personalidade de um cineasta, mostrando um ponto de vista específico. Bela Balazs, teórico húngaro do cinema, tem razão quando escreve que na telas do cinema, como no domínio da pintura, o fator determinante é a síntese entre a realidade objetiva e a personalidade subjetiva do artista. Esta personalidade se manifesta pelo enquadramento e pela escolha de um dado plano. Cada ângulo de tomada implica uma posição afetiva ou intelectual. É, pois, impossível, uma objetividade absoluta no filme. Tudo é ressonância pessoal que se é levado a compartilhar. A câmera pode, portanto, deslocar-se para trás e para adiante não tanto à procura de coisas interessantes para contar, mas à procura de um modo interessante de se as contar. O que é mais que uma diferença. E pode fazê-la conduzir por outrem (o travelling) ou sozinha (o zoom). Além disso, pode erguer-se em direção do céu e descer rente ao chão, consoante decida observar o mundo de cima ou de baixo. E a sua mobilidade não se esgota aqui. Pode a câmera também olhar em volta, isto é, efetuar movimentos panorâmicos através de rotações sobre o próprio eixo.