Seguidores

25 fevereiro 2010

Trailer genial de "Cidadão Kane", de Orson Welles

O trailer original de Cidadão Kane (Citizen Kane, 1941) é bem revelador da criatividade de Orson Welles. O microfone é uma presença importante, porque o autor, que adorava o rádio, dá a Citizen Kane uma dimensão radiofônica em sua mise en scène. A seguir apresenta os atores no set de filmagens. Pede que Joseph Cotten (Jedediah Leland) ria. Mostra um Everett Sloane (Mr. Bernstein) a correr em câmera acelerada até que se esbarra num grande espelho. E assim com os outros. Welles tem um impressionante senso de humor. O vídeo abaixo é, realmente, uma preciosidade.

24 fevereiro 2010

Ava Gardner: "O animal mais bonito do mundo"

Jean Cocteau, poeta e cineasta francês (Le sang du poethe, Orpheu, Les parents terribles...), encantado com a beleza de Ava Gardner, disse: ela é o animal mais lindo do mundo. E o escritor Hemingway declarou: "ela é a essência da feminilidade que as outras mulheres não sabem passar para os homens." Na sua época, foi uma atriz que fascinava as platéias. Frank Sinatra, que se casou com ela, mas quando quis abandoná-lo, tentou o suicídio e, por um triz, não morreu. Mas de onde veio esta diva? Quem era Ava Gardner?
Ava Gardner (1922/1990) nasceu numa fazenda da Carolina do Norte (Grabtown). Veio a morrer ainda no vigor da idade, aos 67 anos, de um virulento derrame cerebral, que a deixou quase paralisada. Ao sair do hospital, revelou que preferiria morrer a ficar inativa. Duas semanas depois novo Acidente Vascular Cerebral (AVC) deixou-a defunta. Passou a infância na fazenda e, se não fosse pela iniciativa de seu cunhado de enviar fotos de Ava para a Metro, talvez viesse a permanecer caipira para o resto da vida. Louis B. Mayer, o todo poderoso chefão da MGM viu, por acaso, as fotos de Ava Gardner e ficou em estado de choque. Sentiu que a beleza extremamente sensual daquela moça seria um sucesso nas telas. Mas Ava não sabia nada de representação e tinha um acentuado sotaque sulista, que os estúdios detestavam. Louis Mayer, no entanto, queria porque queria que Ava se tornasse uma estrela e chamou profissionais do mais alto gabarito para lhe dar aulas de interpretação e uma especialista em dicção para lhe tirar o sotaque caipira. Como parte do treinamento, Ava fez pontas em torno de 21 filmes até que foi emprestada à Universal para Os assassinos (The killers, 46), de Robert Siodmack (que seria refilmado nos anos 60 por Don Siegel), que revelou também Burt Lancaster. Trabalhou em outro filme da Universal: Um toque de Vênus (One touch of Venus, 1948), de William A. Seiter, mas seu potencial de atriz veio a ser reconhecido quando, de volta a Metro, Louis B. Mayer a incluiu no elenco do musical O barco das ilusões (Show boat, 1951).
Em 1952, ao lado de Gregory Peck, estrelou As neves do Kilimanjaro (The snows of Kilimanjaro), de Henry King, e, no ano seguinte, Mogambo, de John Ford, com Clark Gable e Grace Kelly. A condessa descalça (The barefoot contessa, 1954, de Joseph L. Mankiewicz, com Humphrey Bogart, filme de um cineasta-literato que propõe um puzzle em torno da enigmática Maria Vargas interpretada por Ava, consagrou-a definitivamente como grande estrela de Hollywood. Outros filmes, entre muitos, da atriz: A noite de iguana, de John Huston, E agora brilha o sol (The sun also rises, 1957), de Henry King, com Tyrone Power, Mel Ferrer, Errol Flynn, baseado em livro de Hemingway. Foi durante as filmagens deste filme que Ava resolveu enfrentar um touro furioso que a atacou, deixando, nela, um corte na face esquerda de seu bonito rosto. Feita a cirurgia plástica, Ava Gardner ficou com a marca escondida por maquilagem e traumatizada. De temperamento boêmio, adorava a vida noturna, era uma esponja alcóolica e terminou seus dias trancada, com sua governanta, num apartamento em Londres. Gostava mais da Europa do que dos Estados Unidos.
Foi casada com Mickey Rooney, nos anos 40 (sim, aquele baixinho que fazia dupla com Judy Garland), Frank Sinatra, e o músico Artie Shaw.

22 fevereiro 2010

Cinema São Luiz em Recife

O Cinema São Luiz em Recife. Um luxo! Que faz lembrar os antigos cinemas do pretérito. Fugindo aos estereótipos das salas dos complexos (Cinemark, Multiplex...), a sala faz reviver a época de ouro do cinema, quando as casas de exibição eram imensas, verdadeiros palácios, com platéia, dois, três balcões. E por falar nisso, estou a ler O Rei do Cinema, de Toninho Vaz (autor de Paulo Leminski: o bandido que sabia latim), que conta a extraordinária história de Luiz Severiano Ribeiro, o homem que multiplicava e dividia. A historiografia do cinema brasileiro ainda está a dever um capítulo à parte sobre Luiz Severiano, talvez o maior exibidor que o Brasil já teve. Quem pegou, entre outros, entre outros, o São Luiz do Largo do Machado, no Rio de Janeiro, sabe o que estou a dizer.
E clique na imagem para que seja aberta em outra janela.

21 fevereiro 2010

"Psicose" já tem meio século


Publicado originariamente na revista eletrônica Terra Magazine.

Psicose (Psycho, 1960), de Sir Alfred Hitchcock, está a fazer, no ano em curso, 50 anos, o que não se pode deixar passar em branco, pois se trata de uma obra excepcional, que abalou o seu tempo. Realizado pelo mestre logo depois de Intriga internacional (North by northwest, 1959), e numa fase em que se dedicava a produzir e dirigir filmes de meia-hora para a televisão, o Alfred Hitchcock apresenta, o realizador teve a idéia de fazer um filme para cinema com os recursos bem inferiores das produções televisivas. Ninguém, nem mesmo seu distribuidor, poderia prever o sucesso que alcançaria. Um êxito retumbante!

Mas, antes de falar em Psycho, gostaria de dizer alguma coisa sobre os filmes televisivos, que foram veiculados no Brasil (vi quase todos há 50 anos, no início da implantação da televisão na Bahia). A memória, que é, muitas vezes, traiçoeira, apagou a maioria, mas alguns me ficaram nítidos para sempre tal a força de suas imagens. Lembro-me de um sobre um ventríloquo bem apessoado, alto e elegante, que se apresentava em várias cidades dos Estados Unidos, tendo, em uma de suas pernas, sentado, um boneco. Uma mulher madura, uma senhora, apaixonado pelo ventríloquo, acompanhava-o por todas as cidades. A sua idéia fixa era conhecê-lo de perto. Uma noite, finda a apresentação, toma coragem e vai até o camarim e sofre intensa emoção e decepção ao ver que o homem pelo qual tinha se apaixonado era um boneco e o ventríloquo, na verdade, era um anão.

Há um outro curta feito para a televisão, de meia hora, que trata de um homem angustiado e solidário perdido na selva de pedra novaiorquina. A sua frustração é enorme e não consegue se comunicar com ninguém. As pessoas não o cumprimentam. Vive sozinho em um pequeno apartamento. Mas tenta, desesperadamente, ser alguém, ser visto, ser conhecido pelo outro. E, no final, ato extremo, resolve se suicidar. O plano derradeiro mostra um livro que contabiliza os suicídios por ano e há um acréscimo nos números. Ele é este acréscimo. Por que não vem aos disquinhos meia centena dos curtas de Hitchcock para a televisão? Uma lacuna para o conhecimento integral de um realizador excepcional que muito contribui para a evolução da linguagem cinematográfica.

Marion Crane (Janet Leigh) é uma funcionária de um escritório na cidade de Phoenix que é incumbida pelo patrão de depositar uma grande soma de dinheiro em cash. Vê-se, porém, tentado a roubá-lo e decide se evadir pela estrada, saindo da cidade. Por causa da chuva, incessante, pára num pequeno motel de beira de estrada que tem, ao lado, uma casa sinistra. Seu proprietário, Norman Bates (Anthony Perkins) a recebe tímido e gaguejante. Tem início a sucessão de choques que não vale a pena adiantar sob o risco de ser acusado de spoiler, ainda que filme muito visto e conhecido. Mas, para comentar Psycho é preciso que se descortine algumas cenas. Assim, quem ainda não viu a obra-prima que termine, agora, de ler esta coluna.

A estrutura narrativa é genial e, de certa maneira, revolucionária para a época, pois Hitchcock mata a atriz principal (na famosa sequência do chuveiro) ainda no primeiro terço do transcurso da fábula. Procedimento inusual que causou estupefação.

Na verdade, a estrutura narrativa de Psicose ao invés de ter uma uniformidade dentro da lei de progressão dramática se encontra construída como se fossem três filmes. Cada um com sua apresentação do conflito, desenvolvimento deste e desenlace. Morta Marion, esfaqueada no box do chuveiro, o filme como que parece que se extingue. Mas começa tudo novamente com a aparição do detetive Arbogast (Martim Balsam), contratado pelo amante de Marion (John Gavin) e sua irmã (Vera Miles). Arbogast, quando chega ao motel, é também esfaqueado a subir as escadas da mansão sinistra, caindo para trás. Um terceiro filme se desenvolve com a busca, desta vez, efetuada por Gavin e Miles, que encontram o motel e, neste terceiro bloco, por assim, dizer, há o desenlace definitivo. Além disso, há um epílogo, quando um psiquiatra (Simon Oakland) explica o comportamento de Norman Bates (este epílogo, longo, é um único senão que se pode fazer ao filme, pois desnecessário).

A concepção estrutural de Psycho revela, mais uma vez, o gênio hitchcockiano para a subversão do clichê narrativo. Para ele, tout est dans la mise-en-scène (tudo está na mise-en-scène) e muito mais do que a fábula em si é a mise-en-scène que produz o impacto cinematográfico, que se traduz na exposição do específico fílmico. A narrativa de Psycho é uma narrativa de emoção, de êxtase, e de assombro: a partitura de Bernard Herrmann a acentuar uma Marion dentro do carro angustiada pelo crime cometido enquanto os pára-brisas, numa noite de chuva, acentuam-lhe a agonia e os pensamentos; a clássica e antológica cena do chuveiro na qual, em menos de um minuto, há mais de cinquenta tomadas, a revelar a ilusão do cinema e o poder da montagem; no início, a colocação brincalhona da hora exata em que Marion está no quarto do hotel com o amante; o esfaqueamento de Martin Balsam que cai em câmera lenta da escada, entre muitas outras cenas antológicas e definitivas.

Um crítico mineiro, de Juiz de Fora, hitchcockiano de carteirinha, Francisco Carlos Lopes, escritor e jornalista, realizou uma exegese de Psycho, que, aqui, vai um trecho:

"A grande cena do filme todo, para mim, aliás, nem é a do chuveiro, mas aquela em que Norman leva um sanduíche para Marion e conversa com ela, falando das armadilhas particulares em que todos nós, desolados seres humanos, nos sentimos viver, em alguns momentos, e dentro das quais nos debatemos sem conseguir sair (e que angústia há em quando ele fala da loucura da mãe e dos lugares chamados “hospícios”!). Ninguém precisa ser psicótico para entender aquela alma, aquela treva que é seu néctar e veneno. O diálogo é fabuloso. Perkins será lembrado por toda eternidade por esse personagem. Não teve nenhum outro papel tão denso assim".

Continua Lopes: "Hitchcock era um neurótico consumado, mas um neurótico de bom-gosto. Não queria, por exemplo, que o filme fosse a cores para que a cena do assassinato do chuveiro, com todo o sangue escorrendo, não fosse de um realismo muito grande – achava que seria excessivo. Mas mostrava, pela primeira vez no cinema americano, uma privada, o som de uma descarga, detalhes íntimos e alusivamente sórdidos daquele motel que, por sua discrição relativa, são até hoje muito mais fortes que muitas cenas deslavadas que os filmes de suspense, depois de tanto tempo, podem mostrar a espectadores sádicos que, decididamente, não se impressionam (nem se comovem) com mais nada e com o bom-gosto não fazem nenhuma espécie de pacto".

PSICOSE (Psycho, 1960), de Alfred Hitchcock. Produção: Alfred Hitchcock (não creditado). Roteiro> Joseph Stefano, baseado no livro de Robert Bloch. Fotografia: John L. Russell. Montagem: George Tomasini. Créditos de Saul Bass. Elenco: Janet Leigh (Marion Crane), Anthony Perkins (Norman Bates), Vera Miles (irmã de Marion), John Gavin (amante de Marion), Martin Balsam (detetive Albogarst), John McIntire (xerife), Pat Hitchcock (secretária do escritório), Simon Oakland (psiquiatra), Mort Mills (patrulheiro rodoviário).