Seguidores

16 dezembro 2009

"O Superoutro", em festa, completa 20 anos

Parece que foi ontem que vi O Superoutro numa sessão no extinto Teatro Maria Bethânia no bairro soteropolitano do Rio Vermelho. Mas o fato é que este filme magnífico de Edgard Navarro já cumpre 20 anos, duas décadas. Hoje o cinema baiano está em festa e fica difícil a opção: ir ver a cópia restaurada de Tocaia no asfalto, de Roberto Pires, na Sala Walter da Silveira, ou ir à festa comemorativa dos 20 anos de O Superoutro, quase no mesmo horário, no Espaço Unibanco Glauber Rocha. A sessão é para convidados. Mas o filme entra em cartaz sexta que vem no mesmo espaço. Considerado uma obra-prima do cinema baiano, O Superoutro é uma obra que já se tornou cult. Ontem, em A Tarde, em texto assinado pelo ítalo-baiano Raul Moreira, saiu extensa reportagem sobre o reencontro de Navarro com Bertrand Duarte, o grande ator que faz o papel-título e, recentemente, esteve, divino, em Pau Brasil, de Fernando Bélens. Já em fase de pós-produção o último longa de Navarro: O homem que não dormia, que tem, entre outros, a presença no elenco do lendário Luis Paulino dos Santos.

15 dezembro 2009

"Tocaia no asfalto" é restaurado

Escrevi hoje, na minha coluna semanal da revista eletrônica Terra Magazine, um comentário crítico ao filme baiano Tocaia no asfalto (1962), de Roberto Pires, que pode ser lido no seguinte endereço: http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI4157487-EI11347,00-Tocaia+no+asfalto.html

Com seu negativo em processo de deterioração, Tocaia no asfalto foi inteiramente restaurado e vai ser exibido, nesta cópia luminosa e novíssima, quarta, 16 de dezembro, na Sala Walter da Silveira, que fica à rua General Labatut, nos Barris, às 19 horas. Quem mora em Salvador, uma oportunidade e tanto para ver ou rever este filme, que considero o melhor já feito dentro do itinerário de longas do cinema baiano.O talento de Roberto Pires é inegável e pode ser considerado um dos melhores artesãos do cinema brasileiro. Pires foi o responsável pelo primeiro longa metragem feito na Bahia: Redenção, em 1959, que se encontra sendo devidamente restaurado. Pires também realizou, no apogeu do Ciclo Baiano de Cinema, A grande feira (1961). Depois, retirou-se para o Rio de Janeiro para continuar a sua carreira (Máscara da traição, Crime no Sacopã etc).

Clique na imagem para vê-la maior.

13 dezembro 2009

Saudade do velho Cine-Theatro Guarany

Inaugurado em 1917, na Praça Castro Alves, a praça do Poeta, é um cinema acanhado, embora confortável e frequentado pela elite baiana. Nos anos 50, sofre reforma infraestrutural para se adaptar ao novo formato que então surge, o CinemaScope, implantando também o som estereofônico. A Fox, a temer a concorrência televisiva, decide colocar no mercado o CinemaScope, e o filme de estréia, neste processo anamórfico – tela retangular e muita larga – é O manto sagrado (The robe, 1953), de Henry Koster. Os baianos podem vê-lo, em meados do decurso dos 50, no Guarany, em noite de gala, e ficam surpresos quando Richard Burton, um de seus atores principais, ao andar do lado esquerdo para o lado direito do enquadramento, tem sua voz também a acompanhá-lo. É a novidade do stéreo que espanta àqueles acostumados à uniformidade do mono. Há um livro sobre a reforma do cinema Guarany, editado pela Construtora Norberto Odebrecht, que, esgotado, desaparece, nunca conseguindo sequer vê-lo de longe. É no Guarany também que se dá a estréia de Redenção, em 1959, de Roberto Pires, o primeiro longa metragem do cinema baiano, cuja lente, anamórfica, inventada pelo próprio diretor.
Ao contrário das salas atuais, todas iguais, os cinemas do pretérito possuem estilo, cada um com um toque diferente, uma decoração especial, e o Guarany, neste particular, é, para mim, o mais atmosférico. Antigamente, o espaço, frente a esta sala exibidora, chamava-se Largo do Teatro, porque o Guarany também tem um proscênio no qual se encenavam peças aclamadas muitas vezes oriundas do eixo Rio-São Paulo. Assim, a atmosfera do cinema começa na sua entrada, com o cheiro de seu ar condicionado. A sala de espera, um recanto para se ficar vendo os cartazes e as fotos dos filmes que vão a seguir e que em breve estão em cartaz. Além de sua sofisticada bombonière – é desse modo que todos se referiam àquele pequeno espaço onde se vendem dropes, chicletes, chocolates, com todos arrumados em filas indianas ou, mesmo, militarmente ordenados.
A sala de projeção se divide entre a platéia – lugar mais privilegiado – e um balcão, cujo acesso se faz por duas escadas laterais. Na primeira, antes do palco, um espaço para orquestra. E, de hábito naqueles bons tempos, que não voltam mais, quando o filme começa, antes que as cortinas fossem abertas, luzes coloridas se revezam enquanto se ouve um trecho de O Guarany, de Carlos Gomes. É o sinal de que a função iria se iniciar. Antes, no entanto, enquanto se espera a sessão, o gongo anunciador, a partitura musical do filme a ser apresentado é dada aos ouvidos dos presentes para uma melhor familiarização, um esquentamento, por assim dizer. Fica-se, então, a olhar os índios em fila da parede do lado direito pintados por Carybé, assim como os peixinhos enfileirados do lado esquerdo. Há, portanto, uma atmosfera especial, e o cinema estabelece-se, à maneira do teatro, como uma função.A partir da introdução do Cinemascope todos os outros cinemas têm que se adaptar ao novo formato, mas o CinemaScope do Guarany é especial, pois o mais espetacular da província da Bahia. Nos cinemas atuais não existe mais esta atmosfera, esta preparação, este, se quiser, esquentamento, pois a tela, sem cortina, recebe o filme de repente, jogado de supetão sem nenhum aviso prévio. Mas os tempos são outros. Antes, as imagens em movimento estam confinadas apenas nas salas escuras dos cinemas, enquanto, hoje, estas podem ser vistas nos mais variados suportes. Já se chegou ao requinte de baixar filmes pela internet com uma bem razoável definição de imagem.Walter da Silveira, em meados dos anos 60, instala o seu Clube de Cinema da Bahia no Guarany, com as sessões realizadas aos sábados pela manhã, às 10 horas. É, portanto, nesta sala, que comecei a minha formação cinematográfica, acostumado à programação do circuito cuja característica principal está no cinema de gênero americano – os westerns, os musicais, as comédias românticas, os thrillers, etc. Vim a conhecer o cinema como expressão de uma arte, o cinema de autor, vendo filmes como Hirsohima, mon amour, de Alain Resnais, Guerra e humanidade, de Masaki Kobayashi, O eclipse, de Antonioni, Morangos silvestres, de Ingmar Bergman, entre muitos e muitos outros.
De propriedade do Estado da Bahia, o Guarany é arrendado a Condor, cuja distribuição fica a cargo de Aluísio Ribeiro e a gerência administrativa, Francisco Pithon. Pressentindo a crise pela qual passava o cinema como espetáculo – superada com o toque de Mídias de George Lucas e a suas guerras nas estrelas e a descoberta do filão infanto-juvenil, quando se dá a infantilização temática que continua a infestar até hoje os produtos audiovisuais da indústria cultural hollywoodiana, a Condor resolve sair do mercado exibidor, em 1975, e transferir o arrendamento de suas salas à CIC (Cinema International Corporation) que, anos mais tarde, vem a se chamar UPI (United International Pictures). A passagem do Guarany às mãos multinacionais da CIC é motivo de protesto da associação que congrega os cineastas baianos, a qual emite uma nota furiosa, denunciando que o governo está a entregar um imóvel de seu patrimônio a uma multinacional contrária aos interesses do cinema brasileiro. Se na há engano no andamento de minha memória, assino tal protesto – é durante a administração da Embrafilme que o Guarany se tornoa Glauber Rocha, quando da morte deste que é o maior cineasta brasileiro de todos os tempos. ACM, então governador da Bahia, no dia seguinte ao falecimento do realizador de Terra em transe, assina ato determinando a mudança de seu nome.

Com a decadência galopante do centro histórico da cidade, e a abertura das avenidas de vale e, principalmente, a construção dos shoppings centers, os cinemas do centro entram em decadência. A CIC não se interessa em renovar o contrato. Existe, nesta época, 1980, toda poderosa, a Embrafilme (Empresa Brasileira de Filmes S/A), que, com sucursal bem montada em Salvador, assina contrato com o Estado para entrar no mercado exibidor. Iniciativa pioneira em todo o Brasil, porque a Embrafilme se restringe à produção e distribuição de filmes brasileiros. Neste período, em 1982, uma Jornada foi toda concentrada nesse cinema, com grande êxito, aliás. O Guarany passa a ser administrado por esta empresa e vem daí, talvez, sua decadência. Luis Carlos Barreto praticamente mandava na programação do cinema, determinando que filmes produzidos por sua empresa ficassem semanas e semanas em cartaz, mesmo que vistos por moscas. O Guarany de meus tempos tem perdida, paulatinamente, a sua aura.
Em 1985, mais ou menos, a Embrafilme, cansada de tanto insucesso, entrega o cinema ao Estado e este, novamente, resolve fazer uma licitação para arrendá-lo. A Art ganha, mas, pelo menos, era uma companhia brasileira importadora de filme e também exibidora. Mas desfigura o projeto original com uma reforma oportunista. Não diria que é a Art quem leva o Guarany à sepultura, mas é na gerência desta empresa que o Guarany fecha suas portas.E a lembrança do Guarany leva, necessariamente, à lembrança do Bar e Restaurante Cacique, lugar ideal para uma cerveja gelada a las cinco de la tarde, após uma matinée.
Clique na imagem para ver a majestade do cinemascope. A foto é de O manto sagrado.