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04 setembro 2009

A hora do cinema digital


Um dos mais competentes especialistas em cinema digital no Brasil., Luiz Gonzaga Assis De Luca acaba de lançar A Hora do Cinema Dgital - Democratização e Globalização do Audiovisual pela Imprensa Oficial de São Paulo dentro da Coleção Aplauso (Cinema & Tecnologia). Num momento em que o processo digital está a revolucionar não somente a produção, mas, também, a exibição cinematográficas, esta publicação é de leitura imprescindível, principalmente quando se verifica que várias pessoas ainda não entenderam bem o que vem a ser o digital em oposição ao antigo celulóide. Com excelente prefário de Gustavo Dahl, o livro de Luiz Gonzaga De Luca vai a fundo na questão.

O autor é homem de cinema, conhece profundamentos as injunções do mercado exibidor. Quando trabalhou na extinta Embrafilme, a sua participação foi decisiva para fazer da empresa uma líder do mercado, a atuar como seu distribuidor responsável por um período de três anos. Finda a experiência, que, para ele, foi muito importante, trabalhou na produção de desenhos animados e licenciamento de personagens e se assinala aqui outro pioneirismo: a da distribuição do videocassete doméstico. Há 20 anos, atua no setor da exibição cinematográfica, ocupando, atualmente, o cargo de diretor de relações institucionais do Grupo Severiano Ribeiro, a maior empresa exibidora de capital nacional. É também professor do curso de pós-graduação Film & Television Business da Fundação Getúlio Vargas. Graduado em Administração Pública,doutorou-se em Ciências da Comunicação na USP. Em 2004, lançou, também pela Aplauso, Cinema Digital: Um Novo Cinema?
Sobre o livro recente, que já inicei a sua leitura, algumas informações tiradas do site da Livraria Saraiva, onde a publicação pode ser encontrada (inclusive pela internet), entre outras boas livrarias brasileiras:
"As tecnologias digitais vêm provendo a substituição dos equipamentos de cinema. Embora muitos filmes já sejam gravados com câmaras digitais e existam mais de 6 mil cinemas digitais no mundo, ocorrem sérios entraves na substituição tecnológica, a começas pelas dificuldades de obtenção dos recursos necessários para financiar a compra dos novos aparelhos. A Hora do Cinema Digital - Democratização e Globalização do Audiovisual não é apenas uma atualização do livro anterior de Luiz Gonzaga Assis de Luca, Cinema Digital - Um Novo Cinema?. Mais do que responder às questões tecnológicas que ficam em aberto no livro anterior, e que se solucionaram nos últimos anos, discute as questões decorrentes da convergência digital que, ao mesmo tempo, une e separa a indústria cinematográfica. Este livro preenche uma lacuna na literatura da área, abordando um tema atual que interessa não só aos profissionais e aos interessados no cinema, como aos que atuam nas diferentes atividades do audiovisual: distribuidores de homevideo, criadores de games e produtores de programas para diferentes meios e veículos: televisão, telefonia, eventos e internet."

02 setembro 2009

A pulverização do cinema

Texto publicado no site Terra Magazine em 01.09.2009.
Apesar de já ter me referido, aqui, diversas vezes, não custa nada repetir que a estética do videoclip incorporada à narrativa cinematográfica contemporânea, principalmente aos produtos oriundos da indústria cultural de Hollywood, destrói o prazer de ver um filme pela impossibilidade de contemplá-lo devidamente. Para acompanhar a velocidade das mentes internéticas, a indústria descobriu que a melhor fórmula de envolver o espectador que não pensa e é apático é aquela baseada nos cortes incessantes e nas tomadas bem rápidas.

Até mesmo filmes razoáveis e bons, como Frost/Nixon, de Ron Howard, estão estruturados nesta estética, que já foi denominada de estética da tesourinha. Poucos os realizadores que possuem o conceito de duração das tomadas com a exatidão e o ritmo desejados pelo grande cinema. Para ficar num exemplo: Stanley Kubrick possuía um sentido exato da durée do plano. O conceito bem aplicado faz com que o espectador se envolva no espetáculo, a se tornar, dele, cúmplice. O que não é possível no cinema montanha-russa dos tempos atuais.

O público adolescente e aborrecente, que é o alvo da indústria, não pensa, não contempla, e faz da ida ao cinema uma das fases do shoppear. O filme é o que menos conta para a platéia de adolescentes que lotam as salas dos complexos aos sábados. Os espectadores atendem aos celulares e conversam o tempo todo, riem fora de hora, põem os pés (as patas) nas cadeiras dianteiras, quando não infernizam quem está na frente com toques infernais, e há, atualmente, uma tendência a se falar constantemente não somente ao telefone (que virou uma praga) como também com o amigo(a) ao lado. Sem falar, é claro, na comilança desenfreada (bacias e não mais saquinhos de pipocas, cheerburgueres, guloseimas gerais).

A conclusão a que se pode chegar é que o filme montanha-russa é reflexo da mentalidade da platéia, pois a indústria somente se interessa pelo lucro e, portanto, oferece apenas o que público solicita. E as pessoas que vão hoje ao cinema não se interessam em espetáculos engenhosos e inteligentes. Basta que possuam ação, tensão, efeitos especiais mirabolantes. A ausência do humanismo nos filmes contemporâneos é flagrante. Os personagens não possuem aquele tão necessário poder de verdade, de convencimento, mas são apenas e somente marionetes condutoras da ação proposta, títeres robóticos de um cinema sem alma.

Por outro lado, nesta crise da cultura contemporânea, há a tendência de se diluir autores importantes e viscerais, a exemplo do genial Nelson Rodrigues. Como bem observou a ensaísta de cinema Andrea Ormond em seu blog, Estranho encontro, ao fazer uma análise das adaptações cinematográficas do grande dramaturgo, a tendência de diluir é uma constante nestes tempos contemporâneos numa espécie assim de "imitação da arte".

A onda politicamente correta que assola e destrói a liberdade e a criatividade é outro fator que ajuda muito a crise cultural. Havia uma atitude visceral que agora se edulcora. Não existem mais autores de visceralidade sedutora como Pier Paolo Pasolini (principalmente no escatológico Saló, seu canto de cisne), Marco Ferreri (A comilança), entre muitos outros que vingaram no pretérito. Uma tendência dessa diluição crítica pode ser encontrada como exemplo em Beleza americana, de Sam Mendes, uma visão aparentemente crítica, porém dentro de uma vontade de edulcorar que sufoca o que se pretende ser visceral. Seu mais recente filme, Apenas um sonho, apresenta uma evolução dramática e cinematográfica.

Apesar da salgalhada desse artigo, há elos comunicantes entre os assuntos abordados, que refletem bem o fundo do poço a que se chegou no que teimam em chamar pretensiosamente de contemporaneidade: o comportamento selvagem da platéia das salas exibidoras, a apatia diante da arte, a ausência de humanismo nos filmes e na vida, a diluição de temáticas fortes e de autores viscerais em função de uma apreciação dentro de moldes à la delicatessen, a transformação do transitar na urbis em shoppings centers com seus imensos fasts foods.

E as assim chamadas salas de arte não se encontram livres da agitação. Aqueles que as frequentam fazem-no mais por festividade, para aparecer, do que, propriamente, pelo amor ao cinema. A diluição, a falta de base referencial, a completa ausência da cultura literária, e a proliferação dos monossílabos nos sites da internet, bem que são sintomáticos de uma crise cultural sem precedentes. O paradoxal em tudo isso se encontra na possibilidade extraordinária de se obter informações como nunca se viu antes no quartel de Abrantes.

O que reina é o império do audiovisual. A facilitação da expressão através das imagens em movimento se, por um lado, democratizou o acesso às câmeras digitais, por outro, determinou uma enxurrada de “inexpressividades”, como se pode observar nas dezenas de eventos que acolhem os pequenos filmes realizados pelo digital. Antes, o acesso à expressão cinematográfica era muito difícil. Havia a bitola 16mm, mas os custos, altos, não permitiam que qualquer um pudesse manipular a câmera, que exigia um mínimo de conhecimento técnico.

Filma-se hoje como antigamente se fazia poesias. Se, antes, as pessoas, que queriam se expressar, faziam-no pelos versos, e, quando publicados em suplementos literários ou revistas, sentiam-se revigorados, atualmente é o filme o móvel expressivo da nova geração. Bom que assim seja, mas o tempo, sempre implacável, se encarregará de reter o que presta e devolver, à lixeira do esquecimento, as tolices feitas.




A imagem é de Cão Branco, de Samuel Fuller. Seria bom soltar este cachorro numa sessão lotada numa tarde de sábado no Iguatemi.

31 agosto 2009

De coração partido




O repórter fotográfico ad hoc Jonga Olivieri (ad hoc porque, na verdade, é um publicitário tarimbado e faz um free lance para este blog com sua máquina digital) enviou mais duas fotos de dois cinemas do Rio de Janeiro: em cima as ruínas do Plaza e embaixo o Metro-Passeio (a imagem à esquerda o mostra em plena atividade e a da direita é a atual). Admirador dos cinemas cariocas, este bloguista sente o desaparecimento das magníficas salas da Cidade Maravilhosa e vê, aterrado, as ruínas do Plaza, enquanto as pipocas e as guloseimas triunfam nas salas dos complexos, quer sejam os Multiplex, quer sejam os Cinemarks (e assemelhados). No Metro-Passeio, que tem este nome porque ficava em frente ao Passeio Público, vi vários filmes, e me recordo, especialmente, de A filha de Ryan (Ryan's daughter, 1970), quando o cinema instalou projetores na bitola de 70mm. Dirigido por David Lean, com a sua habitual competência de narrador, Ryan's daughter, filmado na Irlanda, no telão do Metro-Passeio irradiou emoção pela sua belíssima fotografia a mostrar Sarah Milles com sua sombrinha sendo carregada pelo vento implacável sob os olhares argutos de Robert Mitchum e sob a batuta melódica de Maurice Jarre. Fazer o quê diante de uma sessão tão estimulante? Na saída, ir ao Amarelinho na Cinelândia para pensar o filme aos goles parcimoniosos de chopes bem tirados (aqueles chopes somente encontradiços no Rio de Janeiro). Era o que se poderia chamar de uma tarde inesquecível como matinée cinematográfica. Acredito que meu repórter fotográfico também deve ter se atirado aos pés do divino Chopp carioca (e aqui a maiúscula se faz mais do que necessária).
Tirei, e sem pedir licença, estas informações que vão abaixo, do site de Luiz Darcy, Saudades do Rio, que falam sobre o Metro-Passeio. Vamos a elas:
"O Metro-Passeio, inaugurado em 1936 na Rua do Passeio nº 62, chegou a ter 1821 lugares e, como se vê na foto, ficava ao lado da loja da Mesbla (em determinada época a Mesbla propôs arrendar o Metro para exibir sessões gratuitas para os seus clientes). O Metro-Passeio foi o segundo cinema do Rio a ter ar refrigerado (o primeiro foi o pequenino Varieté, que funcionou na Av. Atlântica nº 1080, de 1935 a 1942). É um exemplo de "art déco": o uso da verticalidade bem acentuada com suas linhas em direção ao infinito sugere um arranha-céu típico da cidade de Nova York."
E mais, e do mesmo site, uma notícia de jornal, com a ortografia da época:
"Um dos eventos mais sensacionaes do anno de 1936, foi sem duvida alguma a inauguração do Cine Metro. O Rio ganhou um de seus mais bellos e confortaveis cinemas. Deante de todos os factores que se apresentaram nesso novo cinema, não mais tornou-se crível a permissão das casas antigas com as mesmas pretensões. Foi o ponto de partida para uma remodelação, um melhoramento em regra. A cinematographia no Brasil ficou dividida em duas epocas: antes e depois do Metro".
Um comentário de Ana Lúcia no mesmo site (http://fotolog.terra.com.br/luizd:422):
"A Cinelândia é um "jardim precioso" de estilos arquitetônicos grandiosos. Há, na Praça Floriano, uma sucessão de prédios art-decó e semi-art-decó. Além do cinema Odeon (totalmente art-decó) o Metro BoaVista é um excelente exemplo deste estilo, que foi moda no Rio, mais encontrado nesta região. Os cinemas Metro foram um marco de excelência em salas de cinema, com prédios sempre muito bem projetados, em estilo sempre lindíssimo, muito acima dos outros cinemas todos, em termos de luxo e conforto internos. Mas, a mim me parece, às vezes, que o brasileiro em geral, não gosta de luxo e conforto, não gosta de ver belos prédios. Levando-se em consideração que os governantes são eleitos pelo povo e, em tese, o representam, o que se vê é sempre, na história do Rio, a substituição da tradição e da beleza pelo modernismo de gosto duvidoso. E do conforto das antigas salas de cinema pelas salinhas pequenas ou pelos grandes "depósitos de cinéfilos".
P.S: O Metro Passeio foi assim denominado em substituição a seu antigo nome Metro Boa Vista.

30 agosto 2009

"Avanti!", de Billy Wilder

Avanti!, de Billy Wilder, que aqui teve acoplado um sub-título (Amantes à italiana), comédia crepuscular de um extraordinário realizador (que, depois, ainda faria, A primeira página/The front page, 1974, Fedora, 1978, e Amigos, amigos , negócios à parte/Buddy, Buddy, 1981) sintetiza, admiravelmente, o cinema e a visão de mundo wylderianas.

Jack Lemmon é o milionário americano Wendell Armbuster, Jr, que, com o falecimento do pai ocorrido na Itália, vê-se obrigado a deixar as suas atividades para ir a este país para resolver os problemas da transferência do corpo para os EUA. O ponto de partida, antes da apresentação dos créditos, já dá uma idéia da graça e da espirituosidade do autor: enquanto um avião está parado à espera de levantar vôo, um jatinho pousa a seu lado, diminuto, a trazer Lemmon, ainda em roupas esportivas, que sobe, apressadamente, no outro. No interior da aeronave, conversa com um desconhecido e lhe segreda alguma coisa. Os dois se levantam sob os olhares estupefatos dos passageiros e se trancam no banheiro. Quando saem, Lemmom está vestido com o paletó e gravada enquanto o outro fica com as suas roupas de golfe. Dá-se a decolagem. Plano de detalhe das rodas do avião a se fechar para alçar voo. Partitura inebriante de Carlo Rustichelli. E os créditos se apresentam no espaço.

Ao chegar à Itália, Lemmom vem a saber que seu pai viera a morrer num acidente de carro ao lado da amante. E, para sua surpresa, vem a conhecer a filha dela (Juliet Mills), cuja estadia italiana também tem como objetivo a resolução dos trâmites protocolores em relação da corpo da progenitora. O conflito entre os dois se instaura mas, aos poucos, estabelece-se uma afetividade e uma relação amorosa. No final, apaixonados, Lemmom promete voltar todos os anos à Itália para se encontrar com ela - exatamente como seu pai.

Filmado in loco, Avanti! é uma comédia romântica tão engenhosa quanto inteligente. Mas, dito assim o seu argumento, apenas se pode ter uma idéia do que é realmente o filme. O mais importante nele é o tratamento dado ao tema, a maneira pela qual Wilder articula os elementos da linguagem cinematográfica, a lhes dar um dinamismo impressionante, além do mais considerando ser Avanti! baseado em uma peça teatral de autoria de Samuel A. Taylor, mas roteirizado com a energia e a esperteza de seu colaborador habitual I. A. L. Diamond

Quando vi Avanti! pela primeira vez, na tela grande do cinema, em 1974, impressionei-me pelos diálogos ironicos, envolventes, e, principalmente, pela mise-en-scène wilderiana. Sátira aos filmes viaggio in Italia, Avanti!, sobre ser uma comédia delirante, resume o cinema de Billy Wilder na sua visão do homem em conflito com o mundo e na sua peculiar esperteza de driblar as situações.

Não se tem mais, no cinema contemporâneo, uma comédia como Avanti! nem um diretor como Billy Wilder. A indústria cinematográfica americana marginalizou-o, quando, ainda em plena capacidade criativa, deixou-o sem trabalho, até a sua morte, ocorrida em 2002 (é de 1906), por longos 21 anos, considerando que seu derradeiro filme é de 1981: Amigos, amigos, negócios à parte. Wilder queixava-se amargamente da falta de oportunidade, porque aos 75, quando assina o seu último filme, ainda se encontrava em pleno vigor.

O cinema americano, após a crise de bilheteria dos anos 70, quando apostou, em sua primeira metade, nos cineastas mais arrojados e independentes, descoberto o filão guerra-nas-estrelas e a constatação de que o grande público era infanto-juvenil, concentrou-se na infantilização temática, a perder em invenção e ousadia até chegar, hoje, ao abominável cinema-montanha-russa das tomadas rápidas e dos efeitos mirabolantes.

Avanti! é um exemplo de como o cinema pode ser ao mesmo tempo um espetáculo agradável e inteligente.

Veja o trailer de Avanti! em meu outro blog: Momentos da arte do filme (http://setaroandreolivieri.blogspot.com/) E clique no cartaz para vê-lo maior.