Se formos fazer
uma comparação entre o número de salas exibidoras que Salvador tinha em 1958 e
o que tem atualmente, a conclusão é uma só: os cinemas estão fechando suas
portas. Com uma população de, mais ou menos, quinhentos mil habitantes, a
província possuía em torno de quase trinta salas, considerando, no cômputo
final, as de primeira linhas, os ‘poeiras’ da Baixa dos Sapateiros e os cinemas
de bairro. Para arredondar o raciocino, que se coloque trinta salas em 1958
para quinhentos mil habitantes, sendo que cada uma delas tinha, em média, mil
poltronas, variando entre as salas maiores, de quase duas mil cadeiras, como o
Guarany e o Jandaia, e as menores, que beiravam a mil lugares. Para não haver
crescimento das salas exibidores, e considerando, sempre, a densidade
demográfica, nos dias que correm – e como correm!, com uma população de dois
milhões e quinhentos mil habitantes – e, aqui, nivelando por baixo, Salvador
deveria ter, no mínimo, cento e cinqüenta salas, pois a sua população, entre
1958 e 2005, aumentou cinco vezes. O cálculo é simples. Multiplica-se as trinta
salas do passado por 5 e se tem o número de cinemas que a cidade deveria ter e,
repetindo-se, sem haver crescimento. Mas atualmente o que se tem é um máximo de
vinte e cinco salas e cada uma com um máximo de 400 lugares, a maior parte se
localizando nos complexos chamados Multiplex.
Então que se faça
uma nova contagem, considerando que cada cinema, em 1958, tinha em média mil
lugares e, hoje, trezentos. Trinta vezes mil, em 1958, é igual a trinta mil.
Que se coloque, para ficar bem claro, em números inteiros: tinha-se, na
província, nesta época, 30.000 lugares e, se o número for multiplicado por
cinco, porque a população cresceu cinco vezes, tem-se o número redondo de
150.000. Este, o número que, para não se constatar crescimento, mas, apenas,
manutenção, deveria a cidade possuir em número de lugares. Mas o que se tem
atualmente? Com a média de 400 lugares e 25 salas, fazendo-se a multiplicação,
o resultado é de 10.000 lugares. Que diferença brutal!
Se antigamente o povo
ia muito ao cinema, hoje, como disse Gustavo Dahl no recente seminário
internacional de cinema e audiovisual, não tem acesso a ele. O cinema, que era
um meio de comunicação de massa, atualmente é um veículo cujo acesso somente é
possível pela elite. Antes, existiam os cinemas de primeira linha, lançadores,
que ficavam concentrados no centro histórico, os poeiras da Baixa dos
Sapateiros e os de bairro. Luiz Carlos Barreto, que conhece muito bem a
mercadologia cinematográfica, afirmou, em recente entrevista no Canal Brasil,
que o ingresso custava em torno de um dólar e, nos cinemas de segunda,
cinqüenta centavos. É como se hoje o ingresso para entrar numa das salas do
Multiplex custasse dois reais e cinqüenta centavos, a inteira, a inteira! Mas
quanto custa realmente? Em torno de quatorze reais. Como uma pessoa que ganha a
miséria do salário mínimo pode freqüentar as salas de exibição? Ir com a
família ao cinema? Nem pensar.
O Plano Real
dolarizou a economia de uma forma perversa. O povo está excluído do cinema,
assim como a chamada classe média baixa. A conclusão é estarrecedora e
reveladora: apenas dez por cento da população baiana pode ir ao cinema, sendo
que dois milhões e tanto de pessoas estão completamente fora da rota
cinematográfica. Constatou-se, em pesquisa recente, que a maioria dos baianos
nunca foi ao cinema. Um grupo organizou uma sessão cinematográfica num bairro
periférico e o que se viu foi espantoso. As pessoas ficaram maravilhadas pelas
imagens em movimento, pois estavam a contempla-las pela primeira vez. E isto
aconteceu na região metropolitana de Salvador!
Na década de 50, o
Brasil tinha perto de dez mil salas exibidoras. Em 1975, já se contavam apenas
cinco mil. No ano passado, chegou a mil e novecentos. Os cinemas interioranos
fecharam suas portas. Assim como aqueles de rua, como os antigos e
inesquecíveis da Baixa dos Sapateiros e os de bairro. O que se constata é que
os cinemas estão sendo construídos para o usufruto de uma elite que pode pagar
os quatorze reais de ingresso, ainda a se refestelar com as guloseimas
caríssimas que lhe são oferecidas no ‘fast food’. O público se infantilizou e
se idiotizou. Ir ao cinema, antes um ritual, uma solenidade, uma ‘função’,
atualmente é comparável a uma ida ao ‘fast food’.
Triste país!