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17 janeiro 2009

"Vamp" do cinema mudo, surpreendentemente, vence a enquete



Quando a enquete começou a bela Monica Vitti, atriz preferida de Michelangelo Antonioni, ganhava disparado a enquete, mas, no meio dela, surpreendentemente, a vamp italiana do cinema mudo, Francesca Bertini, tomou-lhe a dianteira, e, na contagem final, ficou como a vencedora. De 162 votantes (o maior número desde que se começou a fazer enquetes), 34 pessoas votaram em Bertini (20%). A conclusão da enquete é realmente surpreendente, porque, inclusive, dá a impressão de que alguns leitores votaram nela por votar sem saber realmente de quem se trata, a fazer com que se desconfie das pesquisas feitas em internet. Por exemplo, uma pessoa só pode votar uma vez de seu computador, mas se você vai a diversos num café-internet, em cada um, um novo voto. Bertini é do século retrasado (nasceu em 1892 e veio a morrer em 1985), trabalhou como atriz em exatos 143 filmes, sendo que o derradeiro Novecento, de Bernardo Bertolucci. Para maiores informações sobre esta deusa mitológica, consulte: http://www.imdb.com/name/nm0078116/. Quanto a Monica Vitti, uma deusa do cinema, atriz de excepcionais dotes seja para papéis cômicos, seja para papéis introspectivos. Quase tira o primeiro lugar, pois foi votada por 31 pessoas, a alcançar 19%. Em terceiro lugar, Claudia Cardinale, belíssima atriz, que fascinou toda uma geração (Il gattopardo, de Luchino Visconti, Oito e meio, de Federico Fellini, Era uma vez no Oeste, de Sérgio Leone, O belo Antonio, de Mauro Bolognini...). 24 votos (14%). Sophia Loren e Gina Lollobrigida empataram. Ambas com 21 votos (12%). Outra que surpreendeu foi Virni Lisi, que ficou com 13 votos (8%). E surpreendentes também o desprezo para atrizes excepcionais que fizeram história no cinema: Giulietta Massina (a adorável Cabíria, Chaplin de saias no dizer de André Bazin), minguados 7 votos (4%). E Anna Magnani, que impactou o mundo nos anos 50? 1 voto, um simples e solitário voto. Silvana Mangano, também atriz soberana, quase não foi considerada, ela uma intérprete tão poderosa que provocou êxtase pela sua beleza em Arroz amargo, e, mais madura, nos filmes de Visconti e Pasolini, entre outros cineastas.

Bem, o resultado é este.

14 janeiro 2009

Rogério Sganzerla: 5 anos de saudade



Desaparecido em 9 de janeiro de 2004, ainda no auge de seu talento, de sua disposição para a criação cinematográfica, aos 58 anos (nasceu em 1946), Rogério Sganzerla foi vítima de um tumor no cérebro, que o fez naufragar. Neste janeiro de 2009, 5 anos sem Rogério na cena do cinema brasileiro. O Canal Brasil faz homenagem a ele, com a exibição de um especial Retratos Brasileiros e cinco longas de sua autoria. Rogério morou muitos anos em Salvador, nos anos 70, quando da pior fase da ditadura militar. Vim a conhecê-lo nestes tempos sombrios. Faço aqui um relato de sua estadia nesta soterópolis.

Rogério Sganzerla nunca aderiu ao comercialismo. Neste ponto, foi inflexível até o fim. Uma vez, num festival, acho que em Brasília, contrariado com Neville D’Almeida, que, por oportunismo, tinha aderido ao pensamento sganzerliano sobre cinema, mas, depois, aderiu ao puro mercado, foi ao quarto do hotel onde este estava hospedado e desferiu-lhe soco violento. Razão alegada: o ex-amigo Neville traíra seus princípios. Em 1978, quando existia, aqui, o escritório da Embrafilme, que programava o Glauber Rocha, dando preferência aos filmes de Barretão, num escárnio sem precedentes, chegando a deixar Menino do Rio mais de dez semanas em cartaz, quando nas últimas a sala estava às moscas, a colocação de O Abismo - ou como se quer agora Abismu - apenas no Rio Vermelho acendeu a fúria sganzerliana. Dirigiu-se ao escritório da Embra e com o pé - estava lá, vi com estes olhos que a Terra há de comer - espatifou o telex da empresa.

Tinha seus princípios, suas concepções sobre cinema, e lutava por eles até o fim. Sua estadia na Bahia foi significativa. Virou hippie, ficava deitado na rede em Itapoã nos anos 70 e, depois, resolveu comprar um apartamento na Avenida Paralela. Curtia muito o sol de Itapoã. Mas, já na Paralela, com a sua sempre querida Helena Ignêz e os filhos, comprou um Chevette enferrujado para se deslocar. Uma vez, tomando carona, ao fechar a porta, esta caiu no chão.

Certa ocasião, encontrei com ele na porta da Tribuna da Bahia aonde ia regularmente entregar minhas colunas. Era de tarde, mais ou menos 2 horas. Fomos beber cerveja no bar de um ‘espanha’ em frente. Mais de dez garrafas das grandes. Sganzerla, com notas de 500 - naquela época a maior, saindo pelo bolso da camisa, pagou tudo, apesar de minha insistência em dividir. Fomos a um escritório à rua Ruy Barbosa onde ele me emprestou A Marca Da Maldade, de Orson Welles, em cópia 16mm contida em duas latas. Eu tinha, nesta época, um projetor IEC desta bitola e vi o filme várias vezes até que, anos depois, Sganzerla irrompeu em meu apartamento para buscar a cópia, que pensava ter ele esquecido para sempre. Bem, nesta rua Ruy Barbosa tinha um bar e continuamos a beber. Corria célere o ano de 1979. Noite adentro, com as portas do bar - um fétido bar, diga-se de passagem somente acessível aos temperamentos etílicos - já arriadas, Sganzerla subiu na mesa e fez um discurso atacando o Cinema Novo. Ninguém, no recinto, entendeu porra nenhuma. Mas embriagados de toda espécie gostam mesmo de entrar, após umas e outras, em qualquer portinha onde venda cerveja - ou, se for o caso, trago forte. Sganzerla, diga-se de passagem, bebia apenas ocasionalmente.

Encontrei-o várias vezes no jardim dos Barris, onde eu ficava esperando a sessão começar na Sala Walter da Silveira com uma namorada. Ele ia muito neste jardim, que ficava atrás da casa dos pais de Helena Ignez, que se localizava na mesma rua da pensão de D. Lúcia Rocha, onde Glauber passou a adolescência e veio a conhecer a linda vizinha com quem se casou na Igreja das Mercês em 1959.

Com o passar do tempo foi deixando o hipismo e já nos anos 80 tinha mudado completamente a sua indumentária. Saiu de Salvador, foi morar na Urca no Rio de Janeiro. Ia sempre, porém, a São Paulo. Foi na Bahia que começou a pesquisar sobre Orson Welles. Podia ser encontrado toda tarde no Instituto Geográfico e Histórico, ali perto da Piedade. Contou-me que, um dia, em Itapoã, conversando com um pescador velho, perguntou a ele se conhecera Orson Welles e, para sua estupefação, o pescador o tinha conhecido, sim, descrevendo-o nos mínimos detalhes. É que Welles teve uma temporada baiana e filmou aqui alguma coisa para It’s all true. Ficou encantado com a praia de Itapoã, fez conferência no Instituto Histórico e se hospedou no Palace Hotel na rua Chile na época em que existia jogo de roleta. Tomou um porre homérico, mas não jogou os móveis do quarto pela janela como fizera no Copacabana Palace depois que soube, pelo telefone, que a RKO tinha desistido de It’s all true,cortando-lhe os recursos.

Levei-o uma vez à Facom, ainda no prédio de Biblioteconomia. Exibi em 16mm O bandido da luz vermelha e, depois, Sganzerla falou muito para uma platéia apática, que, em 1982, o desconhecia. Saímos com as latas pesadas do filme e nos dirigimos ao Avalanche no Canela onde ficamos a tomar umas e outras. Para minha vergonha, alguns alunos se retiraram no meio da palestra do grande cineasta.

A última vez que o vi foi em 2001 quando fiz parte da comissão julgadora dos roteiros do Prêmio Carlos Vasconcelos Domingues. Ele também fazia parte.
O fenômeno Rogério Sganzerla
Rogério Sganzerla foi, sem dúvida, um dos mais coerentes e íntegros realizadores do cinema brasileiro, além de possuir uma pulsão criadora rara que o faz integrar a seleta galeria dos cineastas mais criativos da cinematografia nacional. A sua obra de estréia, O Bandido da Luz Vermelha (1968), traumatizou duramente os realizadores e pode ser considerada um marco ou, até mesmo, um filme divisor de águas. Lançado pouco antes do Ato Institucional número 5 – que cerceou por muitos anos qualquer manifestação livre no Brasil, modelou um tempo e uma época. Se formalmente continha elementos explosivos e inovadores dentro do ponto de vista da linguagem – a narrativa como um programa de rádio dos mais bregas, os cortes brilhantes, a fragmentação com a adição de material de procedência diversa como recortes de jornais, histórias em quadrinhas, filmes, etc, também continha uma significação exemplar propícia para o momento histórico no qual viviam os brasileiros amordaçados pela ditadura implacável. O Bandido da Luz Vermelha se insurge contra os postulados cinemanovistas – que procuravam retratar a realidade brasileira em tom grave – e instaura a anarquia, a iconoclastia pela impotência de seus criadores no estabelecimento de um cinema representativo. Como diz seu personagem num determinado momento do filme: “A gente quando não pode fazer nada se avacalha e se esculhamba”. Melhor retrato do país impossível. Melhor explosão de criatividade, difícil. O Bandido da Luz Vermelha desencadeou uma onda de filmes que foram intitulados de ‘marginais’, ou, mesmo, ‘udigrudis’. O carro-chefe é este filme de Rogério Sganzerla, ainda que alguns críticos estudiosos desse momento prefiram considerar A margem (1967), de Oswaldo Candeias como o ponto de partida do ‘Cinema Marginal’

Se o ‘trauma’ foi imenso, Sganzerla ofereceu as coordenadas para a continuidade de um cinema autoral que estaria morto com o advento do Ato Institucional 5. Dificilmente existiria, por exemplo, na Bahia, Meteorango Kid, O Herói Intergalático (1970), de André Luiz Oliveira, ou Caveira My Friend (1969), de Álvaro Guimarães, ou, mesmo, o média Vôo Interrompido (1969), de José Umberto, sem a existência anterior de O Bandido da Luz Vermelha, obra insólita e brilhante, renovadora, que pode ser incluída entre os cinco maiores filmes brasileiros de todos os tempos. A fita de Sganzerla é um brado retumbante de artistas que, asfixiados, tentam, pela verve da criação, respirar o cinema em seus vinte e quatro quadros por segundo. Sganzerla morreu com o estigma do ‘primeiro filme’, pois passou a vida sendo cobrado por um outro ‘bandido’ que, na verdade, nunca mais apareceu, apesar de suas tentativas de renovação das estruturas lingüísticas em obras posteriores. Mas nada que se pudesse equiparar a esta obra de estréia de um cineasta que contava, apenas, 22 anos. E que, desde os 16 já assinava críticas cinematográficas no sisudo O Estado de S.Paulo.

Mas Sganzerla, se em O Bandido da Luz Vermelha, sua indiscutível obra-prima, estabelece um cinema de montagem, com tomadas rápidas, pulsação alucinante, já em A Mulher de Todos, filme seguinte, de 1969, aciona um freio no conceito de duração. A radicalidade chega em Sem Essa Aranha (1970), quando abandona o corte em movimento para dar lugar a um cinema muito mais de mise-en-présence do que de mise-en-scène. Se O bandido da luz vermelha é o supra-sumo desta, os filmes radicais de Rogério Sganzerla dos anos 70 são arredios à fluência narrativa, propõem ao espectador ’estar em presença’ do que é registrado, enfim, são obras que se caracterizam pelo estabelecimento do plano-seqüência como moto da ’inação’. ’Inação’, porém, do que se poderia chamar do discurso fílmico porque, na essência, a ’ação’ está dentro da tomada. Em Sem essa aranha, se não há falha de memória, apenas nove são os planos-seqüências. Em particular, a festa no quintal de uma casa com o próprio rei do baião, Luiz Gonzaga, a promover o agito enquanto a protagonista, Helena sempre Helena, perambula meio desesperada. Em outro momento, é Jorge Lordelo (Zé Bonitinho) quem compõe o plano-seqüência, que depois o repetiria, quase no mesmo ’tom’, em Abismu. Há, nos filmes de Sganzerla, uma tendência anarquizante muito acentuada, uma explosão de non chalance que difere da ’seriedade’ de seu colega e amigo Júlio Bressane, excetuando-se, deste, os primeiros filmes, com mais frescor, anarquia, ironia, como se pode verificar em Matou a família e foi ao cinema e Cara a cara, até hoje, o melhor Bressane.

Sganzerla, após brilhar no cinema de mise-en-scène, com sua magistral obra de estréia, parte célere para um processo de radicalização tal que se poderia ver, nisto, uma tentativa homicida de matar a mise-en-scène, arrebentando as estruturas de sua linguagem para fazer emergir, quase como uma totalidade, o sentido da mise-en-présence. O cinema é, para Sganzerla, uma narrativa dentro do plano, mas não como faz Michelangelo Antonioni com sua ’desdramatização’ em obras-primas como A aventura, A noite, ou O eclipse, entre outras, pois aqui há um fio condutor. Sganzerla parte este fio condutor e deixa os planos-seqüências quase como se fossem filmes autônomos.

O cinema de montagem viria a partir dos filmes dedicados a Orson Welles, como Nem Tudo é Verdade e Tudo é Verdade, puras ’montagens’, um afresco do imaginário brasileiro seja a nível iconográfico ou ao nível da musicalidade.

12 janeiro 2009

O canto de cisne de Vincente Minnelli

Nunca vi, e eu que sou um minnelliano fanático, o derradeiro filme de Vincente Minnelli, Uma questão de tempo (A matter of time), realizado em 1976, quando o mestre do estilo e da sofisticação reuniu Liza Minnelli, uma de suas filhas com Judy Garland, a inexcedível, e Ingrid Bergman. Liza estava no auge de sua carreira, principalmente por causa de Cabaret, de Bob Fosse. Encontrei, porém, no excelente blog Tertúlias (http://www.tertulhas.blogspot.com/), que reúne preciosidades do passado, informações sobre o filme, que me permito transcrever. Interessante observar que os produtores boicotaram A matter of time, inutilizando-o com uma montagem completamente apócrifa e espúria (a lembrar o que fizeram com Revoada, de José Umberto). A julgar pelo dito abaixo, seria um canto de cisne à altura do gênio minnelliano, não fosse a interferência dos producers. Na época, meados dos anos 70, a indústria somente estava preocupada com filmes para o público infanto-juvenil, dando início à abominável infantilização temática que hoje domina o cinemão, conforme relato abaixo, que abro aspas para transcrevê-lo do blog citado:
"Uma questão de tempo“ (Vincente Minelli, 1976) é, para mim, um filme inacabado... Uma pena pois poderia ter sido muito brilhante... Eu o assisti na época no Cine Caruso (Copacabana, posto seis) e me lembro da crítica ter comentado irônicamente o seguinte fato, mais ou menos com as seguintes palavras: “O “velho” saiu de moda. O público nao correrá aos cinemas para assistir “Uma questão de tempo”. A América (do Norte) se preocupa com o novo, o jovem. Filmes como este são desagradáveis para os espectadores que não se fixam na juventude”. Incrí­vel como este processo, o culto pela juventude, hoje em dia, 32 anos depois, se “aprimorou”. Pensem nisso. Baseado no livro “Film of Memory” de Maurice Druon (um pequeno trabalho, sensível, as vezes até cheio de uma poesia triste), conta a estória de “Nina” (Liza Minnelli), uma mocinha do interior da Itália que vai trabalhar, em 1949, como camareira num hotel em Roma. Lá, ela conhece uma hóspede fixa do hotel: Contessa Sanziani (Ingrid Bergman), que na sua juventude foi uma das mulheres mais belas, famosas e ricas da Europa, foi retratada por todos os impressionistas (!!!), abandonou o marido (Charles Boyer) para viver seu/seus amor/amores... Hoje ela está à beira da miséria num quarto sujo deste hotel de terceira classe. Confusa...A Condessa, para quem o tempo nunca significou nada, perdeu totalmente a noção dele. As vezes não sabe que seu grande amor “Doraccio” morreu, que sua antiga criada é hoje a grande figurinista de um Ballet russo, que é pobre, que envelheceu e que foi esquecida ("Não deixamos as pessoas morrerem quando esquecemos dela" diz no filme). Ela começa a contar suas memórias à Nina, que inicialmente fica fascinada por elas. Com o passar do tempo a fascinação cresce, transforma-se quase numa obsessão e Nina começa a “viver” as memórias da Contessa como suas próprias fantasias... da conquista de Maharajahs, às mesas de jogo de Monte Carlo...Minha cena preferida, uma das poucas com um certo élan: um canal em Veneza. A Contessa (neste caso como uma memória/fantasia, interpretada por Liza) despede-se de seus convidados de uma festa de fantasias. Ela diz adeus ao “Kaiser” (“Chame-me de Wilhelm, por favor!”) e ao entrar no seu Palazzo vai deixando a roupa cair até o ponto de estar praticamente só de combinação. Ela não deixa os cinco músicos negros pararem de tocar e canta “Do it again!” de Gershwin. Nao a Contessa, nao a Nina... porém Liza. As filmagens começaram num clima entusiástico, com grandes esperanças para um sucesso. Mas vamos ser sinceros, tudo indicava: Minnelli & Minnelli (Ele, a lenda, com toda a sua técnica. Ela, apesar de ter tido alguns fracassos como por exemplo “Lucky Lady” com Burt Reynolds e Gene Hackman, ainda muita considerada por sua recente Sally Bowles de “Cabaret”, a grande Ingrid Bergman num de seus últimos filmes, Charles Boyer (este em seu último filme. Ele e Ingrid, além de serem muito amigos, já haviam trabalhado duas vezes juntos na juventude: no fabuloso “Luz de Gás” de George Cukor – veja minha postagem de 23.05.2008 – e no, quase traumatizante, “Arco do Triunfo”, baseado na novela de Erich Maria Remarque). No elenco secundário, Fernando Rey, Tina Aumont e, na sua primeira aparição no cinema, Isabella Rossellini, como a freira que cuida da Contessa antes de sua morte (Quando ela pergunta: foi isso? Isso foi a vida?) Grandes figurinos, duas novas canções de Kander & Ebb (a canção título do filme e “The me I haven’t met yet”, que se passa “na cabeça” de Nina (este nao é de nenhuma forma um musical) e filmagens “in loco”, em Roma e Veneza. Todos estes ingredientes contribuí­ram para uma grande expectativa! MAS a American International Pictures, muito consciente dos gastos, tirou o filme das mãos de Minnelli quando este ficou “over budget”. O resultado não poderia ter sido mais patético – e trágico! O filme, além de ser todo o tempo interrompido por cenas à la “cartao postal” de Roma (horríveis... com turistas que definitivamente não são de 1949), foi revelado da forma mais barata possí­vel (Mesmo assim existem, aqui e acolá, cenas de um grande poder visual, a marca registrada de Vincente). A música de fundo é uma catástrofe, assim como a forma na qual o filme foi cortado. Uma vergonha! Martin Scorcese deu vários depoimentos criticando a forma como a AIP maltratou e humilhou uma lenda cinematográfica como Minnelli. Numa conferência para a imprensa, Vincente rompeu oficialmente a sua relação com este filme, já que não mais o considerava “seu”. Triste pensar que este foi seu “canto de cisne”, já¡ que nunca mais voltaria a dirigir um filme."
Nota de AS: A lenda Minnelli morreu em 1983, 7 anos depois de A matter of time, de Mal de Alzheimer, esquecido de tudo, sem saber, inclusive, quem ele era.

11 janeiro 2009

Mas até você, Michael Cimino!!

Esta mulher não é Yoko Ono nem nenhum parente da célebre viúva de John Lennon. Tampouco é uma mulher que pretenda fazer um filme sobre as injustiças existentes na Coréia do Norte. Este rosto que vemos acima é nada mais nada menos do que o rosto do realizador Michael Cimino, que mudou de sexo e, atualmente, chama-se Elizabeth, dedicando-se, full time, à literatura em Paris, Cidade Luz. Cimino, para quem não sabe, é o diretor de O franco atirador (The deer hunter, 1979), um dos mais fascinantes filmes de guerra já feitos, O ano do dragão (Year of the dragon), O portal do paraíso (Heaven's gate), O último golpe (Thunderbolt & Lightfoot, 1974), ótimo thriller com Clint Eastwood e Jeff Bridges, entre alguns outros. Diretor muito competente, de mise-en-scène elaborada. Em Paris, Elizabeth está à procura de um companheiro nesta nova fase de sua vida. Cinema, para ele/ela, nunca mais. Se Michael era cineasta, Elizabeth, agora, é escritora. Pena!

Cinema Baiano (12): "Cascalho" é barrado no Espaço Glauber


O capítulo dominical sobre o Cinema Baiano, interrompido há quinze dias por ocasião dos festejos de fim de ano, eufemismo para dizer que o blogueiro tirou umas férias, volta hoje já na sua décima-segunda edição.Ia escrever sobre o surto underground que se espalhou nessa cinematografia na segunda metade dos anos 60, a refletir o cinema que estava a ser feito no sul do país, e que teve, como carro-chefe, O bandido da luz vermelha, de Rogério Sganzerla, que influenciou Meteorango Kid, o herói intergalático, de André Luiz de Oliveira, Caveira my friend, de Álvaro Guimarães, entre outros. Mas uma conversa com Tuna Espinheira fez com que mudasse o assunto deste post dominical. Uma conversa, há poucas semanas, e uma mensagem que recebi dele ontem, chateado porque não encontra guarida para Cascalho no Espaço Unibanco Glauber Rocha, inaugurado recentemente, um complexo com quatro salas de alta tecnologia, livraria, restaurante, etc. E, realmente, fiquei pensando: por que o espaço baiano, que fica na Praça Castro Alves, e que tem o nome do mais importante cineasta brasileiro, o baiano Glauber Rocha, se recusa a exibir Cascalho? Consultados, meus botões não conseguiram me responder. Publico então a mensagem de Tuna e, em seguida, uma análise de seu filme escrito pela advogada e escritora Lúcia Leão Jacobina Mesquita, que saiu publicada ontem, dia 10 de janeiro, no Suplemento Cultural do jornal soteropolitano A Tarde.
Velho André,
Hoje no Cultural de A Tarde, saiu o artigo de Lúcia Jacobina, o qual eu já havia lhe enviado e que você achou “excelente”. Aqueles versos eternos de Mário Quintana, os quais utilizei para profetizar o risco da falta de tempo para um filme poder ganhar algum fôlego com a propaganda boca-à-boca, o terceto final do soneto: “Pobres cartazes por aí afora/que ainda anunciam: Alegria-RISOS/Depois do circo já ter ido embora!...” É justamente esta sensação de desencanto, a qual se refere o Poeta, que divide comigo a glória e o alumbramento de ver nas páginas deste importante/resistente, suplemento de cultura, na vitrine luminosa da sua contracapa.
Não é o caso de ir chorar nos pés do CABOCLO, mas de exercer o direito legítimo da indignação. O lançamento do filme, CASCALHO, embora tenha tido um reconhecido apoio da mídia, no que se refere a opiniões de artistas, cineastas, intelectuais, com matérias veiculadas, na imprensa escrita/falada/televisiva, não contou com o reconhecimento necessário do Complexo UNIBANCO que leva o nome de Glauber Rocha.
Nosso filme pagou os pecados naturais à sua condição de “baixo orçamento”, razão agônica de ter levado tanto tempo na estrada. Mas nunca jogou a toalha nem cogitou da idéia esconjurada de uma “retirada da Laguna”. Foi finalizado com todos os itens técnicos de primeira ordem/última geração. Inclusive com o Código Rein, cuja tradução é: Cópia Digital.
Não vou me alongar para não correr o risco deste simples e minúsculo relatório não vir a parecer, para uns, uma arenga queixosa. O meio cinematográfico baiano fez uma estranha opção pelo silencio e a arte de se equilibrar em cima do muro. É cada um por si e Pilatos lava as mãos.
Abs.
Tuna Espinheira

P.S. – Gostaria que você pensasse nos motivos que redundaram no veto de CASCALHO no Glauber Rocha. Eu, por mim, só enxergo uma heresia sem explicação.
Abaixo o artigo de Lúcia Mesquita:
"Uma força telúrica invade a tela com a sucessão de imagens de escarpas, grutas, montanhas, cascatas e vales por uma câmera ansiosa em registrar a exuberância da paisagem de uma beleza estonteante na região da Chapada Diamantina. Em seguida, surge a grande música de Aderbal Duarte e Walter Queiroz Jr.acompanhando os planos com o um contraponto indispensável à expressão cinematográfica, até que os letreiros apresentam Cascalho, livre transposição do cineasta Tuna Espinheira para o romance homônimo de Herberto Sales.
Verdadeiro diálogo de sensibilidades entre romancista e cineasta, Cascalho é o exemplo de como a literatura pode ser recriada por outras fontes narrativas sem perder sua essência. Em outras palavras, quando o texto é sumarento, permite que diferentes linguagens se apropriem da idéia original e recriem outras formas de narração sem perder força e identidade.
Manejando técnicas diversas, escritor e cineasta souberam usar com maestria as armas de seu ofício. Herberto preocupou-se com a exploração e a sobrevivência do homem duplamente fragilizado quando subjugado pelas forças da natureza e do poder político do coronelismo predominante na Bahia.
Com essas tintas, retratou sua Andaraí natal na década de 30 com um realismo tal que as forças da intolerância e da opressão obrigaram-no a emigrar para o sul do País, onde reafirmou sua vocação de escritor regionalista e ocupa até hoje um lugar de destaque na literatura brasileira.
A leitura do magistral romance não passou despercebida ao cineasta também de origem interiorana, que se debruçou sobre o texto para recriar com imagens o universo herbertiano. Em contrapartida, a ação é a matéria-prima da criação cinematográfica, basta lembrar que é o grito enérgico do diretor o passe de mágica capaz de imprimir no celulóide a imagem, e ela está aqui valorizada e manejada com talento invulgar pelo cineasta.
Utilizando-se da construção linear, o filme de Tuna não recorre a efeitos especiais nem a recursos narrativos banalizados. Nele, a estrutura do enredo e da linguagem foi de tal forma alicerçada num trabalho artesanal consistente e vigoroso, de forma que uma cena brota da outra, pontuadas todas por uma tensão entre as personagens e as situações interpretadas, prendendo naturalmente a atenção do espectador do princípio ao fim.
Pedra e água são os elementos que delimitam o cenário físico e político dos habitantes da mineração e pontuam o relacionamento entre os donos da terra e os que nela garimpam seus sonhos e sustento. Em conluio com a natureza agreste, a brutalidade ali presente permeia o cotidiano da luta pela sobrevivência em condições adversas, não se apresentando como mero artifício para impressionar o público. Dedicado ao seu labor criativo de transformar texto em imagem, escolheu distanciar o seu cinema da violência urbana decalcada de uma matriz hollywoodiana que ultimamente vem se tornando um tema recorrente no cinema nacional.
Inclusive, há de ser dito que Cascalho mostra com lucidez e coragem uma realidade social do século passado, que de forma surpreendente continua se reproduzindo apesar do avanço democrático, em nossos dias atuais. A disputa travada na tela entre o poder do coronel e as demais autoridades locais, representadas pelo prefeito, promotor e o juiz, permanece tão atual que a ação parece ter-se transportado para a contemporaneidade.
Há uma passagem premonitória no filme, quando o coronel e seu preposto tramam desviar, para uso particular, verba pública armazenada e transportada em moeda corrente numa mala de couro. Esse artifício concebido pelo roteirista/cineasta para ilustrar a corrupção e o desvio de dinheiro público em proveito de dirigentes políticos, por coincidência, precedeu em alguns meses ao escândalo do “mensalão”, amplamente divulgado na imprensa.
Diante do registro, perfeitamente cabível o comentário: a vida imita a arte ou é a arte que imita a vida? Há, sobretudo, uma riqueza narrativa no filme que enfoca em seus vários aspectos a saga do garimpo, com o conflito entre o proprietário da terra e os que nela laboram, a dominação do dinheiro, de um lado e a necessidade de sobrevivência, na outra extremidade, a exploração do homem pelo homem e a crueldade da relação entre poder versus subser viência.
E como cenário, transborda a natureza na profusão da água que brota incessante da pedra como seu elemento primordial.Sendo fonte de utilidade para todos, o precioso líquido pode se transformar em humilhação para o negro cujo corpo empurrado pelo patrão chafurda na lama, ou de redenção para o garimpeiro que encontra a morte no alagamento da gruna. Esta comovente cena final consagra o lírico e o onírico como vitória do homem sobre o inexorável, num desfecho apoteótico.
Louve-se, ainda a escolha dos atores para caracterização das diversas personagens, merecendo menção especial às interpretações impecáveis do renomado Othon Bastos, como coronel Ramiro, Harildo Deda, Wilson Mello, Jorge Coutinho, famoso por seu trabalho em Ganza-Zumba e que desempenha o papel de Zé de Peixoto, Lúcio Tranchesi, inesquecível como o garimpeiro Filó, da expressiva e talentosa Maria Rosa Espinheira, de Ângelo Roberto, em breve e marcante aparição, do saudoso Irving São Paulo em seu último trabalho como o memorável promotor público, e afinal do próprio cineasta dublê de ator, numa evocação direta a Orson Welles e Hitchcock.
Neste filme emblemático, de forte conotação política e regional, uma página da história deste país é revivida, sob a competente direção de Tuna Espinheira que com ele consolida seus múltiplos talentos de roteirista, ator e diretor.Deve ser dito que a película foi garimpada como um diamante bruto até atingir a cintilação de uma gema lapidada. Por vários e vários anos o projeto esteve nos sonhos do cineasta, até que recebeu o premio de melhor roteiro no concurso Fernando Coni Campos, em 2002, e foi graças a este laurel que as filmagens foram iniciadas. Em seguida, foi escolhido o melhor filme no 1º Festival de Cinema de Macapá.Este é o primeiro longa-metragem de Tuna, que vem sendo elogiado em todas as partes onde é exibido e, inclusive, recebeu convite para, no primeiro trimestre de 2009, participar de uma mostra na Alemanha para onde seguirá tão logo sejam colocadas legendas em inglês.Desejo sucesso ao filme no exterior e torço para que ele volte a confirmar o prestígio de nossa tradição cinematográfica inaugurada com o cinema novo.
LÚCIA LEÃO JACOBINA MESQUITA Advogada, ensaísta e autora de Aventura da palavra