Nos auspiciosos anos 60, reinavam, no cinema italiano, as comédias em episódios, que faziam a delícia dos cinéfilos. Havia, nesta cinematografia, os monstros sagrados (Fellini, Visconti, Antonioni...) e diretores do segundo time que, algumas vezes, podiam ser considerados geniais, a exemplo de Damiano Damiani, Valerio Zurlini, Mauro Bolognini, Pasquale Festa Campanille, Mario Monicelli, Pietro Germi (seu Divórcio à italiana é uma obra-prima e assinala o melhor desempenho de Marcello Mastroianni), entre outros que, assim a citar de memória, poderia incidir em severas omissões. O fato é que o cinema italiano, o grande cinema italiano, não mais exsite, e os cineastas que ainda pontuam não podem ser comparados aos que pontificaram na sua idade de ouro.
Mas estou a me lembrar de Dino Risi, excelente comediográfo. Em DVD, já há algum tempo, saiu Aquele que sabe viver (Il sorpasso, 1962), com Vittorio Gassman, Jean-Louis Trintgnant, e Catherine Spaak. No ano seguinte, 1963, realizou uma comédia em episódios de rara inspiração: Os monstros (I mostri, 1963), com um cast exultante: Vittorio Gassman, Ugo Tognazzi, Lando Buzzanca, Michele Mercier (a Angélica da famosa série), etc. Os dois primeiros, Gassman e Tognazzi, no entanto, dominam tudo e a todas na interpretação de vários tipos hilários e diferentes. Pelo humor, e um humor que provoca o riso instantâneo, Risi analizava a sociedade italiana da época, principalmente sob o ponto de vista do absurdo das situações.
Outro filme de Risi que marcou época, o episódio de As bonecas (I bambole, 1965) intitulado La telefonata. Grande sucesso de bilheteria, um filme em sketchs dirigidos também por Mauro Bolognini, entre outros magníficos. Mas estou a colher de memória os filmes de Dino Risi, não a haver, aqui, nenhum outro propósito que a lembrança de um cineasta que ofereceu muita alegria e prazer aos amantes do bom cinema. Mas se consultar a sua filmografia, imensa, a verificação de que muitos títulos, principalmente os derradeiros, já não tiveram mais acolhida no mercado exibidor brasileiro. Se não há engano de memória, a maioria de seus filmes foi distribuída pela Condor, aquela do pássaro que, ao levantar vôo, era acompanhado de chiados da platéia.
Há uma comédia, magistral, que me deixou de ressaca alguns dias: Nós as mulheres somos assim (Noi donne, siamo fatte cosi, 1971), com Enrico Maria Selerno e Monica Vitti (atriz emblemática dos anos 60 e 70 que se dividiu entra a angústia antoniônica e a comédia sentimental ou o filme paródico com vida inteligente (Modesty Blaise, de Joseph Losey). Que delicadez no estabelecimento das situações, no tom, a musicalidade da mise-en-scène, etc. Dez anos atrás, porém, Dino Risi faria um filme que não permitia o tom cômico, a perscrutar a tragédia da existência, a complicação dos relacionamentos, a dor da pobreza: Uma vida difícil (Une vita difficile, 1961), com interpretações notáveis de Alberto Sordi e Lea Massari.
Falar de Risi é falar de muitos filmes importantes, agradáveis, por vezes geniais. É falar de Os complexos (I complessi, 1965, episódio Una giornata decisiva, e o grande cartaz, aqui, é Nino Manfredi). A constatação que vem à tona, quando aqui estou a lembrar Risi, é que o cinema italiano era muito rico e acabou, a julgar pelo lixo que resta e um ou dois mais proeminentes. E se for mencionar o grande Mario Monicelli?
Se Al Pacino é um ator excepcional e trabalhou bem a sua personagem de Perfume de mulher, o original, no entanto, pertence a Dino Risi e a Vittorio Gassman em Profumo di donna, em 1974, obra muito superior à americana. Em Telefones brancos (Telefoni bianchi, 1976), sempre com Gassman (ator de sua preferência e que participou de muitos filmes da filmografia de Dino Risi), o grande cineasta realiza uma obra que procura reproduzir o cinema italiano da época do fascismo, um cinema que era chamado o cinema dos telefones brancos.
O prazer de ter visto Férias à italiana (L'ombrellone, 1966), com Enrico Maria Salerno e Sandra Milo (sim, a felliniana Milo de Oito e meio e tantos outros) extravassa o tempo e permanece com a gente até onde houver memória e sensibilidade.
Vittorio Gassman é uma presença marcante na extensa filmografia de Dino Risi. E como existiam excelentes diretores no cinema italiano dos anos 60! A constatação chega a constranger o cinéfilo contemporâneo, que se encontra pulverizado por um novo tipo de cinefilia. De repente, no meio do cipoal de comédias brilhantes, pode-se se encontrar um Risi político, à maneira de seu colega Damiano Damiani (e alguém ainda se lembra de Florestano Vancini, Antonio Pietrangeli?) em Um crime chamado justiça (In nome del popolo italiano, 1972), com Gassman, evidentemente, e Ugo Toganazzi. Em Splendor, de Ettore Scola, Risi é citado em um bom texto de Il sorpasso. Mas deve ficar bem claro que Dino Risi não se resume apenas a este.
Dino Risi nasceu em 1916. Creio que ainda está vivo. Há uma boa entrevista com ele nos extras do DVD de Aquele que sabe viver (Il sorpasso). Se vivo, está velho: 92 anos. Não são todos que possuem o pique de Manoel de Oliveira. Deve estar aposentado. O primeiro filme que vi de Risi, mas me lembro muito pouca coisa, foi Pobres e milionários (Paveri milionari, 1959), com Renato Salvatori, que, no ano seguinte, brilharia em Rocco e seus irmãos, de Luchino Visconti.
Mas preciso parar de falar de Dino Risi.
A imagem é do cartaz de Telefones brancos, um filme que precisa ser urgentemente resgatado.