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21 fevereiro 2009

Salve Jack Lemmon!!

Jack Lemmon é, sem dúvida, um dos maiores atores do cinema americano. Tem interpretações antológicas em filmes inesquecíveis como Se meu apartamento falasse (The apartment, 1960), Quanto mais quente melhor (Some like it hot, 1959), Irma, la douce (1963), todos três de Billy Wilder com o qual fez mais outros filmes, a destacar o excepcional Avanti! (1973), obra outonal de Wilder de grande força e sensibilidade com um Lemmon inexcedível. Ganhou o Oscar por Sonhos do passado (Save the tiger, 1973), de John G. Avildsen, em papel de alta tensão e dramaticidade. Em 1993 assombra em Short Cuts, de Robert Altman.
Percorrer a rica filmografia de Lemmon é ficar aqui a digitar a tarde inteira. Mas penso em Aconteceu em um apartamento (The notorius landlady, 1962) e Como matar sua esposa (How to murder your life), comédias requintadas de um príncipe da sofisticação: Richard Quine. Também não se pode esquecer de Vício maldito (Days of wines and roses, 1962) e de A corrida do século (The great race, 1964), ambos de Blake Edwards. Trabalhou com Costa-Gavras em Desaparecido (Missing), como um pai americano que vai ao Chile pinochetista à procura do filho desaparecido.
Bem, vou parar por aqui. O Carnaval está nas ruas. Mas seu chamado não me afeta. Gostava dos carnavais passados, quando havia harmonia, romantismo, tranquilidade. Atualmente o detesto. O Carnaval baiano, assim é se me parece, é o pior do mundo: loteado, industrializado, barulhento. Mas isso nada tem a ver com Jack Lemmon. Lemmon nasceu em 1925 e morreu, aos 76 anos, de câncer, em 2001, ainda em plena vitalidade.

Na foto, Jack Lemmon ao lado de sua esposa Felicia Farr e de seu filho, Christopher. Clique na imagem para que ela apareça grande e mais nítida

20 fevereiro 2009

Entrevista com Carlos Manga: primeira parte

A entrevista, vale ressaltar, foi feita por Inimá Simões para o programa Sintonia da TV Câmera. A chanchada, quando de seu apogeu, anos 50, ainda que já a se fizesse na década de 40, era detestada pela crítica quase por unanimidade. Moniz Vianna, por exemplo, cujo falecimento se deu há pouco, era um crítico impiedoso com as despretensiosas comédias oriundas dos estúdios da Atlântida e dirigidas por abnegados diretores como Watson Macedo, José Carlos Burle, Carlos Manga, entre outros menos notáveis. A chanchada, para a intelligentzia crítica era um sub-filme, algo tosco, sem nenhum valor. O tempo se encarregou de colocar a chanchada em seu devido lugar. Atualmente a chanchada é objeto de dissertações e teses acadêmicas. Sérgio Augusto escreveu, em 1993, um estudo excelente publicado com o título de Este mundo é um pandeiro: a chanchada de Getúlio a JK (Companhia das Letras). Escrevi um texto sobre os tempos das chanchadas que deve sair na minha coluna do Terra Magazine terça que vem. Por enquanto, assistam à excelente entrevista de Manga.

Entrevista com Carlos Manga: segunda parte

A entrevista é do excelente programa Sintonia, da TV Câmera, que Inimá Simões apresenta, neste canal, toda semana, geralmente com nomes respeitáveis do espectro cultural e político do Brasil. Carlos Manga pode ser considerado o mais competente diretor das chanchadas cariocas, e dois de seus filmes são antológicos: O homem do sputnick (1959) e De vento em popa (1957), para não falar em Nem Sansão nem Dalila ou Matar ou morrer. No primeiro, segunda metade da década de 50, um sputnick cai no galinheiro de Oscarito, e um jornalista, Cyl Farney, revelando o fato, provoca uma polvorosa entre algumas nações. Há momentos inesquecíveis, entre os quais, a imitação que Normal Bengell faz de Brigitte Bardot diante de um Oscarito literalmente estupefato.Considero O homem do sputnick um dos grandes filmes do cinema brasileiro em todos os tempos. Manga faz paródia do american way of life, e Jô Soares, em seu primeiro papel no cinema, como um americano cheio de tiques, está ótimo. O filme tem timing, malícia, é um espetáculo engraçado e bom de se ver.

19 fevereiro 2009

O novo filme de Tuna Espinheira



Tuna Espinheira, terminadas as atividades em torno do lançamento de Cascalho, longa baseado em livro homônimo de Herberto Salles, mostra porque é um realizador que não dorme de touca. Já finalizou seu novo filme, um documentário sobre o artista Leonel Mattos (que aparece aqui, na foto, a comer uma banana) intitulado Leonel Mattos a vinte e quatro quadros por segundo, cujo roteiro fora premiado em concurso federal. Na imagem, também se pode ver o próprio Tuna, com seu indefectível boné, e, a seu lado, Claude Santos, o diretor de fotografia. Na câmara, o veterano Roque Araújo, velho de guerra do cinema baiano que começou com Glauber Rocha, tendo participado de todos os seus filmes. Realizou um documento precioso com as sobras de A idade da terra, que Glauber lhe deu para jogar fora ou vender para uma fábrica de vassoura em Niteroí. Roque, no entanto, guardou e, com o material, realizou No tempo de Glauber, que mostra, além de trechos de outros filmes, um material curioso dos bastidores do derradeiro opus glauberiano.

17 fevereiro 2009

Chaplin quase empata com Keaton

Na enquete para saber qual o maior comediante de todos os tempos, Charles Spencer Chaplin, o Carlitos, como era chamado no Brasil, ou Charlot, na França, quase que empata com Buster Keaton. O autor de City lights ficou com 20 votos (37%) de um total de 54 votantes, enquanto Keaton obteve 19 (35%), e o grande Jerry Lewis, 12 (22%). Oscarito, genial comediante brasileiro, que poderia ter ido para Hollywood, mas recusou o convite insistente de Bob Hope, porque não teria, lá, a sua feijoada em torno da família aos domingos na Penha, 2 votos (3%). Jacques Tati ficou apenas com 1 (e sei quem lhe deu). Peter Sellers e Jack Lemmon amargaram um tracinho.
O fato é que, inconteste, todos os citados são geniais, embora, comediantes mais strictu sensu, Chaplin, Keaton, Tati, Lewis, Oscarito, pois Peter Sellers e Jack Lemmon, sobre serem comediantes de primeiro time, eram, também atores dramáticos. Em Os sonhadores, de Bernardo Bertolucci, há uma conversa na qual os dois adolescentes conversam sobre a maestria de Keaton sobre Chaplin, e há críticos que consideram o primeiro maior que Charlot. Buster Keaton, no entanto, parou a sua carreira na beirada da década de 30, ainda que viesse a aparecer em pontas durante décadas (Crepúsculo dos deuses/Sunset Boulevard, 1950, de Billy Wilder, por exemplo, Luzes da ribalta, 1953, de Chaplin, alguns daqueles filmes de praia com Frankie Avalon e Annette Funicello, etc). The General, de Keaton, é uma obra clássica, cultuadíssima. Orson Welles a tinha como um dos maiores momentos do cinema em todos os tempos.
A foto mostra Charles Chaplin a dirigir Sophia Loren em seu canto de cisne de 1966: A condessa de Hong Kong, no qual ela contracena com Marlon Brando, uma amarga experiência para Chaplin, mas filme que tem seus defensores. Marlon Brando, em sua autobiografia, conta que se arrependeu de ter participado do filme e ficou estupefato com o tratamento autoritário de Chaplin para com seu filho, Sidney, que trabalha como ator.
Pessoalmente, tenho profunda admiração por todos eles. Mas meu voto foi para Jerry Lewis.

"Gran Torino", de Clint Eastwood: dizem-no assombroso

Se A troca (Changeling) foi o filmaço que se falou aqui, vim a saber que o novíssimo Clint Eastwood, Gran Torino é, simplesmente um assombro. A filosofia nasceu de um assombro, disse um filósofo. E quando o espetáculo cinematográfico assombra é um sinal de que o cinema está, ainda que decadente, vivo. Romero Azevedo, professor de cinema de Campina Grande, connaisseur dos labirintos da arte do filme, ansioso por ver logo Gran Torino, teve um estalo de Vieira e resolveu baixá-lo na internet. O que viu, e viu muito, vai aqui embaixo. Vejo o seu rosto, em close up, rosto de estupefação, de satisfação. Vou colocar as duas mensagens ipsis literis. Com licença, Romero, mas elas merecem um post especial.

Primeira mensagem:

Caro Setaro, andei meio sumido com o inicio das aulas na universidade,
mas acabei de ver Gran Torino
(aqui em Campina Grande a turma é meio impaciente e não gosta de
esperar os lançamentos oficiais nem a pirataria oficializada, baixa
logo da fonte) e me lembrei de você. O personagem é um dos mais fortes
interpretados por Clint( aliás, no Oscar 2010 acredito que a estatueta
de ator, filme e diretor é dele) que dá uma aula completa sobre a
arte de representar diante de uma câmera. O filme é uma grande
metáfora dos EUA nos últimos 30 anos, a casa de Walt (Clint) tem uma
bandeira americana fincada na entrada e seus vizinhos são todos
coreanos, chineses, tailandeses...a imagem é clara: a América(do
norte) é uma ilha cercada de conflitos. Walt lutou na guerra da Coréia
e foi condecorado por heroísmo e bravura, mas o método americano de
resolver os conflitos à bala (como nos lendários westerns), está em
crise( vide Vietnam e,agora, o Irak). O filme começa com um velório na
casa do ex-combatente e, paralelamente, um batizado na casa dos
vizinhos, um tipo de vida morre ( o american way of life idealizado
principalmente pelo cinema) para dar lugar a uma nova realidade( a dos
imigrantes, expulsos de seus países pelas guerras patrocinadas pelos
próprios americanos, e que buscam refúgio na terra da estátua da
liberdade). Gran Torino é uma confissão dos erros cometidos pela
xenofobia americana que sempre viu o resto do mundo como
estrangeiros, mas sobretudo é uma autocrítica que aponta para a
conciliação, o diálogo, a cooperação e a convivência pacífica entre
os povos como solução para o caos social que temos de suportar( no
limite) hoje.Tem um forte tom místico (inclusive numa das imagens
finais que não vou descrever para não estragar a surpresa). Em
sintese: é a imolação, o sacrificio supremo de Dirty Harry/Josey
Wales
na crença por um mundo mais humano.
A canção-tema, escrita por Clint e pelo filho dele, é um brinde
especial no desenrolar dos créditos no final.
Desculpe o clichê, mas Clint Eastwood é mesmo como o vinho...

Segunda mensagem:

Gran Setaro, fiz o rapídissimo comentário, para usar uma expressão
que lhe é tão cara ,no "afogadilho da hora", ainda com o coração
pulsando com os acordes da bela canção final. Falei coração porque, me
parece, que o filme( e Clint) propõe uma leitura menos razonativa (
mental) do mundo contemporâneo (argh !) e mais emocional (consciente).
Até agora, desde Aristóteles, passando por Descartes e finalizando em
Kant, o uso e abuso da razão ( o famoso, e equivocado, penso,logo
existo) gerou os campos de concentração nazista, a bomba de Hiroshima
e Nagasaki, o Vietnam, o Iran-Irak, a meleca total que vivemos hoje em
qualquer cidade infestada por gangues de adolescentes e jovens
rebeldes sem causa que enchem de gordura e estupidez as salas de
cinema nos shoppings....e outras coisas mais terríveis ( vide o
documentário A Corporação)
Em Gran Torino, Clint se inspira nos orientais e sua cultura de
meditação e reflexão (aqui no ocidente mal traduzida como "confissão
religiosa") e revoluciona a moral vigente ao reconhecer os erros que
contribuíram para gerar tudo isso e, num ato de autocrítica e solidão
suprema( como de resto foram todos os personagens que criou/viveu),
entrega as armas e se imola em holocausto a um mundo melhor para
todos. Não é um filme fácil de ser digerido porque vira de ponta a
cabeça todos os dogmas e clichês que compõe o imaginário
cinematográfico deste gran cineasta, a maior parte da crítica vai cair
de pau, muitos vão confundir o ato revolucionário de Walt com uma
jogada de toalha na lona, aí reside o ledo "e ivo" (como você gosta de
falar) engano.
De quebra, tem um ótimo elenco jovem que serve para mostrar que nem
sempre o frescor da juventude, das idéias e atitudes jovens, estão na
menor idade.
Num tempo em que os rinocerontes predominam, Eastwood nos aparece
louvando a borboleta. Isso para mim é cinema novíssimo.

16 fevereiro 2009

"O Ponto de Ruptura", por Tuna Espinheira


Tuna Espinheira acaba de concluir as filmagens de Leonel Mattos em vinte e quatro quadros por segundo, um curta documentário sobre o artista, cujo roteiro foi premiado em concurso recente. Mas, antes das filmagens, leu O ponto de ruptura, romance de Stephen Koch (Difel, 2008), e ficou impressionado com certas revelações contidas no livro. Entre elas, a revelação de que o famoso documentarista holandês Jori Ivens fora agente stalinista. Trata-se de um dos maiores cineastas de todos os tempos e, na área do documentário, talvez tenha sido o maior, a superar, inclusive, Robert Flaherty (na minha opinião). Espinheira escreveu uma resenha sobre o livro que tomo a liberdade de publicá-la.
"A agônica Guerra Civil na Espanha é o grande cenário. O misterioso sumiço de José Robles, tragado pela teia sinistra armada por Stalin, é o pivô da discórdia que corrói e destrói a amizade siamesa entre Hemingway e Dos Passos. Estes dois escritores, figuras que já gozavam de fama e reconhecimento pela sua arte. Sendo que, Dos Passos chegava a ser citado e nivelado a James Joyce, o Papa da literatura, naqueles dias em que o incêndio nas plagas de Espanha comovia e atraia idealistas de todo mundo para suas trincheiras na resistência ao avanço das tropas faschistas do Generalíssimo Franco.
Alguns personagens, gente de carne e osso, são coadjuvantes importantíssimos no desenrolar do enredo, dentre estes, o mítico documentarista holandês: Joris Ivens. Surpreendentemente retratado como um apparatchik, ou seja, um ativo e coroado Agente do Comintern, para assuntos ligados a arte e cultura até onde, também, Stalin estendia os seus tentáculos.

Ivens, além do enorme talento na captação de imagens; era destacado e admirado pelo desassombro e coragem pessoal nos inúmeros contratos de risco como um metteur- en-scène, normalmente no calor da hora, exposto aos perigos, sobretudo nos conflitos de guerra, exatamente iguais aquela missão cinematográfica, em parceria com os dois notáveis norte-americanos. Possuía aquele holandês um carisma hipnótico. Arma esta que soube usar com maestria para ganhar a confiança dos parceiros. Hemingwai, aventureiro, caçador, familiarizado com o perigo, estava à vontade naquela praça de guerra. Em várias cenas relatadas o vemos em meio ao fogo cerrado, impassível diante de bombardeios. Dos Passos era um ardoroso admirador da pátria de Cervantes e sua gente, fora apresentado àquela terra justamente pelo amigo Robles, com ele aprendera a decifrar o jeito de ser e a alma espanhola.
Escritor engajado, familiarizado com as hostes esquerdistas. Naqueles dias tumultuosos ele procurava saber, em vão, do paradeiro do amigo que fora aprisionado por uma milícia que não deixara rastro que desse as pistas dos mandantes daquele seqüestro. Desesperado por informações, onde quer que fosse, ouvia mentiras e palavras cínicas.
Numa trama macabra, vai caber a Hemingwai, informado por uma amiga comum aos dois, esta uma apparatchik militante devota do Comintern, (os dois, então amigos, desconheciam esta faceta, e, proválvelmente, nunca viriam a saber) contar a Dos a notícia do fuzilamento de Robles com a acusação de traidor da revolução. O pior de tudo é que o autor do Velho e o Mar, passaria a acreditar nesta história infamante, um enredo típico da malha criminosa de Stalin.
Como os personagens, como já foi dito, eram verdadeiramente de carne e osso e a história e estórias pertenciam a fatos vividos. O autor, cioso da verdade do lastro histórico, mexendo nos cordéis, conseguiu aglutinar aqueles acontecimentos narrados com a luminosidade de um estilista, e, como não poderia deixar de ser, com o tempero de uma certa licença poética, numa saga com uma grata estrutura do gênero romance, eivado de suspense, drama, diálogos convincentes, brilhante radiografia psicológica dos personagens que, como visgo, prendem o leitor da primeira a última página.

O filme: Terra e Liberdade, de Ken Loach, produzido em 1995 (“este cineasta inglês renovou o cinema britânico na segunda metade do século passado”, informação do crítico André Setaro), já havia, de forma contundente, descrito ao longo das suas belíssimas seqüências, o desserviço do ditador russo, na Guerra Civil da qual estamos falando.

O filme é guiado por um personagem que se alista no POUM, uma sigla que aglutina guerreiros, comandados por Andreu Nin, que não seguiam a cartilha do Kremlin. Dos Passos entrevistou este Comandante. Pouco tempo depois ele seria seqüestrado, torturado, e fuzilado sumariamente, pelos stalinistas. O POUM contou em suas fileiras com o George Orwel, exatamente aquele que mais tarde iria escrever um livro emblemático: 1984. Ele esteve com Dos Passos quando este se preparava para sair da Espanha. Orwel, recuperando-se de sérios ferimentos em batalha, já era um homem desiludido e conhecedor do ninho de serpentes que era o stalinismo. 1984 tem tudo a ver com o “circo de horrores stalinista”.

Tanto o livro, O PONTO DE RUPTURA, como o filme, de Ken Loach, são peças obrigatórias para quem se interessa pela gloriosa luta da Guerra Civil Espanhola, que mexeu com corações e mentes de muitos e muitos, redundando num trágico desfecho.
Hoje sabe-se que Stalin, depois de destroçar o POUM, não demorou em ordenar a retirada dos soldados russos e seus armamentos, entregando a Espanha ao famigerado Generalíssimo Franco. Consta que, Stalin, à guisa de uma explicação, teria perpetrado esta jóia de humor negro : “Ordenei a retirada das forças russas convicto que Hitler faria o mesmo com as forças alemãs”... Vade retro...

Leiam o livro, vejam o filme..."
Tuna Espinheira é cineasta, roteirista, autor de mais de uma dezena de curtas metragens e do longa Cascalho, adaptação do livro homônimo de Herberto Salles.

15 fevereiro 2009

Minnelli: estesia e sofisticação


Em 1903, nasce em Chicago (Illinois) Vincente Minnelli, que vem a morrer em 1986, aos 83 anos de idade, considerado um dos maiores diretores do cinema americano de todos os tempos. Ainda pequeno, apenas a iniciar o seu conhecimento do mundo, aos 3 anos, atua na companhia paterna Minnelli Brothers Dramatic Tent Shows, especializada em espetáculos de vaudeville. Adolescente, o jovem Minnelli estuda decoração e trabalha como fotógrafo em um estúdio de Chicago, revelando, desde já, o gosto pela coreografia e pela composição. O circuito Balaban & Kats lhe contrata como decorador e figurinista, trabalho que desempenha até ser nomeado diretor artístico do Paramount Theatre de New York e do imponente Radio City Music Hall. Distante de sua terra natal, e com residência permanente em New York, dá início ao trabalho de direção de balés e espetáculos musicais na Broadway (At home abroad, Ziegfeld Follies, The show is on, etc). Em 1937, contratado pela Paramount, muda-se para Hollywood e, três anos depois, a MGM, o estúdio de maior envergadura na época, tira-o da empresa onde trabalha para ficar full time a seu serviço. Louis B. Mayer, acompanhando seus projetos na Paramount, vê em Minnelli um futuro promissor em seu estúdio, considerando que este é o que mais investe em musicais. Na MGM, Minnelli leva a cabo um profundo aprendizado em todos os departamentos de produção. Para assumir a direção, basta, apenas, uma oportunidade, que lhe é chegada com o convite de Arthur Freed (famoso produtor de musicais, entre eles Cantando na chuva) para dirigir, em 1942, Uma cabine no céu (Cabin in the sky), fantasia musical sobre as comunidades negras do sul.

Todos os historiadores do filmusical americano não têm dúvida ao afirmar que o gênero se transforma radicalmente com a chegada de Minnelli à Hollywood, pois o seu gênio faz integrar os elementos ficcionais da história com a música e as canções. Estas se tornam o próprio assunto do filme. Grande especialista em espetáculos musicais, Vincente Minnelli, após conceber Agora seremos felizes (Meet me in St. Louis, 1944), O ponteiro da saudade (The clock, 1944), Yolanda e o ladrão (Yolanda and the thief, 1946), e O pirata (The pirate, 1947) - que exerce influência poderosa em Gene Kelly, que, aqui, trabalha ao lado de Judy Garland, a qual se casa com o realizador, encantado que fica Minnelli pelo extraordinário talento dessa cantora e atriz única, revoluciona o gênero, inaugurando, com eles, uma nova escola do musical cinematográfico, que logra seus títulos oficiais de nobreza com Sinfonia de Paris (A american in Paris, 1951), filme pelo qual recebe o Oscar de melhor direção, que voltaria a ganhar em 1958 por Gigi.

Martin Scorsese, em sua aula sobre o cinema americano, que saiu completa em três vídeos, destaca, entre as suas seqüências preferidas, a de Meet me in St. Louis, quando a menina, numa noite de Natal, ao saber que vai sair de sua cidade, quebra todos os bonecos de neve que ela constrói no quintal. Há, nesta seqüência admirável, uma conjunção musical e dramática poucas vezes superada. Em Sinfonia de Paris, que tem roteiro assinado por Alan Jay Lerner (My fair lady), com a partitura recheada de George Gershwin, um pintor americano (Gene Kelly), que vive em Paris, é cortejado por bilionária (Nina Foch), mas gosta de uma linda moça (Leslie Caron), que, no entanto, é noiva de seu amigo francês (Georges Guétary).

Segundo o historiador francês Georges Sadoul, este cine-balé não é uma revista em estilo de teatro de revista, mas uma ópera cujas danças e músicas fazem parte de uma ação dramática. A coreografia, criada por Gene Kelly, é esplendorosa, principalmente nos 17 minutos finais, quando presta uma homenagem aos grandes mestres franceses: Toulouse-Lautrec, Raoul Dufy, Utrillo, Renoir, etc. Minnelli, porém, não se consolida apenas como um brilhante diretor de filmes musicais. Em sua extensa filmografia, podem ser distinguidas três vertentes: a do musical, que tem em A roda da fortuna (The band wagon, 1953) sua obra mais perfeita, a que se deve aplicar o termo obra-prima do gênero, a dos dramas ásperos e desesperados, cujos exemplares mais notórios são Assim estava escrito (The bad and the beautiful, 1953), Deus sabe quanto amei (Some came running, 1959), A cidade dos desiludidos (Two weeks in another town, 1962), entre outros, e a da comédia agridoce, que se inaugura com O papai da noiva (Father of the bridge, 1950), passando por Chá e simpatia (Tea and sympathy, 1956), Brotinho indócil (The reluctant debutante, 1958) entre outras, até atingir a sua culminância absoluta em Papai precisa casar (The courtship of Eddie's father, 1963) - considerada por muitos minnellianos talvez a sua obra maior, comédias que constituem um dos testemunhos mais lúcidos e agudos da burguesia americana. Para o colunista, os melhores filmes de Minnelli são: Deus sabe quanto amei, Assim estava escrito, Papai precisa casar, A cidade dos desiludidos, e A roda da fortuna.

No primeiro, obra-prima absoluta, lancinante radiografia do american way of life em que Minnelli, num drama áspero, tenso, utiliza elementos do filmusical, resultando, com isso, uma mise-en-scène deslumbrante, de pura estesia, principalmente perto do final, quando da perseguição num parque de diversões. Neste momento supremo do cinema minnelliano, que reflete a trágica invasão da realidade num mundo ideal onde os personagens pensam em se refugiar, as cores, os objetos, as pessoas e o espaço são praticamente coreografados; e quase nunca se vê, na estética da arte fílmica, um testemunho tão intenso da eficácia de um autor que se utiliza dos elementos componentes da linguagem cinematográfica de maneira tão marcante. Neste filme, cujo título em português nada acrescenta a sua excelência, antes ridicularizando-o (o original Some came running quer dizer como uma torrente), um romancista volta à sua cidadezinha natal para reencontrar o irmão rico, Mas, a seu lado, viaja uma prostituta que se apaixona por ele. Com Frank Sinatra, Dean Martin e Shirley McLaine, todos inexcedíveis.

Se Billy Wilder, no expressionista Crepúsculo dos deuses (Sunset boulevard, 1950), oferece um retrato crítico de Hollywood, Minnelli, em Assim estava escrito, o consegue superar não somente pelo elo semântico - a força do tema - como pelo elo sintático - a mise-en-scène que, sobre ser a de Wilder impecável, atinge aquilo que alguns estetas chamam de maravilhoso. Não dá, aqui, neste espaço, para falar de The bad and the beautiful, tal a sua riqueza, tal a sua imensa beleza. Em poucas palavras: um escritor (Dick Powell), uma atriz (Lana Turner), e um diretor(Barry Sullivan), recordam em flash-backs como um famoso produtor (Kirk Douglas) os traiu. Partitura de alto nível de David Raksin. Papai precisa casar é um primor de comédia, a maior, sem dúvida, do autor, no gênero. Encontra-se aqui toda a maturidade de um mestre do cinema, que sabe equilibrar, com uma fluência assustadora, os elementos da linguagem, a utilizar, com engenho e arte, o espaço e o tempo cinematográficos.

Realizado em 1963, Papai precisa casar, no apogeu da desconstrução, quando a crítica mais enragé exige dos filmes uma rigorosa falta de linearidade, Minnelli, desprezando as circunstâncias, e, com isso, fazendo valer o seu modo de fazer cinema, recusa-se à abdicação do linear. O resultado é mais que perfeito, ainda que, o filme, alta voltagem como cinema, como arte, como testemunho, como comédia que sabe deliciar o espectador, passe despercebido pelas autoridades que carimbam o atestado de valor. Glenn Ford é um viúvo que se vê às voltas com três lindas mulheres que o cercam. Seu filho, um garoto de 10 anos (o futuro diretor Ron Howard), o ajuda na escolha, O trio é esplendoroso: Shirley Jones, Dina Merrill e Stella Stevens, que vem a trabalhar nesse mesmo ano em O professor aloprado, de Jerry Lewis.

No magistral A roda da fortuna, Tony Hunter (Fred Astaire), no ocaso de sua carreira, regressa a New York, onde é recebido por seus velhos amigos. Minnelli sinaliza, aqui, já em 1953, no ocaso do personagem interpretado por Astaire, num rasgo premonitório, a decadência do filmusical. A roda da fortuna tem alusões e citações, e o autor, avant la lettre, introduz, no cinema, a referência. Os antigos colegas do dançarino projetam montar um grande espetáculo na Broadway, com uma bailarina clássica, Cyd Charisse. A princípio desconfiado, Astaire, no entanto, com o desenrolar das situações, acaba por se apaixonar por ela. Um famoso diretor, Jeffrey Cordova (interpretado por Jack Buchanan) transforma o espetáculo numa pomposa versão musical de Fausto, expressionista e pedante, que redunda em estrondoso fracasso. Astaire, porém, tenta reformula-lo com a ajuda de Charisse e consegue, na remontagem, um êxito surpreendente. Apogeu admirável da primeira etapa das experiências de Minnelli, filme-síntese, portanto, A roda da fortuna oferece uma imagem da vida pública e privada dos artistas que fazem o espetáculo. A sua atração, porém, reside nos pequenos, mas significativos, detalhes do cotidiano dos bastidores, em notações autobiográficas e satíricas. Mas onde o filme alcança sua dimensão mais específica está na singular identificação entre Fred Astaire e seu personagem, talvez a expressão mais acabada do mito pessoal do grande bailarino em números admiráveis como, logo no início, com o engraxate, e a dança de amor no parque - com uma Cyd Charisse na plenitude de suas faculdades. A culminação espetacular do filme se encontra no balé Girl Hunt - brilhante e violenta sátira dos filmes de detetive e do chamado cinema noir, que, sem nenhuma dúvida, é um dos mais completos e inteligentes números musicais da história do cinema.
Na vertente dos dramas ásperos, além de Assim estava escrito, um outro, que lhe parece uma espécie de continuação, e de impacto extraordinário, é A cidade dos desiludidos, de 1962. A história gira em torno de Jack Andrus (interpretado por Kirk Douglas), que, após temporada de descanso numa clínica, é chamado por Kruger (Edward G. Robinson), que está, em Roma, dirigindo um filme. Jack toma o avião e vai se encontrar com o amigo, ainda que amargurado e deprimido pela vida. O contato, no entanto, com a doce beleza de Dahlia Lavi, e a volta à atividade profissional, oferece-lhe a possibilidade de recomeçar de novo, ofertando-lhe um novo ânimo, de libertar-se de suas obsessões e das amargas lembranças de sua mulher (Cyd Charisse). Mas há um acidente de percurso com o ataque cardíaco de Kruger, que fica impossibilitado de trabalhar e Jack se vê obrigado a assumir a direção do filme. A chegada da ex-esposa, no entanto, e o stress do trabalho, levam Jack a uma crise. Contornada, e definitivamente curado, Jack retorna aos Estados Unidos para recomeçar sua carreira de diretor. O título original do filme, traduzido, é Duas semanas em outra cidade, tempo que Jack passa em Roma. Um ator (Douglas) e um diretor (Robinson) vivem encerrados em um mundo de sonhos para escaparem da realidade de seus fracassos. Mas somente o primeiro consegue se libertar, sendo que sua penosa experiência constitui a trama de A cidade dos desiludidos. Continuação espiritual de Assim estava escrito - uma das cenas desse filme serve para precisar a evolução psicológica de Jack, o filme oferece uma visão ácida do mundo cinematográfico de Roma. Pleno de observações incisivas e justas, como o tumulto da Via Veneto - o filme é realizado dois anos depois de La dolce vita - em torno da estrela italiana (Rosanna Schiaffino), as relações entre o produtor e o diretor, o ambiente das filmagens, etc. Minnelli, no entanto, não se limita somente a este aspecto, mas, superando as limitações melodramáticas da intriga, leva a cabo uma reflexão moral sobre a condição do cineasta, que vem a sintetizar o eterno conflito do homem entre a ilusão e a realidade, tema básico de sua obra.