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24 janeiro 2009

LOS ANGELES BRAZILIAN FILM FESTIVAL (LABRFF)

Já que falei noutro dia em festival do cinema brasileiro no exterior, venho com esta outra notícia alvissareira que é um outro evento que já se encontra em sua segunda edição: 2 Los Angeles Brazilian Film Festival (LABRFF), que acontecer entre os dias 12 e 15 de março, a ter, como maior atração, um seminário dedicado aos 70 anos de Glauber Rocha coordenado por uma professor da UCLA, Randal Johnson, e pelo diretor de fotografia, o internacional Affonso Beato, que iluminou O dragão da maldade contra o santo guerreiro, e desde há muitas décadas é um profissional requisitado por grandes produções internacionais. Beato, recentemente, foi o responsável pela primorosa fotografia da minissérie Maysa, Quando fala o coração. Na oportunidade, será exibida a trilogia glauberiana composta por Deus e o diabo na terra do sol (1964), Terra em transe (1967), e O dragão... (mais conhecido internacionalmente como Antonio das Mortes). Entre as outras atividades do festival, há programado um fórum de discussões sobre a co-produção Brasil-Estados Unidos com a participação do diretor Vicente Amorim e do americano Donald Ranyaud (Cidade de Deus, O jardineiro fiel, ambos de Fernando Meirelles).

A satisfação maior é que o Los Angeles Brazilian Film Festival é um projeto muito bem sucedido de Nazareno Paulo, que se formou pela Faculdade de Comunicação de Universidade Federal da Bahia (Facom). Em 2005, já formado, conheceu Meire, cidadã americana (mas acho que também brasileira), casou-se e foi morar nos Estados Unidos. De natureza empreendedora, inventor de fórmulas, Nazareno Paulo teve, já em Los Angeles, uma espécie assim de estalo de Vieira e resolveu organizar um festival de cinema. Vida longa a este grande projeto!

Veja o site do festival: http://www.labrff.com/

22 janeiro 2009

O cinema brasileiro conquista Hollywood

Ainda que uma mostra sem a abrangência capaz de se tornar um acontecimento para toda Hollywood, a notícia de que a meca do cinema vai abrigar um festival do cinema brasileiro é muito importante. Não resta a menor dúvida de que, sob o ponto de vista técnico, os filmes do cinema nacional estão perfeitos e nada ficam a dever às produções estrangeiros. O que se pode questionar é quanto a inventividade de seus temas, à criação cinematográfica. Transcrevo abaixo a notícia recebida:
(January 21, 2009 - Hollywood, CA) – O Hollywood Brazilian Film Festival -HBRFEST, acontecerá entre 27 e 29 de janeiro de 2009, no coração de Hollywood – nas telas dos cinemas Egyptian Theater e do Grauman's Chinese. O festival contará com uma programação de filmes brasileiros de destaque e com a presença de consagrados diretores, produtores, atores e com a participação da indústria cinematográfica de Hollywood e internacional.

Durante os três dias de evento, o festival tem como objetivo agregar valores, conhecimento e, principalmente os aspectos culturais e comerciais das indústrias cinematográfica americana e brasileira. Serão oito filmes, entre curtas-metragens, documentários e longas de ficção, criteriosamente selecionado para o evento.

"Festivais como este, são verdadeiras portas dos nossos filmes para o mundo", afirma a atriz brasileira Alice Braga - que estrelou em produções americanas como "Eu sou a lenda", "Crossing Over" e "Repossession Mambo", dividindo as telas com os consagrados atores como Will Smith, Sean Penn, Harrison Ford, entre outros.

O HBRFEST exibirá uma seleção de filmes, dando aos distribuidores internacionais a oportunidade de ver o melhor da produção e co-produção brasileira. A abertura oficial do HBRFEST acontecerá na terça-feira, 27 de janeiro, nas telas do Egyptian Theater com o filme "Romance" e com a presença do protagonista Wagner Moura.

O festival continua até a quarta-feira – dia 29, quando encerra com o único filme de co-produção Espanhola/Brasileira selecionado para o Festival Sundance 2009: "Carmo, Hit the Road", do produtor Roberto D´Avila.

A produtora Paula Lavigne, os atores Reinaldo Gianecchini, Wagner Moura, Gisele Fraga e a roteirista Laura Malin, já confirmaram a presença no tapete vermelho.

[+] Sobre o HBRFEST
O Hollywood Brazilian Film Festival é uma 501C3, organização sem fins lucrativos dedicada à troca e promoção cultural e comercial entre Brasil e Hollywood. A missão do HBRFEST é criar uma ponte entre a comunidade cinematográfica internacional e o Brasil, sensibilizando a opinião pública sobre a cultura brasileira. O festival conta com o apoio e patrocínio exclusivo da produtora brasileira de cinema Performa, da empresária Gisele Fraga.
Para mais informações sobre o HBRFEST visite:
www.hbrfest.com

Programação:

27/01Terça-feira
Festa Oficial de Abertura no Egyptian Theater
19h – 20h – Red Carpet
20h30 – Curta: "Tarantino's Mind", de Bernardo Manitou (300ml)
Longa: Romance
28/02
Quarta-feira
Grauman's Chinese Theater, Screen 6
19h – Documentário "Balé de Pé no Chão", de Lilian Solá Santiago e Marianna Monteiro
20h30 – Curta "O Dia M", de Paulo Leierer
Longa: "Entre Lençóis", de Gustavo Nieto Roa
29/01
Quinta-feira
Grauman's Chinese Theater, Screen 6
8h30pm – Curta "Landau 66", de Fernando Sanches
Longa: "Carmo, Hit the Road", de Roberto D'Àvila

21 janeiro 2009

Em defesa de "A Troca"


Publiquei ontem um brilhante artigo do Professor Jorge Coli a favor de A Troca. Peço licença a Marcelo Miranda (do jornal O Tempo - Belo Horizonte) e a Eduardo Valente (da Revista Cinética) para que sejam aqui transcritas as suas lúcidas e coerentes críticas positivas ao brilhante filme de Clint Eastwood.
MARCELO MIRANDA
"Já foi dito algumas vezes que Clint Eastwood faz um cinema não de adjetivos, mas de substantivos. É o mesmo que falar que o cineasta filma apenas o essencial e necessário para narrar a história que lhe interessa. Isto se aplica à perfeição - e como poucas vezes - a "A Troca", em cartaz nos cinemas. Neste drama histórico sobre uma mãe lutando contra instituições oficiais para provar que foi enganada em relação ao desaparecimento de seu filho, Eastwood realiza um mini-épico familiar cujos desdobramentos inesperados vão sendo revelados aos poucos, sem jamais permitir que a narrativa acumule gorduras ou excessos. Tudo que surge na tela, cada plano, movimento e diálogo, forma o mosaico da trajetória da protagonista dentro do que existe de mais fundamental a ser dito. Sendo "A Troca" um filme de quase 2h30 de duração, essa contenção só consegue fazer sentido nas lentes de um mestre como Eastwood.

Ele é capaz de permitir ao espectador ganhar tão forte intimidade com as figuras em cena que só resta sofrermos e nos surpreendermos com cada passo dado. Neste caso, é Angelina Jolie, como Christine Collins, quem carrega a visão do filme. Em atuação extraordinária, a atriz é o grande ponto de vista de "A Troca". Por mais que, a certa altura, o filme siga um caminho aparentemente independente de Christine (durante a investigação de um policial na fronteira com o Canadá), é sempre a ela que Eastwood vai se remeter, filtrando tudo à frente do que a moça é submetida. Talvez isso explique o porquê de alguns personagens surgirem como quase encarnações do mal diante de Christine - como o chefe de polícia e as enfermeiras da clínica: dar o olhar narrativo àquela mãe desesperada acaba permitindo (justificando?) que todo o impedimento para ela chegar ao filho ganhe contornos monstruosos. E há, afinal, um outro personagem que, sendo ele, sim, a encarnação do mal, é desenhado por Eastwood como uma figura detestavelmente fragilizada. É a forma humanista como o diretor molda seres comoventes ou desprezíveis: não os qualificando como tais. Substantivos, não adjetivos."


EDUARDO VALENTE
"Quando A Troca começa, com o primeiro dos logotipos usados pela Universal, o espectador mais imediatista talvez seja levado a pensar num tipo de relação fetichizante com a história do cinema, algo que temos visto com freqüência recentemente, indo desde um O Homem que Não Estava Lá, dos irmãos Coen; ao último Indiana Jones, de Steven Spielberg (em registros e resultados bem distintos). No entanto, o jogo de Clint Eastwood neste seu novo filme (mas já não o mais recente, uma vez que o ritmo do cineasta parece cada vez assombrosamente mais rápido, como se ele disputasse junto com Manoel de Oliveira uma surreal corrida contra o tempo) é de natureza bem diferente: ao usar esta logomarca que remete ao começo dos anos 30, ele não indica nenhum desejo de emular um cinema anterior (como tantos citaram), mas simplesmente colocar o espectador no espírito de uma época, já que a história se passa naqueles mesmos anos, cuja exatidão de reconstrução resulta tão crucial para a narrativa.

A armadilha deste primeiro olhar é tão grande quanto a de dizer que o filme é “filmado à moda antiga” (seja lá o que isso signifique), ou voltar ao batido tema de Eastwood como “o último dos cineastas clássicos”. Fazer isso tudo é receber A Troca pelo que ele tem de mais epitelial, ignorando o que o filme deixa mais que claro: que o cinema de Eastwood se consolida cada vez mais como uma arte que, (re)conhecendo plenamente uma história do cinema (americano, principalmente), se coloca de maneira definitiva para além de denominações como clássico ou moderno. Por isso mesmo, se de fato impressiona no começo do filme uma característica cara ao melhor do cinema americano do período considerado “clássico” (a limpidez extrema de narrativa e linguagem, numa forma de ir direto aos fatos que interessam com um domínio quase absoluto das ferramentas do tal storytelling cinematográfico), mais para a frente, na medida em que o filme avança e a trama quase kafkiana (tão mais impressionante porque verdadeira) vai se desdobrando, o cinema de Eastwood começa a fazer uso de uma série de elementos absolutamente contemporâneos, desde sua divisão em narrativas paralelas com entrecruzamentos distintos até o uso de uma câmera ágil (que desmonta totalmente qualquer argumento sério de uma filmagem “clássica”), passando por uma ida ao primeiro plano de uma série de elementos da linguagem (como a edição de som nas sequências no hospício) que se aventuram para além de qualquer noção de “transparência” na forma de narrar uma ficção no cinema, como se fazia "antigamente".

A introdução dos personagens e da situação primordial do filme é realizada com uma exatidão de elementos assustadora, que combina trabalho de atores, escritura de diálogos e situações e colocação da câmera frente ao mundo que se vai habitar com o filme – e sua posterior montagem. Só que aquilo que a princípio (e, de novo, numa superfície muito rasa) se prestaria a narrar uma história de obstinação de uma heroína pura frente a um mundo duro e insensível (principalmente na esfera das instituições, encarnadas na polícia de Los Angeles e especificamente no delegado Jones), logo começará a dar passos muito mais perturbadores e difíceis de enquadrar. De fato, antes do tão citado melodrama, se há um gênero que parece mais adequado ao filme depois de um certo momento é mesmo o filme de horror –não o horror entendido como o gênero onde o sobrenatural é encarnado para causar sustos no espectador, e sim o horror primordial do homem frente ao que ele não consegue compreender ou lidar com (em última instância, a morte – tema eastwoodiano por excelência).

Pois é este o mergulho doentio que a narrativa toma a partir da internação da personagem de Angelina Jolie no hospício. A partir dali, o horror é de fato o registro do filme (algo, aliás, antecipado pela presença do falso Walter no começo do filme, sempre filmado como algo próximo a uma assombração ou um monstro – sendo que ele de fato representa as duas coisas ao mesmo tempo), e inclusive algumas das ferramentas mais óbvias do cinema do gênero vêm de fato à tona, como a já citada edição de som criando uma atmosfera de tortura quase surreal, mas também o uso dos enquadramentos e das interpretações (e nisso as cenas de eletrochoque são exemplares). Não por acaso é justamente neste momento em que surge uma cisão narrativa e o filme começa a acompanhar duas histórias, num movimento que alguns têm caracterizado como irregular ou derivativo, mas que de fato é central ao que Eastwood deseja com o filme: fica claro então que ele não está falando aqui da luta do indivíduo contra a instituição/o sistema, mas sim do Homem (encarnado aqui numa mulher, mas não só ela) frente ao inexplicável – seja ele a crueldade institucionalizada (ecos claros de Hannah Arendt no delegado Jones e no diretor do hospício), seja a insanidade individual dos atos de Gordon Northcott (e aí é particularmente interessante descobrirmos que a história de vida do verdadeiro Northcott tem lances muito semelhantes ao perfil que se desenvolveu justamente no cinema sobre os serial killers – abuso sexual, incesto, infância perturbada – mas que Eastwood prefira ignorar isso ou qualquer tentativa de “explicar” Northcott).

Tal é a profundidade deste mergulho nos horrores do mundo, que ninguém sai limpo, e parece particularmente importante tratar da alongada conclusão do filme para entender que a Eastwood não interessa nem um pouco uma narrativa direta e precisa (clássica), a qual se assim desejada (“people Love happy endings”, diz o capitão Jones), poderia dar-se por encerrada tranquilamente na saída triunfal de Christine Collins do hospício. Ao fazer deste o primeiro de vários possíveis “finais” do filme, Eastwood deixa claro o tamanho do buraco onde sua narrativa nos mete, se tornando tão mais incômodo e preciso quanto mais ele protela o final (e aqui um parêntese anedótico: lá pela terceira destas protelações radicais, na sessão onde revi o filme uma espectadora externou sua angústia em voz alta com um “eu não agüento mais!” – exatamente o ponto).


Nessa parte do filme é especialmente impressionante o movimento que o filme faz em tornar auto-cambiáveis os “dois lados” da moeda (algo deixado absolutamente claro – à la Eastwood também – na excepcional cena em que Collins e Northcott se confrontam na cadeia, com ela terminando atrás das grades enquanto ele sai de cena). Por um lado, os discursos do advogado e do pastor (interpretado por um John Malkovich cheio de uma sutil dualidade pouco elogiada/percebida) que, para “fazer justiça”, usam dos meios mais discutíveis (demagogia, a manipulação da mídia, retórica absurda); por outro, tanto Jones quanto Northcott, de perto, soam absurdamente humanos, entre a covardia e a real crença no próprio discurso do primeiro (onde as grotescas risadas da platéia do julgamento deixam claro sua dimensão patética) e o desespero demente do outro (e a cena da execução é exemplar não só da banalidade do mal que ele representa – Arendt, de novo? – mas também da dimensão igualmente patética da noção de “punição” possível).No entanto, é mesmo a personagem de Christine Collins que mais encarna neste final a disposição de Eastwood de ir até o fim. Pois, ao passar por todos os estágios posteriores de provação que lhe são impostas após a saída do hospício, podemos ver que aquilo que no começo seria determinação, logo dá a ela uma característica latente de insanidade e de obsessão. Para todos os efeitos da experiência racional do mundo, Christine Collins ultrapassa qualquer barreira de normalidade, e sua busca eterna pela inocência perdida (aquela tão bem filmada nos curtíssimos cinco ou dez minutos iniciais do filme) se expande para além do filme, através da imagem do alto onde ela se perde na multidão da cidade, com o crédito final revelando sua pena perpétua (“ela procurou pelo seu filho até o fim da vida”). Irmanar-se com ela, portanto, como o filme nos faz cumprir, passa a ser mergulhar na loucura e admitir, ao fim e ao cabo que, frente ao insondável e uma vez tocados pela tragédia e pela violência do mundo, não é possível voltar atrás, prosseguir da mesma forma, nem achar qualquer tipo de redenção."

20 janeiro 2009

"A Troca": um cinema de alto nível

O Professor Jorge Coli, em sua coluna Ponto de Fuga, publicada sempre aos domingos no Mais! da Folha de S.Paulo, foi um dos poucos que souberam dimensionar a importância de A Troca (Changeling), de Clint Eastwood. Publicado no último domingo, 18 de janeiro, o texto, lúcido e coerente, mostra que Coli sabe ver cinema como poucos. Escrevi também um comentário sobre o filme na revista Terra Magazine em sua edição de hoje(http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI3459162-EI11347,00-Um+Clint+Eastwood+em+ponto+de+bala.html).
Clint Eastwood, quer queiram ou não os seus detratores, é, talvez, o único realizador que continua a tradição clássica do cinema americano em tudo que ele tem de melhor e impactante. Mas vejamos aqui as sábias palavras do Professor Coli:
"A história é clara, mas o pensamento tão complexo. Nada de conceito teórico, mas uma reflexão intrincada brotando, intuitiva, dentro do filme. A expressão perfeitamente controlada engendra uma força que não se refreia. "A Troca" retoma obsessões que se tecem a partir de tudo que Clint Eastwood filmou.Alguns críticos tentaram, sem sucesso, enquadrá-lo em um único gênero: film noir, melodrama, policial, filme social, filme político. Ele contém tudo isso para formar outra coisa: uma convicção ética que exclui o maniqueísmo.
Nos anos de 1970, Eastwood fazia vingadores se levantarem contra a ordem social, comandada por poderosos sempre corrompidos até o cerne. O vingador vingava, não para restabelecer uma ordem justa, mas para destruí-la naquilo que estava ao seu alcance. Encontrava refúgio em comunidades de "outsiders", em meio à gente desprezada, mas leal, sincera, verdadeira: basta ver "O Estranho Sem Nome" ou "Josey Wales - O Fora da Lei".
"A Troca" expõe, ela também, a luta individual capaz de enfrentar o complô dos interesses sujos e das mentiras infames. O sonho da comunidade permanece, embora mais tênue e transformado, não mais na antiga utopia comunitária, mas em certas afinidades, algumas éticas, outras mais difíceis de explicar.
A palavra afinidade é uma chave no cinema de Clint Eastwood: significa laços invisíveis, muito poderosos, e para além das convenções. Quem viu não se esquece da cena unindo dois mortos que se amaram e se odiaram, em "Meia-noite no Jardim do Bem e do Mal". Há esse estranho filme, "Dívida de Sangue", em que dois personagens se ligam por razões nada racionais. O assassino abjeto de "A Troca" descobre uma surpreendente sintonia com a heroína, Angelina Jolie.
Os desmandos policiais expostos em "A Troca" são terríveis. O momento no qual, verdadeiro filme dentro do filme, surgem expostas as cumplicidades entre polícia e psiquiatria para abaterem-se com crueldade abjeta sobre as mulheres, é digno do mais alto Foucault. Dirty Harry, personagem do tira durão, machista, matador, que Eastwood interpretou em vários filmes, o primeiro deles dirigido por Don Siegel, ficou bem longe.
"A Troca" mostra suspeitos sendo baleados como num fuzilamento por razões torvas. A cena, que lembra os abates nos campos de concentração nazistas, remete para realidades como os esquadrões da morte, o Bope, e discursos delirantes do atual governador de Mato Grosso do Sul, que manda a polícia esquecer os direitos humanos.
Em "A Troca", Eastwood acusa, mas avança, e ultrapassa a denúncia militante graças ao personagem do serial killer. Ele encarnaria o mal absoluto, se o diretor não lhe tivesse concedido dimensão humana.Uma cena de execução judicial por enforcamento, descritiva, detalhada, expõe a barbárie da pena de morte como mais um crime cruel e perverso. O prisioneiro, cantando "Noite Feliz", mostra-se, ele próprio, habitado por uma inconsciência infantil. É um formidável momento de cinema. "A Troca" faz pensar no Kieslowski de "Não Matarás", no Chabrol de "O Açougueiro" e, sobretudo, em "M, o Vampiro de Düsseldorf", de Fritz Lang.Como neste último, a justiça é incapaz de compreender e, sobretudo, de resolver a questão do mal. Luz "Sobre Meninos e Lobos", o filme mais pessimista de Eastwood, centra-se, como "A Troca", na violência sobre crianças. Agora, porém, a última palavra é esperança." (Jorge Coli)

18 janeiro 2009

Cinema Baiano (13): Em memória de Ney Negrão

Há pessoas que trabalharam muito para a consolidação do cinema baiano, mas, porque desaparecidas, ficaram esquecidas. A nova geração, a rigor, não tem memória, e acredita que quem cultiva o passado é nostálgico, passadista e saudosista. Viver apenas para pensar no pretérito não teria cabimento, pois se deve usufruir do momento presente. Mas a memória é indispensável, conditio sine qua non da existência. Coitado daquele que não tem memória, disse Jorge Semprun, um dos roteiristas de Alain Resnais. Este imenso realizador francês (e chego a dizer: para mim, o cinema é Alain Resnais) tem como móvel de seu pensamento cinematográfico a necessidade do recuerdo, a urgência da memória e o processo desta na constituição do ser humano. Mas, com isso, me desvio do assunto principal do post, que é sobre pessoas que trabalharam com afinco pelo cinema baiano e estão completamente esquecidas, a exemplo de José Telles de Magalhães (que participou de quase todos os filmes feitos na Bahia, e, inclusive, foi co-autor do roteiro de Barravento, de Glauber Rocha), Carlos Alberto Vaz de Athayde, José Ribamar de Almeida, Sylvio Robatto, entre outros (alguns já dediquei posts neste seriado do cinema baiano, como Milton Gaúcho e Vito Diniz). Mas a memória de hoje é a memória de Ney Negrão.
Fala-se muito em cinema baiano, mas os realizadores do áudiovisual soteropolitano se encontram, de acordo com o esprit du temps, apenas mergulhados em seus egos e necessitados dos apupos. A nova geração se caracteriza pela recusa do passado - o que é um total equívoco, pois toda novidade incorpora elementos do pretérito - e muitos dos seus integrantes pensam que o cinema começou nos anos 80, com Blade Runner, o caçador de andróides, de Ridley Scott - um bom filme, por sinal, muito diferente dos matrixes que assolam a contemporaneidade a provocar metástase virulenta no processo de criação artística.

Mas isto é outra história. Voltando a Ney Negrão, devo lembrar que foi um entusiasmado cineclubista na época de Walter da Silveira e, findo o Ciclo Bahiano de Cinema, o cineasta que retomou a cinematografia destas plagas após um longo período desativada. O carroceiro, curta que realizou em 1965, é uma obra emblemática e hoje totalmente olvidada. Com a direção de fotografia de Carlos Alberto Vaz de Athayde - um batalhador incansável e outro esquecido, O carroceiro é um documentário que registra o itinerário de um homem que tem a profissão do título e que, no seu percurso diário, vai passando por várias situações.

Para aqueles que pensam que o cinema do Bahiano começou no ano 2000, vale lembrar que foi Ney Negrão quem o iniciou na primeira metade dos anos 80. Frequentador do Clube Bahiano de Tênis, onde ia todos os dias a las cinco de la tarde tomar o seu scotch, era amigo dos diretores, e foi sua a sugestão de projetar filmes no auditório que tinha sido recentemente inaugurado e estava sendo subutilizado para cerimônias de formatura, entregas de diplomas, aniversários com teatrinhos, entre outras bobagens. Ney conseguiu os projetores, dois que passavam filmes na bitola de 35mm, e ficou como o programador do Bahiano por alguns anos. Lembro-me que na época tinha uma coluna diária na Tribuna da Bahia e Ney me enviava, semanalmente, sem falta, a programação do auditório. Recordo-me de ter revisto lá, pela última vez na tela grande, ...E o vento levou, Melô, de Alain Resnais, entre muitos e muitos filmes. O lançamento de Jubiabá, de Nelson Pereira dos Santos, se não em engano em 1987 ou 1988, se deu na sala do Bahiano. Uma avant-première festiva com a presença do realizador e alguns atores, com uma verdadeira festa após a exibição, que somente terminou poucas horas antes do amanhecer, com muito scotch correndo solto, entre vinhos e cervejas.

Com a crise do Clube Bahiano de Tênis, que quase foi à falência, também o seu auditório, como seria de esperar, sofreu as consequências do débacle financeiro por gestão temerária. O aristocrático não tinha mais recursos para manter o cinema, para alugar os filmes, fazer a manutenção dos projetores e os custos referentes à contratação de empregados como porteiro e projecionista.

Desativado, mais de dez anos depois, André Trajano, acreditando no êxito de seu empreendimento, resolveu reformar o auditório do Bahiano, realizando, nele, reforma infra-estrututal, inclusive com a troca das cadeiras por poltronas confortáveis e a instalação de um bom sistema de ar condicionado. O sucesso foi imenso, como atesta, hoje, o Circuito Bahiano, que engloba, além da sala pioneira, o Cinema do Museu e o do Pelourinho. Uma grande loje de delicatessen, a Perini, comprou, há poucos anos, o grande espaço social do Clube Bahiano de Tênis. E, apesar de ter prometido construir duas salas de exibição, nada foi feito. A Sala de Arte do Bahiano era, contudo, a pièce de resistence de todo o circuito.

A memória de Ney Negrão continua viva. Na falta de um fato de O carroceiro, vai uma imagem de uma carroça.