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15 agosto 2013

Imagens dos filmes de Mikio Naruse

Uma antologia de imagens dos filmes do japonês Mikio Naruse, que a Sala Walter da Silveira brinda os cinéfilos com uma abrangente retrospectiva.

14 agosto 2013

Retrospectiva Mikio Naruse

Finalmente, com o conserto do espelho do projetor 35mm, entre outros aperfeiçoamentos na máquina, a Sala Walter da Silveira, depois de muitos anos restrita ao DVD  e outros suportes digitais, encontra-se, agora, apta a exibir filmes raros em celuloide – o que representa um feito e tanto para este espaço alternativo dos Barris. Para abrir com chave de ouro a temporada 35mm – que se perpetue ‘ad infinitum’, uma mostra que prima pelo ineditismo, apresentado, obras inéditas de um cineasta considerado importante: Mikio Naruse. Devo confessar, desde logo, que não vi nenhum de seus filmes, mas o programador da sala, Adolfo Gomes, que entende muito de cinema, parece um entusiasta de Naruse, o que já se pode considerar uma recomendação obrigatória. Gomes é uma analista, um exegeta da arte do filme e, além de programador (ficou de mão atadas pela impossibilidade de exibir filmes em 35mm), é também crítico de cinema com artigos/ensaios na já consagrada revista eletrônica Contracampo. O que vai abaixo é o release que Gomes me mandou:

Realização: Fundação Japão e Escritório Consular do Japão/Recife
16 a
Sala Walter da Silveira
Entrada franca

Pela primeira vez em Salvador, uma ampla retrospectiva da obra do cineasta japonês Mikio Naruse. Com o apoio da Fundação Japão e Escritório Consular do Japão no Recife, a Sala Walter da Silveira exibe entre 16 e 22 de agosto, sempre com entrada franca, 13 filmes do grande realizador nipônico. O evento marca ainda a retomada das projeções em 35mm, tão reivindicadas pelos cinéfilos que não trocam a velha e boa película pelas recentes exibições digitais.

Sobre o cineasta - Juntamente com Akira Kurosawa, Yazujiro Ozu e Kenji Mizoguchi, Mikio Naruse é um dos mais importantes cineastas japoneses - ainda que, no Ocidente, seu trabalho tenha menos alcance que o dos outros três. Diretor, produtor e roteirista, realizou cerca de 90 filmes no período entre 1930 e 1967. É conhecido por retratar os problemas sociais de sua época, os dramas das relações interfamiliares e o choque entre o Japão moderno e antigo, geralmente com ênfase em protagonistas femininas. Naruse era um observador mordaz das dificuldades financeiras dentro do núcleo familiar.
Considerado pessimista, Naruse era tímido e de poucas palavras. Muitas vezes seus filmes eram lentos, buscando enfatizar o drama do dia a dia do povo japonês, dando espaço para seus atores retratar nuances psicológicas em cada olhar, gesto e movimento. Seus roteiros eram simples, com o mínimo de diálogos, suas produções geralmente eram de baixo orçamento.
Segundo Kurosawa, o estilo de Naruse era “como um grande rio, de superfície calma, mas com uma correnteza feroz no fundo.”

Realização: Fundação Japão e Escritório Consular do Japão/Recife
Período de 16 a 22 de agosto
Sala Walter da Silveira
Entrada franca

Dia 16/08
15h
Tsuruhachi e Tsurujiro (Tsuruhachi Tsurujiro / 鶴八鶴次郎, Japão, 1938)
Direção: Mikio Naruse
Duração: 88 min.
Elenco: Kazuo Hasegawa, Isuzu Yamada, Kamatari Fujiwara, Heihachiro Okawa e Masao Mishima.
Classificação: 14 anos
Sinopse: Uma história tragicômica de amor não-correspondido situada no mundo do  "yose"  (tradicional espetáculo de variedades do Japão), protagonizada por dois dos maiores artistas do cinema japonês da década de 30 - Kazuo Hasegawa e Isuzu Yamada. Tsuruhachi e Tsurujiro gozam de grande sucesso como uma dupla de artistas tradicionais no final da época Meiji. Eles parecem tão próximos quanto irmãos, mas, nos bastidores, discutem constantemente sobre pequenos pontos de atuação. Por trás dessas discussões, contudo, há um quê de ciúme: Tsurujiro tem ciúmes da atenção que o rico Matsuzaki dispensa a Tsuruhachi. Tsuruhachi, da rica garota que tenta ser pupila de Tsurujiro. Quando Tsuruhachi é pedida em casamento por Matsuzaki, Tsurujiro resolve declarar seus reais sentimentos pela parceira. Baseado em um premiado romance, faz parte de uma série de filmes que Naruse produziu no tempo das artes tradicionais, oferecendo um autêntico vislumbre do mundo do "yose", incluindo aparições de artistas yose reais.
17h
Toda a Família Trabalha (Hataraku ikka, Japão, 1939)
Direção: Mikio Naruse
Duração: 65 minutos
Elenco: Musei Tokugawa, Noriko Honma, Akira Ubukata, Kaoru Ito e Seikichi Minami.
Classificação: 14 anos
Sinopse: Adaptação do romance do escritor Sunao Tokunaga, apresenta uma sólida representação dos problemas sociais em meio à censura de um momento cada vez mais militarista do Japão. Todo membro capaz da família Ishimura trabalha duro o dia inteiro, mas, mesmo juntos, parece que nunca ganham dinheiro suficiente: mal podem sustentar os 11 membros da família. Nessas condições, é uma surpresa quando Kiichi, o filho mais velho, anuncia querer sair de casa para estudar e conseguir um diploma de eletricista. Embora Ishimura saiba que o talento de seu filho está sendo desperdiçado no emprego atual, ele também tem consciência de que assim que Kiichi for atrás de seus sonhos, seus outros filhos vão segui-lo e toda a família corre o risco de desmoronar. Mas Ishimura é incapaz de conter completamente seus filhos, e a família é reduzida a um leito de descontentamento silencioso.
Dia 17/08
15h
Atores Itinerantes (Tabi yakusha, Japão, 1940)
Direção: Mikio Naruse
Duração: 71 min.
Elenco: Kamatari Fujiwara, Kan Yanagiya, Minoru Takase, Soji Kiyokawa e Ko Mihashi.
Classificação: 14 anos
Sinopse: Um grupo de atores de kabuki viaja de cidade em cidade fazendo seu show de comédia sobre um cavalo e seu mestre. O líder do grupo, Kikugoro Nakamura, engana as pessoas das cidades fingindo que se trata do famoso ator de kabuki, Onoe Kikugoro. A história gira em torno de dois atores que “interpretam” as pernas dianteiras e traseiras de um cavalo. O ator que interpreta as pernas dianteiras, Hyoruku, estudou de forma séria e dedicada o movimento de muitos cavalos a fim de aperfeiçoar sua atuação ao longo dos anos. Ele acredita piamente que sua interpretação de um cavalo é melhor que a de um cavalo de verdade. Sua linguagem corporal se tornou mais acostumada aos movimentos de um cavalo de verdade que a de um humano. Quando o grupo chega à cidade onde a história se passa, o barbeiro do município percebe o engano e tenta desmascará-los, mas acaba destruindo a fantasia de cavalo, cuja cabeça, ao ser reconstruída, passa a parecer a de uma raposa. Quando Hyoroku descobre sobre a cabeça refeita de sua fantasia de cavalo, ele se recusa a participar da peça. Kikugoro não tem escolha senão excluí-los e substituí-los por um cavalo de verdade.
 17h
Vida de Casado (Meshi, Japão, 1951)
Direção: Mikio Naruse
Duração: 97 min.
Elenco: Ken Uehara, Setsuko Hara, Yukiko Shimazaki, Yoko Sugi e Haruko Sugimura.
Classificação: 14 anos
Sinopse: Hatsunosuke Okamoto e sua esposa, Michiyo, mudam-se de Tóquio para uma pequena casa em um bairro modesto de Osaka. Eles se casaram por amor, mas o romance foi desaparecendo com a chegada da meia-idade. A distância entre os dois apenas aumenta, por conta das frustrações cotidianas.
Quando a sobrinha de Hatsunosuke, Satoko, aparece à sua porta após fugir da casa dos pais em Tóquio, surgem os verdadeiros problemas. Um excelente exemplo da capacidade de Naruse em revelar a amargura que há por trás da vida cotidiana.
Dia 18/08
15h
Mamãe (Okaasan, Japão, 1952)
Direção: Mikio Naruse
Duração: 98 min.
Elenco: Kinuyo Tanaka, Masao Mishima, Kyoko Kagawa, Keiko Enami e Akihiko Katayama.
Classificação: 14 anos
Sinopse: Livremente baseado em uma coletânea de redações de estudantes do ensino fundamental sobre suas mães, “Mamãe” foca na tentativa de uma mãe e sua família de se recuperarem da destruição da Segunda Guerra Mundial. Embora beirando o sentimental, a direção de Naruse é notavelmente comedida comparada às histórias melodramáticas da época. Um retrato belo e real de uma mãe japonesa comum e as lutas diárias que enfrenta nas ruínas do período pós-guerra.
17h
Nuvens Flutuantes (Ukigumo, Japão, 1955)
Direção: Mikio Naruse
Duração: 124 min.
Elenco: HidekoTakamine, Masayuki Mori, Mariko Okada e Chieko Nakakita. Classificação: 14 anos
Sinopse: Em 1943, em meio à Segunda Guerra Mundial, Yukiko Koda vai à Indochina Francesa (atual Vietnã), sob ocupação japonesa, para trabalhar como datilógrafa; lá ela conhece o engenheiro Tomioka, um homem casado, e eles se apaixonam. Quando a guerra termina, eles retornam ao Japão. Ela, acreditando na promessa de que ele se divorciaria de sua esposa em Tóquio, o procura. Ele, entretanto, hesita. Entrecortada por flashbacks, a história passeia pelos encontros e desencontros do casal ao longo do tempo. O filme mostra o vagar de uma vida sofrida durante o período pós-guerra, quando ninguém poderia sonhar com o crescimento econômico do Japão. Um retrato de como a guerra é capaz de destruir as vidas de pessoas que nem mesmo nela lutaram. Considerado um dos maiores filmes do cinema japonês.
Dia 19/08
15h
Chuva Repentina (Shu-u, Japão, 1956)
Direção: Mikio Naruse
Duração: 91 min.
Elenco: Shuji Sano, Setsuko Hara, Kyoko Kagawa, Keiju Kobayashi, Akemi Negishi,
Classificação: 14 anos
Sinopse: O filme foca em Ryotaro Namiki e sua esposa Fumiko, que vivem em uma área residencial de Tóquio. Suas vidas são monótonas, e eles vivem de pirraça um com o outro. Ryotaro reprime Fumiko por sempre cortar as receitas do jornal antes mesmo de ele ter lido. Fumiko o atormenta por ser tão insensível. Fumiko está infeliz com sua situação, mas ela não sabe o que fazer. Eles são incapazes de concordarem com alguma coisa ao fazer os planos para o domingo à tarde. As pequenas irritações se intensificam em uma animosidade insustentável. Pressões externas - problemas com dinheiro, parentes em dificuldades e vizinhos problemáticos - fazem com que eles concordem cada vez menos entre si. Em um período que marca o início de uma maior inserção das mulheres no mercado de trabalho no Japão, Ryotaro proíbe Fumiko de trabalhar. Eles estão quase no limite quando uma pequena distração os coloca no caminho para uma possível reconciliação. Baseado na peça “Balão de Papel” (1926), de Kunio Kishida, “Chuva Repentina”, como muitos dos outros filmes de Naruse, traz como protagonistas mulheres presas, pelas circunstâncias ou pela sociedade.
17h
Correnteza (Nagareru, Japão, 1956)
Direção: Mikio Naruse
Duração: 117 min.
Elenco: KinuyoTanaka, Isuzu Yamada, Hideko Takamine e Mariko Okada. Classificação: 14 anos
Sinopse: Dirigido em 1956, o ano em que a prostituição se tornou ilegal no Japão, “Correnteza” explora o funcionamento interno de um mundo em transição, quando as gueixas tradicionais são obrigadas a encarar o iminente declínio do seu modo de vida e o aviltante espectro da prostituição. O filme narra a história de Rika, uma viúva que, através de uma agência de empregos, consegue um trabalho como empregada doméstica em uma casa de gueixas em um bairro boêmio em Tóquio. Otsuta, a orgulhosa dona do local, luta todos os dias para manter o estabelecimento diante das dívidas que se acumulam e salvá-lo de se tornar uma lanchonete ou um bordel. Através dos olhos de Rika, conhecemos todas as gueixas, que bebem e brigam, se preocupam com a falta de clientes e tentam sobreviver perante a iminente extinção de sua profissão. Uma mostra perfeita do talento natural de Naruse em construir personagens femininas complexas.
Dia 20/08
15h
A Chegada do Outono (Aki tachinu, Japão, 1960)
Direção: Mikio Naruse
Duração: 79 min.
Elenco: Nobuko Otowa, Kenzaburo Osawa, Kamatari Fujiwara e Natsuko Kahara.
Classificação: 14 anos
Sinopse: Uma viúva recente, Shigeko, vai à casa de seu irmão em Tóquio com seu filho Hideo, que estuda na sexta série. Hideo passa a morar com o tio, dono de uma banca de legumes, enquanto sua mãe trabalha numa hospedagem nos arredores. Tendo crescido no campo, Hideo não está acostumado à cidade e prefere a companhia de seu bichinho de estimação, Riki, que um dia, por infelicidade, desaparece. Enquanto sua mãe lida com seus próprios problemas e pensa em abandoná-lo para fugir com um cliente, Hideo faz amizade com Junko, a filha da administradora da hospedagem com um homem casado. Em “A Chegada do Outono”, Naruse retrata de forma lúcida o ambiente das antigas áreas 'shitamachi' de Tóquio e as mudanças que nelas ocorriam com o crescimento da cidade.
17h
Nuvens de Verão (Iwashigumo, Japão, 1958)
Direção: Mikio Naruse
Duração: 130 min.
Elenco: Chikage Awashima, Isao Kimura, Ganjiro Nakamura, Nijiko Kiyokawa, Keiju Kobayashi e Yoichi Tachikawa.
Classificação: 14 anos
 Sinopse: Yae, que perdeu seu marido na guerra, administra uma pequena fazenda com sua sogra, enquanto cria seu filho Tadashi. Quando Tadawa, um repórter da filial local de um jornal de Tóquio, a entrevista sobre as recentes reformas agrícolas, os dois iniciam um caso amoroso, mesmo ele sendo casado. Wasuke, o irmão mais velho de Yae, luta para manter as terras, diante da ameaça do confisco por conta da reforma agrária, e tenta fazer com que seus filhos se casem, quando estes, na realidade, desejam ir atrás de trabalhos confortáveis na cidade grande. Primeiro filme em cores de Naruse, também foi o seu primeiro a fugir do ambiente da cidade e se focar na vida no campo. A história foca nas mudanças drásticas que ocorreram no pós-guerra na área rural do Japão, refletidas na lacuna cada vez maior entre as gerações. No centro, entretanto, a figura que Naruse constrói para continuar a traçar friamente o período pós-guerra: uma mulher solteira em difíceis condições, presa no conflito entre a o desejo de manter sua independência e a necessidade de casar novamente.
Dia 21/08
15h
Quando a Mulher Sobe a Escada (Onna ga kaidan wo agaru toki, Japão, 1960)
Direção: Mikio Naruse
Duração: 111 min
Elenco: Hideko Takamine, Masayuki Mori, Reiko Dan e Tatsuya Nakadai. Classificação: 14 anos
 Sinopse: Keiko, uma viúva de 30 anos, é a administradora de um bar no moderno e luxuoso bairro de Ginza. Após o expediente, ela diverte os ricos empresários que frequentam o local. O dono do bar insiste para que ela se prostitua para manter fiéis os clientes mais lucrativos, mas ela resiste. Sua família a pressiona por dinheiro, seus clientes a pressionam para tê-la, e ela vive endividada. Keiko sabe que está envelhecendo, e começa a se questionar sobre seu destino: ela deveria se casar? Ou pegar dinheiro emprestado para abrir seu próprio bar? Astuta, engenhosa, mas encurralada, Keiko representa os conflitos e lutas de uma mulher tentando afirmar sua independência numa sociedade dominada por homens.
 17h    
Tormento (Midareru, Japão, 1964)
Direção: Mikio Naruse
Duração: 98 min.
Elenco: Hideko Takamine, Yuzo Kayama, Aiko Mimasu, Mitsuko Kusabue, Yumi Shirakawa e Mie Hama.
Classificação: 14 anos
Sinopse: Apenas seis meses após se casar, Reiko fica viúva durante a guerra. Praticamente sozinha, reconstrói a loja de bebidas da família do marido, destruída durante um bombardeio. Dezoito anos depois, ela luta para manter a loja diante da concorrência esmagadora de um novo supermercado na mesma rua. Suas cunhadas tentam a todo custo se livrar dela, casando-a. Reiko ainda assume pra si a tarefa de tomar conta do seu cunhado Koji, onze anos mais novo, que largou o emprego e vive a jogar, beber e se meter em brigas, mas que mantém um profundo respeito por ela. Até que Koji confessa a Reiko que a ama.
Dia 22/08
15h
Nuvens Dispersas (Midare gumo, Japão, 1967)
Direção: Mikio Naruse
Duração: 124 min.
Elenco: Yuzo Kayama, Yoko Tsukasa, Mitsuko Kusabue e Mitsuko Mori. Classificação: 14 anos
Sinopse: Filmado dois anos antes da morte de Naruse. O casal na mesa perto da janela parece mais feliz do que qualquer outra pessoa no restaurante. Hiroshi, que trabalha em um escritório do governo, foi promovido e sua esposa, Yumiko, está grávida. A felicidade do casal parece que irá durar para sempre, mas, na verdade, terminará no fim daquela tarde em um acidente de trânsito, fatal para o marido. Mishima Shiro, o jovem rapaz responsável pelo acidente, a procura para se desculpar, e promete compensá-la com uma pensão. Inicialmente, ela se recusa a perdoá-lo, mas, após se reencontrarem por acaso em Hokkaido, um vínculo começa a crescer entre eles. O passado, entretanto, continua a projetar sua sombra.


11 agosto 2013

Desimportancia dos cineclubes

Catherine Deneuve em A bela da tarde (Belle de jour, 1967), de Luis Biñuel

Com o advento do VHS, do laser-disc, do DVD, e, agora, com a possibilidade de se baixar quase tudo da internet, a pergunta que se quer fazer é a seguinte: ainda haveria condições de ser ter um clube de cinema nos moldes do de Walter da Silveira nas décadas de 50 e 60?

Naquela época, difícil era se ver certos filmes, que ficavam restritos às cinematecas. O mercado exibidor se restringia aos lançamentos e as constantes reprises de filmes de sucesso. Como, nos anos citados, assistir aos filmes neo-realistas, aos do expressionismo alemão, às obras mais independentes de cinematografias desconhecidas, às obras do realismo poético francês, à vanguarda da estética da arte muda? O único jeito era a viagem e, assim mesmo, o mais certo seria ao exterior, às cinematecas de Nova York ou a de Paris, além de outras importantes da Europa. Aqui no Brasil, existiam, mas ainda incipientes, as cinematecas do Rio e de São Paulo (esta com um acervo mais versátil). Salvador não tinha nenhuma possibilidade de constituir uma cinemateca.

A importância de Walter da Silveira (que boa parte da nova geração não sabe quem foi, apesar de nome de sala alternativa nos Barris) foi justamente a de, com a fundação do Clube de Cinema da Bahia, trazer filmes especiais, essenciais na evolução da linguagem e da estética cinematográficas. Walter da Silveira fez ver, aos baianos de província (mas uma província muito agradável bem diferente da cidade engarrafada de hoje), que o cinema, além de um bom divertimento, era, também, a expressão de uma arte. O próprio Glauber Rocha, quando de sua morte, em novembro de 1970, em artigo para o Jornal da Bahia, confessa que o ensaísta fora seu grande mestre, que aprendeu a ver cinema através das palavras de Walter da Silveira. E conta, num artigo, o esporo que este lhe deu, quando, numa exibição de O encouraçado Potemkin, numa sessão matutina no cinema Liceu, conversava durante a exibição com um amigo. Walter, percebendo o "arruído", deu-lhe tremendo esporo, segundo palavras do próprio Glauber que, conta, nunca mais falou durante a projeção de um filme, tal a indignação do mestre diante do jovem tagarela.

Atualmente, no entanto, com a facilidade existente, pode-se ver um raro filme antigo, a exemplo de Ordet (1941), de Carl Theodor Dreyer, famoso cineasta dinamarquês, em boa cópia em DVD. Este filme, há poucos anos, somente seria possível ser contemplado na cinemateca de Henry Langlois, em Paris. Outro dia, vim a saber, que um conhecido baixou da internet, em cópia decente e legendada, As estranhas coisas de Paris (Elena et les hommes, 1956), com a bela Ingrid Bergman e Jean Marais, filme difícil de se ver (nunca passa na televisão e não tem no disquinho).

Há dois anos, tentou-se implantar um cineclube na Faculdade de Comunicação. Com excelente programação. Retrospectivas de Kubrick, Buñuel, etc. Mas os alunos antes de entrar perguntavam se os filmes estavam disponíveis em DVD. E davam meia-volta, volver.

Já se contou aqui que este colunista, uma vez no Rio, ao saber da exibição de Ladrões de bicicleta na Cinemateca do Museu de Arte Moderna, em única sessão, ainda que mal tivesse chegado à cidade, correu para lá. Finda a exibição, chuva torrencial fê-lo ficar encharcado e voltar a pé para o hotel (a cidade engarrafada, tudo parado). Nos tempos atuais, faria o mesmo sacrifício? Claro que não, pois o DVD de Ladri di biciclette está disponível não somente para ser adquirido, mas também nas melhores locadoras da cidade.

Qual a função do cineclubismo nos dias atuais? Walter da Silveira, por exemplo, sobre ser um dos maiores ensaístas de cinema do Brasil (na Bahia ninguém nunca lhe chegou perto), era um homem, verdade se diga, à antiga, de tom grave, circunspeto, com uma gestualística bem diversa da juventude atual e, mesmo, dos menos jovens que atualmente constituem o meio circundante e intelectual, universitário. A figura de Walter faz lembrar aqueles antigos mestres universitários, principalmente os professores da Faculdade de Direito (no acento vocal, nas pausas, na maneira de expor o assunto, um "magister dixet").

Mas acontece que o mundo mudou e, com ele, a cultura. Houve um papel importantíssimo exercido por Walter da Silveira. Os realizadores que se aventuram na captação das imagens em movimento são contemporâneos de um cinema digital. Faz-se filmes até pelos telefones celulares. O Clube de Cinema da Bahia, portanto, não poderia existir - nem teria razão de ser - nesta chamada contemporaneidade. A própria psicologia de recepção da obra cinematográfica mudou. Bem, são reflexões ao acaso.