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16 agosto 2008

Vence Paulo Emílio como melhor crítico

Os poucos que votaram na última enquete, sobre o melhor crítico de cinema do passado, deixaram o espaço reservado para Francisco Luiz de Almeida Salles sem nenhum voto depositado. Sem entrar na questão do melhor, Almedia Salles foi, sim, um dos mais talentosos críticos de cinema no Brasil numa época, inclusive, que a crítica se iniciava nas páginas dos jornais. Via o cinema como uma estrutura audiovisual, como devia, e, neste ponto, foi um dos pioneiros. Paulo Emílio (primeiro lugar, 8 votos dos 24 votantes, 33%), muito importante, e o que venceu a enquete, pensava a sociedade através das imagens em movimento e tinha uma prosa admirável, assim como Walter da Silveira (segundo lugar, 6 votos dos 24, 25%), da Bahia, e que teve, agora, editados quatro volumes do seu pensamento cinematográfico. Moniz Vianna (5 votos, 20%), crítico do choque, segundo palavras de Paulo Perdigão, traumatizou toda uma geração de cinéfilos com suas diatribes no extinto Correio da Manhã. Crítico formador, um nome que vai ficar para sempre registrado na memória daqueles que o leram. Quanto a José Lino Grunewald, teve a audácia de romper com a crítica convencional e inaugurar, no Jornal das Letras, uma, por assim dizer, nova-crítica, conforme se pode perceber na reunião de seus textos efetuada por Ruy Castro. E Rubem Biáfora deixou uma legião de admiradores de seus comentários particularíssimos em O Estado de S. Paulo.
Quanto aos outros, todos de grande valor também, como P.F. Gastal, do Rio Grande do Sul, assim como, deste estado, Hélio Nascimento. Mas menos conhecidos, menos lidos, mais regionais. Já Ely Azeredo, em sua época áurea no Jornal do Brasil foi um crítico de escol e não merecia um tracinho na enquete. Fazia parceria com José Carlos Avellar, dois antípodas. Aliás, houve um lapso na enquete com a ausência de Avellar, um dos críticos importantes da imprensa. Mas o lapso se justifica porque ainda continua na ativa e a enquete se relacionou a críticos do pretérito e alguns que constam, mesmo que vivos, já se aposentaram do ofício. Os mineiros Ciro Siqueira e Jacques do Prado Brandão tiveram a sua importância no panorama belorizontino.
Reservo aqui uma homenagem a Paulo Perdigão (2 votos, 8%), grande crítico, autor de um indispensável livro sobre o western clássico, Shane, que morreu ano passado. Ele é da geração de Sérgio Augusto, que não foi colocado porque continua ainda firme e forte nos seus escritos, ainda que variados e não mais especificamente cinematográficos. Outro que já se foi desta para melhor: Maurício Gomes Leite. Alguém ainda se lembra dele? Também cineasta: A vida provisória, filme da segunda metade da década de 60, quando visto a impressão que se teve foi muito boa, com Paulo José, Dina Sfat, Mário Lago e uma ponta de Carlos Heitor Cony no final.
Recomendo aos leitores deste blog a leitura das antologias editadas pela Companhia das Letras: Um filme por dia, de Antonio Moniz Vianna e Um filme é um filme, de José Lino Grunewald, que tiveram a seleção de Ruy Castro, que publicou, também, para a mesma editora, um livro muito interessante e de grande prazer de leitura: Um filme é para sempre.

13 agosto 2008

Vito Diniz por José Umberto

Quando da criação dos prêmios para o festival de cinco minutos, um deles recebeu o nome de Vito Diniz. Nesta ocasião, José Umberto, que trabalhou com o fotógrafo em vários de seus filmes, inclusive no seu primeiro longa O anjo negro (1973), escreveu um belo texto sobre o artista da luz. Que faço aqui questão de publicar.

"O artífice da câmera na mão. Esta é a imagem primeira de Vito, aquele que registrou, com elegância e beleza clássica, os filmes baianos de fins dos anos 60, 70 e meados de 80. Sua câmera Arriflex 35mm, que trouxera da Itália, foi a responsável direta pela captação de imagens límpidas de diversos cineastas, sobretudo daqueles estreantes com todo o gás.

Com um olho na câmera e o outro na larga experiência de cineasta e fotógrafo, Vito Diniz é o protótipo do artesão renascentista, cuidadoso, exigente, calmo e nobre no trato.

Deixou o legado de uma marca. A marca da busca apaixonada da imagem com o traço de quem filtra a luz com a maestria de um acadêmico despojado e sem afetação. Trabalhava para os outros com a mesma disposição atlética com que realizava seus próprios filmes.

O seu curta metragem Gran Circo Internacional é um marco do cinema periférico no século XX. Primando pela sutileza, este pequeno grande filme sintetiza o rigor do ritmo numa unidade de respiração, de escala métrica do tempo, na passagem dos planos operacionalizada pela montagem poética. Vito imprimia a imagem do real com o sentido da transcendência. Com a urgência da plasticidade nos meandros do claro/escuro, na fonte primeva das sombras, no êxtase e na vertigem das cores, mas sempre na procura da criação de um humanismo.

A sua simplicidade, herança do neo-realismo italiano, implicava numa exigência estética do aprofundamento. Não lhe interessava a superfície das sensações, porém o mergulho na essência de uma sociedade marcada pelo sofrimento. E ele não se deixava abater pela dor porque sua intenção fundamental seria sublimá-la e transubstanciá-la com a visão de poeta da imagem.

Vito Diniz fez cinema como Francisco de Assis falava com os pássaros em Pádua. Sua generosidade como artista é o exemplo de uma linguagem sem subterfúgio, de uma metáfora sem vaidades mundanas, portanto claro como um entardecer na praia de Piatã com fachos delirantes de um vermelho que sinaliza sangue e fervor."

"Furdunço" em torno de novo Edital

Procurar furdunços para se coçar não é tarefa difícil para o pessoal que faz cinema na Bahia. O furdunço que se estabeleceu em torno de Revoada, de José Umberto, com o produtor sequestrando o material filmado para montá-lo à revelia de seu autor, é um caso que precisaria ser mais discutido, pois serve como exemplo do poder da produtora em detrimento do diretor do filme, aquele que o concebe e o planeja e que estabece a sua forma de expressão. Agora mesmo os cineastas estão a discutir certas exigências do Edital, principalmente as referentes ao privilégio dado às emprêsas de produção. Tuna Espinheira, atento a tudo, envia-me um e-mail no qual dá notícias sobre um furdunço mais que apropriado. A mendicância, como se pode perceber, continua acessa e brava. Os mendigos de editais estão a sair de seus pontos cativos para o protesto meritório.

Velho André,
Li, hoje pela manhã, revolta de um seguimento dos cineastas baianos contra o presente Edital de concurso de roteiros. A briga principal está ligada às Empresas de Produção, das quais se exige mais de 3 anos de atuação no Estado. Acho que a discussão seria no sentido de reclamar a decisão do Júri em relação ao projeto inscrito, ficando a obrigatoriedade do contrato com a Pessoa Jurídica como uma segunda etapa do concurso. Isto deixaria livre o roteirista/diretor com a sua proposta. No caso de vencedor, o proponente teria mais força na negociação com a Empresa. Sem estar, previamente engessado com as interferências prováveis do Produtor.
Uma das coisas curiosas nisto tudo é que não existem na Bahia, pelo menos no meu conhecimento, uma real produtora de cinema. As que funcionam são do ramo da publicidade. Mesmo porque não sobreviveriam produzindo cinema por aqui. A atividade cinematográfica na terrinha é coisa bissexta, bota bissexta nisto.
Outra coisa é o fato de se exigir um monte de documento da Empresa e nenhum currículo do pretenso Diretor. Afinal quem vai fazer o filme!?
Agora Inêz é morta, no meu conhecimento, por ouvir dizer, há mais de um ano discute-se os Editais. Acho que a classe dormiu de toca, não se muda a regra do jogo no meio da partida. Existe razões de um lado e do outro, sem faltar alguma advocacia em causa própria, dos eternos alguns de plantão. Vixe Maria, mais um imbróglio.

Tuna
Transcrevo aqui a reportagem de Saymon Nascimento que saiu hoje na capa do Caderno 2 de "A Tarde" para maiores esclarecimentos do leitor deste blog.
Cineastas pedem edital de emergência

SAYMON NASCIMENTO
Produtoras com menos de três anos de mercado e realizadores independentes devem ficar de fora dos editais abertos pela Secretaria de Cultura do Estado para a produção de um longametragem – que tem um prêmio de R$ 1,2 milhão – e dois curtas, com valor de R$ 100 mil, cada um. De acordo com os cineastas, em carta aberta ao secretário Marcio Meirelles, o motivo do impedimento são novas cláusulas no texto da licitação, que não estavam presentes nos editais de incentivo à produção anteriores, lançados em 2004.A primeira cláusula estabelece que somente pessoas jurídicas podem se inscrever no edital. Os proponentes do projeto devem ser empresas. "Esse item inviabiliza o trabalho de jovens realizadores que, na Bahia, sempre trabalharam de forma independente", afirma o presidente da Associação Baiana de Cinema e Vídeo (ABCV), Lula Oliveira.
O videomaker Mateus Damasceno, que tem dois projetos de curta, é um dos excluídos da concorrência. "Sem a possibilidade da inscrição por pessoa física, o projeto corre o risco de nunca acontecer. Está difícil se associar a produtoras, já que elas têm filmes próprios e há um limite de três projetos inscritos", afirma.Na carta aberta a Marcio Meirelles, a ABCV pede a realização de um edital “emergencial” de curta-metragem para proponente pessoa física – padrão adotado nos editais mais recentes do Ministério da Cultura. No entanto, se a reivindicação for atendida, o prêmio não pode passar de R$ 62.250. Diferentemente do último edital, de 2004, os recursos das licitações atuais estão lotados no Fundo de Cultura do Estado, que estabelece um teto de 150 salários mínimos para projetos de pessoa física.
TRÊS ANOS – Para os projetos pertencentes às produtoras, há outros entraves para a participação na concorrência.Determinados pelo Fundo de Cultura, os editais abertos para longa e curta restringem o tempo de estabelecimento do proponente ao mínimo de três anos, para que esteja apto a concorrer aos incentivos."Entendo a preocupação em garantir que essa quantidade de dinheiro não caia na mão de produtoras inexperientes, sem capacidade de gestão, mas essa questão pode ser resolvida com análise de currículo, como no edital do Ministério da Cultura. Há produtores com mais de 20 anos de mercado, com bastante experiência, que só fundaram empresas recentemente", afirma o produtor Amadeu Alban, sócio da Santo Forte. A empresa tem dois projetos de longa e um de curta, mas não pode concorrer porque tem menos de três anos de mercado.Nos editais para longa-metragem do MinC, somente pessoas jurídicas podem disputar o incentivo, mas a exigência é de experiência comprovada e não de tempo: três curtas e/ou médias ou um longa.Com um ano e oito meses de fundação, a produtora Cavalo do Cão também não pode inscrever Tropykaos no edital de longa-metragem. O projeto, assinado pelo fundador da produtora, Daniel Lisboa – vencedor do Videobrasil por O Fim do Homem Cordial –, foi um dos nove vencedores do primeiro edital de desenvolvimento de roteiros, realizado ano passado. "Podemos tentar uma co-produção internacional, mas o caminho mais lógico seria concorrer a esse edital.Acho problemático o governo fazer um edital para roteiro e, depois, impossibilitar que os vencedores saiam do papel".Na carta aberta a Marcio Meirelles, os cineastas pedem a retificação do atual edital: o tempo mínimo de estabelecimento para que uma produtora possa concorrer passaria de três para dois anos. Anexa está uma lista de 20 produtoras e realizadores inelegíveis.
ESVAZIAMENTO – Outra conseqüência da realocação dos editais de incentivo à produção de cinema é a impossibilidade de que uma produtora premiada por qualquer projeto dentro do Fundo de Cultura possa tentar um segundo incentivo antes da prestação de contas e finalização do primeiro.O proponente também só poderá ter um projeto aprovado por ano.A produtora Coisa de Cinema, do cineasta Claudio Marques, tem os três anos regulamentares para estar habilitado às concorrências em questão, mas pode ficar de fora do certame porque ganhou incentivo no calendário do ano passado para realizar um festival de cinema."Com essa restrição, as produtoras vão investir em apenas um projeto por vez, escolhendo a dedo. Resultado: a seleção de curtas deve ter participação mínima, porque todo mundo vai querer apostar no longa, para não ficar preso a um projeto pequeno sem poder entrar em outras concorrências", afir ma.A empresa deMarques tem um projeto de longa e dois de curta, mas, caso consiga finalizar o projeto anterior a tempo, só vai inscrever o longametragem. "Apesar de haver duas dezenas de projetos de longa e quase cem de curtas no Estado, os editais vão estar esvaziados. Essa seleção não vai refletir o momento atual do cinema baiano", analisa.
FORA DO CIRCUITO – O cineasta Pola Ribeiro, diretor do Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia (Irdeb) – autarquia da Secult responsável pelos editais para o audiovisual –, disse que a secretaria deve se reunir com a classe ainda esta semana para discutir a reivindicação do edital de emergência para pessoa física, mas reafirmou a intenção de direcionar as licitações de cinema e vídeo para as produtoras."Cinema não é um projeto de um homem só. É preciso que o realizador se una às produtoras para que os projetos se tornem mais fáceis de se viabilizar.Não é o diretor que vai mandar parar uma rua, ou prestar contas – é necessário uma base de articulação com a sociedade, que são as empresas.Só assim o trabalho artístico vai ser profissionalizado", sustenta.Para Pola Ribeiro, os cineastas que estão atualmente inelegíveis, seja por falta de produtora, ou porque a empresa à qual estão aliados não cumprem as exigências do edital – três anos de estabelecimento ou outros projetos pendentes no Fundo de Cultura –, devem olhar para "fora do circuito"."Há, por baixo, mais 20 produtoras elegíveis que estão sem projeto, sem contar com o interior. O problema é que a gente de cinema só se relaciona com quem está próximo, em vez de procurar se articular com empresas que não estão concorrendo". De acordo com o diretor do Irdeb, os realizadores podem procurar empresas produtoras que trabalham com publicidade e comunicação, e apresentar os projetos."Como medida imediata, o próprio Irdeb deve fazer uma convocação dessas produtoras ociosas para a articulação com os realizadores inelegíveis.Com essa disponibilidade de empresas, é impossível que os editais fiquem esvaziados", acrescenta.De acordo com a assessoria da Secult, até o fechamento desta matéria o secretário de Cultura, Marcio Meirelles, não havia lido a carta aberta que lhe foi enviada pela ABCV e, portanto, não daria declarações sobre o assunto.
A foto que ilustro o post é de Cascalho, longa de Tuna Espinheira, que se encontra pronto para lançamento no mercado já com Dolby e tudo o mais.

11 agosto 2008

VITO DINIZ: Luminoso para sempre


Diretor de fotografia dos mais iluminados, Vito Diniz poderia ser um dos expoentes da fotografia cinematográfica brasileira se não fosse a sua paixão pela Bahia, sua insistência em aqui permanecer a trabalhar, e, com isso, recusando convites de fora que poderiam lhe fazer a fama e a glória. Mas de uma coisa se tem certeza: poucos, no Brasil, conhecem a arte de bem iluminar como Vito Diniz, que a Implacável o levou há uma década ou quase isso ainda em pleno vigor de sua capacidade produtiva. Pessoa de lhano trato, homem educado e delicado, tímido, não era afeito a diatribes, guardando as suas opiniões para os amigos. Iluminou quase todos os filmes baianos desde o crepúsculo da década de 60. Meteorgango Kid, o herói intergalático (1969), de André Luiz Oliveira, que virou filme cult do underground ou cinema marginal, teve a sua plástica de imagem orientada por Vito, assim como muitos outras longas baianos, a exemplo do desaparecido Akpalô (1971), de José Frazão, O anjo negro (1973), de José Umberto, entre muitos outros, inclusive os curtas e médias de Fernando Belens, Kabá, Edgard Navarro, Pola Ribeiro, Tuna Espinheira, Agnaldo Siri Azevedo, etc.
Antes da aventura no cinema, trabalhou como correspondente da Manchete em Roma e chegou a dirigir uma chanchada com Colé.
Deixou também de sua autoria curtas preciosos como Magarefe (1971), que focaliza a crueldade da morte de bois e vacas, Pelourinho (1972), visão poética deste centro histórico que é um patrimônio da humanidade, e, quando se aventurou no Super 8, o resultado foi um filme com a qualidade daqueles na bitola 35mm: Gran Circo Internacional.
Presto aqui esta pequena homenagem ao grande homem e ao grande fotógrafo que foi Vito Diniz. A foto é de seu filho, Xico Diniz, e quem ma enviou foi Carlos Alberto Gaudenzi (Kabá), um amigo de Vito de todas as horas.
Clique na imagem para vê-la ampliada.

10 agosto 2008

Introdução ao Cinema (13)

A construção de uma narrativa cinematografia obedece a diversos critérios assim como um projeto arquitetônico corresponde a determinadas opções. Há uma construção narrativa que se pode considerar simples e outra que se desenha como complexa. Dois tipos de estruturas, portanto, mas que se deve ter em conta e ressaltar que a simplicidade ou a complexidade são noções exclusivamente inerentes ao como do discurso e não à sua coisa. Isto quer dizer: pode haver histórias intrincadíssimas mas de estrutura simples, elementar, e, pelo contrário histórias lineares, com começo, meio e fim e progressão dramática tradicional mas que se tornam intrincadas por uma disposição particular dos segmentos narrativos.
Dentre as narrativas de estruturas simples estão: a linear, a binária e a circular.


1. Narrativa linear. Este tipo de narrativa é percorrida por um único fio condutor que se desenvolve de maneira seqüencial do princípio ao fim sem complicações ou desvios do caminho traçado. A narrativa de estrutura linear é a de mais fácil leitura e é concebida de modo a respeitar todas as fases do desenvolvimento dramático tradicional. O esquema que se obedece é aproximadamente o seguinte: a) introdução ambiental; b) apresentação das personagens; c) nascimento do conflito; d) conseqüências do conflito; e) golpe de teatro resolutório. Este esquema da narrativa linear repete ao pé da letra o que era a estrutura base do romance psicológico do século XIX. Incluem-se nesse tipo de narrativa aquela nas quais o elemento poético e metafórico é reduzido ao mínimo e os motivos de interesse residem exclusivamente na fábula (story), excetuando-se os eventuais casos de erosão dentro do referido esquema – que se constituem uma exceção à regra.

2.Narrativa binária. Este tipo de narrativa é percorrida por dois fios condutores a reger a ação como só acontece nos casos de narrativas paralelas baseada na coexistência de duas ações que podem entrecruzar-se ou manter-se distintas. Garantia certa de tensão dramática, a binária é empregada em fitas de ação – thrillers, westerns, etc – porque valoriza o paralelismo e o simultaneismo, fornecendo, assim, amplas possibilidades de impacto. Exemplo clássico da narrativa binária está em David Wark Griffith (Intolerância, 1916, O lírio partido, 1918, Broken blossoms no original). A linguagem cinematográfica tomou impulso com a descoberta da ação paralela e da inserção de um plano de detalhe no plano de conjunto.
3.Narrativa circular. Este tipo de narrativa tem lugar quando o final reencontra o início de tal modo que o arco narrativo acaba por formar um círculo fechado. É menos frequente e mais ligada a intenções poéticas precisas com um propósito de oferecer uma significação da natureza insolúvel do conflito de partida e denota a desconfiança em qualquer tentativa para superar a contradição assumida como motor dramático do filme. A significação implícita a este gênero de escolha estrutural poderia ser: “as mesmas coisas repetem-se”. Em A faca na água (Noz W Wodzie, Polônia, 62), o primeiro longa metragem de Roman Polanski, assim como também em O fantasma da liberdade (Le fantôme de la liberté, 74) de Luis Buñuel, e Estranho Acidente (Accident, 68), de Joseph Losey, para ficar em três exemplos, as coisas que se observam no início voltam a surgir no final, a despeito das tentativas registradas pela narrativa para se libertar delas e da sua influencia nefasta. A construção das obras citadas obedece e exprime a visão do mundo de seus autores do que, propriamente, à matéria da fábula, que pode se apresentar tranquila e jocosa e destituída de relevância maior.
Dentre as narrativas de estrutura complexa estão: a estrutura de inserção, a estrutura fragmentada e a estrutura polifônica.
(a) Narrativa de inserção. Consiste numa justaposição de planos pertencentes a ordens espaciais ou temporais diferentes cujo objetivo é gerar uma espécie de representação simultânea de acontecimentos subtraídos a qualquer relação de causalidade. Os segmentos narrativos individuais interatuam entre si, produzindo, com isso, uma complicação ao nível dos significantes que potencializa o sentido global do discurso. A contínua intervenção do flash-back pode provocar um entrelaçamento temporal que esvazia a noção do tempo cronológico em favor do conceito de duração. Por outro lado, as frequentes deslocações espaciais conferem aos lugares uma unidade de caráter psicológico mas não de caráter geográfico. Na narrativa de inserção, a realidade é vista de modo mediatizado, isto é, a realidade é refletida pela consciência do protagonista ou pela do realizador omnisciente. Seguem esta narrativa de inserção filmes como 8 ½ (Otto e mezzo, 64), de Federico Fellini, A guerra acabou (La guerre est finie, 66), Providence, entre outros trabalhos de Alain Resnais, Morangos Silvestres (Smulstronstallet, 57) de Ingmar Bergman, etc. Nestes exemplos, o receptor/espectador é posto diante de um desenvolvimento narrativo que não é lógico mas puramente mental: o velho Professor Isaac contempla a própria infância (Bergman), o cineasta Guido (Marcello Mastroianni) no cemitério conversa com seus pais já falecidos (Fellini), a projeção do desejo de um escritor moribundo (John Gielgud) imaginando situações (Resnais). O desenvolvimento puramente mental determina, por sua vez, um jogo de associações visuais e emotivas que cria um universo fictício exclusivamente psicológico.
(b) Narrativa fragmentária. Estrutura-se pela acumulação desorganizada de materiais de proveniência diversa, segundo um procedimento análogo ao que, em pintura, é conhecida pelo nome de colagem, A unidade, aqui, não é dado pela presença de um fio narrativo reconhecível, porém pelo ótica que preside à seleção e representação dos fragmentos da realidade. Se, neste caso, da narrativa fragmentária, a intenção oratória do cineasta prevalece sobre a fabulatória, mais acertado seria considerar o filme como um ensaio do que um filme como narrativa. A expectativa de fábulas, no entanto, encontra-se presente no homem desde seus primórdios e o cinema, portanto, desde seu nascedouro possui uma irresistível vocação narrativa. Poder-se-ia, então, ainda que esta irrefreável expectativa do receptor diante de um filme, falar de um cinema-ensaio ao lado de um cinema-narrativo. O exemplo de, novamente Alain Resnais, Meu tio da América (Mon oncle d’Amerique) vem a propósito, assim como Duas ou Três Coisas Que Eu Sei Dela (Deux ou trois choses que je sais d’elle, 66) de Jean-Luc Godard – um minitratado sobre a reificação que ameaça o homem na sociedade de consumo, La hora de los hornos (68), de Fernando Solanas – obra nascida como ato político que utiliza documentos, entrevistas, cenas documentais e trechos com o objetivo de proporcionar a tomada de consciência revolucionária por parte do espectador.
(c) Narrativa polifônica. Estrutura-se pelo número de ações apresentadas que confere uma feição coral à narrativa, impedindo-a de afirmar-se de um ponto de vista que não seja o do realizador-narrador. Os acontecimentos que se entrelaçam são múltiplos, dando a impressão de um afresco, que se forma pelas situações captadas quase a vol d’oiseau. Utilizando-se desse tipo de narrativa complexa, o cineasta capta de maneira sensível, se capacidade houver, o clima social de uma determinada época, como fez Robert Altman em Nashville (1975). Neste filme, vinte e quatro histórias se entrecruzam para compor um mosaico revelador da realidade dos Estados Unidos durante a década de 70. Outro exemplo do mesmo Altman é Short cuts. (Short cuts, EUA, 91)
As estruturas examinadas são todas elas do tipo fechado, segundo as coordenadas estabelecidas por René Caillois (12). Porque, assim fechadas, estas estruturas servem de suporte à narrativas concluídas do ponto de vista de seu desenvolvimento, não importando o seu significado poético. Existem, no entanto, casos de estruturas abertas, nas quais a conclusão do discurso é deixada em suspenso ou então prolongada para além do filme. O que caracteriza a obra cinematográfica como um trabalho em devir, um filme que busca ainda o seu desfecho ou, então, como um texto que se oferece à meditação do espectador. Em Apocalypse now (1978), de Francis Ford Coppola, o cineasta apresenta três finais todos igualmente legítimos e solidários com o contexto narrativo. Já em Dalla nube nulla ressitenza (81), de Jean-Marie Straub, formado por blocos de sequências fixas, a solução final é deixada ao subsequente trabalho de reflexão do espectador/receptor. Trata-se de uma obra que faz uma reflexão, por meio de representações dialogais, sobre a passagem da idade feliz do Mito para a idade infeliz da História.
O caráter aberto da narração, todavia, em nada desfalca a contextualidade orgânica do discurso, contextualidade que se mantém íntegra apesar da suspensão da fábula. A solidariedade estrutural, ressalte-se, constitui a conditio sine qua non de qualquer discurso cinematográfico que pretenda considerar-se artístico.