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12 setembro 2009

Anselmo Duarte recebe alta do Incor


Notícia alvissareira para os admiradores de Anselmo Duarte. Apesar de sua idade provecta, deu a volta por cima e já recebeu alta do Incor. Publico aqui uma nota do presidente do Instituto Anselmo Duarte, Richard Hooper Duarte, que dá notícias sobre o seu infortúnio e padecimento.
É com comovido alívio que este Instituto anuncia que o nosso Presidente Vitalício, Anselmo Duarte, recebeu ontem, 10 de setembro de 2009, Alta Clínica do Hospital do Coração - INCOR, em São Paulo, após 24 dias de internação em grave estado de saúde, causada por uma ocorrência de comprometimento de anemia profunda em virtude de perda sanguínea pela urina causada por um pólipo maligno (câncer) na bexiga e suas conseqüências laterais cardiovasculares e renais.
A equipe médica liderada pelo Dr. Roberto Rocha Giraldez, da Unidade Clínica de Conorariopatia Aguda do InCor, resgatou com eficácia toda a sua experiência de prática clínica, aprofundada pela atualizada vigilância sobre os mais recentes relatos da investigação clínica internacional cardiovascular e renal, para não somente preservar a integridade física de Anselmo Duarte mas, principalmente, garantir-lhe a esperança de uma sobrevida que nos brinda, a todos que têm orado e torcido pelo nosso mais cativante cineasta, a continuidade do seu inspirador convívio.
O resgate clínico de Anselmo Duarte confirma a exponência qualitativa referencial do InCor de São Paulo no cenário mundial da ciência conorariopática.
A recuperação de Anselmo surpreendeu a todos, médicos e leigos. Um "ancião" em seus 89 anos de vida, após sofrer o episódio de comprometimento renal e cardiovascular que o levou à internação hospitalar, reverteu, em menos de um mês, da cruel e exasperante nuance do impossível à normalidade.
A fortaleza física imponderada do Anselmo em seu histórico de enfrentamento às adversidades frustrou as péssimas expectativas que se lhes apresentavam as iniciais projeções dos médicos na instância de sua internação.
Genética, ciência médica ou intervenção da Providência? Só Deus pode responder se o câncer em sua bexiga, que revelou-se superficial, sem metástase e, interrompido o sangramento do pólipo maligno, após sua remoção, reverteu a anemia aguda, pelo procedimento médico ou ...pela intervenção divina.
Aos 89 anos, o ambiente de expectativa para a sobrevivência de Anselmo era de genuíno e estatístico pessimismo. Contudo, na continuidade da sua sofrida internação no InCor, sua pressão arterial, seu nível de comprometimento renal, as medições das taxas de hemoglobina e de creatinina, estes e todos os parâmetros clínicos relevantes ao julgamento para a continuidade da estratégia de recuperação clínica de Anselmo, trouxeram à equipe do Dr. Roberto Rocha sólidos elementos para determinar, sem hesitação, uma "milagrosa" "ALTA" hospitalar.
Este seu atual estado de estabilidade continuará a ser preservado por tratamento medicamentoso, orientado pelo InCor e instrumentado pela família do cineasta.
Cabe aqui, também, nosso mais profundo agradecimento ao Governador José Serra, que na pessoa dos seu Assessor Especial na Casa Civil, Edmur Mesquita, soube, com descortino e sabedoria, como reagir com agilidade providencial em resposta as necessidades de urgência hospitalar do velho cineasta paulista garantindo-lhe remoção imediata para internação hospitalar urgencial em atendimento aos apelos da família de Anselmo e ao do povo paulista.
Graças a Deus, às orações dos milhares de admiradores, Brasil e mundo afora e, principalmente, à equipe médica do Dr. Roberto Rocha e à impecável dedicação amorosa do corpo profissional de enfermagem do InCor, o nosso Anselmo, o garoto dos pés descalços de Salto, está de volta ao nosso convívio, consciente e alerta para continuar a nos celebrar seus exemplos de genialidade para o porvir da criatividade humana.
Ricardo Hooper Duarte
Presidente
Instituto Anselmo Duarte

10 setembro 2009

"A marca da maldade", de Orson Welles

Orson Welles - numa interpretação inexcedível, obeso, desfigurado, para dar a impressão da configuração da maldade - é Hank Quinlan, policial de uma cidade da fronteira entre o México e os Estados Unidos, que tem o costume de fabricar as provas com as quais acusa os supostos culpados perseguidos. Um colega mexicano, Vargas (Charlton Heston, que mostra, aqui, que não é apenas ator de épicos hollywoodianos, mas um ator de amplos recursos), que acaba de se casar com uma jovem americana, Suzie (Janet Leigh) vem a descobrir os arranjos de Quinlan e ameaça desmascará-lo. Com a ajuda de Grandi (Akim Tamiroff), um traficante local que serve à polícia com informações, Quinlan faz seqüestrar e drogar Suzie, matando logo em seguida seu cúmplice no quarto do hotel onde ela se encontra trancafiada. Uma sucessão de acontecimentos proporciona a um fiel subordinado de Quinlan, Menzies (Joseph Callea) a constatação de seu caráter e acaba ajudando Vargas no total desmascaramento de Quinlan.

Touch of evil (o toque do mal, se traduzido ipsis litteris) marca o retorno de Orson Welles a Hollywood após uma ausência de dez anos. Os constantes estouros nos orçamentos, o seu comportamento muito além dos parâmetros convencionais, e as ameaças de interferência dos estúdios em seus trabalhos, fizeram-no se afastar da meca do cinema. Na década que fica fora (1948/1958) realiza, porém, na Europa, alguns filmes, a exemplo de Othello (personalíssima versão do texto célebre de William Shakespeare, que leva dois anos para ser realizada: 49/51), e Grilhões do passado (Mr. Arkadin ou Confidential report, 1955).

A marca da maldade é montado, na sua versão final, à revelia de seu autor. Há alguns anos, encontradas as anotações de Welles sobre como proceder à montagem do filme, Touch of evil é remontado tal qual a concepção do realizador de Cidadão Kane (as duas versões são exibidas, há cinco anos, no Telecine, quando este ainda é Classic e não Cult, com um documentário especial sobre as diferenças entre as duas cópias).

Apesar de sua base literária como ponto de partida do roteiro, uma sub-literatura de Whit Masterson (aliás, Hitchcock sempre diz que nunca gosta de fazer adaptações de grandes livros, a preferir a sub-literatura encontradiça em bancas de jornal, as chamadas pulp-fictions, mas a sua extração é sempre de um procedimento cinematográfico exemplar e reveladora de uma escrita que estabelece uma mise-en-scène de puro cinema, de pura estesia), A marca da maldade é uma de suas obras mais interessantes e reveladoras. Alguns historiadores, inclusive, estão a considerá-la como mais importante ainda do que Citizen Kane (o que se nos afigura um absurdo, ainda que Touch of evil seja um filme excepcional, e grandioso, e impactante, e genial).

A figura de Quinlan representa à perfeição a postura wellesiana ante a sociedade em que vive. Não que o autor se identifique com o personagem. É que, através de sua monstruosa personalidade, submete, com ela, a crítica ao mundo que o rodeia e no qual certos valores deixam de ter vigência. Em torno da figura de Quinlan, evolui uma série de personagens que, na verdade, não são mais que elementos de uma antítese mediante a qual Welles pretende chegar a uma visão dialética. E quem faz o resumo desta visão é a cigana interpretada por Marlene Dietrich no final do filme numa espécie de epitáfio cínico e emocionado.

O fabuloso plano-seqüência inicial, longo e complicado, fica definitivamente nos anais da história do cinema mundial. E dá a tônica estilística de A marca da maldade, uma das mais barrocas de seu autor (a influência do expressionismo alemão, com o contraste das sombras e das luzes, é impressionante). Welles utiliza os inquietantes elementos de uma trama enviezada e a particular estranheza dos cenários para compor uma obra em que tudo está deformado por uma ótica com freqüência aberrante.

Com a oportunidade de comparar as duas versões de A marca da maldade (a montada à revelia e a montada segundo as anotações do diretor), vê-se que o plano-seqüência do início, na versão oficial, é desfigurado com a colocação dos letreiros de apresentação, a ofuscar a visão das pessoas, do movimento, e dos objetos dentro do enquadramento. Welles, como de hábito, na sua concepção original, elabora o plano-seqüência absolutamente desprovido de qualquer material de procedência que não a da imagem.

A seqüência de Janet Leigh no motel parece ter inspirado Alfred Hitchcock a convidar a atriz para o elenco de Psicose (Psycho). Não resta dúvida de que tudo indica que a atmosfera reinante no motel wellesiano de A marca da maldade tem tudo a ver com o motel hitchcockiano, com Norman Bates à la carte, de Psycho e, inclusive, a distância entre os dois filmes é curta: dois anos. O velho Hitch há, também, de sofrer a angústia da influência de Harold Bloom.

Muitos críticos e historiadores, a exemplo de Peter Bognadovich, acreditam que A marca da maldade possui uma chegada de Welles a este momento de sua vida com o mesmo cansaço que Quinlan experimenta em relação a Kane, cansaço que emerge dos anos transcorridos, da reflexão, da angústia e da desesperança.

09 setembro 2009

XXXVI Jornada Internacional de Cinema da Bahia

Começa a XXXVI Jornada Internacional de Cinema da Bahia, que vi nascer em 1972 restrita a mostra à Bahia. Depois se expandiu e, em 1985, tornou-se internacional. Desta vez as atividades estão concentradas no Espaço Unibanco Glauber Rocha na Praça Castro Alves, a praça do poeta. Clique na imagem para vê-la melhor.

07 setembro 2009

"Dona Flor" e Ernesto Geisel


Publiquei este texto há algumas semanas no Terra Magazine.
1) Luiz Carlos Barreto, numa longa entrevista à TV Senado, que passou recentemente, conta a sua trajetória de homem de cinema e, lá pelas tantas, fala de Dona Flor e seus dois maridos, o maior sucesso de bilheteria de todos os tempos baseado em romance homônimo de Jorge Amado e dirigido por seu filho, Bruno Barreto. O ano, 1976, a ditadura militar exercia poderosa censura sobre todos os filmes. E implicou com Dona Flor. Queria proibi-lo. Barreto foi à Brasília tentar convencer os censores, mas tudo em vão.
2) De repente, ao sair de um ministério, encontra, por acaso, Amália Lucy, filha de Ernesto Geisel, o general de plantão, a quem se atribui o dito de Chico Buarque de Holanda ("você não gosta de mim, mas sua filha gosta¿). Barreto já conhecia Amália, e ela, surpresa, perguntou o que ele estava a fazer em Brasília. O produtor disse a ela que Dona Flor e seus dois maridos tinha sido proibido pela censura. Mas por quê? indagou a filha do general, que manifestou desejo de ver o filme.
3) Barreto marcou um encontro numa sala de exibição brasiliense e projetou Dona Flor para Amália Lucy. No final, ela revelou a ele ter gostado muito do filme e não via razão para ser proibido. E disse a Barreto: "Quem gostaria muito de ver seria meu pai, pois ele gosta dos romances de Jorge Amado" O célebre produtor, surpreso, ia dizer alguma coisa, quando ela o interrompeu: "Você não conhece meu pai. Vamos marcar uma sessão no Palácio do Planalto. Marcada a exibição, Barreto entrou meio constrangido para projetá-lo para Geisel e encontrou uma sala toda equipada para a sessão especial, com farta distribuição de 'scotch¿ e salgadinhos.
4) Barreto conta que Ernesto Geisel, durante o transcorrer da projeção, riu muito e, no final, congratulou-o por ter feito um filme ágil e engraçado. Disse que entraria imediatamente em contato com o Ministério da Justiça para a liberação de Dona Flor.
5) Dona Flor e seus dois maridos foi filmado em Salvador em 1975 e me lembro de ter acompanhado a filmagem de uma cena no Largo da Palma. Terceiro filme do jovem Bruno Barreto, que tinha em torno de 20 anos (o primeiro, Tati, a garota, baseado em Anibal Machado, o segundo, A estrela sobe, segundo Marques Rabelo), Dona Flor foi lançado no Brasil inteiro e na Bahia em mais de seis salas simultaneamente. Sucesso imenso, filas quilométricas. Mas aconteceu um fato peculiar.
6) Programado para ser exibido em seis salas, na segunda (dia em que os lançamentos entravam em cartaz), o distribuidor da Embrafilme somente tinha recebido em seu escritório apenas cinco cópias e não haveria tempo hábil para mandar buscar a que faltava. Mas, de repente, surgiu uma idéia. A cópia do cinema Bahia poderia ser exibida também no Tamoio, sala perto daquela. Para funcionar, no entanto, era preciso que os horários fossem diferentes. Naquela época, um filme de longa-metragem tinha, a depender de sua duração, cinco, seis latas, contendo, cada uma, um rolo ou carretel. Exibido o primeiro rolo no Bahia, um funcionário da Embrafilme corria para levá-lo ao Tamoio. E assim sucessivamente.
7) Apesar de Barreto ter contado que Geisel tinha ordenado a liberação do filme, o que, realmente, aconteceu, a minha memória me diz que houve o corte de uma cena, quando há um coito anal entre José Wilker e Sonia Braga. Mais de 20 anos depois, quando o filme foi relançado em cópias novas, a cena cortada foi reposta. Se, em 1976, Dona Flor e seus dois maridos foi um êxito sem precedentes, quando do seu relançamento, duas décadas passadas, revelou-se um fracasso retumbante no mercado exibidor.
8) Sonia Braga tinha feito uma Gabriela maravilhosa para uma novela da Globo e o seu aproveitamento como outra personagem amadiana, a Dona Flor, deu muito certo, a ponto do próprio escritor ficar encantado com ela. Poucos anos depois, 1982/83, Barreto a dirige numa produção internacional no papel de Gabriela, mas o filme não soube captar, com a desenvoltura necessária, a crônica de uma cidade de interior que é Gabriela, cravo e canela. No elenco, Marcello Mastroianni. Mas nem mesmo assim conseguiu as graças do público.
9) Em Dona Flor e seus dois maridos, além da de Wilker e Braga, destaca-se a primorosa interpretação de Mauro Mendonça, como o segundo marido de Flor. O primeiro, Vadinho/Wilker, farrista, boêmio, morre de repente num domingo de Carnaval, mas o seu espírito reaparece a tentar a bela Dona Flor. Um triângulo amoroso com acentos espíritas, um ménage-a-trois atípico, portanto.
10) A trilha musical é funcional e eficiente a cargo de Francis Hime. E há, ainda, a letra e música de Chico Buarque de Holanda na interpretação de Simone (O que será, o que será...). Murilo Salles, antes de se tornar realizador, é o diretor de fotografia e, no elenco, vários atores baianos como Nilda Spencer, Mário Gusmão, Dinorah Brillanti, Haydil Linhares, João Gama, Wilson Mello, entre outros. Nesta época, meados dos anos 70, a Bahia virou décor de alguns filmes, entre os quais Tenda dos milagres, de Nelson Pereira dos Santos, também baseado em romance homônimo de Jorge Amado. Nelson, porém, o grão-duque do cinema brasileiro, se tem resultados excelentes quando faz adaptação de Graciliano Ramos (Vidas secas, Memórias do cárcere) não consegue transferir os romances do escritor baiano para um resultado cinematográfico convincente (Tenda dos milagres é melhor, mas Jubiabá decepcionante, ainda que com a ajuda de capital internacional).

Quem se lembra de Lolló?

A mulher mais bela do mundo, diz o título de um filme com esta diva do cinema que, talvez, não seja mais nem conhecida nem lembrada pela nova geração: Gina Lollobrigida. La donna più bella del mondo, de 1959, de Robert Z. Leonard, que tem, no seu elenco, Vittorio Gassman, Robert Alda, Anne Vernon (a mãe de Deneuve em Les parapluies de Cherbourg, 1964, de Jacques Demy), foi um dos primeiros filmes que vi na vida. E que desapareceu de meu horizonte de cinéfilo. Mas é bom clicar na imagem para vê-la ampliada em outra janela e para que Gina possa ser contemplada no esplendor de sua beleza.