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07 outubro 2010

Um instantâneo para a história

Corria o belíssimo ano de 1960. Num intervalo das filmagens de 11 homens e um segredo (Ocean's eleven), do mitológico Lewis Millestone, que dá de chicote na versão homônima de Steven Spielberg, Peter Lawford e Frank Sinatra recebem a visita de Marilyn Monroe. A mulher que está sentada de cabelos pretos curtos, e fumando um cigarro, parece ser Shirley MacLaine (que faz uma ponta no citado filme). Sinatra sempre foi um profissional da bebida, bom de copo, que fechava quase sempre uma boite em Nova York para beber com sua turma (Dean Martin, Sammy Davies Jr, Lawford, Joel Bishop...). Geralmente todos ficavam muito bêbedos e a farra era enorme. Bons tempos: cigarro e álcool à vontade. Sem esta lei fascista que proíbe o fumo nos bares e restaurantes.


P.S: Residindo em Salvador há mais de meio século, ainda que com idas bissextas ao Rio de Janeiro, sinto que a Bahia, hoje, culturalmente, é a terra do já era. Uma grande mostra como a de John Ford, por exemplo, fica restrita apenas a São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Não seria o caso de a Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (ou sua dita Fundação Cultural) envidar esforços no sentido de trazê-la a Salvador? Uma mostra como essa vale mais do que dezenas de eventos culturais que estão sendo prestigiados na chamada, antigamente, Boa Terra. Se viesse, iria ficar hospedado em um hotel próximo à sala exibidora para poder ver todos os filmes com paz e tranquilidade. E vi, agora, pela Globo News, uma reportagem sobre o catálogo (na verdade um calhamaço maravilhoso) sobre Ford, primeiro e único. Bem fez o crítico Antonio Moniz Vianna que, quando da morte desse gênio da sétima arte, desse Homero do cinema, deixou de escrever sobre cinema no jornal carioca Correio da Manhã. Em 1973.

06 outubro 2010

Sobre o Oscar de melhor filme estrangeiro

O Oscar da Academia de Ciências e Artes de Hollywood sempre é dado aos filmes que ajudam a consolidar a sua indústria cultural. É uma festa destinada a consagrar os êxitos de bilheteria, que empurram a indústria para a frente. Não se pode avalizar o valor cinematográfico de um filme por causa do Oscar, pois a história mostra que muitas obras-primas foram postas a escanteio em função de uma obra de maior apelo comercial.  Existem poucas exceções (se as há).

Mas o Oscar de melhor filme estrangeiro é especial e sempre ganha aquele filme mais inventivo e original (também as honrosas exceções de praxe). Uma rápida passada de vista nos vencedores dessa categoria confirma a assertiva. O Oscar de melhor filme estrangeiro é atribuído a partir de 1957 (referente ao ano de 1956) como categoria própria, mas, antes, de 1946 e 1955, havia um prêmio honorário para os filmes oriundos de outras cinematografias.

Em 1948, por exemplo, o Oscar, ainda como prêmio honorário para estrangeiros, premiou o neorrealismo italiano com a vitória de Vítimas da tormenta (Sciuscià), de Vittorio De Sica, que, dois anos depois, receberia o mesmo prêmio por Ladrões de bicicletas (Ladri di biciclette). Em 1952, na festa, a Academia reconheceu o valor de um filme japonês, facilitando seu acesso ao panorama internacional: Rashomon, de Akira Kurosawa. Ano seguinte, o reconhecimento ao cinema francês com Brinquedo proibido (Jeux interdits), de René Clement.

Quando o Oscar de melhor filme estrangeiro adquiriu uma categoria própria, em 1957, o grande premiado foi Na estrada da vida (La strada), de Federico Fellini, e, ano seguinte, o cineasta italiano é novamente premiado com As noites de Cabíria (Le notti di Cabiria). A Academia promovia os cineastas mais arejados, e diversos do modelo narrativo hollywoodiano. A tendência se fortalece com o Oscar de melhor filme estrangeiro dado ao Meu tio (Mon oncle), de Jacques Tati, para, em seguida, passando em 1960 por Orfeu negro, de Marcel Camus, filme controverso filmado no Rio e adaptação de um pela de Vinicius De Morais, contemplar o cinema sueco de Ingmar Bergman com dois prêmios consecutivos pelos filmes A fonte da donzela (Jungfrukallan) e Através do espelho (Sasom i en sepgel).

Como se pode observar, a Academia tem um referencial muito específico para premiar o melhor filme estrangeiro, dando preferência àqueles denominados filmes de arte (embora a expressão controversa). Basta dizer, e não se pode aqui ficar citando todos os eleitos, que Oito e meio (Otto e mezzo), de Fellini, ganhou o Oscar da categoria, uma obra que, na época, surpreendeu a todos pela inovação, pela estrutura narrativa complexa fundindo os tempos espaciais num contexto de tempo psicológico.

O Oscar, portanto, para filmes oriundos de outros países, sempre foi dado a filmes de cinematografias novas, por assim dizer, a exemplo de A pequena loja da rua principal (Obchod na korze), de Jan  Kadár e Elmar Klós, e Trens estreitamente vigiados (Ostre asledovane vlaky), de Jim Menzel, bravos representantes do cinema da Checoslováquia na sua idade de ouro nos anos 60.

E mais exemplos: Investigação sobre um cidadão acima de qualquer suspeita (Indagine su un cittadino al di sopra di ogni sospetto), de Elio Petri, A noite americana (La nuit américaine), de François Truffaut, Amarcord, de Fellini, Dersu Uzala, de Akira Kurosawa, O tambor (Die blechtrommel), de Volker Schloendorff

Para se ter uma idéia, nos últimos anos, as obras cinematográficas premiadas com o Oscar do filme estrangeiro, foram também filmes com algum nível de inventividade ou de proposição temática bem resolvida, a exemplo de A vida dos outros (Das Leben der Anderen), obra surpreendente de Florian Henckel von Donnersmarck, Infância roubada (Tsotsi), filme sul africano de Gavin Hood, Os falsários (Die Fälscher), de Stefan Ruzowitzky, A partida (Okuribito), de Yojiro Takita, O segredo de seus olhos (El secreto de sus ojos), argentino de Juan José Campanella.

O Brasil, em mais de 50 anos de existência do Oscar do filme estrangeiro, ainda não ganhou a cobiçada estatueta, ainda que várias vezes indicado nos últimos anos: O pagador de promessas, de Anselmo Duarte, O que é isso, companheiro? de Bruno Barreto, O quatrilho, de Fábio Barreto, Central do Brasil, de Walter Salles. Destes, dois filmes foram produzidos pela família Barreto (o segundo e o terceiro). O beijo da mulher-aranha ganhou em 1986, mas não se trata de uma produção de capital apenas brasileiro.

O país que mais ganhou o Oscar de filme estrangeiro foi a Itália (com acachapantes 13 em  todas as décadas – não é, portanto, à toa que um dia esta cinematografia se posicionou no cenário internacional como a melhor do mundo). Em seguida vem a França, com um cinema de força (12). Muito abaixo desses dois, com 4 Oscars cada um, a Espanha e Japão.

A recente indicação de Lula, o filho do Brasil, feita por uma comissão para representar o país vem a confirmar a força de lobby que tem o seu produtor Luís Carlos Barreto, o Barretão, que, com o filme sobre Lula, consegue ser indicado pela terceira vez. Mas a indicação, que se entenda bem, não significa que o filme seja escolhido. Sobre ser um filme que trata da vida de uma personalidade forte, e um filme sobre um vencedor, como gosta, aliás, a Academia (mas para seus filmes internos), Lula, o filho do Brasil, como expressão cinematográfica, não tem predicados suficientes para elevá-lo à categoria de um bom filme. Tem uma narrativa bem concatenada, que revela, apenas, um trabalho de carpinteiro, um artesanato que o constrói graças, principalmente, aos bons recursos de produção. Como obra cinematográfica, entretanto, não tem significação nenhuma.

Logo depois de anunciado o filme para representar o Brasil na festa americana, muitos cineastas se mostraram contra a indicação. De minha parte, ainda que não o tenha visto, mas agindo sob intuição, creio que A suprema felicidade, de Arnaldo Jabor, é a obra que possui maior nível poético.

E se se for cotejar Lula, o filho do Brasil, com os vencedores do Oscar de filme estrangeiro, a constatação vai num sentido de se ter nele uma relação de inferioridade. A indicação do filme é bem sintomática: a comissão pensou mais na personalidade do retratado do que na real expressão da obra cinematográfica.

05 outubro 2010

O cisne de Tuna Espinheira

Tuna Espinheira há 28 anos, atrás (1982), quando das filmagens de O cisne também morre, abraça o grande poeta baiano Carlos Anysio Melhor. Participei, modéstia à parte, do filme como ator. Fiz um agente funerário que tinha, como hobby, e não nas horas vagas, beber formol. O cisne também morre é uma homenagem ao poeta e, mais que isso, à vida boêmia, que, se traz muitas alegrias, também é fator determinante de algumas tragédias. Tuna inspirou-se na trajetória boêmia e poética de Carlos Anysio Melhor. O elenco - e fico com receio de omissão - conta com figuras carimbadas da baianidade etílica: Solon Barreto, Fernando Rocha, Agnaldo (Siri) Azevedo, Fred Souza Castro, Angelo Roberto, entre outros.

Filmado em 16mm, O cisne também morre tem suas locações nos pontos boêmios da Bahia, quando havia um clima e uma atmosfera para a prática da boemia. Atualmente, cidade enfartada, Salvador é um celeiro de engarramentos e não permite mais o exercício do cachacismo. A garota que aparece ao lado de Anysio parece ser Lucy Bruni, jornalista atuante nos tempos contemporâneos.

Disso e daquilo

Frank Sinatra e Shirley MacLaine em Deus sabe quanto amei (Some came running, 1958), de Vincent Minnelli.
  1. Deus sabe quanto amei, apesar do título, dado aqui no Brasil, é uma obra-prima do grande estilista Vincent Minnelli. A sua sequência final, quando da confusão no parque de diversão, é um primor de mise-en-scène e da utilização com eficiência dramática do espaço do Cinemascope. Há filmes, neste formato que não podem ser exibidos em tela cheia (full screen), a exemplo deste e de muitos outros, mas o Telecine Cult apresentou A queda do império romano (1964), de Anthony Mann, totalmente desfigurado, porque um filme pensado em Cinemascope e exibido na abominável tela cheia. Um crime, sim, um crime praticado contra a integridade da referida obra cinematográfica, um dos últimos épicos da grande fase de Hollywood. O próprio Mann já tinha feito El Cid, que é grandioso. E, nesta fase, tivemos obras do quilate de um Spartacus, de Stanley Kubrik, Ben-Hur, de William Wyler, Os dez mandamentos, de Cecil B. DeMille etc.
  2. Um livro que saiu agora e que recomendo sem hestiação: Uma viagem pessoal pelo cinema americano, de Martin Scorsese e Michael Henry Wilson, editado pela CosacNaify. Uma verdadeira aula de cinema. A edição é muito boa, com uma fartura de ilustrações de filmes preciosos. E tradução perfeita de José Geraldo Couto. Lê-lo é uma oportunidade de compreender o que foi um dia o cinema americano do grande segredo, como costuma de chamá-lo François Truffaut. 
  3. Tony Curtis, que faleceu recentemente, não foi apenas um comediante, mas também tem pontos significativos como ator dramático, a exemplo, entre outros, de Acorrentados (The desafiant one), de Stanley Kramer, Spartacus (no papel de Antoninus), de Stanley Kubrick, A embriagues do sucesso, e, principalmente em O estrangulador de Boston, de Richard Fleischer. Seu papel em O último magnata (The last tycoon), de Elia Kazan, também é muito bom. Este filme foi o canto de cisne de Kazan, importante cineasta do cinema americano

03 outubro 2010

Um Billy Wilder quase esquecido



Comédia sobre a inversão de papéis na representação da hipocrisia social, e a dialética do ser e da aparência, com uma visão ácida do american way of lifeBeija-me Idiota (Kiss Me, Stupid, 1963), de Billy Wilder, ainda que tenha na sua fonte primária uma peça de teatro, L’Ora della Fantasia, de Anna Bonacci, possui, no entanto, um ritmo frenético e envolvente por causa da ourivesaria do roteiro do parceiro de Wilder, I. A.L. Diamond, composto a quatro mãos com o realizador, embora este não coloque sua firma no screenplay. Se Wilder, antes, na sua filmografia, já tinha atacado o mal estar do capitalismo (Se Meu ApartamentoFalasse/The Apartment, 1960, entre outros), é, porém, em Kiss Me, Stupid que sua crítica se faz mais visceral. O filme, quando lançado na primeira metade dos anos 60, foi atacado pelos moralistas e proibido em alguns estados da América do Norte. E, apesar de distribuído pela United Artists no mundo inteiro, não contou com verba publicitária, a passar despercebido em muitos lugares. A virulência do olhar wilderiano sobre certas idiossincrasias da sociedade americana chocou os mais conservadores e arautos do establishment. A observar, entretanto, que se, na época de sua estréia, foi motivo de restrições absolutas pelas ligas de decências, atualmente é servido pelo extinto Telecine Classic em plena noite de Natal como presente de fim de ano, em 2004. É bom de ver que o filme completa 46 anos, quase meio século desde a sua realização. E o mundo, indiscutivelmente, mudou. Mas a permanência das observações contidas em Kiss Me, Stupid continuam atuais, considerando-se que a mentalidade dos retratos é a mesma. seja em 1963, seja em 2010. O que mudou foi a instauração da apatia na recepção num mundo em desagregação que já não se importa mais pela preservação nem mesmo de sua antiga hipocrisia.
Wilder dá início a esta comédia-demolição com uma panorâmica na qual mostra um plano geral de um teatro que anuncia o cantor Dino (Dean Martin) enquanto os letreiros vão sendo retirados a denotar, com isso, a despedida do artista. E no plano a seguir, com a música envolvente de Gershwin, Dino está no palco, meio bêbado, intercalando a canção com suas piadas características. Os créditos se anunciam neste frenesi e continuam na viagem que o cantor, saindo furtivamente para fugir das mulheres, inicia em direção a Hollywood onde, diz, vai fazer um filme com Frank Sinatra e sua turma. Mas um incidente, no meio do caminho, determina-lhe um outro itinerário para chegar a seu destino, obrigando-lhe a passar por várias cidades interioranas. Numa destas, Clímax, de poucos habitantes e cheia de preconceitos – tão diferente da visão edulcorada de uma cidadezinha americana apresenta em Cine Majestic, de Frank Darabont, Dino pára num posto de gasolina para abastecer seu carro, onde é atendido pela frentista Barry (Cliff Osmond – que sempre trabalha com Wilder e em Irma, la douce faz o guarda que recebe o dinheiro ao colocar o chapéu, logo no princípio, no bar de Moustache). Em Climax, mora um compositor e professor de piano, Orville Jeremiah Spooner (Ray Walston), parceiro de Barney em muitas músicas, casado com Zelda (Felicia Farr, esposa, na época de Jack Lemmon), apaixonada, desde criança, por Dino, e que tem todos os seus discos em casa. Mas Orville e Barney sonham que um dia suas músicas sejam reconhecidas e consigam sair do anonimato. Assim, a presença de Dino no posto de gasolina acende a chama da ambição de Barney, que danifica o motor do carro de Dino a fim de que ele fique retido em Clímax e vir a conhecer as músicas da dupla.
A solução encontrada pela mente fervilhante do gordo Barney é fazer com que Dino passe a noite na casa de Orville, mas este, que morre de ciúmes infundados damulher, precisa arranjar um jeito de pô-la para fora por uma noite. Dino, insaciável quando se trata do sexo feminino, diz que não pode deixar de ter uma companhia, e, para satisfazê-lo, o plano de Barney inclui a vinda de uma prostituta, Polly, the pistol (Kim Novak, magnífica), que trabalha num bar/prostíbulo O Umbigo, cujo cartaz anuncia desde logo: “Entre e se perca”. Orville consegue brigar com a mulher e ela vai para a casa da mãe. Barney traz Polly, que representa, para Dino, ser a esposa de Orville. A troca de identidade, porém, não funciona, pois Polly, apesar de prostituta, uma profissional paga para um trabalho específico, qual seja o de dormir com Dino como se fosse a mulher de Orville, se enternece por este e não mostra o menor interesse pelo cantor. As coisas se complicam. Polly mostra que seria uma excelente dona de casa. E Zelda, saindo da casa dos pais, acaba indo tomar um porre no Umbigo.
O que interessa na verdade é que Wilder demonstra pela comédia que uma dona de casa típica americana pode ter uma mente prostituída – como, geralmente, muitas das donas de casa do mundo inteiro cujas fantasias são incontáveis, enquanto uma prostituta pode ser uma mulher pura e mais adequada ao lar. A comédia se desenvolve na base de uma ironia constante cujos atributos não se devem apenas a Wilder, mas, também, ao roteiro imaginoso de Diamond, que consegue driblar o peso teatral do argumento em função de uma transmissão deste através dos procedimentos cinematográficos. É neste particular que a direção de Wilder entra em campo ao conferir aos seus enquadramentos um sentido de equilíbrio e ritmo extraordinários. Este realizador sabe construir seu filme de tal maneira que o corte se anuncia como um atendimento à expectativa do espectador.
O imaginário de certas pessoas interioranas dos Estados Unidos, como Zelma, a mulher de Orville, que é a presidente do fã-clube de Dino, é uma representação das idiossincrasias de uma sociedade na qual o que importa mesmo é o sucesso a qualquer custo. Daí certo cinismo no final, a recusa de um happy-end, e a manutenção do status quo anterior, ainda que se possa pensar no desenlace diferente.
Entram na composição da excelência do espetáculo, além da direção de Wilder e do roteiro de Diamond, a funcional iluminação em preto e branco de Joseph La Shelle – fotógrafo preferido, em cinemascope, capaz de dar a Clímax um tom cinzento e a tela larga é sabiamente utilizada no deslocamento dos atores no espaço, facilitando o trabalho da câmera, a partitura musical de André Previn que utiliza clássicos da música como alguns dos compositores George e Ira Gershwin. E o elenco afinado, bem wilderiano, como o citado Cliff Osmand, que faz Barney, Ray Walston, Dean Martin e Felicia Farr. E inexcedível está Kim Novak num papel diferente, perfeitamente à vontade, blasé, principalmente para quem a imagina como a Madeleine de Scott na obra-prima Um Corpo Que Cai (Vertigo), de Alfred Hitchcock.