Seguidores

20 fevereiro 2008

"Vertigo" é o melhor de Hitch

Um corpo que cai (Vertigo), entre 29 votantes, recebeu 12 votos (41%), uma expressiva margem de diferença, e, segundo os leitores deste blog, é o melhor filme de Alfred Hitchcock. Um corpo que cai, assim como outros filmes do mestre, levou vinte anos sem ser visto pela platéia mundial até que, morto o artista, a sua filha, Pat, resolveu liberar as obras que o pai tinha guardado. Não se sabe o motivo, mas o fato é que, em 1984, um pacote Hitchcock foi relançado com pompa e circunstância, a ponto de ter vindo ao Rio, para marketing do pacote, o veterano James Stewart. Os filmes do citado pacote eram Um corpo que cai, Janela indiscreta, O homem que sabia demais, Festim diabólico, e O terceiro tiro. A nova geração de críticos e cinéfilos somente sabia da existência de Vertigo, e dos demais aqui citados, de ouvir falar. A reapresentação dos filmes guardados possibilitou uma revisão e a aclamação de Vertigo e de Rear window como dois dos maiores, não somente de Hitch, mas da história do cinema. A Folha de S.Paulo, por exemplo, em 1995, na data comemorativa do centenário do cinema, fez pesquisa extensa e abrangente entre os críticos do mundo inteiro (é possível achar nos arquivos da Folha via internet), que deu, mais uma vez, a Cidadão Kane, de Orson Welles, o título de o maior filme de todos e a Um corpo que cai um significativo segundo lugar.
Mas se Vertigo tem 41% das preferências, o segundo, com 24% e 7 votos, vai para Psicose (Psycho), um dos filmes mais impactantes da história do cinema com a seqüência antológica da ducha de chuveiro de Janet Leigh, quando é esfaqueada por Bates travestido de sua mãe. O terceiro vem logo perto, com 6 votos (20%), Janela indiscreta. A distância deste para Intriga internacional é grande (3 votos, 10%). Pessoalmente tenho fascinação por North by northwest, que considero um dos melhores filmes não somente do mestre mas de toda a história do cinema. Interlúdio/Notorius, quintessência hitchcockiana, recebeu, apenas, um minguado voto. Marnie, belíssima obra, não foi agraciada e ficou com zero.
Será que o Telecine Cult terá coragem de exibir a versão colorizada de A malvada (All about Eve, 1950)? É possível, a considerar os maltratos que pratica com os filmes originariamente realizados em cinemascope, que são mostrados espichados, deformados, na abominável tela cheia (full screen). Não deveria ficar espantado ou, mesmo, zangado, quando vejo o masscre dos filmes em cinemascope.Os canais por assinatura e a cabo são capazes de tudo para aumentar a audiência e, verdade seja dita, o consumidor brasileiro não é exigente, principalmente em relação às coisas do cinema. O grande público apenas se interessa pela trama, pela história, tem preguiça de ler as legendas, está pouco ligando se o filme é cinemascope ou não. O que interessa é a ação. Mas o canal que se diz Cult, e antigamente se dizia Classic (nessa época havia respeito pelos formatos) deveria ser menos hipócrita, a respeitar os formatos originais dos filmes apresentados em sua grade programativa. Quando exibe filmes no formato certo a programação atende às solicitações do cinéfilo. O Cult está a oferecer bons filmes. Há pouco, por exemplo, viu-se, nele, O conformista, belíssimo filme de Bernardo Bertolucci - que não se encontra em DVD. E há os comentários lúcidos e coerentes do sempre competente Marcelo Janot.

18 fevereiro 2008

O cinema, de novo, no Instituto Goethe

Durante os anos de chumbo, década de 70, principalmente, o Instituto Goethe (Icba) se constituiu num pólo aglutinador para todos aqueles que, amantes das artes e da liberdade, não tinham outro point no qual não sentissem a vigilância dos agentes do sistema, porque o Icba (no Corredor da Vitória) era, na verdade, um espaço quase consular.
No que se refere ao cinema, o Goethe Institut patrocinou a exibição de todo o chamado Novo Cinema Alemão, com as obras completas de realizadores do quilate de Werner Herzog, Rainer Werner Fassbinder, Alexander Kluge, Wim Wenders, entre muitos outros. Além destes mais recentes, o acervo da cinemateca do Icba mostrou o expressionismo alemão, dando a ver obras de importância indiscutível, a exemplo das de Fritz Lang, Murnau, Pabst, e o significativo O gabinete do Dr. Caligari, de Robert Wiene, carro-chefe expressionista que se, hoje, pode ser apreciado em DVD, naquela época era uma avis rara somente conferida em mostras especiais.
No Instituto Goethe, toda uma geração de soteropolitanos pôde desenvolver suas aptidões artísticas. Havia uma infra-estrutura capaz de possibilitar a encenação de peças teatrais, shows musicais, exposições de pintura, além de uma excelente biblioteca aberta ao público. Não se pode deixar de registrar a existência de um quiosque com um bar, que servia de extensão à apreciação dos espetáculos. Também neste espaço, várias jornadas de cinema foram instaladas e estas tiveram o seu apogeu quando todas as atividades eram concentradas no Goethe.
Uma notícia alvissareira para os cinéfilos: o Instituto Goethe está, novamente, após uma certa calmaria na sua programação, a patrocinar uma excelente mostra do cinema contemporâneo que se faz na Alemanha depois da queda do Muro de Berlim. A partir de 19 de fevereiro, portanto, amanhã, até 1 de abril, todas as terças-feiras, no Cine-Teatro do Goehte-Institut, às 20h, acontece a mostra Novos Filmes Alemães. Iniciando as atividades culturais do instituto, a mostra busca trazer, gratuitamente, para a comunidade baiana, os últimos destaques do cinema alemão e, com isso, pulverizar um pouco a mesmice programativa da cidade com a oferta de uma cinematografia que tem ponto marcado na história do cinema.
Para saber dos filmes e das mostras programadas, basta acessar o site: http://www.goethe.de/ins/br/sab/ptindex.htm,
A imagem que ilustra este post é de Conexão Kebad (Kebab Connection), de Anno Saul, o primeiro filme da mostra, que passa amanhã, terça, às 20 horas. Conta a história de Ibo, um hamburguês turco de 21 anos, que adora Bruce Lee, e sonha em rodar o primeiro filme alemão de Kung-fu. Com um spot de propaganda para a casa de Döner Kebab (churrasquinho grego) do tio, ele é apontado como o novo Steven Spielberg em seu bairro. Mas uma gravidez inesperada de sua namorada dá um freio em sua vida. Seu pai é radicalmente contra porque a moça não é turca, e ela também o põe para fora, pois o rapaz nem pensa em trocar fraldas. A Ibo restam apenas seus amigos e os spots. E a sensação de querer de volta sua antiga vida. A conferir obrigatoriamente, portanto, como dizia o crítico carioca Antonio Moniz Viana.

17 fevereiro 2008

Ganha quem pode

A discussão sobre Tropa de elite, discussão maniqueísta, superada, que tomou conta dos meios pensantes no último quartel do ano passado, voltou a se manifestar com a premiação do filme de José Padilha com o cobiçado (e prêmio importante) Urso de Ouro do Festival de Berlim. Na foto ao lado, estamos a ver o diretor, com um gouro vermelho e de óculos escuros, Wagner Moura, Maria Ribeiro, e mais dois, acho que o produtor Marcos Prado e um outro da entourage.

Acredito que Costa-Gravas, como presidente do júri, influenciou os demais na concessão do prêmio a Tropa de Elite. A discussão em torno do filme premiado nunca se fez, contudo, em termos de cinema, em termos de sua linguagem. Escrevi alguma coisa no Terra Magazine (http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI2102741-EI6791,00.html). O crítico Marcelo Miranda fez uma reflexão crítica com coerência e lucidez em http://filmespolvo.com.br/bp.php (menu à esquerda). Coincidentemente, falei em Costa- Gravas neste comentário de Tropa de elite. É que o realizador de Estado de sítio, que considera, antes de tudo, o cinema um espetáculo, tenta passar o seu recado por meio da linguagem do thriller, um código bem conhecido da platéia do mundo inteiro. Talvez Padilha, a unir eficiência dramática a um discurso cinematográfico apoiado no thriller, tenha desgostado aqueles que ficam mais exultantes quando o filme é deliberadamente sujo e mal feito. Mas o que bateu de frente entre os mais enragées foi a questão política e a incompreensão, imensa, de que o filme está do lado do BOPE, ou seja, uma apologia a este. Não é nada disso. Padilha retrata uma realidade cruel mas sem o maniqueísmo costumeiro daqueles que, autoritários por excelência em seus julgamentos, não sabem separar os alhos do bugalhos.

Ano passado, como foi até objeto de uma pesquisa neste blog, vários filmes brasileiros, além de Tropa de elite, se destacaram. Em primeiro lugar, Jogo de cena, de Eduardo Coutinho, que tensiona as relações afetivas entre o documentário e a ficção nas suas fronteiras tênues. O resultado é comovente e uma obra de impacto que justifica a fama do realizador como o maior documentarista do cinema brasileiro. E outro documentário que se destaca no panorama: Santiago, de João Moreira Salles. Interessante observar que o documentário está a adquirir um status nobre que não possuía. E tudo por causa de nossos talentosos documentaristas, a exemplo de Coutinho, Salles, Vladimir Carvalho, Sílvio Tendler, Geraldo Sarno, entre tantos outros. Há um filme especialíssimo, que possui sensibilidade no retrato dos anos de chumbo: O ano em que meus pais saíram de férias, de Cao Hamburguer. Não é sempre que num ano se possa apontar quatro ou cinco filmes dignos de nota.


Dois filmes, pelo menos, que concorrem ao Oscar (os outros não os vi) são excelentes e surpreendentes em se tratando de cinema contemporâneo: Onde os fracos não têm vez (No country for old men), de Joel e Ethan Coen, e Sangue negro (There Will Be Blood), de Paul Thomas Anderson, diretor que já vinha a despertar interesse pela maneira de seus enfoques temáticos, a se mostrar um realizador original e de certa singularidade, ainda que a copiar o estilo narrativo de Robert Altman em Magnólia, principalmente, e Boogie Nights. Mas em There will be blood, Anderson se supera, pois realiza um épico sobre a América na qual o empreendedorismo é um elemento propulsor da prosperidade. Em questão: o empreendedor (Daniel-Day Lewis, excepcional) e a religião, duas faces de uma mesma moeda. Mas o que impressiona em There will be blood é a maneira de Anderson tratar o tema, um modo de se manifestar pelas imagens em movimento a conferir a estas uma dimensão poética e trágica em acerto paradoxal. Não economiza tempo para expor a tragédia de suas criaturas, principalmente a angústia existencial do personagem interpretado por Lewis. O cinema de Anderson não se importa com a tesoura, mas com o poder de verdade que emana de seus enquadramentos rigorosamente pensados em função da dramaturgia e da plástica da imagem.

Revi o DVD duplo, com muitos extras, de A cor púrpura (The color purple, 1985), um Spielberg de grande sensibilidade, que retrata conflito entre negros numa moldura narrativa com acentos dickensianos. Danny Glover, Whoopi Goldberg (irreconhecível ainda jovem), Oprah Winfrey (gorda, feia, bem diferente da apresentadora glamourizada de seu programa atual), Margaret Avery, Adolph Caesar. Spielberg passeia por vários assuntos, vários temas, em sua já extensa filmografia, mas sempre a saudade do lar, a família como pólo aglutinador. O seu novo filme, a quarta aventura de Indiana com um Harrison Ford em meados dos 60, Indiana Jones and the Kingdom of the Crystal Skull, tem no elenco, além de Ford, Cate Blanchet (que se encontra em cartaz no segundo ato de Elizabeth, a rainha), Karen Allen, John Hurt (ator inglês de fleugma inconfundível), entre outros.

Vendo, ontem, Sangue negro, numa sala do Multiplex Iguatemi, verifiquei que a dublagem virá a ser implantada nos filmes estrangeiros. Pelo menos no lixo oriundo da indústria cultural hollywoodiana. Ir ao Multiplex, para mim, é um imenso sacrifício, como já disse aqui várias vezes. Mas tenho que ver certos filmes, que são imperdíveis, a exemplo de Sangue negro e Onde os fracos não têm vez. Apesar de me incomodar sobremaneira com os celulares, que são atendidos durante a projeção sem a menor cerimônia, sem o menor respeito por aqueles que se encontram a ver o filme, com os imensos sacos de pipoca (por que tão grandes?), pelos copos de refrigerantes que beiram ao litro. E, principalmente, pelas conversas a latere praticadas por verdadeiros débeis mentais. Há pessoas que comentam o filme em voz alta. Impressionante. Já falei isso aqui. Mas volto a me referir. Mas sempre foi assim, disse-me um rapaz, equivocado. Não, antigamente havia silêncio, respeito, de vez em quando uma piada, que era, de fato, engraçada. Nos cinemas mais populares, havia uma gritaria, mas no sentido de interação com a ação do filme. A cavalaria que chegava para salvar os personagens. Nas salas de cadeira de pau, o público batia nas cadeiras, mas era no propósito de interagir, de torcer pelo mocinho, etc. Não o comportamento debilóide de hoje. Isso não existia não. Mas estava a falar que a dublagem está por vir. Fica para depois.

Vi uma chamada no híbrido Telecine Cult de A malvada (All about Eve, 1950), que, absurdo dos absurdos, vai ser exibido na sua versão colorizada, um atentado à integridade da obra cinematográfica e assassinato cultural dos mais pesados. Filme de Joseph L. Mankiewicz, com Bette Davis, George Sanders, Ann Baxter, trata-se de um clássico da sétima arte sobre os bastidores do teatro. O canal Cult, que se diz propagador do bom cinema, ao admitir a colorização de filmes antigos, está assassinando as obras cinematográficas. Já basta o abominável full screen (tela cheia). Não vejo mais filme no Cult originariamente feito em cinemascope e todo desfigurado, espichado, como é hábito do canal passar os filmes neste formato, a deformá-los na sua integridade original.