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29 março 2008

Ganhou o "drops calado"

A pesquisa sobre a prática da comilança nos cinemas ofereceu um excelente resultado. A julgar por este, os leitores deste blog não a praticam nos cinemas como é hábito nos dias atuais os baldes de pipoca, os cheeburgueres, os copos de refrigerantes de 750ml. Cinema não é lugar de comilança e um filme deve ser visto em silêncio e com toda atenção, canso de dizer aqui.
39 pessoas votaram na enquête. Destas, 15 (38%) levam "no máximo um drop calado", o que é perfeitamente justificável e aceitável, como revela Jonga Olivieri (veja seu blog Pensatas: http://jongas.blogspot.com/), que nunca dispensou o drops Dulcora, sua companhia nas sessões de cinema, como diz: "Falar nisso, votei no "drops caladinho". E me lembrei que o Dulcora era uma delícia, mas só tinha um defeito. Aquele celofane fazia um barulho chato pra caralho. Mas, até hoje tenho saudades daquele drops" Devo confessar que também comprava o Dulcora nas arrumadas bombonières das salas exibidoras.
14 votantes (35%) fizeram questão de marcar que "cinema não é lugar de comilança". Considerando que o drops caladinho não é comilança, o fato é que, somadas as duas opções, 73% dos votantes se revelaram cinéfilos educados. Mas 4 (10%) marcaram a opção de que nada comem. Ótima também, pois o silêncio das mandíbulas é de ouro. 83% de boa educação, portanto.
Infelizmente há, como em toda regra, exceções. E 6 pessoas (que as sentencio como não-cinéfilas) marcararam o quadradinho de que "se enchem de baldes de pipoca". São aquelas que, sim, praticam, com a maior sem cerimônia, a comilança indesejada pelos que gostam de cinema. Coitadas!

28 março 2008

A morte de um bravo



Nascido em 1914, morreu, nesta semana, Richard Widmark aos 94 anos. Um ator que formou platéias.
Widmark, no princípio, trabalhou em O beijo da morte (Kiss of death, 1947), onde fazia um homem louro temperamental, de maneira esquisita, em interpretação forte numa caracterização de grande impacto. O filme, dirigido por Henry Hathaway - cineasta que precisa ser reavalidado - e um thriller que deixou forte impressão. Logo depois, outra interpretação marcante ao lado de Gregory Peck no western Céu amarelo (Yellow sky, 1949).
Citar seus filmes notáveis é exaustivo. Mas vamos lembrar alguns, como A lança partida (Broken lance, 1954), Minha vontade é lei (Warlock), de Edward Dmytrick, Pânico nas ruas (Panic in the streets, 1950), de Elia Kazan, O ódio é cego (No way out, 1950), Punido pelo próprio sangue (Backlash, 1956), Almas desesperadas (Don't bother to knock, 1952), de Roy Ward Baker, com uma Marilyn Monroe principiante, Jardim do pecado (Garden of evil, 1954), outro western e com a competência de Henry Hathaway, O túnel do amor (The tunnel of love, 1958), de Gene Kelly, uma sophisticaded comedy dirigida pelo genial dançarino mas sem a classe de um Michael Gordon, Richard Quine, e com a namoradinha da América, Doris Day, Julgamento em Nuremberg (Judgment at Nuremberg, 1961), assinado por Stanley Kramer, e com o Homero do cinema, John Ford, Terra bruta (Two rode together, 1961) e Crepúsculo de uma raça (Cheyenne autumn, 1964).
Mais maduro, trabalhou em um thriller de inusitada importância no crepúsculo dos anos 60: Os Impiedosos (Madigan, 1968), de Don Siegel (o diretor do primeiro filme do inspetor Harry Callaghan interprtado por Clint Eastwood),ao lado de Henry Fonda, Assassinato no Oriente Expresso (Murder on the Orient Express, 1974), de Sidney Lumet, Coma, de Michael Crichton, etc
Há atores e atores. Aqueles característicos e aqueles que se transformam completamente no personagem. Paulo Autran, por exemplo, fizesse o papel que fizesse, víamos nele sempre Paulo Autran sem que com isso o diminuisse. Widmark era sempre Richard Widmark, mas com um poder de convencimento através de sua forte personalidade.
Fica aqui este pequeno registro.

27 março 2008

A imagem passada a limpo



A imagem ao lado, esmaecida pelo tempo, dá uma boa idéia das fotografias que ficavam nas salas exibidoras. Além das fotos em preto e branco, as coloridas pareciam que eram colorizadas. A imagem que ilustra o post é de Em busca de um homem (Will success spoil Rock Hunter?), extraordinária comédia de Frank Tashlin, que, sobre ser deliciosa, é, também, desmistificadora do espetáculo cinematográfico (como já disse neste mesmo blog há um mês). Tony Randall é um excelente comediante e, aqui, no filme citado, trabalha ao lado de Jayne Mansfield, que se notabilizava pelo busto imenso como os americanos gostam. Mas Tashlin consegue fazê-la engraçada e, de certa forma, mexe com o mito Mansfield. Outro filme dela com ele é Sabes o que quero (The girl can't to help it), com Tom Ewell, que na época era um ator sempre presente nas comédias estadunidenstes, a partir mesmo de sua presença em O pecado mora ao lado, de Billy Wilder, onde contracena com a exuberante Marilyn Monroe.

A sophisticaded comedy, que propiciou aos cinéfilos comédias saborosas, não existe mais. Basta ver a finesse, a inteligência dos diálogos, a mise-en-scène de Adorável pecadora (Let's make love, 1960), de George Cukor, com Yves Montand, Marilyn Monroe, Tony Randall. Havia uma elegância que se perdeu, havia um tom de comportamento dos personagens que também se esvaiu. Havia uma outra cultura, por assim dizer, uma outra gestualística que a bestial contemporaneidade (detesto este termo) pôs a rés-do-chão. Você vê, por exemplo, Confidências à meia-noite (Pillow talk, 1959), de Michael Gordon, e nota, logo, um nível de roteirização e de profissionalismo no estabelecimento do espetáculo, da graça, do encanto.

O fato é que o cinema americano - e o cinema comercial - dos anos 40, 50, principalmente, e 60, tinha um nível muitíssimo superior ao cinemão atual oriundo da indústria cultural hollywoodiana. Hollywood, como a que se conhecia, morreu, desapareceu, a dar lugar aos executivos da Mitsubichi, da Coca-Cola, entre outros, que controlam os estúdios e, como em linha de montagem, estabelecem as prioridades. Não existem mais aqueles produtores (Louis B. Mayer, Darryl Zannuck, David Selznick, Hal B. Wallis, Walter Wanger...) que entendiam muito de cinema, ainda que o interesse no mercado, a viabilidade comercial sempre presente. É indispensável a leitura, para se compreender o cinema hollywoodiano e o cinema de um modo mais geral, de O gênio do sistema, de Thomas Schatz (editado, acho, pela Companhia das Letras). Este livro de Schatz é um mergulho bem pesquisado e bem escrito no mundo do sistema hollywoodiano, que se baseiava no studio-system, no star-system e na divisão do cinema em gêneros.

Quando da morte de Ernest Lubitsch, William Wyler, no enterro, exclamou: "Nunca mais teremos Lubitsch", e Billy Wilder, ao seu lado, retrucou: "Nunca mais teremos os filmes de Lubitsch". Diria a mesma coisa em relação ao diretor de Se meu apartamento falasse (The apartment, 1960), que o coloco entre os 20 mais de toda a história do cinema. Não existe mais, no cinema contemporâneo, um realizador com a verve, a competência, a ironia, o engenho e arte de Billy Wilder ou de um Frank Tashlin

Há ainda sensibilidade e certa ingenuidade para se fazer, hoje, uma Gigi como Vincente Minnelli a fez em 1958?

Cartas para a redação.

A.N.A.: uma agência de notícias alternativa



Tuna Espinheira, cineasta velho de guerra, envia-me notícias alternativas que achei de bom alvitre publicá-las neste blog. Não se perde nada em dar uma olhada nelas.
PRIMEIRO FILME ALTERNATIVO DO MUNDO EM PARIS(A.N.A. - Paris) Eventos comemorativos dos 40 anos de maio de 1968, exposição de artes plásticas, ciclo de debates, shows, manifestações, outras locações naturais, serão utilizadas para a realização de filme musical inédito na história do cinema, interagindo ficção com um pré-documentário em tempo real. O projeto de "Superbe, Le film" foi lançado na semana passada pelo multiartista de origem latino-americana, Tede Silva. Será o primeiro filme interativo do mundo, com realização de cenas em tempo real em Paris e outras próximas. Indagado pela nossa reportagem sobre a inspiração para o projeto, Tede Silva disse que "Paris é um espetáculo permanente a céu aberto, faltava aparecer alguém com experiência, coragem, disposição e talento para colecionar cenas e juntar, fazendo aquilo que se convenciona chamar de filme. Mas que também fosse original e criativo, pois usar apenas a paisagem é um lugar comum insuportável, inumeros diretores fazem isto"

DIRETOR COLECIONA SUCESSOS EM MEIO CONCORRIDO
(A.N.A. - PARIS) "Superbe, le film" será o terceiro longa de Tede Silva. Os dois primeiros alcançam a cada dia mais sucesso de crítica e público. Com recursos que produção brasileira gasta apenas para pagar roteirista, Tede Silva realizou "Tudo são referências, Tudo são Memórias...", com conteúdo, criatividade e doze músicas inéditas, mais importante obra tendo a maior cidade brasileira como tema. Furou todos esquemas que impedem produções honestas de chegar ao público, distribuiu mais de 15 mil DVDs em canais multiplicadores, a exemplo das 2300 escolas públicas de SP, a ponto da obra ter alcançado mais de 500 mil pessoas em poucos meses, desde a cidade onde foi realizada a países como a França, Argentina, Estados Unidos, Portugal, etc...

SEGUNDO FILME DISPUTADO POR DISTRIBUIDORAS
(A.N.A. - Paris) O segundo longa de Tede Silva, "L'école de TransGays" segue na trilha do sucesso antes mesmo do lançamento oficial. Exibido para críticos europeus, foi saudado por Pierre Kalfon como "...oeuvre trés personnelle et complètement libre, le film n'appartient à aucune école , mais est une leçon de tolérance par l'absurde." Pierre Kalfon é um dos mais prestigiados intelectuais franceses, autor de biografia antológica sobre Che Guevara, ex-presidente da Aliança Francesa na Argentina e Chile, expulso do Chile com o golpe contra Allende, ex-diretor da UNESCO na Europa, também realizador de cinema. Enquanto sua produtora negocia com as distribuidoras interessadas no lançamento de seu segundo filme em circuito mundial, Tede Silva começa agora a preparação de elenco e técnicos para "Superbe, Le filme", projeto que entra para a história do cinema a partir da própria concepção. Os interessados em participar das oficinas de atores, atrizes e técnicos do projeto podem entrar em contato através do email superbe.lefilm@gmail.com

TAM SEGUE VÔO DE TRANSBRASIL, VASP, VARIG, BRA...
(A.N.A. - Paris) Só falta a moça que faz a limpeza assumir as funções de marketing, comunicação, comercial e de administração da TAM na França. A empresa demitiu colaboradores, mudou o escritório de área nobre para outra decadente. E consegue piorar o que sempre foi ruim. A via-crucis do brasileiro(ninguém de outra nacionalidade, que seja bem informado, viaja mais pela TAM) para usar os serviços da empresa começa por descobrir onde fica o seu escritório. O Comitê Em Defesa da Vida, criado na Europa para denunciar o caos aéreo brasileiro, alerta aos poucos usuários da TAM para que não comprem passagens com muita antecedência, sob pena de correrem risco de ficar com a mesma batata quente que deixaram Transbrasil, VASP, VARIG, BRA...
JORNALISTA QUE USA, PERDE A CABEçA NO BRASIL (A.N.A. - Paris) Nem o DIP de Getúlio Vargas, nem a ditadura militar foram tão eficientes quanto o atual Governo do Brasil no controle da informação e perseguição a jornalistas que ousam usar a cabeça e fazer questionamentos mesmo óbvios sobre a realidade brasileira e os seus inevitáveis esquemas de corrupção. O jornalista Paulo Henrique Amorim, um dos mais experientes profissionais brasileiros, foi demitido de um dos portais de internet mais populares, onde mantinha uma coluna fixa, um dos poucos espaços não idiotizantes dos portais brasileiros, mesmo apesar de defender em alguns casos o atual Governo do Brasil.

OBRA-PRIMA DO JORNALISTA QUE PERDEU A CABEçA
(A.N.A. - Paris) "O Jornal da Globo nos ofereceu duas obras primas, na noite de luto, em que o Senado absolveu Renan Calheiros. O "editorial" de abertura de William Waack (na Globo, agora, não só os colunistas dão palpite, mas também os âncoras...). E a entrevista do Senador Aloizio Mercadante para explicar por que se absteve. Uma não-explicação, na verdade. Uma confissão pública para o ato de se omitir. Ali não tinha saída: ou condenava ou absolvia. Não tem essa de um jurado dizer que se abstém. Foi para jogar para a platéia. Como faz, invariavelmente, o senador tucano Eduardo Suplicy, filiado ao PT. Faltavam cinco minutos para começar o jogo e Suplicy se lembrou de mudaras regras do jogo e transformar a eleição em eleição aberta. Por que não pensou nisso antes ? Como diria Voltaire, tão bom seria se fosse possível amarrar as tripas doúltimo petista de São Paulo nas tripas do último tucano de São Paulo e jogarnas águas cristalinas do rio Tietê ..." O texto acima é do jornalista Paulo Henrique Amorim e deve ser repetido e transmitido à exaustão pela B.I.A.(Brigada de Internautas Ativos) e pela R.I.A.(Rede de Internautas Alternativos). Mexa-se! Copie! Cole! Tecle!

O MUNDO PRECISA DE MAIS REALIZADORES!

Efraim Mellara

(A.N.A. - Paris) Na ultima quarta-feira da semana passada, na pequena cidade mineira de Paracatu, a professora Maria das Graças embarcou em ônibus para a cidade de São Paulo, acompanhada do marido, dois filhos e vizinha. Foram fazer turismo de quatro dias. Muitos vão pensar que dona Maria das Graças é doida varrida, maluca ou tem alguma tara. Fazer turismo em São Paulo? A cidade é das mais bregas do Brasil, feia, suja, caótica, com nativo mal educado, amontoado de peões e picaretas. Um dos últimos presidentes da Câmara Municipal de SP pagou cadeia por chantagem e outras escroquerias. A cidade elege gente como Paulo Maluf e João Paulo Cunha. A Federação das Indústrias fecha uma biblioteca na avenida mais importante. O prefeito toma carrocinhas de catadores de papel, os únicos a usarem a bandeira do Brasil, pois São Paulo pensa que é maior do que o país que integra.
Fazer turismo em SP? O mistério que provocou a viagem de dona Maria das Graças tem nome e formato, é um DVD, o DVD do filme "Tudo São Referências, Tudo São Memórias", de Tede Silva, que ela recebeu de presente de uma amiga, moradora da cidade. Morador da cidade por nove anos, Tede Silva foi perseguido de todas as formas possíveis mas conseguiu se imortalizar e imortalizar a cidade, suas cicatrizes e algumas belezas. São Paulo é a cidade que gestou o maior entreguismo de patrimônio público do mundo, fora do bloco de países socialistas. Gestou o mais explícito dos esquemas de corrupção do ocidente, que pagou, entre outras aberrações ainda inéditas, quase sete milhões de reais para a produção de um filme chamado "Os dois filhos do mensalão", que conta a jornada de uma dupla sertaneja. Dupla sertaneja, pra quem não sabe, é espécie de acasalamento que deveria merecer o mesmo tratamento de gado com aftosa.
O duro é saber que o dinheiro que dona Maria das Graças e sua família vão gastar em SP será usado para sustentar políticos corruptos, apresentadores de TV idiotas, duplas breganejas e outros execráveis seres. Mas, paciência... Tede Silva hoje pode-se dar ao luxo de respirar um ar mais puro. Trocou São Paulo por Paris. E pode contar com a A.N.A., a R.I.A., a B.I.A. e o I.C.A.! E com este modesto articulista voluntário. Posso não ter talento para uma função artística ou técnica, mas se precisar de alguém para segurar o pau de luz, pode me convocar!
Não poderia deixar de escrever este editorial saudando o lançamento de mais um projeto de Tede Silva. O mundo precisa de mais realizadores! Se Paris é a cidade mais visitada do mundo, o agradecimento de cada um de seus moradores deve ser dirigido aos artistas que a transformaram em ícone da civilização! As cidades mais visitadas do mundo, não por acaso, são aquelas que foram cantadas em prosa, verso, música e cinema por seus artistas! O mundo precisa de mais realizadores! Parabéns Tede Silva!

O Institut Castro Alves agradece mensagens pela criação da A.N.A ., primeira Agência de Notícias Alternativas em língua portuguesa da internet. Sugestões serão avaliadas, impossível responder a cada um em particular.

1. Todo internauta PODE passar para frente informações que colaborem para injetar consciência crítica em doentes de ignorância ou alienação . Pode republicar em blogs, sites, imprimir, citar, reproduzir e editar.
2. A citação da fonte é aconselhável para que o Institut Castro Alves assuma TODA e COMPLETA responsabilidade pelo que vai informado ou comentado.
3. Todas as informações e notícias enviadas à A.N.A. devem ser resumidas.
(Efraim Mellara, editor)

26 março 2008

Um casal em viagem faz cinema




Com produção executiva de Kleber Mendonça Filho, entre outros (veja a ficha técnica ao lado, clicando para a imagem aparecer maior em outra janela), Ocidente, de Leonardo Sette, que está concorrendo na mostra competitiva do festival É Tudo Verdade, tem recebido por onde passa os maiores elogios. É um filme para reter a não perder de vista. Abaixo, algumas opiniões sobre o filme:
"Há dois diretores que estão com curtas-metragens aqui na Mostra de Tiradentes que fazem cinemas muito sensíveis e que me entusiasmam muito: o Fernando Coimbra (SP) e o Leonardo Sette (PE). Acho os dois curtas – Trópico das Cabras, de Coimbra, e Ocidente, de Sette – dois grandes filmes. O do Leonardo Sette, considero uma pequena obra-prima, uma jóia rara."Bruno Safadi, diretor do longa-metragem Meu nome é Dindi, Revista Cinética - http://www.revistacinetica.com.br/entrevistasaurora.htm
"O melhor curta da noite. Reflexos dos sentimentos com uma noção de entorno muito forte."Sérgio Alpendre, crítico, Revista Paisà, cobertura da Mostra de Cinema de Tiradentes - http://www.revistapaisa.com.br/paisablog/2008/01/uma-boa-safra-de-curtas-em-35-mm.html
"OCIDENTE, de Leonardo Sette, me interessa em muito por ser, ao meu ver, perfeito exemplar de um cinema moderno, feito com novas tecnologias por um homem sozinho e que, no domínio completo de uma linguagem e de um equipamento, fez uma obra delicada e humana que sugere muitas coisas boas e belas ao longo dos seus seis hipnóticos minutos."Kleber Mendonça Filho, cineasta e crítico"Um filme muito importante, de um autor que já na primeira obra aponta radicalmente rumo a um cinema epidérmico, cinema do imprevisível e da reflexão, alimentando de forma vigorosa a renovação do audiovisual brasileiro contemporâneo.
"Eryk Rocha, cineasta

25 março 2008

O surrealismo no cinema


O cineasta, quando realiza um filme, traduz o real, e, no cinema, há, basicamente, quatro modos de representação da realidade: (1) o realismo e suas variadas vertentes (neo-realismo, realismo poético, realismo socialista...); (2) o idealismo (também conhecido como intimismo cujo apogeu se dá com a idade de ouro do cinema americano – anos 30 e 40); (3) o expressionismo (Alemanha nos anos 10 e 20); e (4) o surrealismo, que tem em Luis Buñuel a sua maior expressão. O grande público está mais acostumado com o realismo e o intimismo. Um filme surrealista sempre deixa nele uma impressão de confusão, pois habituado a ver tudo mastigado, com uma explicação racional e lógica para as artimanhas do enredo. Vamos ver aqui em rápidas pinceladas o que vem a ser o surrealismo no cinema.

O surrealismo parte de uma atitude revolucionária em filosofia, cujo verdadeiro objetivo não consistiria em interpretar o mundo, mas, sim, em transformá-lo. Na forma exposta por seu principal animador, André Breton, o surrealismo revela forte influência do materialismo dialético, dele retirando sua "lógica da totalidade". Assim como o sistema social constitui um todo e nenhuma de suas partes pode ser compreendida separadamente, a arte não deve ser o reflexo de uma parcela de nossa experiência mental (a parcela consciente), mas uma síntese de todos os aspectos de nossa existência, especialmente daqueles que são mais contraditórios.

O surrealismo tenciona apresentar a realidade interior e a realidade exterior como dois elementos em processo de unificação, e nisto está sua capacidade de passar do estático para o dinâmico, de um sistema de lógica a um modo de ação, o que é uma característica da dialética marxista. O cinema se revelou como o instrumento ideal para a conquista da supra-realidade, pois a câmera é capaz de fundir vida e sonho, o presente e o passado se unificam e deixam de ser contraditórios, as trucagens podem abolir as leis físicas, etc.

Quando Buñuel apresentou, em Paris, O Anjo Exterminador (1961), o exibidor lhe solicitou que escrevesse alguma coisa para colocar na porta da sala de exibição. Buñuel rabiscou o seguinte: "A única explicação racional e lógica que tem este filme é que ele não tem nenhuma". Noutra ocasião, ao ganhar o Leão de Ouro de Veneza por A Bela da Tarde (Belle de Jour, 1966), lhe perguntaram o significado da caixinha de música que um japonês carrega quando no quarto com Catherine Deneuve. O cineasta respondeu que não sabia. Assim, o espectador não pode racionalizar dentro de determinada lógica nos filmes surrealistas. É claro que os significados existem, amplos, dissonantes e insólitos. E por que os convidados aristocráticos de O Anjo Exterminador, ainda que não haja nenhum obstáculo que lhes impeçam de sair, não conseguem evadir-se da mansão? Um recurso surreal para a análise da condição humana, um laboratório criado para se investigar pessoas numa situação-limite.

Excetuando-se alguns ensaios vanguardistas e sua fugidia presença em comédias de Buster Keaton, Jerry Lewis, Jim Carrey, em filmes de Carlos Saura (Mamãe Faz Cem Anos, etc), Jean Cocteau (O Sangue de um Poeta/Le sang d'un poete), entre poucos outros, o surrealismo cinematográfico está inteiramente contido em Un Chien Andalou (1928) e L'Age D'Or (1930), ambos do espanhol Luis Buñuel, com colaboração de Salvador Dali. A cena inicial do primeiro é famosíssima: o próprio Buñuel, após contemplar uma enorme lua prateada no céu, afia uma navalha e corta pelo meio o globo ocular de uma mulher que está sentada. No segundo, vemos um cão ser arremessado pelos ares, uma vaca deitada sobre a cama, um bispo e uma árvore em chamas sendo despejados por uma janela, situações de delírio erótico, baratas numa mão que toca pianola, etc.

A ambigüidade do termo surrealismo pode sugerir transcendência, predomínio da imaginação sobre a realidade. Estaria na imaginação de Séverine sua ida ao bordel todas as tardes? A rigor, isso não importa, A significação é mais ampla, conecta-se mais ao discurso do modo de tradução do real. O surrealismo pretendia um automatismo psíquico que expressasse o funcionamento real do pensamento. Você, caro leitor, às vezes não tem pensamentos indesejáveis? É o inconsciente. Assim, e isto é muito importante, o domínio do surrealismo é o que acontece na mente humana antes que o raciocínio possa exercer qualquer controle. O papa surreal André Breton dormia com um caderno em cima do criado mudo para anotar os seus sonhos, chamando, tal comportamento, de escrita automática.

O automatismo provocado pelo surrealismo implica numa transfiguração anárquica do mundo objetivo, cujo efeito imediato é o riso. Mas o humor, aqui, é uma nova ética destinada a sacudir o jugo da hipocrisia. E o sonho é encarado como uma revelação do espírito, sendo afirmada a sua riqueza sob o duplo ângulo da psicologia e da metafísica. Para chegar à consciência integral de si próprio, o homem tem de decifrar o mundo do sonho, pois deixá-lo na obscuridade representa uma mutilação do nosso ser.

Un Chien Andalou e L'Âge d'Or procuravam, pois, o homem integral, "buscando a recuperação total de nossa força psíquica por um meio que representa a vertiginosa descida para dentro de nós mesmos, a sistemática iluminação de zonas ocultas", como consta do manifesto de Breton. Neles têm um papel saliente o grotesco, o cruel, o absurdo, tudo com um sentido de revolta e solapamento.

Segundo Breton, qualquer divisão arbitrária da personalidade humana é uma preferência idealista. Se o propósito é o conhecimento da realidade, devemos incluir nela todos os aspectos de nossa experiência, mesmo os elementos da vida subconsciente. Essa é a pretensão do surrealismo, movimento artístico que abrangeu além da pintura, escultura e cinema, também a prosa, a poesia, e até a política e a filosofia.

24 março 2008

Roberto Pires: cineasta e inventor



Petrus Pires, filho de Roberto Pires, o grande cineasta baiano, acaba de realizar um filme sobre o pai, O artesão do sonho, que ainda não tive oportunidade de ver. Petrus tenta resgatar a sua memória através da busca de seus filmes e da reconstituição de sua história. Redenção, o primeiro longa baiano, que se tinha como desaparecido, realizado com lente anamórfica inventada por Roberto, após anos de procura teve uma cópia encontrada em Recife e se encontra em processo de restauração. A imagem aqui ao lado é da bela Helena Ignez num momento especial de A grande feira (1961), cuja mise-en-scène é de Roberto Pires.

Se o cinema na Bahia não existisse, Roberto Pires o teria inventado, escreveu Glauber Rocha em Revisão Crítica do Cinema Brasileiro (Civilização Brasileira, 1963), uma reavaliação histórica do processo de criação na cinematografia nacional, um livro importante que provocou polêmicas na época – e que foi, recentemente, reeditado com prefácio de Ismail Xavier. Nesta publicação, Glauber considera Limite um mito a ser desmistificado, apesar de o filme não ter sido, em 1963, ainda restaurado, diz que O Cangaceiro é um produto falso feito na paisagem paulista, com um décor descaracterizado e uma estrutura narrativa westerniana, entre outros pontos provocativos e que exerciam uma espécie de dessacralização de dogmas estabelecidos. Humberto Mauro é coroado como o patrono do cinema brasileiro, o cineasta que plantou as raízes e colheu os frutos com seus filmes autênticos e enraizados. Mas se está, aqui, pegando um atalho e saindo da estrada, porque ela, a estrada, é Roberto Pires, o realizador de Redenção, o primeiro longa metragem feito na Bahia, com lente anamórfica (cinemascope) inventada por ele na ótica de seu pai. Redenção sobre ser uma obra de pioneiro, de desbravador, tem uma singular importância para a eclosão do Ciclo Bahiano de Cinema que viria a seguir. O filme é um exemplo, uma espécie de prova da possibilidade da existência de um cinema nestas plagas. Quem viu a avant-première, em black-tie, no cine Guarany, em 1959, não esquece o entusiasmo de todos. É vendo Redenção que Glauber Rocha sente que, de fato, seria possível se desenvolver, aqui, uma indústria cinematográfica. Encontrando, por acaso, Rex Schindler, no escritório de Leão Rosemberg, Glauber inicia uma amizade com Rex que vem a resultar no projeto do cinema baiano. Redenção, no entanto, não pode ser incluso dentro dos postulados cinemanovistas, pois um thriller, um policial com acentos amadorísticos. Mas, como acontece com a projeção de 1895 - data do nascimento do cinema - da chegada do trem dos Irmãos Lumière, apenas o fato de se ver, na tela, imagens de pessoas participando de uma história em movimento, o filme se torna uma lenda. O orgulho é imenso, e, naquela época, aquele que participa, numa pontinha, do filme de Roberto Pires, faz questão de dizer: “Eu trabalhei em Redenção Roberto Pires o filma nos finais de semana e o roteiro, imaginado e pré-visualizado em 1955, tem suas filmagens iniciadas no ano seguinte. A equipe técnica, trabalhando nos dias úteis em outras atividades para sobreviver, só se encontra disponível aos sábados e domingos. Assim, a fita é rodada a prestações até que um ilheense apaixonado por cinema, Élio Moreno de Lima, decide aplicar mais recursos, injetar mais verbas para o aceleramento da produção que, afinal, só fica pronta em 1959. Pires, um inventor e um artesão que se forma na intuição, vendo filmes policiais americanos, sem freqüentar o Clube de Cinema de Walter da Silveira, consegue, e não se sabe a que custos, finalizá-la, lançando-a com sucesso surpreendente no mercado soteropolitano. Rex Schindler e Braga Neto, após o êxito de bilheteria do filme estreante de Pires, resolvem bancar Barravento, de Glauber Rocha, dando início ao que se chama a ’Escola Bahiana de Cinema’. Glauber, crítico de cinema do então recém-fundado Jornal da Bahia, entra no meio das filmagens de Barravento, remodelando o roteiro e o idealizando à sua imagem e semelhança. Schindler, Glauber, Braga Neto e outros têm um projeto para a instalação de uma indústria de filmes - Glauber como mentor intelectual da turma. Dá-se início às filmagens de A Grande Feira (1961), com argumento de Rex, roteiro deste e de Pires e com direção do último. A artesania, que Pires demonstra na construção da mise-en-scène, habilita-o como cineasta neste drama sobre a Feira de Água de Meninos com acentos cordelísticos e brechtinianos. Sucesso estrondoso em Salvador, anima os produtores a partir para Tocaia no Asfalto (1962), que seria dirigido - segundo o esquema de rodízio estipulado - por Glauber, mas este, já detonando o Cinema Novo no SDJB - o célebre Suplemento Dominical do Jornal do Brasil editado por Reynaldo Jardim - e preparando, no Rio, a produção de Deus e o Diabo na Terra do Sol, indica Roberto Pires. Tocaia no Asfalto tem um tema atual, pois trata da corrupção, da tentativa de se instalar uma CPI a fim de apura-la e do pistoleirismo. A sua estrutura narrativa é de um thriller, bem ao gosto de seu diretor, e há momentos de puro cinema: a perseguição de Agildo Ribeiro, o pistoleiro, para matar um político no interior da Igreja de São Francisco e o tiroteio no cemitério do Campo Santo.


O que se denomina de ’Escola Bahiana de Cinema’ se restringe aos filmes idealizados pelo grupo de Rex, Glauber, Pires e Braga Neto, entre outros - Barravento, A Grande Feira, Tocaia no Asfalto, mas, nesta época, de imenso burburinho, a Bahia vive o cinema, com produtores do sul e até do estrangeiro (O Santo Módico, de Jacques Viot), além de outros baianos que conseguem se estabelecer com produções de outras empresas - como a Winston Carvalho que banca O Caipora, de Oscar Santana; como a Tapira de Palma Netto, que tenta dar uma resposta ao problema feirante através de um outro filme, Sol Sobre a Lama, que é dirigido pelo carioca Alex Viany, mas produção genuinamente baiana; como Ciro de Carvalho Leite, que financia O Grito da Terra, de Olney São Paulo, em Feira de Santana. O Ciclo Bahiano de Cinema’ reúne todos os filmes que são realizados na Bahia entre 1959 e 1963, inclusive os da ’Escola...


Roberto Pires é muito ligado a Iglu Filmes - que tem este nome por causa de um bar na Praça da Sé, onde os cineastas costumam se reunir. Faz-se, neste período, até atualidades como A Bahia na Tela, um cine-jornal cuja estampa é o cartão postal do Elevador Lacerda. Pires tem um sentido, diga-se assim, intuitivo da construção de uma mise-en-scène, tem, aliás, como poucos brasileiros, um faro excepcional para trabalhar com o específico fílmico, com a linguagem cinematográfica. Se Redenção é um rascunho, A Grande Feira e Tocaia no Asfalto são exemplos significativos da artesania do cineasta, de sua posta em cena. Ainda que seguindo os cânones de uma estrutura narrativa clássica - e, de certa forma, acadêmica, Pires possui o que muitos não têm: o engenho e a arte de saber se articular por meio de elementos puramente cinematográficos. Seus melhores filmes (’Feira’, ’Tocaia’) mostram um realizador em plena consciência de seu ofício. Mas é um cineasta que precisa do apoio de um argumento e de um roteiro sólidos. É, nesse ponto, mais um executor do que um autor, um artesão que sabe com maestria desenvolver um argumento alheio. E de artesãos como Pires é que o cinema brasileiro precisa para conquistar o mercado, envolver o público, cativar o cinéfilo. Com a derrocada do Ciclo Bahiano de Cinema - o velho problema de distribuição, Pires vai tentar a vida no Rio de Janeiro e realiza, em 1963, Crime no Sacopã, filme que, desaparecido, precisa, urgentemente, de uma revisão. Montando filmes alheios para sustentar a família, enquanto aguarda o próximo longa, o cineasta, em 1967, realiza um policial na medida certa do seu talento: A Máscara da Traição, com Tarcísio Meira, Glória Menezes e Cláudio Marzo, então atores globais em alta. O filme conta a execução de um grande assalto aos cofres do estádio do Maracanã em dia de jogo decisivo.


Convidado por produtor americano para realizar um thriller à brasileira, recusa o convite e indica Alberto Pieralisi, que dirige Missão Matar, com Tarcísio Meira na pele de um James Bond dos trópicos. Uma experiência em 16mm, para posterior ampliação em 35mm e exibição nos cinemas, é um fracasso em 1970: Em Busca do Su$exo, com Cláudio Marzo, Eulina Rosa, Sílvio Lamenha. Filmado no Rio, aproveita atores globais, mas não se vê, neste filme, o metteur-en-scène tão proclamado. A seguir um ostracismo de dez anos até que arranja produção, monta um estúdio na Boca do Rio e se aplica numa science-fiction: Abrigo Nuclear. Para dar certo, no entanto, precisaria de uma infra-estrutura que Pires não consegue arranjar. O resultado é outro fracasso. Anos depois, faz, em Goiânia e Brasília, um filme sobre o acidente do césio, que recebe elogios, mas não consegue a circulação merecida. Assistente de Glauber Rocha em A Idade da Terra, participa também de Di Cavalcanti. O seu grande momento, todavia, se encontra nos anos 60. Esperava-se, de Pires, um nova longa: Nasce o Sol a 2 de Julho, cujo argumento é de Rex Schindler. O maior cineasta baiano, Roberto Pires. Claro, há Glauber Rocha, mas este é universal e não se compara. Separa.

Pires morre por causa de um câncer contraído durante as filmagens do filme sobre o césio. Tinha já dado início a alguns planos de Nasce o sol a 2 de Julho.

Recado amigo de um "velho" cineasta

Os famigerados editais governamentais, que põem a classe cinematográfica baiana na categoria de mendigos, ainda não deram sinal de que virão ser postos em prática pelo governo que vem a ser denominado da mudança. Se não podem ser mendigos, em que categoria pode chegar a mendicância, a de miseráveis? O fato é que melhor com os editais do que sem eles. Mas, como acontece há muito tempo, e verdade seja dita, não é coisa da entourage wagneriana, quando uma produção de fora pede ajuda o tapete vermelho sempre é estendido para ampará-la com sólidos recursos. Glauber Rocha, quando filmava em Milagres, cidade do interior baiano, o seu premiado O dragão da maldade contra o santo guerreiro, em 1969, teve recusada sua solicitação de uma kombi (vejam só a insignificância) pelo governo de plantão (estava-se nos estertores do governo de Luiz Vianna Filho, que passaria, sob ditadura inclemente, a faixa para ACM após esfuziante performance como prefeito da capital, o "Pelé branco das construções", segundo dizia o radialista França Teixeira). Carlos Diegues recebeu polpudas verbas para fazer a avant-première de Tieta do agreste no majestoso Teatro Castro Alves (que foi equipado com equipamentos apropriados, a gerar, com isso, uma despesa enorme). Após a sessão, um coquetel foi servido aos convidados, coquetel este que terminou quase ao sol nascer com derrame de scotch e muita cerveja, sem falar nos salgadinhos protocolares. Enquanto Cacá se divertia com seus amigos vindos do eixo Rio-São Paulo - tudo pago pelas burras governamentais, às expensas do governo, os cineastas baianos morriam de fome, fome de criação, fome de instalar, nas telas, suas imagens em movimento. O mesmo aconteceu com a estréia, também no TCA, de A guerra dos Canudos, superprodução de Sérgio Rezende. Vem-se a saber, agora, que duas produções baseadas em Jorge Amado estão prestes a receber grana do Estado da Bahia. Tuna Espinheira, que nunca dormiu de touca, mandou-me a seguinte mensagem:

Velho André,
A Tarde de hoje anuncia duas produções, baseadas em romances de Jorge Amado. Seria até motivo de festa, afinal são filmagens na Bahia. Tudo bem, só que as famosas cestas básicas, representadas pelos polêmicos Editais, até agora nada. É, da tradição baiana, baixar o tapete vermelho, para os que chegam de fora, passearem os seus delicados pés. Para estes, muito dinheiro e fartura! Para a prata da casa: a austeridade cinzenta de um concurso que não quer acontecer. “Ó quão dessemelhante”.
Tuna Espinheira

23 março 2008

A carruagem de ouro

Saiu, pela Versátil, o DVD de A carruagem de ouro (Le carrosse d'or, 1952), de Jean Renoir, uma homenagem à commedia dell'arte, com a extraordinária Anna Magnani. O filme tem várias versões, mas a original é a em inglês, como a cópia recém-lançada. Mas se não visse, antes, os depoimentos de Martin Scorsese e do próprio Jean Renoir, e fosse ver o filme direto, pensaria em adulteração. Achava que a versão original seria a francesa, com Magnani dublada, mas Renoir, no extra, diz que rodou A carruagem de ouro em inglês e ao som de Vivaldi o tempo todo ao qual, inclusive, dá a co-autoria da obra. Conta que Anna Magnani teve que aprendeu as suas falas em inglês. Filme que serve de exemplo de como a cor - e no caso o technicolor - pode ser utilizada em função da dramaturgia e não como mero elemento de decoração. A iluminação é de Claude Renoir e, em alguns enquadramentos, pode se sentir a influência do pai do realizador, o pintor Auguste Renoir.
Um dos grandes momentos do cinema aquele no qual Anna Magnani, desesperada com a prisão do marido, sai correndo pela rua e toma um tiro. Pode-se dizer que esta cena detona o neo-realismo italiano em Roma, cidade aberta (Roma, città aperta, 1945), de Roberto Rossellini. Magnani se transformou de uma hora para outra em uma estrela de grande prestígio, chegando a ser convidada a trabalhar em filmes hollywoodianos. Mas não teve vida longa. Excêntrica, como conta Renoir no extra de Le carrosse d'or, abusou um pouco da moça branca e, aos 65 anos, em 1973, foi-se embora por meio de um truculento câncer nos pâncreas. Pouco antes de morrer, surpreendida (claro que tudo combinado) por Federico Fellini na porta de sua casa, em Roma, no filme do mesmo nome, bate-lhe a porta na cara (e na do espectador).
Se a profundidade de campo foi posta em execução com bastante dinâmica e funcionalidade a partir de Cidadão Kane (Citizen Kane, 1941), de Orson Welles, Jean Renoir, este diretor de La carrosse d'or, empregou-a primeiro em A regra do jogo (La règle du jeu, 1939). Em tempos idos, a crítica brasileira, em relação ao cinema francês, se dividia entre os adoradores de Jean Renoir e os adoradores de René Clair. Este, cujo nome está mais esquecido do que o do autor de La règle du jeu, foi o primeiro homem de cinema a entrar na vetusta academia de letras francesa. Clair era admiradíssimo em sua época (Sob os tetos de Paris, Le million, À nous la liberté, Por ternura também se mata, O silêncio é de ouro, etc), mas seus filmes não são mais citados, lembrados. Já os de Renoir são sempre referidos, principalmente A regra do jogo, A grande ilusão, este sobre a guerra, com Pierre Fresnay e Erich von Stroheim, além de Jean Gabin, um clássico que marcou pelo seu humanismo e poder de convencimento.
Truffaut gostava imensamente de Jean Renoir. Para alguns, é o maior cineasta francês de todos os tempos. Outros, porém, consideram que o melhor é René Clair. A disputa, no entanto, foi sendo deixada para trás com o aparecimento de outros cineastas importantes, principalmente a partir dos anos 60 (Jean-Luc Godard, Alain Resnais, Truffaut...), além da consagração de Robert Bresson. O duelo Renoir-Clair, que se dava à revelia deles por seus admiradores, estava concentrado mais na década de 40. A revista Cahiers du Cinema, por exemplo, atacava o velho cinema francês acadêmico, a perdoar, entre poucos (Jacques Becker), Jean Renoir. Claude Autant Lara, Julien Duvivier, Jean Dellannoy, entre outros, foram pichados pela nova vaga, mas, passada a euforia, o próprio Truffaut reconhece o exagero da fase.
Aliás, para homenagear A carruagem de ouro, Truffaut colocou o nome de sua produtora como Films du Carrosse numa alusão explícita a este filme de Jean Renoir.