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17 fevereiro 2006

Confissões à toa de um bloguista


O blog, pelo menos no meu caso, não é uma coluna de crítica cinematográfica. Procedo de maneira diferente quando comento um filme no meu espaço em jornal ou, mesmo, na parte que me cabe do site Coisa de Cinema, onde rabisco algumas bobagens. O blog, para mim, é uma espécie assim de espaço para conversação sobre filmes que vejo, sobre cinema em geral. Excetuando-se postagens anteriores que tinham o intuito didático de um curso preliminar de cinema, uma introdução, bem entendido, o que faço aqui é conversar, ressaltar alguns pontos num determinado filme, alguma curiosidade, elogiar um cineasta pouco promovido, desbancar outros, se for o caso. Sempre, porém, com honestidade e com sinceridade. Posso também, se assim o quiser, falar de minha unha encravada, que tanto me atormenta.

Há blogs e blogs, assim como há site e sites. Não gostaria de ficar citando porque o risco de omissões é enorme. Mas, por exemplo, exceção se faça a um cedeefismo de alguns colunistas, o site da revista eletrônica Contracampo é um site a respeitar pela seriedade, pela excelência de alguns textos, pelo amor ao cinema que se revela transbordante, e, principalmente, porque tem um propósito de refletir sobre a natureza da arte do filme. Aliás, a revista foi eleita como o melhor site da internet no concurso feito por Reichenbach em janeiro de 2005. Já o blog é outra coisa, embora quem assim o queira pode transformá-lo numa página de críticas, como faz, e bem, Marcelo Miranda com o seu Impressões cinéfilas, ou Filipe Furtado em Anotações de um cinéfilo. A página de Reichenbach, sobre ser de imprescindível leitura, tem características próprias, podendo ser considerado não um site mas um reduto no qual o Comodoro aplica seus conhecimentos impressionantes de cinema. Impressiona-me a erudição do realizador de Liliam M. Poderia, então, dizer que o Reduto do Comodoro é um primus inter pares, desculpando-me, aqui, pelo latinório. Mas não é pedantismo - nunca foi pedante, mas há expressões que nunca ficam tão bem em português.

Meu blog sofre da deficiência da atualização. Também não tem o objetivo de acompanhar os lançamentos, os filmes novos que por aí circulam. Falo do que quero. Dos filmes que assisto em DVD e, vez por outra, de algum que me tenha fascinado pelo circuito. A falar a verdade, não tenho mais a animação, o entusiasmo, a emoção, de antigamente, quando era cinéfilo impertinente. O cinema contemporâneo, pelo menos o que se encontra no circuito comercial, é um lixo, como disse numa entrevista publicada no Coisa de Cinema. Há as cinematografias exóticas, a iraniana, a coreana, a chinesa. Nesse particular, os contracampistas são um pouco exagerados em relação a certos cineastas, principalmente os mais asiáticos. Se os jovens do Cahiers du Cinema foram chamados de jovens turcos, não seria descabido dizer que os contracampistas estão coreanos demais. Jovens coreanos, portanto. Sem lhes tirar o mérito, o conhecimento, e a paciência.

Agora, com licença, pois sexta, dia da amarela. E um porre tem, neste caso, tudo a ver. Para esquecer que existe um cineasta como Sam Mendes, que já ganhou Oscar enquanto Scorsese nunca viu a cor da estatueta - por sinal amarela como o chopinho amigo.

16 fevereiro 2006


Em Nós que nos amávamos tanto (C'eravamo tanto amati), há a reconstituição in loco das filmagens de La dolce vita, de Federico Fellini, que, amigo de Scola, concordou em participar como ele mesmo. Chamou Marcello Mastroianni, que também aceitou. As filmagens mostradas no filme são a da famosa seqüência de Fontana Di Trevi, quando Mastroianni, entrando na fonte com Anita Ekberg, beija-a calorosamente. C'eravamo tanto amati faz muitas alusões cinematográficas, principalmente a Ladrões de bicicleta (Ladri di biciclette, 1948), de Vittorio De Sica, obra que entusiasma Stefanno Satta Rosa, Nicola, o crítico cinematográfico. Por causa de seu idealismo, larga a família, a mulher, um filho pequeno, e sai de sua cidade interiorana para viver Roma, a cidade aberta. Anos depois, responde, num programa de televisão tipo O céu é o limite, sobre Ladri di bicilette, mas quando já se acha no auge, erra a pergunta que lhe daria o grande prêmio. A resposta, porém, estava certa, como se vê já no final, quando o próprio Vittorio De Sica aparece e conta como conseguiu fazer o menino chorar. Mas Nicola não tem mais ânimo, não tem mais a ilusão, encontra-se desiludido. Há referências a vários cineastas. Um coronel italiano, por exemplo, confunde Fellini com "o grande Rossellini". Sandrelli, numa cena, diz que vai tirar umas fotos para um teste em filme de Luigi Zampa. A alusão a Michelangelo Antonioni se faz mais forte com a citação de O eclipse. É a trajetória do cinema italiano que do neo-realismo passou pelas comédias como Pão, amor e fantasia, que deflagrou várias do tipo, até que surgiu a incomunicabilidade e o vazio existencial dos filmes do autor de La notte.

Scola conta que Vittorio De Sica morreu dez dias depois de terminadas as filmagens de Nós que nos amávamos tanto. E, por isso, dedicou o filme a ele. Autor de importantes obras neo-realistas, no final da vida, porém, o diretor
de Ladri di biciclette aceitava dirigir filmes menores como Um toureiro sem sorte, apesar de Peter Sellers, Sete vezes mulher, apesar de Shirley MacLaine. Sua derradeira obra, porém, tem atributos inegáveis: A viagem, com sua atriz preferida Sophia Loren e Richard Burton. Há um filme de De Sica da última fase que gosto muito: Um lugar para os amantes, com Faye Dunaway e Marcello Mastroianni, que se apaixonou pela atriz de Bonnie & Clyde.

E, para não esquecer, Satta Rosa, ou Nicola, quando conhece Sandrelli, após uma farra, conta a ela, em detalhes, a seqüência da escadaria de Odessa de O encouraçado Potemkin, de Sergei Eisenstein. Na foto ao lado, Ettore Scola. Ainda falando nele, existe um filme que é uma sentença transitada em julgado sobre a morte do cinema:
Splendor, com Mastroianni, aquele rapaz de O carteiro e o poeta, e Marina Vlady. Feito no mesmo ano de Cinema Paradiso, de Giuseppe Tornatore.

C'eravamo tanto amati


Obra-prima de Ettore Scola, Nós que nos amávamos tanto (C'eravamo tanto amati, 1974), espelho de uma época, é um filme fascinante, que retrata a história italiana após a Segunda Guerra Mundial como, também, faz uma reflexão sobre o próprio cinema que se realizou no período que vai do fim do conflito aos começos dos anos 70. Acompanha a trajetória de três homens que se fizeram amigos durante a luta bélica e, finda esta, cada um segue o seu caminho, a sua trajetória. Um é operário, que trabalha num hospital, Nino Manfredi, o outro é um intelectual, Steffano Satta Rosa, e o terceiro um advogado em início de carreira, Vittorio Gassmann, o único que consegue ascender, pela ambição, na escala social. Em torno deles, Luciana (Stefania Sandrelli, belíssima), amada por todos, que, primeiro namorada de Manfredi, vem a conhecer Gassman e, depois, também tem um caso com Rosa, o crítico cinematográfico.

Scola trabalha com singular expressividade o tempo cinematográfico, e é criativo nas situações, em particular a repetição que faz, em momento belo e comovente, dos recursos teatrais da época, vistos pelo casal Manfredi/Sandrelli, quando, num momento em que o personagem está a pensar, tornam-se imóveis. Na saída do teatro, Sandrelli tenta explicar a Manfredi o que significa aquela imobilidade e pede a ele que diga um pensamento secreto. E ele diz a ela que a ama. Os dois ficam imóveis. O tempo de aprender a viver. No meio do filme, na transição do preto e branco para o colorido, a passagem do tempo é explicitado num plano geral de uma praça romana, que vai se aproximando para um desenho que um homem faz no seu chão e que, aos poucos, vai se colorindo. A ascenção da cor da textura do celulóide como um elemento funcional de significação. No final, quando Gassmann está com os amigos no Meia Porção, reunidos no outono da vida, ele pensa, num lance de memória resnaisiano, na possibilidade dele ter morrido na guerra. O flash-back, aqui, por uma projeção de um pensamento irreal, se faz em sépia, ao passo que, no princípio, os episídios da guerra são em preto e branco. Poder-se-ia dizer mesmo que o tempo é um personagem importante em Nós que nos amávamos tanto. Dilacerante o dialógo final, quando Gassmann encontra Luciana, que amou a vida toda e, por ter se casado com a filha de um empresário milionário, perdeu-a para sempre. Aliás, magnífico o Aldo Fabrizi no papel desse magnata, gordo, deseducado, arrotante, deslumbrante. Para Scola, a comicidade pela comicidade não faz sentido. Sempre deve haver, nela, um tom satírico, um tom irônico. Veja a seqüência da inauguração de uma obra na qual é servido um porco au grand complet, e os comensais, vistos em close ups, parecem se assemelhar, na grossura, na enormidade dos gestos e de suas gorduras, ao pobre animal que descansa sobre a bandeja a ser estraçalhado pela gula.

Filme que tem a cinefilia como elemento catalisador, C'eravamo tanto amati revela bem o esprit du temps. A cinefilia, por exemplo, perdeu o seu status político e, segundo José Carlos Avellar, em debate sobre a crítica cinematográfica, na cidade histórica de Tiradentes, está morta. Perguntado porque parou de escrever, o crítico disse que uma de suas razões estava no desaparecimento da cinefilia. E, realmente, não existe mais uma cinefilia que tem um grande representante em Nicola, personagem de Stefanno Satta Flores em Nós que nos amávamos tanto. Sempre embebido pelo humor e poesia, o filme de Ettore Scola envolve e comove. Há certas transferências criadoras, como no já citado diálogo entre Mandredi e Sandrelli depois do teatro, que se poderia acrescentar quando, retornando aos braços da amada, toma conta de seu filho (dela) numa sala de exibição enquanto ela trabalha de lanterninha. Na tela, está sendo exibido Servidão humana (Of human bondage, 1965), de Ken Hughes e o que se apresenta é uma conversa amorosa entre Laurence Harvey e Kim Novak. Scola troca o diálogo dos dois para transferi-lo para o que Manfredi pensa enquanto assiste ao filme, como se estes fossem ele e Sandrelli num momento de amor.

Tirei o DVD de Nós que nos amávamos tanto na Casa de Cinema, que se localiza na rua Odilon Santos, no Shopping Rio Vermelho, 205. Qualquer contato: (71) 3334.4409. E visitem o site da locadora:
http://www.casadecinema.com.br

15 fevereiro 2006

O poder do estilo: Vincente Minnelli


Vincente Minnelli possui três vertentes em sua obra cinematográfica: os musicais, as comédias sofisticadas, e os dramas asperos e intensos. Os meus melhores minnellis estão com Deus sabe quanto amei (Some came running, 1958), Assim estava escrito (The bad and the beautiful, 1953), A roda da fortuna (The band wagon, 1953), e uma sophisticated comedy extraordinária que é Papai precisa casar (The courtship of Eddie's father, 1963). Que não existe em DVD ou VHS, assim como Some came running. Minnelli pode ser considerado um dos mais refinados estilistas da história do cinema. Infelizmente, não é bem conhecido da nova geração e quando, por acaso, é dado a ver não muito apreciado. Mas Carlos Reichenbach em seus 60 Filmes Notáveis incluiu Assim estava escrito como um dos filmes que mais influenciaram a sua trajetória cinematográfica. Saber ver e sentir a beleza dos filmes de Minnelli já é um passaporte para o conhecimento do cinema. Há, no mundo todo, minnellianos fanáticos. Papai precisa casar, uma pequena obra-prima, passou em brancas nuvens quando do seu lançamento nos anos 60, porque, nesta época, os críticos somente estavam preocupados com a descontrução do cinema e a revolução da imagem proposta por Godard. Bem, The courtship of Eddie's father é um filme sobre um viúvo, Glenn Ford, que tem um filho, Ron Howard (sim, o futuro cineasta), que o ajuda na difícil tarefa de escolher entre três tipos de mulher: a certinha, rica, bastante inserida no american way of life (Dina Merril), a meiga (Shirley Jones), e a esfuziante e existencial Stella Stevens (que participara, neste mesmo ano, 1963, do grande O professor aloprado/The nutty professor, de Jerry Lewis). O filme é muito simples, claro, objetivo, e gira basicamente sobre isso. Mas é o desenvolvimento da mise-en-sène de Minnelli que importa, sua graça na criação das situaçoes e diálogos, e o tratamento temático.

14 fevereiro 2006

Topázio


Leonard Martin, crítico e historiador de cinema americano, dá um depoimento sobre Topázio (Topaz, 1969), de Alfred Hitchcock, num dos extras do DVD, e diz que o filme, ainda que obra menor do autor - nem por isso menos importante, tem uma estrutura audiovisual que não se encontra mais no cinema contemporâneo, uma elaboração na construção das imagens que dificilmente pode ser vista atualmente entre os cineastas. E cita como exemplo o assassinato de Karin Dor (Juanita), que, cubana (a atriz é alemã), é espiã que passa informações ultra secretas a Frederick Strafford. Ao tomar conhecimento da traição de Juanita, John Vernon dá um tiro nela. É nesse momento que a virtuose de Hitchcock se explicita, segundo Martin, quando do alto, ela cai e seu vestido se esparrama pelo chão, como uma poça de sangue. Há muitas outras cenas ou seqüências notáveis em Topaz, a exemplo do momento em que Strafford, na loja de flores de Roscoe Lee Brown, entra com este para lhe passar informações. Então a porta é fechada e o espectador apenas vê os dois a conversar, mas os diálogos não são ouvidos. Num outro momento, enquanto Roscoe vai ao hotel, Strafford o observa do outro lado. Mas nada se ouve da conversa entre Roscoe e o seu interlocutor, que entra no hotel, sai de novo, entra novamente. O cinema mudo, aqui, se faz presente. Martin também destaca a cena na qual Vernon vai procura saber detalhes do envolvimento do casal de empregados, espancado, torturado, principalmente no momento em que a mulher, num plano aproximadíssimo de sua boca e do ouvido de Vernon, lhe diz que trabalha, sussurrando, para Juanita - o que faz lembrar o plano de Daniel Gelin em O homem que sabia demais. O mestre, na sua costumeira aparição, é visto no aeroporto, quando Strafford está esperando a filha (Claude Jade, que trabalhou com Truffaut em Beijos roubados/Baisers volés) e o marido. Como numa premonição do fim, Hitch aparece de cadeiras de rodas sendo empurrada por uma enfermeira, mas, de repente, encontrando um conhecido, se levanta lépido e sai andando. Topázio também, ressalta Martin, é um filme sem astros e estrelas e boa parte rodado em exteriores - Hitchcock gostava apenas de filmar em estúdios. Usa muito da black-projection no final da década de 60, quando o recurso já estava demodée.

Também não havia mais o system-studio, e Hitchcock, depois de Marnie, se viu desamparado, tendo de aguentar as exigências de produtores, quando ele sempre era o seu próprio produtor. Perdeu muito dinheiro com Marnie - um dos meus preferidos do mestre, e se viu obrigado a obedecer a certas exigências em relação a Cortina rasgada (Torn courtain, 1966), sendo a mais espinhosa a demissão de Bernard Herrmann, que foi subtituído por outro partiturista. Mas não se pode esquecer que Hitch ainda faria uma obra-prima, Frenesi (Frenzy, 1972), que rodou na sua Inglaterra, mas, também, com intérpretes ingleses de alto coturno e sem estrelas de primeira grandeza da constelação hollywoodiana.

Quando lançado no Brasil, a crítica caiu em cima de Topázio, exceção se faça a José Lino Grunewald, que disse no final de seu comentário: "Aqui, não há o espetáculo bondiano. Há o convite à análise. Hitch expõe os fatos, desenlaça as seqüências e lega o restante à inteligência(...) As cenas de desfecho dramático - suicídios, assassinatos, torturas, roubos, perseguições - são construídas com um distanciamento intencional, anticatártico. Pouco para a emoção (a não ser a emoção estética do conjunto), muito para o intelecto."

13 fevereiro 2006

O poeta Jacques Demy


Há realizadores que nunca conseguem alcançar notoriedade, ainda que excepcionais, ainda que geniais. É o caso do francês Jacques Demy, que, embora da turma da Nouvelle Vague, pode ser considerado um cineasta atípico, pois possui uma singularidade na sua filmografia que o distingue dos demais. Original, poético, romântico, Demy é um autor bastante particular, e sua mise-en-scène tem uma poética poucas vezes observada no cinema. O mais célebre de seus filmes é Os guarda-chuvas do amor (Les parapluies de Cherbourg, 1964), que ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes, concorrendo, inclusive, com Deus e o diabo na terra do sol. Ao contrário dos clássicos musicais americanos, o filme é todo cantado sem interrupções na narração. Mas, ainda que goste muito de Cherbourg, considero que Demy alcança a sua obra-prima em Duas garotas românticas (Les demoiselles de Rochefort, 1966), um espetáculo inigualável, que incluo entre os maiores filmes da história do cinema. Na foto ao lado, Catherine Deneuve e sua irmã Françoise Dorleac, que viria, pouco depois do encerramento das filmagens, a morrer em acidente aéreo. Les demoiselles de Rochefort conta, ainda, com Danielle Darrieux, Jacques Perrin, Michel Piccoli, e a amigável participação de Gene Kelly, que saiu dos EUA somente para participar, em Rochefort, do filme de Demy, encantado que ficou quando viu Os guarda-chuvas do amor.

Não se pode deixar de reconhecer a participação de Michel Legrand, que, com sua partitura excepcional, em ambos os filmes, é um co-autor. Há quem diga que a combinação dos dois artistas tem como resultado não uma mise-en-scène, mas uma mise-en-musique. Nos dois filmes citados não seria exagero afirmar, e já estou afirmando, que Jacques Demy alcança a sublimidade fílmica. Pena que apenas Les parapluies de Cherbourg possa ser encontrado em DVD. Les demoiselles de Rochefort passou na televisão a cabo, quando existia o Telecine Classic, em cinemascope e na cópia restaurada, fotograma por fotograma, por Agnes Varda, que fora esposa do realizador. Uma dica para a Aurora de Ernesto Barros, excelente distribuidora de DVDs: por que não trazer ao Brasil essa obra-prima?

12 fevereiro 2006

Mike Nichols


Mike Nichols é um realizador bem novaiorquino, citadino, que possui uma enorme inteligência como diretor de atores. Acabei de rever A difícil arte de amar (Heartburn, 1986), com Jack Nicholson e Meryll Streep, filme que vem a confirmar o talento de Nichols como orientador de seus intérpretes - o recente, e mal compreendido, Closer (2004), é exemplar nesse sentido. Tem, no entanto, uma filmografia irregular. O filme de estréia, uma proeza, a adaptação cinematográfica de Quem tem medo de Virginia Wolff, com dois monstros sagrados da época, Richard Burton e Elizabeth Taylor, em 1966, para, no ano seguinte, realizar, em outro tom, um dos filmes emblemáticos da década de 60, que foi A primeira noite de um homem (The graduate), lançando como astro Dustin Hoffman. Em 1970, entrou na linha do non sense em Ardil 22 (Catch 22), e, no ano seguinte, analisou com tintas fortes o comportamento sexual do macho americano em Ânsia de amar (Carnal knowledge), com Jack Nicholson, Arthur Garfunkel, Candice Bergen, e a esfuziante Ann-Margret. Tem muitos outros filmes que não podem deixar de ser apreciados.
Em A difícil arte de amar (Heart burn, queimadura do coração, azia?), Nichols se propõe a observar as idiossincrasias que surgem numa paixão. Muito bem dirigido, com atores carismáticos, é leve, bem humorado, fluente. É o que se poderia chamar de um filme acima da média, sem, contudo, ter pretensão a sucesso intelectual entre a crítica. Tudo em Heart burn funciona de maneira que o espectador deixa se levar, envolver, pelo filme. A penúltima seqüência, em plano-seqüência, é muito boa, quando Streep joga uma torta de limão na cara de Nicholson. Iluminado por um mestre da luz, Nestor Almendros, tem, no elenco, álém da dupla principal, Milos Forman, o tcheco que se instalou em Hollywood, e, numa ponta, como o ladrão do metrô, o iniciante Kevin Spacey, que depois se tornaria famoso, principalmente em Os suspeitos e Beleza americana - que considero um péssimo filme, assim como Sam Mendes um péssimo cineasta (vide Soldado anônimo).
Cineasta de pouca regularidade por se dedicar mais ao teatro, Nichols faz um cinema de personagens, dando a estes o palco de seus enquadramentos. Não fosse psiquiatra por formação, é um analista da sociedade americana, mas de sua parte mais culta, mais refinada, a que habita Nova York. Seus fracassos mais notórios estão em A gaiola das loucas (The birdcage, 1996), versão politicamente correta da peça de sucesso já filmada, com graça - a de Nichols é sem graça - por Edouard Molinaro, com Michel Serrault e Ugo Tognazzi; Lembranças de Hollywood (Postcards from the edge, 1990), Segredos do poder (Primary collors, 1998), tentativa frustrada de fazer um filme-investigação sobre os bastidores do poder de uma campanha eleitoral presidencial americana, entre outros.