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Marlon Brando em Queimada (1969), de Gillo Pontecorvo |
Ensaio do Professor Jorge Moreira especialmente para o Setaro's Blog
Lista de
filmes de resistência à aliança imperialista entre Hollywood e governo dos EUA.
Colocado
diante da pergunta, quais os filmes de
ficção que você recomendaria para estimular uma geração de jovens a procurar
uma adequada perspectiva histórica sobre a questão do poder e da dominação
política no Brasil, na América Latina e em outras regiões do mundo?, penso sugerir
uma modesta lista de filmes que o leitor verá adiante neste texto.
Sem
ser sistemático, exaustivo ou enciclopédico, decidi responder à pergunta,
utilizando a minha memória para fazer uma rápida relação dos filmes que me
impressionaram no passado e ainda me impressionam no presente. Esta lista que
cobrirá um período de 40 anos não terá por objetivo relacionar o conjunto dos
meus dez filmes favoritos, sejam eles do gênero político ou de qualquer outro
gênero cinematográfico.
Por
isso, informo ao leitor que alguns dos filmes políticos que considero
excepcionais e preferidos não serão incluídos nesta lista. Esta é, por exemplo,
a situação de filmes como Ivan o Terrível (1945) e O Encouraçado Potemkin (1925) de
Sergei Eisenstein; Cidadão Kane
(1941) de Orson Welles; A Chinesa (1967) e Tudo vai Bem (1972) de Jean Luc Godard, alem de outros da mesma
categoria. Em síntese, meu objetivo não é oferecer
aqui uma valorização artística desses filmes, mas sim mostrar que eles estão relacionados
por uma visão de mundo e política (em oposição a costumeira visão de mundo
autoritária da classe dirigente) que favorecem uma leitura ou interpretação da
história social desde o ponto de vista dos setores subalternos e dominados, com
um alto grau de veracidade cognitiva, e que decanta-se a favor da luta na
defesa dos interesses dos indivíduos e dos povos oprimidos.
Assim,
os filmes da lista foram selecionados por disporem de pelo menos duas das
seguintes características: a veracidade da sua referencia histórica (quase
documental*); a utilização de um enfoque didático sem cair no panfleto; - a
brilhante qualidade artística devido a sua originalidade da relação
forma/conteúdo; o rigor da sua representação da história quando o tema é o
período de transição do modo de produção colonial ao modo de produção
capitalista/imperialista dos nossos dias; e a sua reconhecida popularidade
que se traduz na probabilidade do
filme ser mais facilmente localizado pelo público no mercado de filmes no
formato DVD.
Não se pode ignorar
que gerações de jovens têm sido submetidas à bárbara produção comercial e ideológica
de filmes estadunidenses atuais (1) como Killers (2010) de
Robert Luketic ou This Means War (2012) de Joseph McGinty Nichol, que se
caracterizam por emitirem um discurso oficial a favor da violência e por
construir uma representação apologética das guerras imperialistas, de crimes
dos mercenários e dos espiões da CIA (alem das intervenções militares de
agentes conspiradores de organizações ilegais).
Embora os objetivos
centrais desses filmes comerciais sejam essencialmente ganhar muito dinheiro e defender
ideologicamente os valores da classe dominante, os filmes também tratam de
naturalizar e justificar o uso da violência contra os países e as classes
subalternas e dessa forma procurarem legitimar a hegemonia da classe no poder
seja por consenso, seja por repressão.
As razões anteriores
me motivaram a responder à pergunta
inicial, selecionando alguns filmes que me parece tem funcionado como uma
resposta contra discursiva e como uma representação contra hegemônica ao
discurso e à representação oficializada. Em poucas palavras, os filmes
selecionados foram aqueles que, na minha opinião, lutam simbolicamente para
deslegitimar e desnaturalizar o uso da violência pelo poder contra os oprimidos;
violência que cresce e se expande pelos quatro cantos do mundo.
No passado recente, as gerações de jovens tiveram
que engolir produções de um conjunto de filmes que apelavam sistematicamente
para a violência por razões econômicas e ideológicas tais como Dirty Harry de Don Siegel, Rambo de Sylvester
Stallone ou os filmes do
canastrão Chuck Norris. Hoje filmes como os citados Killers, This Means War
ou Iron Man
(2008) de Jon Favreau tomaram o lugar dos citados
e são duplicações assombrosas do uso da violencia pelo poder estabelecido.
Não
é necessário ser grandes analistas (ou interpretes) da ficção contemporânea
para perceber que tais filmes de violência como Inglourious Basterds de Quentin Tarantino são reflexos diretos ou
indiretos da realidade da militarização do mundo pelo imperialismo dos EUA que são resultantes
da produção de guerras de conquistas intermináveis contra os povos do Iraque,
do Afeganistão, do Paquistão, da Palestina, do México, da Colômbia e dos países
africanos, para assegurar o fornecimento e o controle de matérias primas e
alimentos baratos.
Ainda que os filmes tratem
de discutir e denunciar uma série de problemas especificamente produzidos pelo
modo de dominação colonial e capitalista, poucos destes filmes são capazes de
oferecer uma perspectiva revolucionária para resolver as contradições do
sistema, pois a maioria não acredita que se possa resolver os problemas desta
sociedade através de uma mudança revolucionária. Na sua grande maioria, os
filmes se limitam a discutir ou denunciar os problemas da sociedade capitalista
dentro de uma perspectiva liberal-reformista, ou seja, eles duplicam a
ideologia, bastante difundida, de que ainda é possível resolver as contradições
do capitalismo dentro do próprio capitalismo, através de reformas do sistema
que as produziu.
Os filmes selecionados foram
ordenados seguindo o período em que os eventos representados sucederam na
realidade histórica dos países mencionados.
1) The Mission (1986) de Roland Joffé com Roberto de Niro, Jeremy Irons e outros.
2) Queimada
(1969) de Gillo Pontecorvo
com Marlon Brando, Renato Salvatori e outros.
4) Deus
e o diabo na terra do sol (1964)
de Glauber Rocha com Geraldo del Rey e Yoná Magalhães
6) Terra
em Transe (1967) de
Glauber Rocha com Jardel Filho, Paulo Autran
7) Missing
(1982) de Costa Gavras com Jack
Lemmon e Sissy Spacek
8) O
americano tranqüilo (2002)
de Phillip Noyce com Michael Caine e Brendan Fraser
9)
Thirteen Days (2000) de Roger Donaldson com Kevin Costner, Bruce
Greenwood e otros
10) Syriana
(2005) de Stephen Gaghan com George Clooney, Matt Damon
Antes de comentar os filmes listados na ordem
apresentada, gostaria de esclarecer que nenhum deles receberá um tratamento
especial; um tratamento extenso ou profundo. Assim, me limitarei a alguns
poucos aspectos que me parecem relevantes para cumprir os objetivos deste
texto.
A Missão (The Mission)
O filme inglês The
Mission está baseado num fato histórico, a denominada Guerra Guaranítica (1750
- 1756)
que é o nome que se dá aos violentos conflitos (3) e à guerra entre os índios
guaranis e as tropas espanholas e portuguesas nos Sete Povos das Missões, no
sul do Brasil, após a assinatura do Tratado de Madrid,
em 1750.
No plano da representação, a ficção cinematográfica
é desenvolvida através das ações de dois padres: o padre Gabriel (um jesuíta
pacifico e angelical) e o padre Mendoza (um violento
ex-mercador de escravos indígenas que converte-se em jesuíta devido ao arrependimento pelo assassinato de seu
irmão). Depois do fracasso da mediação dos Jesuítas na disputa entre os índios
e os colonizadores, os dois padres decidem, na guerra, lutar ao lado dos índios
guaranis contra os impérios português e espanhol.
Assim a temática da dominação colonial dos impérios
de Portugal e da Espanha sobre o território brasileiro e sobre a população
indígena (os que são habitantes originais das terras brasileiras) implicam a
subtemática do assassinato, da escravidão, da guerra,
da colônia versus metrópole, a religião, a opressão e a luta pela liberdade
contra os conquistadores brancos de Portugal e da Espanha.
O filme The Mission, também fará eco, nos dias de hoje, da luta
dos movimentos indígenas latinoamericanos (que resistem atualmente à invasão
das corporações nacionais e das multinacionais imperialistas), cujo exemplo
mais destacado é a continuidade da luta
de resistência contra as companhias capitalistas que querem impor pela força a
construção da barragem de Belo Monte, mesmo que seja ao custo da destruição da
floresta, da natureza dos índios do Brasil.
(Continuaremos comentando os nove filmes restantes,
na segunda parte deste texto)
Notas
1) Antes da entrada dos Estados
Unidos na Primeira Guerra Mundial, o presidente Woodrow Wilson pediu a seu
conselheiro George Creel para criar um sistema nacional de propaganda, o Comitê
de Informação Pública (CPI). Esta foi a primeira agência estatal no mundo que
recorreu ao cinema para manipular as massas (este exemplo serviu mais tarde,
para as manipulações de Joseph Goebbels
na Alemanha e Chakotin om a finalidSergei na URSS). Em 1917, George Creel criou
um Comitê de Cooperação para a Guerra com a finalidade de estabelecer uma
ligação com os líderes sindicais da indústria cinematográfica (Motion Picture
of America). Desde então, os laços entre Hollywood e os governos (federal e
estaduais) dos EUA nunca foram quebrados, ainda que historicamente, tenham
existido períodos onde esses laços são intensificados e reforçados.
Tradicionalmente, o Poder Executivo
EUA têm recrutado a indústria cinematográfica de Hollywood para servir ao
governo mesmo em tempo de paz. Por exemplo, o falecido ator e presidente Ronald
Reagan, por exemplo, apoiou a sua política externa exigindo que as produções de
“Cannon films” minimizassem a derrota dos EUA no Vietnã e açoitassem a URSS.
Muitos ainda devem lembrar do cinismo, da hipocrisia e da máxima ideológica de
Ronald Reagan (um dos maiores inimigos da classe trabalhadora) contra o Estado
e o povo russo: “A União Soviética é o império do mal”.
Após os ataques de 11 de setembro
de 2001, e a raiz da guerra contra o Afeganistão e o Iraque, o Comitê de
Cooperação de Guerra foi restabelecido por acordo entre a Casa Branca e Jack
Valenti, ex-presidente da Motion Picture Association of America, um acordo que
foi mais tarde estendido à Paramount,
CBS Television, Viacom, Showtime, Dreamwork, HBO e MGM.
Os produtos cinematográficos mais
recentes de Hollywood sobre política e história nacional e mundial devem ser
interpretados através deste acordo entre a Casa Branca e a indústria de
entretenimento; um acordo que exige que
os filmes e os programas de TV tenham que se unir ao esforço da "guerra ao
terrorismo”.
2)
Anteriormente, escrevi e publiquei em Rebelion.org, um longo texto sobre a
relação entre o cinema estadunidense e a violência do sistema. Neste texto, que
se intitulava
El pastiche de la violencia, la violencia del pastiche: la reescritura de la
historia en la nueva película de Tarantino, procurei analisar a função do pastiche na representação da
violência no filme de Quentin Tarantino “Inglourious Basterds” (Maldito
Bastardos). Aqui está o devido link:
3)
Não devemos esquecer que a violência do oprimido é sempre uma reação e a última
resposta à violência do Estado ou de
suas instituições (as forças armadas, a policia, o sistema penitenciário
, etc) a serviço do sistema capitalista dominante.