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21 setembro 2012

Tuna e o Acervo da Lage

O cineasta baiano Tuna Espinheira no Acervo da Lage conversa com Dinho
Tuna Espinheira, cineasta baiano que não dorme de touca, mas, também, por outro lado, nunca esteve em cima da carne seca, tem mais um projeto em vista. O seu dinamismo é impressionante, porque, criado nas ventanias de Poções, tem um dínamo que, executado, não o deixa parado. Daí se dizer dele que é um avexado. Não importa, o que importa é a sua atual proposta. Transcrevo o e-mail que me enviou sobre o assunto:

"É sabido que os primeiros passos sempre foram necessários para a caminhada, de qualquer espécie, incluindo aí as léguas tiranas. Então resolvi considerar,  como o primeiro chute, nossa visita ao Acervo da Lage (vide fotos em anexo), um oásis criado por José Eduardo Ferreira. Em co-produção com a empresa produtora, Larty Mark, do produtor Tanal Moura Estamos captando recursos para esta Utopia Cinematográfica.

Como o cinema jamais teve vocação para a clandestinidade, estou botando na tela do seu blog, partilhando os olhres públicos sobre este nosso projeto. Como toda produção independende, com carencia de parcerias.

Já saíram algumas notícias no FaceBook, em decorrencia, recebi algumas mensagens solicitando mais esclarecimentos do assunto a ser documentado. Não tendo ainda um roteiro devidamente desenhado, posso, tão somente, alinhavar uma poucas linhas. Será um filme perscrutando/registrando o invisível. E que, o Subúrbio Ferroviário (onde fica os Novos Alagados), embora pertencente a Cidade Mãe-Salvador, existe mais é invisivel. Este é o nosso principal desafio: interagir com este pedaço sempre desfocado no retrato do município. 

Por enquanto é o que tenho a dizer, acrescentado que, O Professor e Escritor José Eduardo Ferreira, nascido e criado lá, será personagem, guia e co-autor do roteiro. Para complemento vai aí algumas fotos e, principalmente a cópia da aprentação do seu livro: Novos Alagados, urdida e assinada por Antonio Candido. 

Que transcrevo abaixo as sábias palavras de um mestre como Antonio Cândido:


Apresentação

        Já faz alguns anos que venho acompanhando com interesse e emoção a atividade de José Eduardo Ferreira Santos, educador que encarna o aspecto mais nobre e difícil da prática pedagógica: a formação de meninos, meninas e adolescentes de ambos os sexos que vivem em condições adversas, como a penúria econômica e o risco de marginalização social, ao ritmo de um cotidiano de brutalidades.

        Graças ao seu ânimo solidário, José Eduardo concebe o ato educacional como estimulo para conquista da liberdade pelo próprio educando, na moldura de uma visão ao mesmo tempo realista e utópica das possibilidades abertas pela convivência, mesmo que seja no universo negativo da privação. Por isso, rejeita as formulações consagradas e as concepções de elite, voltadas geralmente para uniformizar e dissolver o indivíduo nas expectativas mais conformistas da classe e do grupo. Identificado às necessidades profundas das comunidades marginalizadas, ele procura associar a aquisição dos saberes ao aproveitamento do que se poderia denominar “culturas vividas”, que correspondem ao modo de ser das coletividades. Daí a utilização de práticas lúdicas e festivas do povo, bem como das tradições africanas como fatores educacionais, à luz de uma concepção integrativa.

        A pedagogia de José Eduardo e seus companheiros é, por isso, essencialmente humanizadora, ao conceber a socialização, ao conceber a socialização, não como enquadramento e conformismo, mas como conquista pelo educando da autonomia de pensamento e opção. É admirável no seu trabalho o contraste entre a luta pela realização de cada um e o peso opressivo do meio, que atua em sentido contrário, devido a fatores que desumanizam, como a pobreza e a violência.
 
         Educadores do porte de José Eduardo e seus companheiros mostram que é possível uma pedagogia capaz de realizar a verdadeira “promoção humana”, fazendo desabrochar a liberdade individual em harmonia com os valores positivos da coletividade. 
                                                                              Antonio Cândido
    

20 setembro 2012

Dialética do amo e do escravo

Lançado no Brasil com dez anos de atraso (em 1973, no desaparecido Cinema I da rua Prado Junior, Copacabana, Rio de Janeiro), O criado (The servant, 1963), obra-prima de Joseph Losey, cineasta maior, é, segundo as palavras de Claude Beylie, ensaísta, como todos os filmes de Losey, a história de um fracasso e uma destruição humana. E o realizador faz isso em termos de uma elegância refinada. A fábula é límpida: herdeiros de um mundo condenado, o escravo torna-se amo e vice-versa. Losey deleita-se com o espetáculo da desagregação. Com Dirk Bogarde, James Fox, Sarah Miles, Wendy Craig. Roteiro de Harold Pinter. Partitura (bela, envolvente, como se ouve no vídeo) de John Dankworth.

17 setembro 2012

As aparições de Alfred Hitchcock



O mestre Alfred Hitchcock assinava os seus filmes através de suas aparições. Marca registrada de Hitch, estas aparições, há, nelas, sempre um toque de humor, sempre um comentário irônico sobre o ridículo ao qual é exposto o homem nas mais variadas situações de sua vida. Neste vídeo, que dura quase dez minutos, temos as aparições do cineasta em quase todos os seus filmes. Há poucas semanas, a revista inglesa Sight and Sound, numa enquete com os mais representativos críticos, diretores, ensaístas, de todo o mundo, elegeu Um corpo que cai (Vertigo, 1958) como o maior de todos os tempos, derrubando do pódio Cidadão Kane (Citizen Kane, 1941), de Orson Welles, que há muitas décadas encimava todas as listas. O tempo, implacável, no entanto, é realmente o melhor crítico. Enquetes feitas nos anos 50, por exemplo, nunca dariam Vertigo entre os melhores. Os cabeças-pensantes da crítica viam de soslaio e de esguelha os filmes de Hitchcock, considerando-os apenas meros artesanatos bem articulados, mas na área restrita do divertissement. Federico Fellini, leio, não tem mais a valoração que tinha no passado (o que acho um absurdo). Fellini é um gênio do cinema e suas criações não estão a envelhecer. O que está em processo de deterioração é a mentalidade contemporânea. 

16 setembro 2012

Ingmar Bergman e o silêncio de Deus

Cliquem na imagem

Ingmar Bergman nasceu em Uppsala, cidade universitária sueca, em 1918, vindo a morrer aos 89 anos, prestes a completar os mitológicos novent’anos. Se todos não podem escapar à Implacável (como é personificada em um de seus filmes mais celebrados: O sétimo selo), pode-se dizer que o grande cineasta cumpriu além da conta a sua missão, pois ofertou à humanidade uma das obras mais sólidas e densas de toda a história do cinema. Deixou um legado inestimável, que transcende o próprio cinema para ser considerado uma contribuição indiscutível e inquestionável ao patrimônio cultural da humanidade.

Filho de um severo e grave pastor luterano da corte real (que retratou em Fanny e Alexander), a influência de seu pai foi muito forte para a visão atormentada do mundo do jovem Bergman, cuja educação, rigorosa, carregava o fardo do sentimento do pecado e da culpa (duas constantes que iria desenvolver em sua rica filmografia). Ainda adolescente, saiu de Uppsala para se fixar em Estocolmo com o propósito de, na capital do país, estudar literatura e artes e, nestas, a arte dramática que logo o fascinou. Por este tempo atuou como diretor de uma companhia teatral universitária, a qual o pôs em caminho de sua vocação. Com a sua inscrição nos cursos de aperfeiçoamento do Master-Olofsgarden e do Medborgarhuset, a formação de Ingmar Bergman toma corpo, principalmente depois que experimentou montar um de seus autores preferidos: Sonata dos espectros, de August Strindberg.

Após passar por um período de treinamento como assistente de direção da Ópera Real de Estocolmo, ingressou no cinema em 1944, aos 26 anos, por causa de um amigo, Carl Andrés Dymling, que era administrador do Svenskfilindustri, para o qual escreveu o roteiro de Tortura (Hets), realizado por Alf Sjoberg. O sucesso deHets fez com que o estúdio prestasse atenção a seu roteirista, dando-lhe a oportunidade de dirigir o seu primeiro filme, em 1945, Crise (Kris), adaptação de uma peça teatral de Leck Fischer.

O cinema de Ingmar Bergman é um cinema culto e refinado que engloba toda a tradição cultural nórdica, incluindo, aí, os filmes clássicos suecos, principalmente os de Victor Sjostrom -A carroça fantasma (Korkalen, 1920),deste, era visto toda noite de Ano Novo pelo realizador, chegando a afirmar que era a maior obra de todos os tempos, e os realizados pelo dinamarquês Carl Theodor Dreyer (A paixão de Joana D’Arc, Vampyr, A palavra). Mas além da tradição nórdica, Bergman incorporou ao seu cinema as experiências do expressionismo alemão (o início de Morangos silvestres tem influência do expressionismo e é uma homenagem a Korkalen, de Sjostrom), do surrealismo e do existencialismo sartriano, enraizando-os em seu próprio país. Sjostrom seria o principal ator em Morangos silvestres no papel centro, a do velho que faz uma revisão de sua vida.

Observando-se bem, em cada obra de Bergman se unem a problemática moral, a incomunicabilidade dos seres, a urgência da morte, o silêncio de Deus, a angústia de estar-no-mundo. A primeira fase de seu cinema, a fase juventude, que tem início em Crise e vai até meados do decurso dos cinqüenta, ainda comporta otimismo, apesar do amargor, e até mesmo a comédia embora não desprovida de um certo cinismo, como a notável Sorrisos de uma noite de amor(Somarnattens leende, 1955), cujos acentos shakespearianos são evidentes, assim como a influência, notória, de A regra do jogo (La règle du jeu, 1939), de Jean Renoir. Nesta fase inicial, no entanto, os filmes mais marcantes e que proporcionaram a seu autor o reconhecimento internacional foram Noites de circo (Gyclamas afton) – tortura e solidão, um libelo do artista contra a sociedade e sua ordem - e Mônica e o desejo (Sommarenmed Monika), ambos de 1953. O Bergman pessimista das últimas fases cede, aqui, lugar a um olhar simpático pela beleza da juventude, mas nunca, no entanto, deixando a sua visão ácida da existência. A tragédia da humilhação, talvez mais do que em Shakespeare, nunca esteve tão bem apresentada quanto em Noites de circo.

Se Deus colocou o homem no mundo, pensava Bergman, deixou-o à sua própria sorte, desamparado, triste, desesperado. A única solução possível para amainar o seu desespero está no amor, mas este é efêmero, passa, e a vida permanece sem sentido. A busca por uma metafísica da existência faz parte de seus temas recorrentes. A filmografia de Bergman, por seu um autor de filmes (em oposição ao cinema de gêneros) é como se fosse constituída por um macrofilme do qual as obras singulares se enquadram como variações sobre um mesmo tema, excetuando poucos filmes atípicos, a exemplo de O ovo da serpente (Das Schlangenei, 1979), que realizou na Alemanha quando saiu da Suécia motivado pelo rigor fiscal, obra política que mostra a gênese do nazismo, A flauta mágica (Die Zauberfloete, 1975), homenagem à ópera e a Mozart num filme que obedece as marcações teatrais, Para não falar de todas estas mulheres (For Att Inte Tala Om Alla Dessa Kvinnor, 1963), entre poucas.

O silêncio de Deus é uma constante em seus filmes. Traumatizado com o rigor de sua educação religiosa, nos filmes de Bergman estão sempre presentes os tormentos em torno do pecado e da culpa. Um silêncio que é sentido com a progressão de sua filmografia já na fase que tem início em O sétimo selo (Det sjunde inseglet, 1956), a fase da perplexidade, e que engloba Morangos silvestres (Smultronstallet, 1957), A fonte da donzela (Jungfrukallan, 1959), entre outros.

Entre todos os filmes de Bergman, a preferência do comentarista recai sobre Morangos silvestres e O silêncio (Tystnaden, 1962), ainda que fique difícil se escolher entre as obras de um cineasta que explodiu o conceito de obra-prima, considerando-se que realizou várias delas. Em Morangos silvestres, cuja preferência talvez seja ser o seu primeiro Bergman, visto no entusiasmo da adolescência e, nesta, a constatação de que o a arte do filme se encontra além do cinema de gênero, da qual fora acostumado a ver, e a constatação de que o cinema também podia ser um veículo do pensamento, de uma visão de mundo, de uma filosofia de vida. Um velho senhor, professor universitário, sai de sua cidade interiorana na Suécia para receber, na universidade de Estocolmo, o título de Doutor Honoris Causa. Apesar de todos os seus familiares preferirem ir de avião, o velho opta por ir de carro com a sua nora. No caminho, durante a viagem, ele faz uma revisão de sua vida, concluindo que somente a generosidade e o amor podem torná-la mais suportável.

fase dos filmes de câmera tem início em Através do espelho (Sasom i em spegel, 1960), sendo bastante extensa, uma fase na qual Bergman se fecha cada vez mais, reduzindo ao essencial seus atores e o cenário. É nesta fase que se destacam O silêncioQuando duas mulheres pecam (Persona, 1966), e A paixão de Ana (En passion, 1970), e Gritos e sussurros, filme síntese da obra bergmaniana.

fase psicanalítica encontra o seu apogeu em Cenas de um casamento (Scener ur ett Aktenskap, 1974), seguido de Face a face (Ansiktet mot Ansiktet, 1976), Sonata do outono (Hortssonat, 1978) quando Bergman encontra Ingrid Bergman, também sueca como ele, a atriz famosa, hollywoodiana, que trabalha ao lado de Liv Ullman. Segundo a impressão do comentarista, e questão subjetiva, a fase psicanalítica é a mais fraca – ainda que, como um grande autor, fraca para Bergman não queira dizer sem importância.

Em 1982, Bergman anunciou sua aposentadoria do cinema, com a conclusão de Fanny e Alexander (Fanny och Alexander), mas não cumpriria a promessa, pois ainda faria alguns filmes. Seu último filme, Sarabanda, data de poucos anos atrás, e é uma releitura de Cenas de um casamento, com o encontro do mesmo casal já na velhice.

A morte de Bergman e de Antonioni sinalizou o fim de uma era, o fim de um tempo, o desaparecimento de uma cultura cinematográfica. Bergman e Antonioni reinventaram o cinema na década de 50 e de 60. Ajudaram a construir e a consolidar a linguagem cinematográfica. Depois deles nada surgiu de significativo no cinema contemporâneo, ainda que bons realizadores existam e façam filmes. Mas o grande cinema acabou!