Seguidores

14 fevereiro 2013

Dos clássicos da ficção-científica


Extensão cinematográfica do gênero literário do mesmo nome, o cinema de ficção-científica conta com antecedentes tão ilustres como Viagem à lua(Le Voyage dans la lune, de Georges Méliès, 1909), Aelita (1924), do russo Yakov Protozanov, Metrópolis (1926) e Uma mulher na lua (Die frau im mond, 1929), ambos de Fritz Lang, entre outros.
Metrópolis é, até então, a mais expressiva ficção-científica do cinema. Realizada ainda na estética da arte muda, tem sua ação localizada no século 21 numa gigantesca metrópole autoritariamente governada por um industrial milionário, que vive com o filho num paradisíaco jardim suspenso. Seus operários são relegados aos subterrâneos e exortados à resignação por uma bela integrante do Exército da Salvação. De repente, um inventor louco fabrica uma mulher artificial que é igual a ela, mas que, ao contrário desta, incita os trabalhadores a uma revolta cujas principais vítimas são os filhos dos operários.
No final, um operário reconcilia-se com o grande patrão, enquanto seu filho se casa com a moça resignada do Exército da Salvação. Apesar da beleza de suas imagens, e do imenso sentido de cinema de Lang, o filme tem uma conclusão bastante reacionária, reformista, pregando a reconciliação entre o capital e o trabalho, a demonstrar que uma revolução provocada pelos operários teria como principais vítimas eles próprios e seus descendentes. George Sadoul, historiador francês, classifica Metrópolis como um filme expressionista e medieval.
O auge do progresso científico nos últimos anos - a energia nuclear, os satélites artificiais, as viagens interplanetárias - oferece grande atualidade ao gênero, que começa a se popularizar cinematograficamente a partir do êxito de Destino à lua(Destination moon), em 1950, dirigido por Irving Pichel, e também, do mesmo ano,Da terra à lua (Rocketship MX), de Kurt Neumann, que fazem emergir uma série de filmes americanos interessantes O enigma de outro mundo (The thing, 1951), de Christian Nyby, O dia em que a Terra parou (The day the earth stood still, 1951), de Robert Wise, Guerra dos mundos (War of the worlds, 1953), de Byron Haskin, baseado em H. G. Wells, O mundo em perigo (Them!, 1954), de Gordon Douglas, Planeta proibido (Forbidden, 1956), de Fred McLeod Wilcox, Vampiros de alma (Invasion of the bodysnatchers, 1956), de Don Siegel, entre outros.
O dia em que a Terra parou pode ser considerado como um dos mais representativos filmes do gênero. Pela primeira vez, o extraterrestre não vem à Terra como invasor e é apresentado como uma figura simpática, pois desce de seu disco voador para evitar uma catástrofe atômica. Mas o filme que, utilizando-se do gênero, propõe-se a uma análise da sociedade americana é Vampiros de almas, que mostra como numa pacata cidade dos Estados Unidos os seus habitantes são, pouco a pouco, substituídos por cópias perfeitas de si próprios (saídas, estas cópias, de enormes vagens de ervilhas). Não estaria Don Siegel, aqui neste filme, numa premonição da clonagem contemporânea?
As cópias perfeitas e iguais dos habitantes são destituídas, no entanto, de sentimentos, de almas e de consciências. Alphaville, de Jean-Luc Godard, da primeira metade dos anos 60, tem influência marcante dessa ficção-científica de 1956. Há, na verdade, em Vampiros de almas, uma grande metáfora de inspiração ideológica: as vagens seriam comunistas infiltrados na sociedade americana (paranóia típica da época em que o filme é realizado, em pleno macarthismo).
Na Inglaterra, também aparecem, neste período, interessantes filmes de ficção-científica, a exemplo de Terror que mata (Quatermass experiment, 1955), de Val Guest, A aldeia dos amaldiçoados (Village of the dammed, 1960), de Wolf Rilla. O mais importante, porém, dos filmes ingleses do gênero, é O mundo os condenou(The damned), do grande cineasta Joseph Losey, realizador de uma obra-prima,O criado (The servant, 1963), entre outros filmes significativos, mas que, atualmente, se encontra esquecido. The damned é sobre crianças contaminadas pela radioatividade que são enclausuradas pelas autoridades inglesas num reduto sigiloso.
A grande maioria, entretanto, dos filmes de ficção-científica, restrito que está, este panorama, aos clássicos, incluindo todos os japoneses, se limita a explorar velhas fórmulas do cinema de terror no esquema de mostrar a aparição de monstros criados pelas explosões nucleares. Diferentemente do que acontece na literatura, que possui excelentes escritores reconhecidos como mestres no gênero e que são capazes de o transcender.
Mas não se pode deixar de registrar algumas tentativas que tentam renovar os clichês do gênero, a exemplo do admirável Ikarie XB 1 (1963), do tcheco Jindrich Pollack, e Alphaville (1964), de Jean-Luc Godard, A décima vítima (La decima vittima, 1968), do italiano Elio Petri, Fahrenheit 451 (idem, 1966), de François Truffaut, Viagem fantástica (Fantastic Voyage, 1966), de Richard Fleischer. Nestes filmes, o cinema de ficção-científica deixa de ser o campo específico da série B para passar com todas as honras ao da A, revelando ambição na abordagem temática e que pretendem dar um testemunho moral e intelectual acerca da civilização do futuro.
Em Fahrenheit 451, por exemplo, filme baseado em novela de Ray Bradbury, num país indefinido, numa época indeterminada, uma decisão governamental proíbe a leitura e condena os livros sob a alegação de que eles perturbam a felicidade e provocam a inquietação. O corpo de bombeiros não mais apaga incêndios (as casas são à prova de fogo), mas é encarregado de queimar todas as obras literárias descobertas. No bosque, escondidos das autoridades, vivem os homens-livros. Cada qual memoriza uma obra-prima literária, a fim de preservá-la para o futuro.
Já em A décima vítima, de Elio Petri, a agressividade dos homens é saciada através de uma grande instituição internacional que promove uma grande caça ao homem, havendo, neste filme, uma nítida preocupação sobre o esmagamento do homem em meio a uma sociedade competitiva. A ação se passa no século XXI, este que já se está, mas A décima vítima é de 1965.
2001: Uma odisséia no espaço (2001: a space odyssey, 1968), de Stanley Kubrick, é um filme que se poderia considerar divisor de águas. A partir dessaspace opera, a ficção-científica no cinema não seria mais a mesma, quer do ponto de vista da temática, quer do ponto de vista estilístico. A época da ficção-científica clássica, cujo apogeu se dá nos anos 50, toma uma nova direção com a utilização do gênero para propósitos de paráfrase, política e indagação filosófica.
Kubrick, aliás, após a sua ópera espacial, retorna à ficção-científica de idéias emA laranja mecânica (A clockwork orange, 1971), tomando como base a narrativa literária de Anthony Burguess. O ficcionista, aqui, colocando-se já no futuro, empreende uma análise cáustica do seu passado que é o nosso presente. Mas a infantilização temática toma conta do cinema americano a partir da segunda metade dos anos 70 com os filmes que se seguiram à explosão mercadológica deGuerra nas estrelas.

12 fevereiro 2013

São Paulo S/A

Primeiro longa metragem de Luis Sérgio Person, São Paulo S/A (1965) pode ser considerado um dos melhores filmes brasileiros de todos os tempos. Estreia auspiciosa de um realizador, principalmente em se tratando de seu primeiro filme - dois anos depois ratificaria o talento em O caso dos Irmãos Naves (que tem roteiro a quatro mãos com Jean-Claude Bernardet). São Paulo S/A gira em torno de pessoas que vivem na selva paulistana, com suas necessidade de fugir ao tédio, de se divertir, de escapar um pouco da vida agitada da cidade (e numa época, anos 60, que São Paulo era até tranquila se comparada aos dias de hoje). Walmor Chagas (que tem, aqui, uma interpretação inesquecível) vive um operário que se torna sócio de uma firma de autopeças. Apesar do êxito na empreitada, sempre se encontra angustiado e insatisfeito. Em busca de uma nova forma de vida, abandona a mulher (Eva Wilma), o filho e o emprego. Mas vem a perceber que não há muitas saídas na sociedade atual. Person expõe as relações capital-trabalho, a ambição de enriquecer e a desesperada vontade de viver. Um momento antológico: quando, dentro do carro, com a família do sócio Otelo Zeloni, Walmor canta, meio encabulado, um hino (da bandeira?). O argumento é do próprio Person, assim como o roteiro. A fotografia é de um artista: Ricardo Aranovich. No elenco, além dos citados, Ana Esmeralda, Darlene Glória, Nadir Fernandes. Carlão tinha este filme em alta conta e reverencia Person no final de Anjos do arrabalde. Assista o fillme, aqui mesmo, completo.

10 fevereiro 2013

Cinema e Carnaval: as afinidades eletivas

Quando o Carnaval chegar (1972), de Carlos Diegues, com Chico Buarque de Holanda, Maria Bethânia e Nara Leão. Filme completo. Assista aqui.

O cinema sempre teve relações muito afetivas com o Carnaval. Os primeiros registros de imagens em movimento datam de 1908, quando a folia era completamente diferente da atual. Mas foi preciso que acontecesse o cinema falado para que o filão viesse a tomar impulso, principalmente a partir dos anos 30, com a Cinédia, estúdio de Adhemar Gonzaga que ficava no Rio, em Jacarepaguá. O detonador do filão musical-carnavalesco pode ser considerado "A voz do Carnaval", de 1933, dirigido por Gonzaga e Humberto Mauro, com Carmem Miranda, que estréia, aqui, no cinema. Dois anos depois, em 1935, um trio, Wallace Downey, João de Barro e Alberto Ribeiro, realiza "Alô, alô Brasil", que fez imenso sucesso nas bilheterias. Gonzaga, produtor e cineasta, que tinha um faro excepcional para intuir dos filmes que poderiam ser exitosos, resolve filmar, em 1936, "Alô, alô Carnaval", que suplanta o anterior, porque, entre outras coisas, Carmem Miranda já é uma figura de proa no cenário artístico brasileiro. E mais: Francisco Alves, Lamartine Babo, Dircinha Baptista, além dos comediantes Oscarito e Jayme Costa.
Mas estes primeiros filmes musicais carnavalescos são toscos enquanto realização cinematográfica. Há um fio de história como pretexto para o aparecimento dos números, sempre filmados com câmera fixa e em planos-sequências, sem nenhum movimento e sem uma construção espacial através da montagem. Esta funciona apenas como edição, como elo de ligação dos números e dos sketchs primários. Não possuem, os filmes inaugurais do filão, nenhum valor cinematográfico, mas um valor de documento, de resgate da memória, a considerar que vários talentos da música do pretérito se apresentam nestes filmes. Em "Alô, alô, Carnaval", há um número histórico no qual se tem as duas irmãs, Carmem e Aurora, juntas a cantar, antes que a primeira explodisse na constelação hollywoodiana.
Para se compreender bem o fenômeno Carmem Miranda é preciso ler a sua biografia, talvez definitiva, escrita por Ruy Castro. Mas o público gosta dos filmes carnavalescos e muitos diretores se dedicam ao gênero. Já em 1938, dois filmes procuram misturar a chanchada aos números, a exemplo de "Tererê não resolve", de Lulu de Barros, e "Banana da terra", de Rui Costa, obras de grande mediocridade e que revelam um paroxismo, porque excelentes como documentação do Carnaval de antigamente, hoje destruído pelo som eletrônico, pela falta de harmonia, pela algazarra, pela industrialização de seu espaço.
O filme carnavalesco desta época, que tem um valor cinematográfico, segundo os pesquisadores do cinema brasileiro, porque seus negativos são destruídos, é "Favela dos meus amores" (1935), de Humberto Mauro, porque é uma obra que procura registrar o comportamento de favelados (naquela época a favela era romântica) em função do Carnaval. Escrito por Henrique Pongetti, é um dos filmes nacionais unanimemente aclamados pela crítica como obra de arte autêntica. É drama de costumes típico de cidade brasileira mais evoluída, que tenta "respirar o Brasil". É morro, barracão de zinco, crioulos, abismos físicos e sociais, e lirismo, muito lirismo.
Sílvio Caldas, camisa de malandro, violão no peito, canta sambas dolentes de Ary Barroso e apaixona-se por uma professorinha, Carmem Santos, a maior atriz brasileira da época, que, por sua vez, ama Rodolfo Mayer e os casacos de luxo, as jóias, o automóvel, o resplendor da cidade grã-fina. Armando Louzada, camisa listrada, lenço no pescoço, olha as luzes tremeluzentes da grande cidade, o Rio, lá em baixo. Mas "Favela dos meus amores", obra esquecida de Humberto Mauro, com o desaparecimento daqueles que a viram e a admiraram, fica apenas como uma referência na história de nosso cinema.
Para o desenvolvimento de uma estrutura audiovisual mais articulada, é preciso que se espere o fim da década de 40 e os anos 50, quando os filmes carnavalescos misturam a música e a comédia, um roteiro mais preciso e inventivo na configuração das "gags", das situações, como são exemplares, nesse sentido, "Carnaval no fogo" (1949) e "Aviso aos navegantes" (1950), ambos de Watson Macedo, diretor com aguçado sentido de espetáculo, que exerce muita influência entre os cineastas posteriores, a exemplo de Carlos Manga (o responsável por algumas das melhores comédias do cinema brasileiro em todos os tempos: "O homem do sputnick" (1958), e "De vento em popa" (1959). Macedo é um pioneiro, um homem de cinema "tout court", cuja valorização apenas se dá muitas décadas depois de seu auge.
Outro filme importante do filão é "Carnaval Atlântida" (1952), de outro diretor muito bem preparado para o ofício: José Carlos Burle. Neste filme, hoje um clássico do cinema nacional, ainda que na época visto como mera chanchada, desprezada pelos críticos, compareciam no elenco: Grande Otelo, Oscarito, José Lewgoy, como vilão, e Cyl Farney e Anselmo Duarte como galãs. O argumento gira em torno da seguinte situação: Xenofontes (o imenso Oscarito), um sisudo professor de mitologia grega, é contratado por um produtor como consultor da adaptação do clássico "Helena de Tróia" para o cinema. Mas dois empregados do estúdio sonham em transformar o épico grego numa comédia carnavalesca. Carlos Manga é o diretor dos números musicais. No rastro deste filme estão: "Carnaval em Caxias" (1953), "Carnaval em Lá Maior" (1954), "Carnaval em Marte" (1955), mas apenas pálidos reflexos de "Carnaval Atlântida".
Em 1959, o francês Marcel Camus, a tomar como base a peça de Vinicius De Morais "Orfeu Negro", que faz sucesso no Teatro Municipal, com cenografia de Oscar Niemeyer e música do maestro Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim, realiza "Orfeu do Carnaval", bastante premiado em festivais internacionais, embora um "filme estrangeiro" que, simplesmente, aproveita a paisagem maravilhosa do Rio de Janeiro, o seu "décor" exuberante, como pano de fundo da tragédia anunciada. Em 1999, decorridos 40 anos, Carlos Diegues, em ritmo de escola de samba, constrói o seu "Orfeu", mas prejudicado por um elenco primário e pouco cinematográfico, com Tony Garrido (um Orfeu desgarrado) e Patrícia França.
Não se pode deixar de citar, em se falando de filmes carnavalescos, "Amor, carnaval e sonhos" (1971), com Leila Diniz, Arduíno Colasanti, Ana Maria Miranda, entre outros, homenagem ao Carnaval da Cidade Maravilhosa, ainda que um tanto "desconjuntado" a revelar defeitos na sua estrutura. Mas vale, assim como tantos citados, como documento precioso de uma época. Outro filme, "A lira do delírio", de Walter Lima Junior, obra cultuada, registra, entre outras coisas, o último baile carnavalesco do Teatro Municipal.