Em Onde começa o inferno (Rio Bravo, 1959), de Howard Hawks, resposta desse grande mestre ao western psicológico que então emergia no cinema americano, há uma cadência que o distingue dos filmes do gênero que foram seus contemporâneos e, de certa forma, o que interessa ao autor é o estudo de comportamentos de homens numa dada situação. Excetuando-se o tiroteio final, e uns poucos tiros aqui e ali, os seus 144 minutos de projeção se concentram num espaço exíguo, qual seja a delegacia da qual é xerife John Wayne, com algumas deslocações dos personagens pelas ruas e pelo hotel onde se hospeda a bela Angie Dickinson – uma das pernas mais bonitas de toda a história do cinema. Hawks, num faroeste, sempre sinônimo de ação e contínuo corte em movimento, predispõe seu filme – uma obra-prima! – a uma quase 'inação', podendo se ver, nesta obra, um estilo muito mais próximo de Michelangelo Antonioni do que de um John Ford, por incrível que isso possa parecer. Há uma 'escrita' bem marcada na utilização dos procedimentos cinematográficos, há, em Hawks, uma constância temática e estilística. Daí poder ser considerado um verdadeiro autor de filmes. Mas, na sua filmografia, existe uma 'diáspora', porque nas comédias a emergência de um 'non sense', de uma loucura, entra em choque com seus filmes fora desse gênero, como podem servir de exemplo Levada de breca, Bola de fogo, O esporte favorito dos homens, O inventor da mocidade, entre muitos outros.
Um filme brilhante como Hatari! (1962), por exemplo, segue, na sua estrutura narrativa, um mesmo tipo de itinerário. Se em Rio Bravo os personagens esperam e, durante a maior parte do filme nada acontece de significativo, em Hatari!, eles também estão sempre a esperar pela próxima caçada, e é na espera que o cineasta aproveita para estudar a índole comportamental humana. Hatari!, que foi visto como mera fita de aventuras, é, na verdade, uma obra grandiosa, inteligente, e que propicia, ainda, o prazer do cinema, o que tem se tornado um fato raro na mediocridade contemporânea que confunde obscuridade com profundidade. Uma vez, Jean-Luc Godard, desconstrutor' do cinema nos anos 60, realizador admirado e considerado de vanguarda, respondendo a um repórter acerca do que era o cinema respondeu-lhe: 'O cinema é Howard Hawks'.
Não se viaja na maionese quando se está diante de um filme de Howard Hawks. Há alguns anos, quando o telecine era 'classic' (Net/Sky), este canal exibiu várias vezes Bola de fogo (Ballfire), desse realizador, que tem Gary Cooper e Barbara Stanwick nos principais papéis. Um grupo de eruditos se encontra há anos trancado numa casa com o objetivo de elaborar a mais perfeita das enciclopédias, quando, de repente, uma mulher, fugindo de uma confusão que envolve gangsteres, encontra nela um refúgio. Esfuziante, bela, termina por se fazer apaixonar por Gary Cooper. A mulher, aqui, é elemento deflagrador de uma reviravolta na vida dos sábios.
Ver Hawks é essencial! Infelizmente existem poucos hawks disponíveis em locadoras, mas nas televisões por assinatura de vez em quando um deles se apresenta para o prazer do cinéfilo. Já Rio Bravo, cujo título em português deve ser desprezado – Onde começa o inferno, tem em dvd e a cópia é das mais luminosas, conservando, como é justo e correto, sem atentar contra a integridade da obra cinematográfico, o formato original pelo qual foi visto nos cinemas. Este filme, uma obra-primíssima, é considerado como um dos maiores filmes de todos os tempos, chegando mesmo, numa lista definitiva solicitada pela 'Folha de S.Paulo' a críticos do mundo inteiro, Inácio Araújo encimá-lo como seu filme preferido. O 'western' em Hawks segue um itinerário, uma trajetória, um percurso: Rio Vermelho (1948), com John Wayne e Montgomery Clift, 'Rio Bravo', com Wayne e Dean Martin, Eldorado (1965), com Wayne e Robert Mitchum e, como canto de cisne, obra crepuscular, Rio Lobo (1970). Eldorado é uma refilmagem disfarçada de Rio Bravo, mas, mesmo, assim, filme de brilhantismo assegurado, ainda mais quando se tem presente a figura emblemática do sonolento Mitchum, que a crítica tanto desprezou quando atuava, chamando-o de canastrão e não sabendo vê-lo como um tipo, uma personalidade, um emblema.