Devo confessar aqui: tenho uma espécie de obsessão por Brigitte Bardot. Aliás, quem lê este blog já sabe. Desde menino, quando a via nas revistas ilustradas, ficava alucinado. Cláudio Leal, no brilhante artigo sobre o negativo de minha memória, cita a paixão minha por BB. Paixão platônica, entretanto. Acompanhei a sua carreira, vi quase todos os seus filmes - menos por estes do que por ela. Lembro-me bem de um cinejornal de Herbert Richers todo dedicado à chegada da bela ao Rio de Janeiro (Ruy Castro tem crônica memorável). A cidade ficou toda engarrafada, mais engarrafada do que no temporal da semana passada. BB, com seu namorado Bob Zagury, pretendia passar uma temporada em Búzios. E a passou, para desespero de seus pescadores, de seus poucos moradores, um desespero diante da beleza e da impossibilidade de concretização dos desejos.
Ontem, sonhei com ela. No auge de sua beleza, aparecia no lançamento de meus mal escritos para me pedir um autógrafo. O sonho se transformou em pesadelo.
Finda a semana comemorativa do lançamento de meu livro, volto, lépido, à minha vida privada.
Nasceu BB no dia 28 de setembro de 1934 (está, portanto, com 75 primaveras). Filha de um engenheiro, classe média alta parisiense, a mãe, desde cedo, incentivou-a a se dedicar à música e à dança. Adolescente em flor, na virada dos anos 50, foi modelo da revista Elle, mas sua cativante beleza e, principalmente, seu sex-appeal, chamaram a atenção dos produtores de cinema, e ela, a rainha, apareceu pela primeira vez num filme em Le Trou Normand (1952), do desconhecido Jean Boyer, ao lado do comediante Bourvil. Em 1953, tem a oportunidade de trabalhar em uma produção americana: Mais Forte do que a Morte (Acte of love), de Anatole Litvak, que tem Kirk Douglas como astro, mas num pequeno papel.
Neste mesmo ano, casa-se com Roger Vadim, que estava atrás dela, querendo contrair matrimônio muito antes, desde que BB tinha apenas 15 anos, mas os pais dela, severos, não permitiram a sua consumação até que completasse 18 anos.
Em 1956 é que surge o fenômeno BB com E Deus... Criou a Mulher (Et Dieu créa la femme), de Roger Vadim, com Curd Jurgens e Jean-Louis Trintgnant. A feminilidade instintiva da mulher nunca tinha sido antes exposta com tanto apelo como neste filme (lembro-me de Jennifer Jones em Duelo ao Sol [Duel in the Sun, 1948], de King Vidor/David Selznick). A beleza do corpo nu, de bruços, de BB, na vastidão do cinemascope, provocou escândalos (este momento é citado em Nuevo Cinema Paradiso, de Giuseppe Tornatori). Antes, porém, de E Deus...criou a mulher, Bardot já tinha participado de diversos outros filmes: As grandes manobras (Les grandes manoeuvres, 1955), de René Clair, Helena de Tróia (Helen of Troy, 1956), de Robert Wise, com Rossana Podestà no papel título, entre outros.
O sucesso veio rápido e, já em 1957, Michel Boisrond a convidou para O Príncipe e a Parisiense (Une parisienne) ao lado do prestigiado ator francês Charles Boyer. Vadim a tomou de volta para os seus filmes, embora o casamento já à beira do abismo: Vingança de mulher (Les Bijoutiers du Clair de Lune, 1958), com Alida Valli, Stephen Boyd, Fernando Rey. Mas Claude Autant-Lara pediu-a emprestada para trabalhar em Amar é Minha Profissão (En cas de Malheur, 1958), com Jean Gabin, ícone do cinema da França.
A seguir vieram: A Mulher e o Fantoche (La Femme et le Pantin, 1959), de Julien Duvivier (notar que os cineastas que requisitaram BB pertenciam a ancien-vague), Babette vai à guerra (Babette s'en va-t-en guerre, 1959), de Christian-Jaque, quando conheceu Jacques Charrier com o qual se casou novamente, Quer dançar comigo? (Voulez-vous danser avec moi?, 1959), de Michel Boisrond, A verdade (La Verité, 1960), de Henri-Georges Clouzot, Torneio do amor (La Bride sur le cou, 1961), de Jean Aurel, mas filme finalizado por Roger Vadim.
A partir de então, Brigitte Bardot é requisitada por alguns grandes cineastas: Vida privada (Vie Privée, 1962) e Viva Maria! (em parceria com Jeanne Moreau, 1965), ambos de Louis Malle, O desprezo (Le mépris, 1963), de Jean-Luc Godard, entre outros. Neste último, num dos primeiros planos do filme, BB aparece, de bruços, esplendorosa ao lado de Michel Piccoli numa antológica tomada.
PS: Esqueci de mencionar Minha Querida Brigitte (Dear Brigitte, 1965), de Henry Koster, com James Stewart. Vale ressaltar que outros filmes de Bardot não foram citados (como o episódio de Histórias Extraordinárias dirigido por Louis Malle etc), mas, este, com Stewart, tem uma curiosidade particular, embora uma película bem convencional ao estilo de Koster. O ator de Janela Indiscreta faz o papel de um professor do norte da Califórnia, que tem um filho, Erasmus, surdo e daltônico, e deseja que ele siga os seus passos aplicando o gosto na poesia e nas artes plásticas. Mas o menino é um gênio na matemática. Há um concurso bem complicado do qual o garoto sai vencedor. Stewart promete a ele um prêmio, qualquer que fosse e descobre, estupefato, que seu maior desejo é conhecer Brigitte Bardot. Viajam a Paris e acabam por conhecer a musa, que aparece como ela mesma.