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10 maio 2008

Trocando em miúdos



O realizador baiano José Umberto Dias, inconformado com o seqüestro do material de seu longa Revoada, que o produtor Rex Schindler confiscou-o para fazer uma montagem à sua revelia, ajuizou ação popular contra o Secretário do Audiovisual do Ministério da Cultura (que na época era outro baiano, Orlando Senna) e a a produtora de Rex Schindler, conhecido e veterano produtor da Bahia, responsável por alguns dos filmes mais significativos do chamado Ciclo Bahiano de Cinema (Barravento, A grande feira, Tocaia no asfalto) na Justiça Federal com o objetivo de obter, liminarmente (antes do julgamento do mérito da questão, bem entendido) a suspensão do pagamento dos valores ainda não pagos referentes ao contrato administrativo celebrado para a execução de Revoada. O pagamento é feito em parcelas. O filme foi orçado em um milhão de reais, e a liberação dos recursos deveria se proceder de acordo com as etapas de produção do filme. Dado o seqüestro, José Umberto, em boa hora, ajuizou a ação para a preservação de seus direitos de autor.
Entre outras alegações contidas no processo, Umberto alegou marversação de dinheiro público por parte da produtra de Rex Schindler, o que configura ato lesivo ao patrimônio público e cultural. As contestações da Secretaria do Audiovisual e da produtora não conseguiram, porém, convencer ao juiz da inexistência do ato lesivo citado. Ouvido o Ministério Público Federal, este se manifestou a favor da concessão da liminar pleiteada pelo autor, sustentando que os documentos apresentados pela parte ré não serviram para comprovar de forma plena a regularidade na utilização os recursos federais recebidos pela Produtora Rex Schindler Filmes e Serviços LTDA para a produção do filme Revoada.
A ação popular, para ficar mais claro, consiste em remédio jurídico idôneo à anulação de ato lesivo ao patrimônio público ou à entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. Donde se conclui que as partes ré não se comportaram, como se poderia esperar, de acordo com as cláusulas estabelecidas durante a celebração do contrato administrativo. Vem, então o remédio jurídico para tirar José Umberto Dias do atoleiro no qual queriam lhe colocar com a manipulação do material de seu filme a ponto de dar a ele uma completa desfiguração da concepção original e autoral.
Um realizador, para ter concedidos os recursos num concurso público para a realização de filmes, tem que, obrigatoriamente, ter uma produtora ou ter uma produtora que assuma o filme. Rex Schindler, como se sabe, apenas assinou como produtor para que José Umberto pudesse receber a verba estipulada e pudesse realizar, com plena liberdade, o seu filme. Mas já se conta, inclusive, que o produtor queria dar um golpe em Umberto já durante as filmagens com a vinda de São Paulo de um stand bye, que de uma hora para outra iria substitui-lo na direção (qualquer semelhança com o golpe em Luis Paulino dos Santosa em Barravento não é mera coincidência - Schindler, apoiado por Glauber, tirou Paulino da direção e deu esta a Glauber que, assim, conseguiu realizar o seu primeiro longa)
Na sentença do juiz, há, com todas as letras, que houve fortes indícios da má utilização por parte da produtora acionada dos recursos públicos recebidos do Ministério da Cultura para a elaboração do filme “Revoada”, o qual ainda está em fase de produção, embora a empresa produtora já acuse o recebimento de R$946.783,70 (fls. 37/67), quase o total do valor contratado, contrariando o disposto no item “8” do instrumento convocatório.
E, mais importante: "Outrossim, segundo os documentos juntados aos autos, restou comprovada a violação ao item “8”, alínea “d”, do Edital no.02/2005 (fls. 029), pois foram liberados 40% do valor referente à última parcela, que é de R$100.000,00 (cem mil reais), antes mesmo da entrega das cópias gravadas, quando o instrumento convocatório estabeleceu que tal parcela só seria liberada após a entrega das referidas cópias."
E mais: "Ante o exposto, CONCEDO a medida liminar postulada, determinando a suspensão imediata da liberação dos recursos remanescentes, destinados à produção do filme "Revoada", até o julgamento final da presente demanda."
Pela ausência de cumprimento do contrato, a União Federal está devidamente intimada

Justiça é feita a "Revoada"



O realizador baiano José Umberto, autor do longa Revoada, já marcou um tento com o bloqueio determinado por um juiz da Justiça Federal da parcela ainda a ser recebida da conta da produtora de Rex Schindler. O imbróglio foi várias vezes aqui comentado, mas para quem ainda não sabe, este último sequestrou o copião (material filmado) do filme de Umberto, que estava a ser editado pelo montador Severino Dadá no Rio de Janeiro segundo as indicações estabelecidos pelo diretor, que também se encontrava nesta cidade a acompanhar a montagem de seu filme. Mas circunstâncias da vida determinaram-lhe a vinda urgente a Salvador para se submeter a uma cirurgia. Foi então que entrou em cena os produtores associados à frente Schindler, que, por ser o produtor, e não satisfeito com a montagem do autor, Umberto, seqüestrou o material para fazer uma edição mais a gosto do mercado. Segundo os produtores, a versão do cineasta é muito autoral, com tomadas extensas, e, então, decidiram aplicar-lhe a estética da tesourinha, isto é, retalhar o filme, desfigurando-lhe, para que ficasse mais palatável para o mercado exibidor. Umberto, que não costuma dormir de touca, entrou logo com uma ação na Justiça Federal para readquirir o direito de montar seu filme segundo o concebeu e o imaginou. E, agora, recebeu a decisão a seu favor. O juiz assim declarou: "CONCEDO a medida liminar postulada, determinando a suspensão imediata da liberação dos recursos remanescentes, destinados à produção do filme "Revoada", até o julgamento final da presente demanda". É bem de ver que o julgamento final ainda não foi proclamado, mas já é um grande passo no sentido de uma sentença que faça justiça ao realizador. Solicitei a Umberto a divulgação da decisão e ele, prontamente, me autorizou, segundo mensagem recebida que aqui coloco:


Salvador/BA, 09 de maio de 2008.

Ao

Prof. André Olivieri Setaro
Nesta

Prezado Senhor,

Como Requerente do Processo no.2007.33.00.015802-3 do Poder Judiciário Federal, Seção Judiciária da Bahia, autorizo e me responsabilizo pela divulgação jornalística em geral da Liminar decisória de 30 de abril de 2008 sobre o filme "Revoada", de minha Autoria, que foi tornada pública e veiculada no Diário Oficial da União ao dia 08 de abril de 2008.

Atenciosamente,

José Umberto Dias

Autor e Co-Produtor do longa metragem "Revoada"

RG - 00470411-88


Por sempre achar que foi uma apropriação indévita dos produtores, a decisão referida fez justiça a José Umberto. Este blog e seu autor ficaram satisfeitos com o resultado, ainda que um primeiro passo, mas uma conquista importante pelo direito da liberdade de expressão e criação. E que deve servir de exemplo para outros casos nos quais a ingerência da produção esteja a prejudicar o livre exercício do poder criador. A dicisão (assim está escrito) é uma peça de elogio à liberdade de expressão e demonstra que o juiz agiu com a ciência e a consciência.



PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA FEDERAL

AUTOS No. 2007.33.00.015802-3
AÇÃO POPULAR
REQUERENTE: JOSÉ UMBERTO DIAS
REQUERIDO: SECRETÁRIO DO AUDIOVISUAL DO MINISTÉRIO DA CULTURA
E OUTRO


DICISÃO


JOSÉ UMBERTO DIAS, devidamente qualificado, ajuizou ação popular contra o SECRETÁRIO DO AUDIOVISUAL DO MINISTÉRIO DA CULTURA, Sr. Orlando Sena, e a produtora REX SCHINDLER FILMES E SERVIÇOS LTDA, objetivando, liminarmente, a suspensão do pagamento dos valores ainda não pagos referente ao contrato administrativo celebrado para a execução da obra cinematográfica “Revoada”.


Nota de AS: O que implica que a produtora de Rex não vai receber os recursos ainda não pagos e, em consequência, fica impossibilitado de destruir ainda mais o filme com a montagem espúria à revelia de seu realizador e autor.

Afirma que é autor da obra cinematográfica “Revoada”, com a qual participou de concurso público promovido pelo Ministério da Cultura, em parceria com a produtora Rex Schindler Filmes e Serviços Ltda, visando a captação de recursos para a sua produção. Assevera que a referida obra sagrou-se vencedora no referido concurso, sendo celebrado contrato entre o autor, a produtora e a União, por intermédio da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura, ficando orçado o filme em R$1.000.000,00 (um milhão de reais), a ser liberado em parcelas sucessivas de acordo com as etapas de produção.

Sustentou a existência de diversas irregularidades na utilização dos recursos públicos recebidos pela Produtora Rex Schindler Filmes e Serviços LTDA para a elaboração do filme “Revoada”, alegando ainda a existência de omissão do agente administrativo quanto à fiscalização do referente contrato. Afirmou que a irregularidade na aplicação das verbas fornecidas pelo Ministério da Cultura configura ato lesivo ao patrimônio público e cultural, justificando o ajuizamento da presente ação.


Nota de AS: Vejam que o requerente alega irregularidade na aplicação das verbas fornecidas pelo Minc, o que significa dizer malversão de dinheiro público.

Juntou procuração e documentos às fls. 23/78.

A decisão de fl. 80 determinou a apreciação do pedido de liminar após a oitiva da parte contrária.

Devidamente citada, a produtora Rex Schindler Filmes e Serviços LTDA apresentou contestação às fls. 93/98, afirmando que não tem nenhuma obrigação de exibir para o autor os documentos por ele requeridos. Sustentou, outrossim, ausência de prova que sirva de lastro para as alegações do acionante, bem como inexistência de infringência e/ou descumprimentos às normas que tutelam a proteção pretendida pelo acionante, juntando documentos às fls. 99/109.

Documentos apresentados pelo requerente às fls. 113 e 118/120.

Devidamente citado, o Secretário do Audiovisual do Ministério da Cultura apresentou contestação às fls. 123/126, alegando que o autor limitou-se a tecer observações indiciárias genéricas, sem, contudo, apresentar qualquer prova de ilegalidade administrativa ou lesiva ao patrimônio público ou cultural. Sustentou, igualmente, que agiu em estrito cumprimento das normas e condições do Edital do Concurso e da legislação pertinente. Pugnou, por fim, pela improcedência da ação e juntou procuração à fl. 127.

Às fls. 128/130, o Ministério Público Federal manifestou-se a favor da concessão da liminar pleiteada pelo autor, sustentando que os documentos apresentados pela parte ré às fls. 100/109 não serviram para comprovar de forma plena a regularidade na utilização os recursos federais recebidos pela Produtora Rex Schindler Filmes e Serviços LTDA para a produção do filme “Revoada”.

Às fls. 132 foi determinada a citação da União.

Às fls. 134/135 a acionante requereu a concessão da medida liminar.

Eis o relatório.

Examinados, decido.

A ação popular consiste em remédio jurídico idôneo à anulação de ato lesivo ao patrimônio público ou à entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural.

Por sua vez, a Lei de Ação Popular (Lei no.4.717/65) define patrimônio público como os bens e direitos turísticos (art. 1º.,S 1º.), protegendo-se, destarte, o patrimônio público em sentido mais amplo.

Assim, para o cabimento da ação popular, basta a ilegalidade do ato administrativo que se pretende invalidar, por contrariar normas específicas que regem a sua prática ou por se desviar dos princípios que devem sempre nortear a Administração Pública, sendo dispensável, pois, a demonstração do próprio prejuízo material aos cofres públicos, já que o inciso LXXIII do art. 5º.da Constituição Federal abarca não só o patrimônio material do Poder Público, como também o patrimônio moral, o cultural e o histórico.

O caso sub judice tem por objeto um contrato celebrado entre o autor da presente ação, a produtora Rex Schindler Filmes e Serviços Ltda e o Ministério da Cultura, visando o repasse de recursos públicos federais para a realização do filme “Revoada”. Afirma, o autor, que houve malversação das verbas federais, descumprimento de cláusulas do Edital, superfaturamento dos equipamentos usados, entre outras irregularidades, o que justificaria a concessão de liminar para suspender o repasse do restante dos valores destinados à produção da obra cinematográfica.

Da análise dos elementos probatórios até o momento produzidos, verifica-se que os fatos e fundamentos trazidos pelo autor possuem relevância, fazendo-se presentes os requisitos autorizados da medida liminar postulada, senão vejamos.

Há fortes indícios de que houve má utilização por parte da produtora acionada dos recursos públicos recebidos do Ministério da Cultura para a elaboração do filme “Revoada”, o qual ainda está em fase de produção, embora a empresa produtora já acuse o recebimento de R$946.783,70 (fls. 37/67), quase o total do valor contratado, contrariando o disposto no item “8” do instrumento convocatório.

Outrossim, segundo os documentos juntados aos autos, restou comprovada a violação ao item “8”, alínea “d”, do Edital no.02/2005 (fls. 029), pois foram liberados 40% do valor referente à última parcela, que é de R$100.000,00 (cem mil reais), antes mesmo da entrega das cópias gravadas, quando o instrumento convocatório estabeleceu que tal parcela só seria liberada após a entrega das referidas cópias.

Desse modo, o perigo da demora se faz presente, pois caso não concedida a presente medida, serão liberados os R$60.000,00 restantes do valor contratado, sem que haja a conclusão do filme e a apuração das irregularidades apontadas.

Assim, estando demonstrados o perigo da demora e a fumaça do direito, impõe-se o deferimento da liminar, medida que se presta, justamente, à garantia da efetividade da tutela jurisdicional.

Ante o exposto, CONCEDO a medida liminar postulada, determinando a suspensão imediata da liberação dos recursos remanescentes, destinados à produção do filme "Revoada", até o julgamento final da presente demanda.

Cite e intime-se União, inclusive, para exercer, querendo, a faculdade prevista no $3o do art. 6o., da Lei no. 4.717/65 .

Retifique-se o termo de autuação, incluindo-se a União Federal.

Intimem-se.

Salvador, 30 de abril de 2008.

Paulo Roberto Lyrio Pimenta

Juiz Federal da 16a Vara"

08 maio 2008

Imagens de "Cascalho"

Cascalho, longa baiano de Tuna Espinheira, é baseado no famoso romance homônimo de Herberto Salles, que, antes de vir a morrer, concedeu ao realizador os direitos da sua adaptação cinematográfica. Projeto antigo de Tuna, o roteiro de Cascalho foi escolhido num dos editais promovidos pelo governo do estado há, mais ou menos, 5 anos. Pronto o filme, faltava, porém, o indispensável som Dolby, imprescindível para a exibição no mercado exibidor, o que foi conseguido recentemente. O filme, portanto, atende, agora, a todas as exigências para ser lançado. Filmado na Chapada Diamantina, tem sua ação nos anos 30. As imagens colocadas aqui no blog mostram o velho Tuna Espinheira, a preparar uma tomada, e o veterano Othon Bastos, ator baiano consagrado no cinema, teatro e televisão (foi o Corisco de Deus e o diabo na terra do sol, de Glauber Rocha).


07 maio 2008

A conexão francesa de Frankenheimer



Há filmes que, porque oriundos do chamado cinemão (leia-se indústria cultural de Hollywood), são desprezados a priori pela crítica. Como se uma boa obra cinematográfica não pudesse surgir do bojo industrial. Se o cinema hollywoodiano, atualmente, é um lixo, não se pode deixar, porém, de convir que, no passado, o cinema americano produziu algumas das melhores pérolas da sétima arte em todos os tempos. Por exemplo, vi, muito recentemente, em DVD, um filme que fora massacrado pela crítica quando do seu lançamento em meados da década de 70: Operação França II (The French Connection II, 1975), de John Frankenheimer. Não confundir com o primeiro, Operação França, de William Friedklin, feito no início da década de 70, mas que recebeu elogios entusiasmados da crítica mais competente e mais limpa. Surpreendentes o domínio formal de Frankenheimer – nesse particular Friedklin também é um mestre (e, para isso, basta ver Jade) e o tratamento temático inusitado e insólito para um filme que se pensaria numa continuação amorfa do primeiro. Obra de mise-en-scène, é, também, além de um extraordinário filme de ação e emoção, uma reflexão sobre o choque cultural entre a mentalidade americana e a francesa, pois o tira interpretado por Gene Hackman, que deixou escapar o grande traficante Fernando Rey no final do primeiro, vai a Marselha para capturá-lo, e, nessa cidade, fica subordinado, por estrangeiro, aos ditames da polícia francesa, cujo chefe, interpretado por Bernard Fresson, a princípio, não oferece condições para um desempenho livre de Hackman.

Mas o que surpreende em The French Connection II é a alternância inusual, em fitas do gênero, entre os momentos fortes e os momentos fracos. Todo rodado em Marselha, The French Connection II tem também um registro documental que revela a geografia da cidade.Há uma seqüência extraordinária nesse sentido, quando Hackman, que é capturado pela gang de Fernando Rey, e passa semanas tomando heroína para se viciar, e, finalmente, é salvo e começa um tratamento de choque para a desintoxicação, fica na cela frente a frente com o policial francês. Este, para conter os ímpetos da abstinência da droga, oferece a Hackman uma garrafa de conhaque e os dois começam a conversar. Os planos são fixos e demorados e Hackman procura, na sua embriaguês, relembrar fatos passados e bem imbricados à cultura americana sob o olhar paciente, mas confuso, do policial. Nessa interlocução, inusitada, repita-se, para um thriller, está contida todo o choque existente entre duas culturas.

A narrativa de Frankenheimer parece que foi introduzida por um fio elétrico de alta tensão, pois o espectador, mesmo nos momentos em que nada acontece, fica suspenso, à espera que algo surja de repente. Mestre de obras nas quais a ação é a tônica, mas sempre procurando dar a esta um sentido de espetáculo e de mise-en-scène, Frankenheimer foi um diretor de inegáveis atributos, ainda que, no final da carreira, não tenha demonstrado o vigor de outrora. Mas fez filmes importantes como Sob o domínio do mal, Sete dias de Maio, O extraordinário marinheiro, O homem de Alcatraz, entre muitos outros, para cair, no fim da vida, em mediocridades do tipo Amazonas em chamas.

Antigamente se chegou a dizer: há ‘um frankenheimer na praça’, o que se traduz, por atestado de vigor, de profissionalismo, de bom espetáculo.Operação França II, realizado em 1975, antes que a infantilização temática tomasse conta de Hollywood, é um filme que merece ser revisto e, para isso, existe em DVD em cópia luminosa bem distribuída. A crítica, que fez vista grossa para esse filme de Frankheimer, considerando, ora vejam só, ‘medíocre continuação’, precisa, urgentemente, se ainda quiser enxergar e ver o cinema na sua essência, fazer uma revisão completa de seus postulados superados. O espetáculo reina em The French Connection II, há um sentido cinematográfico na direção de Frankenheimer que espanta e assombra.

Para muitos, entretanto, a obra cinematográfica está presa ao elo semântico, ao elo do conteúdo, desconhecendo, muitos que se arvoram a comentaristas cinematográficas, a importância do elo sintático, da maneira pela qual o realizador articula os elementos da linguagem cinematográfica em função da explicitação temática.Os ‘contemporâneos’, adeptos da chamada ‘contemporaneidade’, que virou jujuba em boca de pseudo-intelectual, podem ver as qualidades de um Almodóvar, Lynch, Von Trier, mas quando se trata de um Friedklin, de um Frankenheimer, a coisa fica mais difícil. Por que? Creio que a resposta está dada.

05 maio 2008

Furdunço no cinema baiano

O jornal baiano A Tarde publicou, hoje, em página inteira do seu segundo caderno, uma reportagem sobre os problemas enfrentados pelos cineastas baianos. Acontece que a Fundação Cultural do Estado da Bahia promove concursos de roteiros através de editais com o propósito de incentivar a produção de filmes. No momento está em vias de publicar novos editais, mas acontece que os roteiros premiados nos últimos concursos, cujos filmes deveriam já estar prontos e acabados, ainda estão a penar pela finalização. Há um longa, Pau Brasil, de Fernando Belens, e dois curtas, um de Lázaro Faria, outro de Joel de Almeiida, que se encontram pendentes.
Atento e vigilante, o respeitado Tuna Espinheira, diretor do longa Cascalho, baseado no romance homônimo de Herberto Salles, leu a matéria com certa indignação pelo fundurço existente. Porque, na sua opinião, tudo deve estar transparente e às claras. Não posso opinar porque não tenho dados suficientes, e se é um fundurço é coisa complicada. Mas publico, aqui, neste blog, a mensagem que Espinheira mandou para A Tarde sobre o mesmo fundurço. A fotografia que ilustra este post, antes de dar alguma luz à questão, oferece apenas uma perspectiva: a de se beber colorido diante de tal fundurço. Vejam o que o velho Tuna escreveu:
"Toda a capa do Caderno 2, deste prestigioso Jornal, com direito a fotografias em cores, (dia 5/5/2008), saiu dedicada ao cinema baiano. Noticia desacertos e tropeços na área, infelizmente com embasamento. O teor da matéria, baseada em fatos verdadeiramente acontecidos, mostra uma relação de não cumprimento de prazos contratuais, entre Editais do Governo e produtores, realizadores, prata da casa. Como um dos viventes deste meio da sétima arte, sei perfeitamente do perigo que ronda à combalida resistencia do fazer cinema nestas bandas. Conheço de perto, na carne, no coração e mente, as agruras que significa filmar por aqui. Também conheço a sanha dos "espiritos de porco", dos "pálidos coveiros", sempre prontos a brandir a pá de cal sobre este seguimento da cultura baiana. Triste Bahia!

Acho que tudo deva ser apurado, conversado, nada pra debaixo do tapete. Principalmente, tenho certeza, a questão será resolvida. Os cineastas baianos não usam cartões corporativos. Todos poderão dar conta das diculdades que atravessam."
Tuna Espinheira
tunaespinheira@terra.com.br

04 maio 2008

Introdução ao cinema (4)



Ainda em torno do segundo elemento determinante da especificidade da linguagem cinematográfica: os movimentos de câmera. Ficamos na panorâmica semana passada. Existem, porém, outros exemplos desse movimento específico e de fundamental importância. Vejamos.
Há também uma panorâmica chamada circular, que, sobre ser mais complexa na sua execução, não é menos eficiente do ponto de vista da significação. Neste caso, a câmera observa à sua volta num ângulo de 360 graus, normalmente com motivos mais do que válidos. A panorâmica circular é utilizada pelos cineastas para captar os diferentes estados de espírito de uma personagem sem interromper a continuidade espacial, deixando-a alegre para voltar a vê-la triste depois de ter percorrido integralmente a sala onde se encontra. Este é o procedimento que a câmera segue de bom grado nas obras de índole "comportamentista", nas quais os protagonistas nunca são perdidos de vista em todas as suas evoluções físicas e psíquicas (Acossado/A Bout de Souffle, de Jean-Luc Godard, 1959, é, nesse particular, um exemplo notável).
Ou, então, a panorâmica circular é usada para fazer denotar uma situação labiríntica em que o protagonista vive, a despeito das aparências tranqüilizantes. Assim, os repetidos movimentos circulares da câmera em Mundo ao Telefone(Welt am Drht, de Rainer Fassbinder, 1973), não tem outra função que não seja a de denunciar a insuspeita condição de robots manipulados por outrem que aflige todas as personagens do filme. Passemos, finalmente, ao travelling, outro movimento de câmera importante que constitui fator dramático muito poderoso e pode ser feito para a frente (passagem de um plano geral para um close) ou para trás (passagem de um close para um plano geral).
Também, existe o travelling lateral, quando a câmera acompanha o andar de um ator, sem haver, propriamente, uma mudança de plano. A rigor, o travelling se dá através de uma plataforma de quatro rodas, que anda me trilhos ou sobre tábuas, na qual é colocada a câmera para as tomadas me movimento. Há o travelling para a frente, o travelling para trás (ou a ré) e o travelling lateral. Por extensão, compreende-se travelling qualquer movimento de câmera colocada sobre um carro ou veículo (trem, automóvel etc). Os movimentos também podem ser obtidos dispensando-se a base móvel e o tripé de apoio: é o caso da câmera na mão, recurso estilístico e ao mesmo tempo econômico. A câmera na mão é umas das características estilísticas do Cinema Novo brasileiro a partir mesmo do slogan glauberiano: Uma câmera na mão e uma idéia na cabeça". Diversas combinações desses movimentos são possíveis e determinadas pela necessidade de acompanhar o movimento do objeto filmado ou pela intenção de abarcar um maior campo visual.
É de se ressaltar, no entanto, que a mesma tomada pode constar de vários planos interligados, não se podendo confundir, portanto, unidade de tomada com unidade de plano. Para melhor exemplificar os movimentos de câmera, e sua funcionalidade na expressão cinematográfica, que se tome, aqui, um exemplo magnífico de um filme de Claude Chabrol: O Açougueiro (Le Boucher, 1969) no qual há uma cena primorosa no que concerne ao uso, pelo cineasta, da possibilidade locomotiva da câmera. Le Boucher é um filme sobre um açougueiro torturado pela mania homicida. Um belo dia, ele confessa o seu afeto à ignara professora da aldeia, declaração que tem lugar num bosque onde os dois se deslocaram para colher legumes. A atmosfera, portanto, seria das mais tranqüilizantes não fora passar-se - durante o colóquio entre ambos -algo que não pode deixar de alarmar o espectador atento. E esse algo não se refere ao comportamento dos personagens - que continuam a dialogar num cenário idílico -mas, e precisamente, ao comportamento da câmera, da máquina de filmar, que, quase inadvertidamente, começa a deslocar-se lateralmente até o primeiro plano de um tronco de árvore se interpor entre ela - a câmera - e o par, escondendo o homem cujas palavras, no entanto, continua-se a ouvir. A vista é desimpedida com a saída do tronco do campo de visão, mas pouco depois desaparece novamente quando o movimento se repete me sentido contrário, conduzindo a câmera à posição inicial.
Eis um caso me que um simples travelling se encarrega de denunciar ao espectador a atitude reticente da personagem, encobrindo-a da vista no momento em que se revela ao ouvido. Esta denúncia, e aqui, neste travelling, se encontra uma das chaves para a compreensão do cinema, considerando a distinção entre narrativa e fábula (que se verá depois me outra oportunidade). Pois bem! A denúncia é dirigida ao público e não,infelizmente, à desventurada professora, que se manterá por um bom tempo na ignorância das verdadeiras intenções do carniceiro degolador. Um movimento inesperado, repentino, da câmera de filmar, é suficiente para colocar o espectador de sobreaviso e o deixar em melhores condições que a vítima inconsciente - como é o caso de Le Boucher.
Semelhantes advertências - ou avisos - feitos pela narrativa e não pela história - não se limitam aos filmes ditos policiais, mas se encontram disseminadas, em medida diversa, por todos os textos fílmicos que pretendem seguir a trajetória que conduz da aparência à essência, isto é, que pretendem desmascarar uma realidade falsa.
Antes que me esqueça: a foto é de Eva Marie Saint em um dos melhores filmes de Hitchcock: Intriga internacional (North by northwest, 1959).

A título de esclarecimento

Recebi um comentário de Sérgio Palma, filho de Palma Netto, o produtor de Sol sobre a lama. Ele postou em comentários mas, pela sua importância, como esclarecimento histórico, deixo-o, aqui, como post. E já estou a providenciar a correção do nome de seu pai com o acréscimo de mais um "t" no seu nome.
"Em relação ao cinema, posso confessar que todo o meu conhecimento se restringe ao prazer de apreciar um bom filme.Com apenas quatro anos, não fui espectador da epopéia que foi Sol Sobre a Lama, más presenciei, juntamente com meus irmãos, Palma Netto (com dois t, por favor) transbordar satisfação por ter realizado este filme.
É fato notório, que meu Pai ficou aborrecido com o filme A Grande Feira, de Roberto Pires e Rex Schindler, pois achava que “a coisa não tinha sido contada como foi”. O objetivo era, em suas palavras, “fazer um filme que daria uma resposta às inverdades de A Grande Feira.”
O Alex Viany, apaixonado na época por filmes japoneses, quis imprimir ao drama o mesmo estilo, o que contrariou profundamente Palma Netto. Em suas palavras, “o filme estava lento com tomadas longas e monótonas”.
Em entrevista concedida a Guido Guerra, reproduzida em seu livro A Noite dos Coronéis, diz Palma Netto: Esse filme tinha tudo para dar certo se eu não tivesse cometido a ingenuidade de contratar o Alex Viany para dirigi-lo. Eu o conhecia do congresso de escritores, tinha admiração por ele enquanto crítico, teórico de cinema. Ele sabia tudo de cinema na teoria, conhecia a história do cinema, sabia analisar um filme, só não sabia fazer cinema. Me esculhambou o filme.”
Manda quem pode, obedece quem tem juízo. Como diz o André Setaro, o Alex Viany era muito temperamental e não levava desaforo para casa. Quem conheceu e conviveu com meu Pai, sabe que ele podia ser muito mais temperamental, e desaforo para casa, que eu saiba, nunca levou. O resultado é do conhecimento de todos. Palma Netto judicialmente autorizado remontou o filme, o qual se encontra preservado na cinemateca de São Paulo.
No aniversario de quatro anos do projeto “Quartas Baianas” da sala Walter da Silveira, tivemos o prazer de rever o filme com a presença de Álvaro Queiroz e Gessy Gesse. Palma Netto compareceu espiritualmente, essa, acredito eu, ele não perderia.Quero deixar claro que não faço nenhum juízo de valor quanto ao trabalho do Alex Viany, até porque não conheço sua obra e nem tenho conhecimento cinematográfico para tal. Tive apenas a intenção de passar aos interessados no tema o que se passou na intimidade da cozinha de Palma Netto (com dois t, por favor).