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20 dezembro 2008
18 dezembro 2008
Muita classe
Da festa de inauguração do Espaço Glauber
Convidado, fui terça passada à inauguração do Espaço Unibanco de Cinema Glauber Rocha. O Largo do Teatro, como se chamava antigamente o local, estava em festa. Repórteres televisivos, jornalistas, realizadores cinematográficos, enfim, a Bahia parecia estar presente em peso ao evento. O complexo de salas excedeu as minhas expectativas, porque muito abrangente, a acomodar quatro salas de exibição de alta tecnologia, além de uma ampla e sortida livraria com livros de cinema, um restaurante, cuja vista dá para a Igreja da Barroquinha, e possui excelente atmosfera, galeria de arte, e um terraço que dá para a Praça Castro Alves e, ao fundo, a fascinante Baía de Todos os Santos.
Muita gente presente: Juca Ferreira, Ministro da Cultura, Orlando Senna (que foi há pouco o Secretário do Audiovisual), Leon Cakoff (organizador da exitosa Mostra Internacional de São Paulo que é sócio do empreendimento), Adhemar de Oliveira (do Unibanco, outro sócio de Cláudio Marques), D. Lúcia Rocha, mãe de Glauber e aquela que está a preservar a sua memória, forte aos 90 anos, sua neta Paloma (e Joel Pizzini), filha de Glauber, Erik Rocha, filho, e também cineasta premiado, enfim, quase a família todo do autor de O dragão da maldade contra o santo guerreiro. Considerando que aqui não é coluna social, seria desgastante citar todos que a memória permite, mas, mesmo que faça omissão de alguém, vêem-me a memória: Walter Lima, Raul Moreira, Sofia Federico, Pola Ribeiro, Roque Araújo, Lúcio Mendes, Joel Almeida, Hamilton Correia, Antonio Piton, Lula Oliveira, Adler Kibe Paz, Braga Neto, Jacques de Beauvoir, Fernando da Rocha Perez,Tonny Oliveira, Conceição Senna (esposa de Orlando, que faz uma ponta em O dragão...), Malu Fontes, Guido Araújo, Oscar Santana, Petrus Pires, Ildásio Tavares, etc, etc, etc.
Ao final da exibição de O dragão da maldade contra o santo guerreiro, servido um coquetel. O que foi bem pensado, pois geralmente, pelo menos aqui na Bahia, serve-se, em eventos do tipo, o coquetel antes do filme e, quando se está ainda na segunda dose, vem o chamado para o filme. O que é frustrante para aqueles que gostam de aproveitar o comes e bebes.
O dragão da maldade contra o santo guerreiro em cópia restaurada permite deslumbrar as cores originais obtidas pela fotografia de Affonso Beato. O filme se caracteriza pelos planos-seqüências, verdadeiros afrescos pictóricos da região árida de Milagres. Há planos gerais que se poderia dizê-los eisensteinianos, como o que mostra a imensidão de uma pedreira e a pequenez de uma multidão de famintos incrustada nela. Entre tantos, e não estou aqui propriamente para fazer um comentário do filme, mas somente a dizer algumas coisas en passant, há um no qual a câmera fixa mostra Othon Bastos e Hugo Carvana a jogar sinuca e, no seu final, a câmera faz ligeira panorâmica para mostrar Antonio das Mortes sentado numa mesa a tomar uma garrafa do aguardente Jacaré. Ou seja, o espectador pensa que Hugo e Othon estão sozinhos, mas, de repente, a surpresa de revelar, por um movimento de câmera, a presença do matador de cangaceiros que jura em dez igrejas. Glauber gosta de incluir os personagens dentro do quadro quando menos se espera. Num momento de intensa baderna, Antonio das Mortes entra no quadro fílmica e olha para a câmera, dando a impressão de que está confuso com tudo aquilo. E o plano inicial, com Antonio a atirar vindo da esquerda e desaparecendo pela direita, é muito inventivo, pois somente quando ele sai de quadro é que entra o cangaceiro baleado que morre.
17 dezembro 2008
A Arte de Jonga
16 dezembro 2008
A "revoada" de Tuna sobre a interferência no filme de José Umberto
"Li no seu blog, a triste notícia da finalização e cópia pronta do filme: Revoada, de José Umberto. É uma página agônica para o cinema baiano, como um todo. Não há o que comemorar. Agora vamos trocar em miúdos estas primeiras linhas, sombreadas de um certo surrealismo. Em condições adversas, como em toda filmagem de baixo orçamento, o Roteirista, Diretor e, principalmente, ganhador de uma licitação pública (Concurso de Roteiros do MINC), conseguiu captar as imagens necessárias para a montagem e edição do seu filme. Até aí, pelo sim e pelo não, as coisas andaram nos trilhos. Na segunda etapa, na mesa de montagem, momento crucial, quando a obra passa a tomar forma e adquirir o sopro de vida, com a imprescindível presença do seu criador. Justamente neste momento, espaço sagrado da urdidura do filme, aconteceu uma armadilha do destino: O Autor ficou doente, carecendo de tratamento delicado e urgente. Foi obrigado a se afastar, por um dado período, da finalização do filme.
Deu-se então que, o que poderia ser conversado, no sentido de chegar a um denominador de consenso, foi atropelado pela decisão sinistra, ao arrepio do direito autoral, e contra a vontade do cineasta em questão, de se coletar (para não usar termos mais próprios) à revelia, o material, em estado de montagem, e entregá-lo a um montador paulistano, afeito ao pai e mamãe cinematográfico, para colar, dentro da sua ótica, os planos e seqüências de Revoada... Vade retro...
Em qualquer material filmado, caso seja entregue a 10 montadores de cinema (sem o acompanhamento do Diretor), teremos 10 filmes muito diversos um dos outros. Com um grande risco da elaboração final (lembrando o saudoso “Lalau”), produzire o “Filme do crioulo doido”.
Acho que expliquei agora as razões das primeiras dramáticas/trágicas linhas."
De John Frankenheimer, para variar
Este desconhecimento de Frankenheimer é bem revelador de uma crítica modista incapaz de investigar os filmes, se estes não chegam já firmados e devidamente cultuados, pois Frankenheimer não é um cineasta modista, não incursiona por temas “pós-modernos” e nem se preocupa com os assuntos que fazem a festa da patuléia (ou de uma certa patuléia) contemplativa. Seus filmes, sobre ser obras de construção dramática de uma funcionalidade extrema, podem ser considerados reflexões sobre a violência do homem contemporâneo. Que se veja aqui, portanto, a sua trajetória.
Este cineasta audacioso e impactuante que dota a sua mise-en-scène de um fascínio crepuscular, nasce em Nova Iorque em 1930, estuda na Academia Militar de La Salle e faz parte da geração oriunda da tv nos anos 50, tendo sido assistente de Sidney Lumet (Doze homens e uma sentença). Começa a dirigir em 1956, com 26 anos de idade, em No labirinto do vício (The Young Stranger), com James MacArthur e Kim Hunter. Passa, então, vários anos sem realizar um longa, o que só acontece em 1961 em Juventude selvagem (The Young savages), com Burt Lancaster e Dina Merril. É o mesmo Lancaster que faz, em 62, o papel-título de O Homem de Alcatraz (Birdman of Alcatraz), um filme não sobre a prisão, mas, importante, sobre a idéia da prisão; obra humanista e de fôlego. Nesse mesmo ano, considerado pelos produtores pela sua demonstração de talento, faz outro filme: O anjo violento (All fall down), com Eve Marie Saint e Warren Beatty. Findo este, ainda em 62, realiza um de seus melhores trabalhos, uma audaciosa previsão dos assassinatos Kennedy em Sob o domínio do mal (The mandchurian candidate) - gostei também da versão de Jonathan Demme, que provoca polêmica por causa de seu tom premonitório. Dinâmico, vigoroso, um thriller surpreendente, com Frank Sinatra, Janet Leigh e Laurence Harvey. Em 1963 descansa e não dirige nada para voltar, em 64, com outra análise dos bastidores do poder estadunidense: Sete dias de maio (7 days in may), com, novamente, Burt Lancaster e Kirk Douglas (um par de atores admirável) Substitui Arthur Penn e chega ao final de O trem (The train) com seu ator preferido, Burt Lancaster, ao lado de Jeanne Moreau (então uma musa do cinema europeu), encabeça o elenco.
Talvez a obra-prima de John Frankenheimer seja este filme realizado em 1966: O segundo rosto (Seconds), com um Rock Hudson irreconhecível como um intérprete seguro e eficiente. Estranho, Seconds mergulha no problema da crise do homem e do tempo, com um personagem que, realizando uma operação plástica, muda de rosto, “deixando” a velhice para aparentar um quarentão. Obra de impacto quando de seu lançamento e que merece muitos elogios, mas filme completamente esquecido e que serve de demonstração do faro de Frankenheimer.
Ano rico, o de 1966, para Frankenheimer, pois neste período realiza Grand Prix, um filme fascinante sobre corrida de automóveis (quem pode esquecer o plano de detalhe dos olhos de Eve Marie Saint na grandiosidade dos 70mm?). Este filme foi exibido no cine Tupy logo após sua reforma em 1968 quando passou a projetar a bitola de 70mm.
Três anos de inatividade. O projeto de Grand Prix se torna demasiado puxado. Fica fora do ar por um tempo para, em 1969, construir uma comédia non sense bastante inventiva: O extraordinário marinheiro (The extraordinary seaman), com David Niven e Faye Dunaway. Logo em seguida um filme político e de denúncia: O homem de Kiev (The fixer), com Alan Bates e Dirk Bogarde. Ainda em 69, uma gozação e um trunfo como comediógrafo: Os pára-quedistas estão chegando (The gipsy moths), trazendo de volta Burt Lancaster ao lado de Deborah Kerr (uma atriz maravilhosa, aliás, que fez com Lancaster a famosa cena da praia de A um passo da eternidade, um tipo de mulher fina e elegante, que faz parte do espírito de uma época, pois a mulher contemporânea, aputalhada, não tem mais a classe, a finesse, de uma Deborah Kerr, embora isto seja outra história).
A década de 70 se inicia com um Frankenheimer menor - mas que menor é este se é ainda muito bom?: O pecado de um xerife (I walk the line), com um Gregory Peck maduro e apaixonado pela quase ninfeta Tuesday Weld. Nesse mesmo ano, um épico menor: Os cavalheiros de Buskashi (The horsemen), com Omar Shariff e Leigh Taylon Young. Um inédito no circuito comercial, mas que aparece exibido na TV. História de uma história de amor (Impossible object, 72), com Alan Bates e Dominique Sanda, que são dois atores estupendos e ao que se pode perceber algo muito interessante para ver, embora inédito no país pelas injunções do mercado exibidor. Em 1973, outro inédito: The iceman cometh, com Lee Marvin e Fredric March. Até o ultimo disparo (99 and 44% dead), exibido no antigo Bristol, é divertido e simpático, com produção datada de 74.
Frankenheimer aceita dirigir a seqüência de Operação França e surge The french connetion II (75) mas, ao invés de um filme de ação (como fizera William Friendkin no primeiro), Frankenheimer mistura esta com devaneios à la Antonioni, principalmente no enfoque da angústia de Gene Hackman, o detetive Popeye. Domingo Negro (Black sunday), 77, filme que se segue a French, trata do terrorismo internacional e é de um impacto absoluto.
Reconheço que já no ocaso de sua vida, John Frankenheimer, sem o apoio de um sistema de estúdio eficiente, perde, também, força de metteur-en-scène, embora o esforço, a perspectiva de um novo filme que viesse a superar o outro, a tenacidade, e a coragem. Mas outros tempos. O melhor de Frankenheimer está, realmente, na década de 60 e não seria exagero dizer que O segundo rosto é uma obra-prima.
14 dezembro 2008
Fernando Ferreira, crítico de cinema
Cinema Baiano (10): Vito Diniz
Antes da aventura no cinema, trabalhou como correspondente da Manchete em Roma e chegou a dirigir uma chanchada com Colé.
Deixou também de sua autoria curtas preciosos como Magarefe (1971), que focaliza a crueldade da morte de bois e vacas, Pelourinho (1972), visão poética deste centro histórico que é um patrimônio da humanidade, e, quando se aventurou no Super 8, o resultado foi um filme com a qualidade daqueles na bitola 35mm: Gran Circo Internacional.
Presto aqui esta pequena homenagem ao grande homem e ao grande fotógrafo que foi Vito Diniz.
VITO DINIZ POR JOSÉ UMBERTO
Transcrevo um artigo do cineasta e escritor José Umberto, que trabalhou com Vito em vários filmes. Vito foi o diretor de fotografia de seu primeiro longa: O anjo negro, realizado em 1972 e lançado no ano seguinte.
"O artífice da câmera na mão. Esta é a imagem primeira de Vito, aquele que registrou, com elegância e beleza clássica, os filmes baianos de fins dos anos 60, 70 e meados de 80. Sua câmera Arriflex 35mm, que trouxera da Itália, foi a responsável direta pela captação de imagens límpidas de diversos cineastas, sobretudo daqueles estreantes com todo o gás.
Com um olho na câmera e o outro na larga experiência de cineasta e fotógrafo, Vito Diniz é o protótipo do artesão renascentista, cuidadoso, exigente, calmo e nobre no trato.
Deixou o legado de uma marca. A marca da busca apaixonada da imagem com o traço de quem filtra a luz com a maestria de um acadêmico despojado e sem afetação. Trabalhava para os outros com a mesma disposição atlética com que realizava seus próprios filmes.
O seu curta metragem Gran Circo Internacional é um marco do cinema periférico no século XX. Primando pela sutileza, este pequeno grande filme sintetiza o rigor do ritmo numa unidade de respiração, de escala métrica do tempo, na passagem dos planos operacionalizada pela montagem poética. Vito imprimia a imagem do real com o sentido da transcendência. Com a urgência da plasticidade nos meandros do claro/escuro, na fonte primeva das sombras, no êxtase e na vertigem das cores, mas sempre na procura da criação de um humanismo.
A sua simplicidade, herança do neo-realismo italiano, implicava numa exigência estética do aprofundamento. Não lhe interessava a superfície das sensações, porém o mergulho na essência de uma sociedade marcada pelo sofrimento. E ele não se deixava abater pela dor porque sua intenção fundamental seria sublimá-la e transubstanciá-la com a visão de poeta da imagem.
Vito Diniz fez cinema como Francisco de Assis falava com os pássaros em Pádua. Sua generosidade como artista é o exemplo de uma linguagem sem subterfúgio, de uma metáfora sem vaidades mundanas, portanto claro como um entardecer na praia de Piatã com fachos delirantes de um vermelho que sinaliza sangue e fervor."