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20 julho 2012

Filmes do Chico em novo blog

Há mais críticos e comentaristas de cinema no espaço virtual do que gafanhotos no Egito. A maioria dos blogs, no entanto, reflete um entusiasmo de fã sem a necessária base referencial, um conhecimento de causa, uma visão mais abrangente não somente da arte mas também do mundo, ou mehor dizendo, uma visão do cinema e uma visão do mundo. Por outro lado, há blogs (ou blogues?) que revelam profundidade na exegese da arte do filme. E um deles é o de Chico Fireman, que mergulha no cinema para buscar tesouros do pretérito da história do cinema e um atento espectador-crítico do cinema contemporâneo. O trabalho imenso de Fireman no resgate de títulos do passado pode ser visto na Liga de Blogues Cinematográficos, coordenado por ele (http://ligadosblogues.wordpress.com/), que brinda o amante do bom cinema com rankings cada vez mais surpreendentes. Mas o que se quer ressaltar aqui é que Fireman inaugura hoje, dia 20 de julho, o seu novo blog, mais limpo visualmente e livre de gralhas. A conferir: http://filmesdochico.com.br/

19 julho 2012

Irados comunistas

Foto rara e histórica para os anais do cinema baiano. O retrato do cineasta Tuna Espinheira quando jovem (ele é o terceiro da esquerda para a direita em sentido relógio, com bigode ralo, olhar de pirulito, braços cruzados, relógio no pulso), que se encontra, na foto, em reunião com Sebastião Nery, o famoso jornalista político que, na época, dirigia, em Salvador, o jornal A Semana (que fazia oposição ferrenha ao governo de Juracy Magalhães, chamado por Nery de Sepulcro Caiado). Nery é o de paletó preto que olha para os três companheiros e atentos ouvintes de suas palavras de ordem. Os outros dois, desconhecidos, pelo menos para mim, Edgard Joaquim e Soviético (o nome já diz tudo). Tuna é autor de Cascalho, longa baiano, e mais de duas dezenas de curtas.

18 julho 2012

"Antonio Conselheiro - O Taumaturgo dos Sertões" em agosto


Recebi da VPC Cinemavideo a seguinte mensagem com a notícia alvissareira da estreia já em agosto de Antonio Conselheiro, filme de José Walter Lima, que terá lançamento nacional. Transcrevo-a ipsis literis:

O filme Antonio Conselheiro - O Taumaturgo dos Sertões estreia em agosto nos cinemas.
Antonio Conselheiro – O Taumaturgo dos Sertões entra em cartaz nos cinemas do Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador no mês de agosto. O filme retrata um acontecimento social de grande importância na história do Brasil: a guerra de Canudos e a resistência dos moradores do arraial de Belo Monte. A obra combina os gêneros de documentário, ficção e animação numa narrativa que valoriza elementos poéticos, reflexivos e imagéticos. Saiba mais em www.antonioconselheiroofilme.com.br
O massacre de 25 mil sertanejos na Guerra de Canudos
A miséria, o descaso dos governantes e a religiosidade presente em muitas famílias sertanejas construíram a crença nos milagres realizados por Antônio Conselheiro, que se tornou um líder espiritual e político dentro da vila de Canudos. Sua fama se espalhou pelo sertão atraindo cada vez mais pessoas de cidadelas vizinhas que tinham esperança e fé em dias melhores.

O discurso forte e popular de Conselheiro comovia seus seguidores e despertava a ira dos coronéis, que logo o consideraram uma ameaça aos seus poderes políticos locais. Em forma de represália, os coronéis e o governo enviaram expedições do exército brasileiro para destruir a vila onde milhares de pessoas tentavam construir uma vida em comunidade. 

Mesmo com a resistência da população de Canudos e dos seguidores de Antônio Conselheiro - que enfrentaram bravamente três expedições do exército - não foi possível evitar o massacre de mais de 25 mil pessoas na quarta investida das tropas do governo.

O episódio ficou marcado com o sangue dos inocentes de Canudos, mas até hoje é um exemplo de resistência único na história do país. Antonio Conselheiro – O Taumaturgo dos Sertões leva para as telas esse acontecimento histórico através do ponto de vista dos oprimidos e contribui para que a memória desse povoado e de seus habitantes seja preservada. 

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17 julho 2012

Marilyn Monroe (1962/2012)


No próximo dia 5 de agosto, 50 anos, meio século, da morte da diva Marilyn Monroe. O tempo não perdoa mesmo.

Acompanhei a trajetória de Marilyn em parte, porque, nascido em 1950, os seus primeiros filmes, vi-os depois nas constantes reprises do mercado exibidor. O primeiro filme que assisti com Marilyn Monroe, aos 10 anos de idade, Adorável pecadora (Let's make love, 1960), de George Cukor, na majestade do cinemascope do cinema Guarany em Salvador, constituiu-se num choque para o adolescente que era. Um choque de sensualidade, um choque de desejo, pois diante de uma autêntica boneca de carne a solicitar daqueles que a viam uma ação - seja ela qual fosse. Saí da sala de exibição avexado, mas isso outra história. Em Adorável pecadora, Marilyn é uma artista de um cabaré que está num número em que satiriza e ridiculariza um bilionário americano interpretado por Yves Montand. Este, ciente da sátira, resolve se apresentar na boite para trabalhar no número, mas não contava que iria se apaixonar por Monroe. Números musicais extraordinários, principalmente aquele, de Cole Porter, onde a diva desce de uma barra de ferro e começa a circular entre os seus pares. George Cukor sempre teve tino para a comédia, um grande diretor, principalmente de mulher. Yves Montand, ator charmant, apesar de filiado ao Partido Comunista francês e há muitos anos fiel à sua esposa Simone Signoret, não resistiu aos encantos de Monroe e teve um affair com ela, evidentemente a affair to remember, mas Signoret compreendeu e o perdoou.

Em 1962, quando Marilyn Monroe morreu, a televisão tinha sido implantada em Salvador há dois anos e os aparelhos eram muito caros. Vim a ter um apenas no ano seguinte, 1963. Assim, na condição de televizinho, encontrava-me na casa de um amigo com toda a sua família reunida em volta do aparelho televisivo. com as luzes todas apagadas. Uma tia, que ouvira a notícia no rádio, tinha enviado um bilhete para mim comunicando a morte da diva, e o tinha entregado ao amigo, que me passou durante esta audiência televisiva. Saí da sala para ler o bilhete no corredor e tomei um susto.

A sensualidade no cinema era vigiada pelo Código Hayes e nunca se viu uma explosão como a provocada por Marilyn Monroe. A feminilidade em pessoa, bastando, para se sentir o apelo sexual, a sua tonalidade de voz ao falar. É verdade que em 1956 já havia aparecido o furacão Brigitte Bardot. É verdade que Rita Hayworth já tinha causado muita confusão em Gilda. Ou Jennifer Jones de quatro, mas vestida, na cozinha da casa grande em Duelo ao sol, de King Vidor. A mulher como fêmea, como instinto puro da sexualidade. Sobre serem mulheres bonitas, as atrizes de Hollywood, no entanto, eram muito compostas, vestidas dos pés aos pescoços. Interessante observar, ainda que não tenha a ver com Monroe, que no apogeu do cinema americano, aquele regido pelo Código Hayes, nem os homens nem as mulheres iam o banheiro. Era feio se ir ao toalete, segundo os produtores da Velha Hollywood. O tabu, entretanto, já foi quebrado há muito tempo, principalmente nos primeiros filmes de Pedro Almodóvar, os quais, invariavelmente, apresentavam uma das atrizes, sempre sentada, num determinado momento do filme, a fazer o que se chama comumente de xixi.

O segundo filme que vi com Monroe, Quanto mais quente melhor (Some like it hot, 1959), do grande Billy Wilder, visto numa reprise três ou quatro anos depois do seu lançamento - e, a partir daí, sempre visto na tv, VHS e no DVD, uma das melhores comédias do cinema americano de todos os tempos. Monroe trabalha ao lado de Jack Lemmon e Tony Curtis, que, para fugir de gangsteres, se travestem como mulheres e acompanham, à Flórida, um conjunto musical no qual Monroe é a crooner. Não estava no programa, porém, que Curtis iria se apaixonar por ela.

Em 1955, cansado de ser simplesmente um objeto de desejo, Monroe pretende provar que também é uma boa atriz e se matricula, em Nova York, no célebre Actor's Studio, de Lee Strasberg, Stella Adler, Elia Kazan... Divorciando do jogador Joe DiMaggio, casou-se, em 1956, com o dramaturgo (muito mais velho do que ela) Arthur Miller (A morte do caixeiro viajante), um homem respeitado intelectualmente em quase todo o mundo. Monroe foi convidada por Laurence Olivier para estrelar O príncipe encantado (The Prince and the Showgirl, 1957), filmado na Inglaterra e dirigido pelo próprio Olivier. Acompanhada do marido, na chegada, Monroe estava ansiosa para mostrar ter também um papo inteligente. No restaurante, todos reunidos, Marilyn disse a Olivier: "Como adoro Beethoven!". Olivier, rápido, perguntou-lhe: "Precisamente quais movimentos, Miss Monroe?" Miller, envergonhado, quis escapar por debaixo da mesa.

Um assessor de Marilyn na época das filmagens de O príncipe encantado, cujo nome não me lembro agora, lançou, tantas décadas depois, um relato de suas experiências como profissional ao lado da atriz e revela que ela teve um caso não somente com ele, mas, também, com Laurence Olivier. A diva, segundo outros relatos que li, era quase uma ninfomaníaca. Miller se aborrecia. Mas, que fazer?

Marilyn trabalhou em mais de 30 filmes a partir da segunda metade dos anos 40 (a princípio fazendo pontas). Seus filmes mais memoráveis são Quanto mais quente melhor, O pecado mora ao lado (The seven year itch, 1955), de Billy Wilder, no qual tem aquela cena famosa do metrô quando o vento faz subir a sua saia rodada - que ficou para as antologias, Nunca fui santa (Bus stop, 1956), de Joshua Logan (o mesmo diretor do inesquecível Férias de amor/Picnic), Os homens preferem as louras (Gentlemen prefer blondes, 1953), de Howard Hawks, Torrentes de paixão (Niágara, 1953), de Henry Hathaway, Almas desesperadas (Don't Bother to Knock, 1952), de Roy Ward Baker, entre outros. Sua aparição derradeira: Something's Got to Give (1962), de George Cukor, que ficou inacabado com o seu falecimento. Antes deste, fez, em 1961, Os desajustados (The misfits), com Clark Gable, Montgomery Clift. Marilyn tinha fixação em homens mais velhos, com os quais via a figura do pai e se apaixonou pelo velho Gable, que pouco depois morreria de violento ataque cardíaco.

15 julho 2012

Sol sobre a lama

Milton Gaúcho e Garibaldo Mattos em Sol sobre a lama, de Alex Viany/Palma Neto

João Palma Neto, antigo feirante da Água de Meninos, sindicalista, marinheiro de longo curso, quando vê A grande feira (1961), de Roberto Pires, não gosta da maneira pela qual o filme aborda a questão da gigantesca feira e decide bancar um outro filme como resposta ou réplica. Com o dinheiro de sua poupança (naquela época não há a famigerada captação de recursos), alia-se a Walter Fernandes e Álvaro Queiroz para a produção de Sol sobre a lama. Com eles, funda a Guapira Filmes (Schindler se associa a Iglú, empresa que também faz um cine-jornal, A Bahia na Tela, para poder realizar os filmes da Escola Baiana de Cinema e há o surgimento, nesta época, de outras empresas - mas assunto para outro tópico). Corre o ano de 1962 e a idéia de Palma é que a fita seja colorida, e com recursos mais sofisticados. Escreve a história, baseada em suas experiências (diz-se que o personagem Valente, interpretado por Geraldo D'El Rey é ele próprio), e confia o roteiro ao carioca Alinor Azevedo (que tem a assinatura nos roteiros de alguns excelentes filmes como Assalto ao trem pagador, e Cidade ameaçada, ambos de Roberto Farias, Um ramo para Luísa, de J.B.Tanko, entre outros.) Alinor faz o screenplay de Sol sobre a lama com outro talentoso roteirista, Miguel Torres, que o cinema brasileiro perde, pois morre num desastre automobilístico. Ambicioso, pretensioso, João Palma Neto quer fazer o filme definitivo sobre a Feira de Água de Meninos (que, como numa premonição, é incendiada, um verdadeiro inferno na baixada, em 1964, e seus feirantes se mudam para a Feira de São Joaquim, acanhada, a princípio, embora hoje imensa.). Não vê, Palma Neto, nenhum diretor em Salvador capaz de desenvolver as imagens em movimento pré-visualizadas no roteiro de Alinor e Miguel. Também, neste ano, Roberto Pires está a lançar Tocaia no asfalto, e Glauber Rocha está já no Rio, a lançar o Cinema Novo e a preparar a produção de Deus e o diabo na terra do sol

Palma chama o conceituado crítico carioca, e também cineasta (Rua sem sol, Agulha no palheiro) mediano, Alex Viany, que é, nos anos 40, correspondente da revista O Cruzeiro em Hollywood. De volta ao Brasil, adere de corpo e alma ao cinema nacional, a fazer filmes e a escrever nas páginas dos jornais. Um crítico, inclusive, chega a taxá-lo de "inimigo número 1 do cinema made in Hollywood", apesar de, nesta meca, ter permanecido por muito tempo a gozar de suas delícias. A maior obra de Alex Viany é, sem dúvida, a sua extenuante pesquisa que se transforma, em 1959, no livro Introdução ao Cinema Brasileiro, editado pelo Instituto Nacional do Livro (várias vezes reeditada, uma delas pela Alhambra). Mas como cineasta, apesar de Rua sem sol e Agulha no palheiro estejam sob a influência do neorrealismo italiano, possuindo um certo pioneirismo na abordagem da problemática social brasileira, é fraco, não sustenta bem uma narrativa. O fiasco total, e canto de cisne desesperado, está, muitos anos depois, em A noiva da cidade, cujo roteiro original é de autoria de Humberto Mauro. O filme, no entanto, um anti-musical, é indefensável. 

Palma vê Rua sem sol e Agulha no palheiro e acha que Alex Viany é o realizador ideal para o desenvolvimento imagético de Sol sobre a lama. Quando chega a Salvador, Viany, homem genioso, está fascinado pelo cinema japonês, e tenta, no comando direcional, dar um tom nipônico do ponto de vista cinematográfico à baianidade que se requer de Sol sobre a lama. Realizado em 1963, mas somente lançado (em noite de festa) em novembro de 1964 no cine Guarany, o resultado final, contudo, não agrada Palma. A briga com Viany acaba na Justiça. Assim, há duas versões de Sol sobre a lama. A versão do diretor e a versão do produtor. 

O argumento gira em torno da tentativa feita por burgueses gananciosos para acabar com a Feira de Água de Meninos. A complicar a situação, e, com isso, apressar o fim da feira, uma draga fecha o seu ancoradouro, a impedir qualquer abastecimento. Os feirantes, desesperados, lutam pela abertura do ancoradouro para fazer voltar o abastecimento. Dois líderes se apresentam para solucionar o problema. Um açougueiro (Roberto Ferreira/Zé Coió, em grande interpretação) propõe a ação violenta (uma espécie de Chico Diabo de A grande feira) dos feirantes para que invadam, na raça, o ancoradouro, reabrindo-o. Outro líder, no entanto, Valente (Geraldo D'El Rey, Rony, o marinheiro sueco de A grande feira, e o Manoel de Deus e o diabo na terra do sol), que vende material de construção, é a favor de acertos conciliatórios com poderosos políticos e a uma campanha na imprensa local em favor da volta à normalidade. Uma ação, portanto, junto aos poderes constituídos para a resolução do conflito. 

Jean-Claude Bernardet, em seu clássico estudo sociológico sobre cinema brasileiro intitulado Brasil em tempo de cinema, ensaio que procura entender a sociedade através de alguns filmes nacionais representativos, dá importância na sua análise a Sol sobre a lama e escreve: "Em vez de malhado superficialmente, o filme deveria ter sido discutido mais abertamente, pois condensa toda uma tática errada, premissas sociológicas falsas e idealistas que caracterizam um longo período da vida da sociedade brasileira. Sol sobre a lama pode ser considerado como um dos mais significativos testemunhos de toda uma política que fracassou." 

A fotografia é de Ruy Santos (que dois anos depois viria filmar, em Buraquinho, praia perto de Itapoã, Onde a terra começa, baseado em conto de Máximo Gorki, com Irmã Alvarez). No cast, Othon Bastos, Geraldo D'El Rey, Roberto Ferreira, Dilma Cunha, Milton Gaúcho, Gessy Gesse, Maria Lígia, Alair Liguori, Carlos Lima, Garibaldo Matos, Doris Monteiro (a cantora que trabalha com Viany em Agulha no palheiro e, na certa, chamada por ele), Jurema Penna, Carlos Petrovich, Antonio Pitanga, Tereza Racquel, Glauce Rocha, Lídio Silva. Com música de Pixinguinha e Vinicius de Morais. O teatrólogo João Augusto funciona como diretor da segunda unidade.