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16 julho 2009

Feira de Santana presta tributo a Olney São Paulo

Recebo do jornalista e crítico de cinema Dimas Oliveira esta notícia bem alvissareira: Feira de Santana vai prestar um tributo a Olney São Paulo na passagem de seu aniversário. O cineasta, ainda que nascido em Riachão de Jacuípe, morou muito tempo em Feira, onde encontrou produção para o seu primeiro longa-metragem, O grito da terra, obra importante do Ciclo Baiano de Cinema, realizada em 1964 e que aqui em Salvador foi lançada no cine Excelsior, quando a vi pela primeira e única vez, a guardar na memória a sua belíssima fotografia em preto e branco, as imagens áridas do sertão e a partitura de Fernando Lona. O filme, ao que parece, desapareceu. Mas vou procurar melhor saber.
"Homenagem póstuma para manter viva na lembrança de Feira de Santana a obra do cineasta. Assim é que vai ser realizado Tributo a Olney São Paulo. Será na sexta-feira, 7 de agosto, às 20 horas, na Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL). A realização é da Prefeitura de Feira de Santana, através da Secretaria de Cultura, Esporte Lazer e da Fundação Cultural Municipal Egberto Tavares Costa, e da Fundação Senhor dos Passos, através do Núcleo de Preservação da Memória Feirense. A justificativa é marcar os 73 anos de idade que Olney completaria se estivesse vivo. Neste ano, foi completado o 31º ano de seu falecimento. "O propósito é que não se perca um ícone da memória da cidade e que sua obra seja discutida por especialistas", como diz o jornalista Dimas Oliveira, que está coordenando o evento. Para o coordenador, o objetivo é "manter viva na lembrança de Feira de Santana a obra de Olney São Paulo", também, "o fomento da cultura cinemato gráfica, através da pesquisa, do estudo, do intercâmbio, bem como da preservação da memória".No programa formatado, com a participação dos filhos Ilya São Paulo e Olney São Paulo Júnior, exposição de fotos, exibição de filmes do cineasta, painel com Regina Machado ("Trajetória Histórica do Cineasta"); José Umberto, Roque Araújo e Tuna Espinheira ("Importância de Olney São Paulo"); e André Setaro ("Olney em Visão Crítica").

15 julho 2009

A evolução da linguagem cinematográfica


Da câmara fixa, parada, dos tempos dos Irmãos Lumiére e de George Méliés, passando pela sistematização da linguagem cinematográfica com David Wark Griffith (O nascimento de uma nação, 1914, Intolerância, 1916), o cinema, que completou o seu centenário em 1995, sofreu, na sua trajetória, várias transformações em seu estatuto da narração. Do reinado da arte muda, quando se pensou o cinema ter alcançado a sua essência como linguagem, passando pela introdução do som - que, inegavelmente, modificou a arte do filme, a linguagem cinematográfica recebeu, na sua trajetória, influências da tecnologia, incorporando seus avanços. As inovações tecnológicas favoreceram a ruptura dos esquemas tradicionais (produtivos e expressivos) e a difusão de usos do cinema que, anteriormente, tinham sidos feitos só em caráter excepcional (as vanguardas históricas e certos momentos heróicos do neorrealismo).Incorporando os avanços tecnológicos, o cinema conseguiu sair da supremacia da montagem para a profundidade de campo - a invenção das objetivas com foco curto permitiram a um Welles a ousadia de uma renovação estética em Cidadão Kane, ponto de partida da linguagem do cinema moderno. A profundidade de campo permitiu a utilização de filmagens contínuas sem a excessiva fragmentação da montagem anterior. Com a profundidade de campo,anuncia-se, uma década depois, a eclosão do modelo de Michelangelo Antonioni que, com sua trilogia A aventura - A noite - O eclipse deu ao cinema uma nova maneira de pensar e um estilo de representar.

O fracionamento deu lugar a demoradas incursões da câmera dentro da tomada, permitindo, com isso, maior poder de captar a alma humana nos seus devaneios e nas suas angústias como, também, com Roberto Rossellini, assaltar com a câmera o momento histórico, o instante real. A instalação da película pancromática (aquela dotada de maior sensibilidade) e a difusão de câmeras mais fáceis de manobrar mudaram a face do cinema e foram fatores que contribuíram para o advento do chamado cinema moderno. A câmera na mão, que veio a facilitar a apreensão da realidade, surgindo o cinema-verité, é uma conseqüência da tecnologia. A película pancromática, por mais sensível, fez com que os realizadores saíssem dos estúdios fechados e se intrometessem, com suas câmeras, nos exteriores mais recônditos, descobrindo, com isso, um cinema mais verdadeiro porque menos artificial. A tecnologia determinou uma evolução da linguagem cinematográfica?

Evidentemente que a tecnologia determina uma transformação da linguagem cinematográfica, ainda que não venha a provocar a revolução estética que se verificou quando da passagem do cinema mudo para o sonoro. A tecnologia encontra-se , por exemplo, hoje, tão evoluida, que provoca no espectador uma impressão de realidade antes impossível de ser verificada (os dinossauros de verdade dos filmes de Spielberg: O parque dos dinossauros e O mundo perdido). Tem-se a estética cinematográfica quando a técnica se conjuga com a linguagem , instaurando-se, aí, o ato criador.
Se o cinema nasceu em 28 de dezembro de 1895, com a projeção pública do cinematógrafo efetuada pelos Irmãos Lumiére, a linguagem cinematográfica somente veio a se consolidar, no entanto, vinte anos depois, em 1914/15 com O Nascimento de uma nação (The birth of a nation), de David Wark Griffith. Entre o seu nascimento e a consolidação de sua linguagem, o cinema passou por uma série de de gradações evolutivas, com o descobrimento, aos poucos,dos elementos determinantes de sua especificidade como linguagem sem língua. Um cinegrafista de Lumiére, Promio, andando numa gôndola em Viena, e observando o casario, inventou o travelling. Griffith em alguns curtas da Biograph ofereceu a expressão definitiva ao close-up. Edwin S. Porter, com sua narrativa ainda balbuciante, tenta a montagem e o enquanto isso que viria a desencadear um elo importante para a construção da linguagem cinematográfica.
O fato é que a linguagem fílmica nasce a partir do momento em que se constatou que a câmera podia sair do lugar, que podia se movimentar, mover-se, dando origem, com isso, à mudança do ângulo visual. Outra conquista importante veio com a constatação pelos ingleses da escola de Brighton de que, para contar uma história, é preciso inserir um primeiro plano, um close-up, dentro de um plano geral, nascendo, com isso, a montagem. O grande sistematizador, porém, é David Wark Griffith, o pai da linguagem cinematográfica sem a qual, aliás, o cinema não existiria como é hoje praticado.

O próprio Serguei Eisenstein deve muito a Griffith. Este, no frigir dos ovos, é muito mais importante do que o soviético, pois o grande criador, o inventor genial, o sistematizador preciso. Esta descontinuidade real do cinema e que se transforma numa impressão de continuidade, de fluxo contínuo, é resultado de uma abstração inconsciente da linguagem cinematográfica pelo espectador. Este, acostumado aos filmes, absorve os seus truques de linguagem, contando que esta não fuja da padronização à qual está acostumado. O que significa dizer: se, antes, para fazer que o público compreendesse que um personagem estava se lembrando do passado era preciso a utilização de fumacinhas e de diversos artifícios - nunca o corte direto presente/passado como num flash-back moderno, o cinema da contemporaneidade abdica de qualquer artifício no sentido explicativo. Os lances de memória que tornaram incompreensível O ano passado em Marienbad (1961), de Alain Resnais, hoje estão sendo utilizados na publicidade televisiva. O puzzle proposto por Welles em Cidadão Kane é perfeitamente identificável em fitas desta suposta pós-modernidade.
Conta-se, entretanto, o caso de uma moça da Sibéria que, em visita a Moscou, julgou horrível o primeiro filme (uma comédia) que tinha visto em sua vida, porque "seres humanos eram despedaçados, as cabeças jogadas para um lado, os corpos para outro". Equando Griffith mostrou os primeiros close-ups em um cinema, e uma imensa cabeça decapitada sorriu para o público, houve pânico na platéia. Aliás, quando da primeira projeção do cinematógrafo dos Lumiére, em 1895, um trem que se dirigia à câmera determinou que algumas pessoas, ainda que a pequenez da tela, o preto-e-branco nem tão real assim, se escondessem assustadíssimas, debaixo das cadeiras - com medo de o trem sair da tela e esmagá-las. Em dois filmes de 1948, Laurence Olivier (Hamlet) e Alfred Hitchcock (Festim diabólico/Rope) eliminam o corte, substituindo a descontinuidade das imagens por uma circulação incessante da câmera, que soluciona a velha contradição entre cinema e teatro. Em Crises d'alma(Cronaca de un amore), Michelangelo Antonioni também renova a estrutura fílmica pela valorização da construção formal pelo movimento no interior de longas sequências e não mais pelo movimento de plano a plano.

Glauber Rocha também valoriza a construção formal pelo movimento no interior de longas sequências, ainda que Terra em transe seja filme de montagem sincopada, de planos curtos, com influência clara do cinema investigativo de Welles. A maioria dos filmes de Glauber Rocha, no entanto, revela um predomínio do plano-sequência - ao invés de ser dividida em cenas e diversos planos é feita numa única tomada. Isso levou Marcel Martin, ensaísta francês, a pensar numa transformação do cinema contemporâneo, transformação que começou com a desdramatização praticada por Michelangelo Antonioni, nos anos 50, e o aparecimento da câmera móvel que possibilitou o cinema-verité.
Segundo o grande Marcel Martin em seu fundamental A linguagem cinematográfica (Brasiliense, 1990): "O cineasta tende cada vez menos a decupar seu filme demaneira a destacar uma série unilinear e inequívoca de acontecimentos; já não sublinha por meio de montagem ou de movimentos de câmera aquilo sobre o que ele deseja fixar a atenção do espectador; a câmera não desempenha mais o seu papel habitual de nos dar o ponto de vista de uma testemunha virtual e privilegiada sobre todos os acontecimentos, facilitando, assim, o trabalho perceptivo e estimulando a preguiça intelectual do espectador (...) O abandono da linguagem concebida como conjunto de procedimentos de escrita ligados à técnica, tal como era praticada por Eisenstein ou Welles, é, portanto, acompanhada de uma rejeição do espetáculo, noção ligada à da direção (...) Passamos a um outro plano: o cinema de roteiristas cede espaço ao cinema de cineastas. O cinema não mais consiste essencialmente em contar uma história por meio de imagens, como outros o fazem por meio de palavras ou notas musicais: consiste na necessidade insubstituível da imagem, na preponderância absoluta da especificidade visual do filme sobre seu caráter de veículo intelectual ou literário.

Nos filmes decididamente "modernos", o espectador não mais tem a impressão de estar assistindo a um espetáculo inteiramente preparado, mas de estar sendo acolhido na intimidade do cineasta, de estar participando com ele da criação: diante desses rostos quese oferecem, desses personagens disponíveis, desses acontecimentos em plena constituição, desses pontos de interrogação dramáticos, o espectador conhece a angústia criadora."
Tempo e diegese
O paradoxo do tempo, segundo a Filosofia, reside na existência de dois passados: o passado que desapareceu e o passado que permanece como parte integrante do presente, gravado na memória e essencialmente criador. O passado que se encontra em cada um - qual uma madeleine a esperar a busca do tempo perdido. Tal paradoxo ganhou, no cinema, aspectos mais radicais. Nele, a noção de tempo é extremamente ambígua, porque não existe um único tempo, mas vários tempos mantendo entre si relações estreitas, e que só podem ser separados por uma operação do espírito.Distinguem-se, no filme: o tempo real (ou o tempo físico: duração cronométrica da projeção); o tempo psicológico (duração subjetiva da fábula narrada: um dia, meses, anos); e o tempo dramático (ou narrativo: tempo verbal em que transcorre a história/fábula: presente, passado ou futuro).Objetivamente, a rigor, o filme é um tributário do passado, mas de um passado que se refaz cada vez que o filme é projetado na tela. Mesmo que sua ação decorra no presente só existiu, esta ação, de fato, durante a filmagem, daí a aparente falsidade do presente cinematográfico, um presente virtual que, na realidade, é um passado.

Em 2001, Uma odisséia no espaço (2001: A space odyssey, 1968), de Stanley Kubrick, há, por meio de um corte direto, a passagem de milhares de anos, quando um grande macaco, levantando-se, joga, com força, um enorme osso para o ar e este osso, no corte, transforma-se numa nave espacial. Se a projeção de A família (La famiglia, 1987), de Ettore Scola, dura pouco mais de 130 minutos, seu tempo real, físico, o seu tempo dramático, narrativo, no entanto, compreende mais de 80 anos na vidade um velho senhor que, na Itália, constituiu grande família.Para estudar melhor o assunto, a filmologia - nova ciência que estuda a influência do filme sobre o espectador e estabelece as bases psicológicas que o aproximam ou afastam da ação desenrolada na tela - criou o termo diegese. A diegese refere-se a tudo que pertence, no processo intelectivo, à história contada no filme, ao mundo fabulístico sugerido ou pretendido pela ficçãocinematográfica. A diegese, portanto, abarca o mundo ficcional apresentado pelo filme e tudo o que esse mundo implica, se fosse tomado como verdadeiro.

14 julho 2009

Palácio de ruínas

1) Já o disse aqui: ir ao Rio de Janeiro e não ir ao cinema Palácio se constituia numa epifania. Adentrar a sala, após a compra do ingresso, uma experiência emocionante a considerar a distância entre a bilheteria e a sala de exibição. Uma distância forrada de tapete vermelho, macio, que trazia uma sensação de quase se estar a levitar, enquanto, na promenade para chegar à sala propriamente dita, ia-se a olhar os cartazes laterais anunciadores dos filmes que iam entrar em cartaz breve, a seguir. Atualmente, com a velocidade do mundo, das informações, da internet, não se espera mais os filmes como antes, pois eles entram de repente, quando menos se espera. A bela lembrança do Palácio, porém, se desvanece quando se constata a sua ruína atual (como se pode perceber pelas fotos de Jonga Olivieri, que, uma vez por mês, acordou com este bloguista de levar sua máquina para tirar fotos dos antigos e saudosos cinemas do Rio de Janeiro). Como se pôde deixar um cinema decair a este ponto?
2) Acabei de ver, no Canal Brasil (Net/Sky, 66), O rapto de Juca, um episódio da série O vigilante rodoviário, que o canal restaurou e se encontra a mostrar um por semana. Realizado em 1961, a série, que vi na adolescência, vista hoje parece ingênua, mas justamente nesta ingenuidade é que está o seu encanto. Juca Chaves, líder de audiência na televisão, é raptado para não chegar a tempo num programa no qual vai ser lançado um produto comercial, que desbancaria um outro. Os concorrentes, desesperados, resolvem promover o rapto de Juca. Mas suas fãs suspeitam e avisam Carlos Miranda, o vigilante, que chega a tempo, prende os raptores e consegue fazer com que Juca Chaves chegue na hora, para a alegria dos produtores do programa. Há, entre as fãs, uma gordinha que é fanática pela revista X-9. Interessante a indumentária da época, os carros, a calma de uma São Paulo que ainda não era a selva de pedra atual. Geralmente, os filmes da série adotam a corrida contra o tempo griffithiana. Há um certo artesanato na direção de Ary Fernandes e os filmes são simpáticos e, em alguns, oportunidade de ver atores hoje consagrados em pequenos papéis. Claro, era preciso que Carlos Miranda fosse mesmo um canastrão. A produção é de Alfredo Palácios e Cláudio Petraglia.
3) Leio o livro escrito por Luiz Carlos Merten sobre a vida de Anselmo Duarte para a edição Aplauso. Narrado em primeira pessoa, Anselmo Duarte: o homem da Palma de Ouro, é o resultado de meses e meses de entrevistas com o diretor. O mesmo método praticado pelo jornalista Hermes Leal para contar a trajetória de Orlando Senna em O homem da montanha (também da Aplauso). Anselmo é muito ressentido (e com razão) com o pessoal do Cinema Novo, que não podia admitir que um galã fosse diretor e, ainda por cima, conquistasse a Palma de Ouro (e, a rigor, a única Palma de Ouro para filme brasileiro é a de O pagador de promessas; Glauber recebeu a Palma pela direção de O dragão da maldade contra o santo guerreiro e não pelo filme em si). Conta o diretor, via a escrita de Merten, que um produtor português entrou com uma grana na produção de O pagador de promessas e, por isso, o personagem Bonitão, vivido por Geraldo Del Rey, na versão que foi exibida em Portual, ele é feito por um ator português (muito ruim, segundo Anselmo). Relata também que Norma Bengell ficava aborrecida pela atenção dada ao estrelismo de Glória Menezes. Para esfriar a situação, Anselmo Duarte, que tinha fama de garanhão, levou La Bengell para a cama e ela, então, se acalmou. Para a sequência da chuvarada, quem arranjou água foi Glauber Rocha, que funcionou como intermediário entre o Corpo de Bombeiros e a produção do filme. Os livros da coleção Aplauso, da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, são bons, mas difíceis de serem encontrados nas livrarias.
4) Anselmo conta que Luiz Severiano Ribeiro, o grande exibidor brasileiro para quem "o cinema era a maior diversão", contrariado com a obrigatoriedade de exibição do filme brasileiro (decreto de Getúlio Vargas), ainda que poucos dias por ano, resolveu fazer os seus e fundou a Atlântida. Aconteceu algo semelhante com a chamada Lei do Curta, que não tem validade há muitos anos. Os exibidores resolveram fazer seus próprios filmes, que eram, evidentemente, muitos ruins. Para incentivar o curta-metragem, com o advento da Lei do Curta, houve uma campanha intitulada: "Curta não é castigo".

"Era uma vez no Oeste"

Henry Fonda, o homem dos olhos frios, em Era uma vez no Oeste, de Sergio Leone. Leiam meu comentário no Terra Magazine:
http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI3872160-EI11347,00-Era+uma+vez+no+oeste.html

12 julho 2009

A montagem como fundamento da expressão cinematográfica

A Montagem Intelectual ou Ideológica: operação com um objetivo mais ou menos descritivo que consiste em aproximar planos a fim de comunicar um ponto de vista, um sentimento ou um conteúdo ideológico ao espectador. Eisenstein escreveu na justificativa de sua montagem de atrações: "uma vez reunidos, dois fragmentos de filme de qualquer tipo combinam-se inevitavelmente em um novo conceito, em uma nova qualidade, que nasce, justamente, de sua justaposição (...) A montagem é a arte de exprimir ou dar significado através da relação de dois planos justapostos, de tal forma que esta justaposição dê origem à idéia ou exprima algo que não exista em nenhum dos dois planos separadamente. O conjunto é superior à soma das partes".
Amparado nestes ditos de Eisenstein, há de se ver que, no cinema, como em quase todos os ramos das ciências, quando se reúne elementos (no sentido amplo) para obter um resultado, este é freqüentemente diferente daquele que se esperava: é o fenômeno dito de emergência. Aprende-se, por exemplo, em biologia, que pai e mãe misturam seu patrimônio hereditário para criar uma terceira personagem não pela soma desses dois patrimônios, mas, ao contrário, pela combinação deles em um novo patrimônio inédito. Em química, sabe-se ser possível misturar dois elementos em quaisquer proporções, mas não é possível combiná-los verdadeiramente em um corpo novo se não tem proporções perfeitamente definidas (Lavoisier). Da mesma forma, na montagem de um filme, os planos só podem ser reunidos numa relação harmoniosa.
A montagem ideológica consiste em dar da realidade uma visão reconstruída intelectualmente. É preciso não somente olhar, mas examinar, não somente ver, mas conceber, não somente tomar conhecimento, mas compreender. A montagem é, então, um novo método, descoberto e cultivado pela sétima arte, para precisar e evidenciar todas as ligações, exteriores ou interiores, que existem na realidade dos acontecimentos diversos.
A montagem pode, assim, criar ou evidenciar relações puramente intelectuais, conceituais, de valor simbólico: relações de tempo, de lugar, de causa, e de conseqüência. Pode fazer um paralelo entre operários fuzilados e animais degolados, como, por exemplo, em A Greve (1924), de Eisenstein. As ligações , sutis, podem não atingir o espectador. Eis, aqui, um exemplo da aproximação simbólica por paralelismo entre uma manifestação operária em São Petersburgo e uma delegação de trabalhadores que vai pedir ao seu patrão a assinatura de uma pauta de reivindicações (exemplo extraído do filme Montanhas de ouro, do soviético Serge Youtkévitch).
- os operários diante do patrão
- os manifestantes diante do oficial de polícia
- o patrão com a caneta na mão
- o oficial ergue a mão para dar ordem de atirar
- uma gota de tinta cai na folha de reivindicações
- o oficial abaixa a mão; salva de tiros; um manifestante tomba.
A experiência de Kulechov demonstra o papel criador da montagem: um primeiro plano de Ivan Mosjukine, voluntariamente inexpressivo, era relacionado a um prato de sopa fumegante, um revólver, um caixão de criança e uma cena erótica. Quando se projetava a seqüência diante de espectadores desprevenidos, o rosto de Mosjukine passava a exprimir a fome, o medo, a tristeza ou o desejo. Outras montagens célebres podem ser assimiladas ao efeito Kulechov: a montagem dos três leões de pedra - o primeiro adormecido, o segundo acordado, o terceiro erguido - que, justapostos, formam apenas um, rugindo e revoltado (em O Encouraçado Potemkin, 1925, de Eisenstein); ou ainda a da estátua do czar Alexandre III que, demolida, reconstitui-se, simbolizando assim a reviravolta da situação política (em Outubro).
O que Kulechov entendia por montagem se assemelha à concepção do pioneiro David Wark Griffith, argumentando que a base da arte do filme está na edição (ou montagem) e que um filme se constrói a partir de tiras individuais de celulóide. Pudovkin, outro teórico da escola soviética dos anos 20, pesquisou sobre o significado da combinação de duas tomadas diferentes dentro de um mesmo contexto narrativo. Por exemplo, em Tol'able David (1921), de Henry King, um vagabundo entra numa casa, vê um gato e, incontinente, atira nele uma pedra. Pudovkin lê esta cena da seguinte forma: vagabundo + gato = sádico. Para Eisenstein, Pudovkin não está lendo - ou compreendendo o significado - de maneira correta, porque, segundo o autor de A Greve a equação não é A + B, mas A x B, ou, melhor, não se trata de A + B = C, porém, a rigor, A x B = Y. Eisenstein considerava que as tomadas devem sempre conflitar, nunca, todavia, unir-se, justapor-se. Assim, para o criador da montagem de atrações, o realizador cinematográfico não deve combinar tomadas ou alterná-las, mas fazer com que as tomadas se choquem: A x B = Y, que é igual a raposa + homem de negócios = astúcia. Em Tol'able David, quando Henry King corta do vagabundo ao gato, tanto o primeiro como o segundo figuram proeminentemente na mesma cena. Em A Greve (Strike), quando Eisenstein justapõe o rosto de um homem e a imagem de uma raposa (que não é parte integrante da cena da mesma forma que o gato o é em Tol'able David, porque, para King, o gato é um personagem),esta é uma metáfora.
Em Estamos construindo (Zuyderzee, 1930), de Jori Ivens, várias tomadas mostram a destruição de cereais (trigo incendiado ou jogado no mar) durante o débacle de 1929 da Bolsa de Valores de Nova York, a depressão que marcou o século XX. Enquanto apresenta os planos de destruição de cereais, o realizador alterna -os com o plano singelo de uma criança faminta. Neste caso, o cineasta, fotografando uma realidade, recorta uma determinada significação. Os planos fotografados por Jori Ivens podem ser retirados da realidade circundante, mas é a montagem quem lhes dá um sentido, uma significação. Os cineastas soviéticos, como Serguei Eisenstein e Pudovkin, procuravam maximizar o efeito do choque que a imagem é capaz de produzir a serviço de uma causa.
Considerada a expressão máxima da arte do filme, a montagem, entretanto, vem a ser questionada na sua supremacia como elemento determinante da linguagem cinematográfica com a introdução - em fins dos anos 30 - das objetivas com foco curto que permitiu melhorar as filmagens contínuas - a câmera circulando dentro do plano - com uma potenciação de todos os elementos da cena e com um tal rendimento da profundidade de campo (vide Cidadão Kane (1941), de Orson Welles, Os melhores anos de nossas vidas, 46, de William Wyler) que possibilitou tomadas contínuas a dispensar os excessivos fracionamentos da decupagem clássica. A tecnologia influi bastante na evolução da linguagem fílmica, dando, com o seu avanço, novas configurações que modificam o estatuto da narração - o próprio primeiro plano - o close up - tão exaltado por Bela Balazs como "um mergulho na alma humana" - com o advento das lentes mais aperfeiçoadas já se encontra, esteticamente, com sua expressão mais abrangente e menos restrita.