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05 junho 2013
Narrativa e fábula
02 junho 2013
O Cinema Baiano em Xeque
O que seria esse
Cinema Baiano que por muitas vezes é tão aclamado em coros por essas bandas de
cá? Faço-me essa pergunta diariamente. E quanto mais eu reflito sobre a questão
(e permaneço às margens da cena ), mais convicto fico em querer continuar
afastado dessa taxionomia equivocada e
de todas as ilusões e inconveniências que ela traz em si. Daí , seguem-se algumas
outras questões posteriores à primeira. Por exemplo: Cinema Baiano é um gênero
cinematográfico ou uma título oportunista para se fazer frente aos sulistas em
discussões setoriais sobre a partilha de verbas do audiovisual, provenientes do
Governo Federal? A primeira questão creio que seja simples: Cinema Baiano não é
um gênero. Não pode ser. Onde já se viu o nome de um Estado -— o território definido de uma Federação
qualquer — servir para qualificar e representar as qualidades estéticas e
intelectuais de um gênero cinematográfico? Será que há algo como: Cinema
Texaniano, ou Xangaiano, ou Cinema do Principado de Kiev? Creio que não. Na
música, aqui, o caso se repete. Música baiana não é um gênero. O Axé, sim. Este
é um gênero que compreende um tipo específico de bandas, as quais executam
arranjos particulares, entoam melodias equivalentes, pregam uma visão de mundo
mais ou menos igual e geralmente tocam em carnavais, micaretas ou em grandes
shows. Assim como o Axé, também são gêneros musicais: o Arrocha, o Pagode, o
Pagodão (há uma infinita distinção entre esses dois últimos), o Forro, o Pé de
Serra, o Bloco Afro, o Samba-de-Roda, a World Music, entre outros.
Ou seja, a constatação dessa afirmação de que somos carentes de um
autêntico gênero cinematográfico me leva a crer que o “Cinema Baiano” é um
termo usado estritamente para fins políticos e que não traz em sua essência
nenhuma preocupação com a forma, conteúdo e muito menos com o discurso da
linguagem. E essa é a grande armadilha semântica dessa história toda. Alguém
dirá: “Cinema Baiano são todas as obras realizadas no estado, cuja maioria da
equipe técnica é baiana e as produtoras responsáveis pelos filmes são sediadas
na Bahia, portanto somos um só e vamos lutar pela classe, independente se há ou
não um gênero específico”. Bom, isso me soa como pensamento de torcida de time de
futebol. Cada vez que algum “cineasta baiano” ganha qualquer prêmio em qualquer
festival fora do Estado, logo brotam à luz os chefes das torcidas: “Viva O
Cinema Baiano! Longa vida ao Cinema Baiano! Nosso cinema vai de vento em popa!”
E isso não é um fato. Com essas políticas de fomento a filmes via leis de
incentivos e editais públicos criou-se, infelizmente, uma classe de cineastas
parasitas, lobistas e políticos. (O termo “político” ao qual me refiro aqui
corresponde ao seu significado mais rasante: o político de gabinete; ou aqueles
que dão tapinhas nas costas de diretores de emissoras públicas; ou os que se
aliam às figuras do alto clero para lhes sugarem um trocado ou pedir-lhes
qualquer sorte de benefícios.) Como me recuso em ser esse personagem oportunista
então sinto-me confortável em dar continuidade à prosa.
Sendo assim, não está havendo
espaços, nem iniciativas, nem reflexões interessantes para se pensar o cinema
além do Minc, ou da Secretária de Cultura, ou dos próximos editais. Mais uma
vez, alguém daí falará com o peito inflado e o indicador em riste: “Porém, o
que hoje conseguimos é um heróico avanço. Passamos décadas vivendo sob as
trevas e que ACM foi o culpado por dizimar a cultura do estado e então veio
Wagner, e veio Gil e alavancaram uma revolução na cultura, através das
políticas publicas...”. Esse discurso é furado. Um: A presença de um tirano ou
de um governo autoritário não é a razão maior para justificar o grande período
de seca da cultura do estado. Basta lembrar-se de que uma das épocas mais
férteis da cultura brasileira deu-se durante o regime militar. Dois: se
pensarmos mais cinicamente (e é essa dose de sarcasmo que sinto falta nas
discussões por aqui) os editais exercem a mesma função da “bolsa família”, em
sua versão, “bolsa cineasta”: o governo dá o dinheiro, contudo não oferece
instruções em como os realizadores possam seguir o caminho com as próprias
pernas. Não seria bacana se metade das verbas destinadas à produções de filmes
fosse encaminhada para cursos de capacitação técnica? Que legal seria se
tivéssemos durante todo o ano oficinas, cursos, workshops gratuitos com
renomeados roteiristas, brilhantes fotógrafos, exímios maquinistas, competentes
produtores... Não. Isso não acontece por aqui. Insistentemente, haverá os ufanistas
que dirão que sim; mas não lhes levem a sério; vá por mim. Quem realmente está
exercendo o cinema constantemente nessa cidade? (os que fazem apenas
publicidade e propaganda política estão fora desse questão, afinal esses não
fazem cinema, mas sim, dinheiro) Quase ninguém. De caju em caju alguém ganha
uma verba aqui e faz um curta acolá; às vezes, muito raramente, alguém faz uma
assistência em um longa; de vez em quando, junta uma turminha e faz um filme na
brodagem, no esquema coletivo, e só. Se for inevitável aliar-se ao governo para
estimular a sobrevivência da prática então que se comesse a pensar em forma
reversa. Dentro dessa idéia em dividir a grana dos incentivos, que hoje
praticamente é destinada exclusivamente à produção de filmes, bem que se
poderia investir em um grande estúdio público, com diversos galpões, para que
os realizadores possam de fato exercitar o cinema. Qualquer cineasta ou
produtor cadastrado poderia usar as instalações desses estúdios para realizarem
suas obras e até mesmo para estudarem e exercerem as técnicas do cinema. Em
troca os realizadores prestariam serviços ao governo; voltaríamos às épocas dos
escambos: um diretor de fotografia que usasse os estúdios durante oito horas
teria que prestar três horas de trabalho para alguma peça do governo ou alguma
cobertura de evento, por exemplo. Isso faria com que se intensificasse a
prática do audiovisual em um grau muito mais elevado do que acontece hoje.
Precisamos urgente sim ir aos estúdios. É um momento de total controle sobre os
objetos, e a atenção se concentra sobretudo nas resoluções práticas e
dramáticas das cenas. Sem essa experiência de estúdio, seremos eternos
filmadores de externas — dependentes da luz natural, reféns do barulho alheio e
perseguidores de um tempo que anda cada dia mais escasso.
Sem essa experiência transformadora
dos estudos, e com o governo ditando as regras, e com a inexistência de um movimento estético e
intelectual da pesada, está se fazendo
obras fracas que não estão a atrair nem mesmo os conterrâneos. O mesmo cidadão
chato do dedo em riste exclamaria novamente: “O problema são os enlatados
americano que ocupam todas as salas de cinema e as pessoas hoje não querem mais
ver um cinema pensante! ” Mais uma reflexão
obsoleta. Não é esse o néctar da discórdia. Depois desse lamento, a prosa sente
a necessidade em retornar ao modo cínico para tentar enxergar outras variações
sobre esse mesmo tema. Ora! Tanto na maioria dos longas e nos curtas que são
realizados no estado, os atores e personagens são mal construídos e dirigidos
(em decorrência dessa falta de prática a qual comentei ou será mesmo a falta de
um talento?) — parecem que vivem em outra estratosfera e, sobretudo, não sabem
contracenar: um ator fala, o outro espera e depois fala o seu texto; marcado ao
extremo. Aonde é que diálogos assim são proferidos? Como esses personagens
conseguirão convencer o público de que são reais e merecedores de atenção?
Aqui, há uma tendência estilística em amplificar as interpretações dos atores e
criar personagens míticos, oníricos e catastróficos. Por que será que “O som ao
redor” está circulando pelos cinco continentes? Por que os personagens são
críveis. E essa é uma das virtudes do cineasta em questão — retratar a classe
média, dentro da qual ele tem total domínio sobre a forma; e mostrar situações
dramáticas que são comuns em todo o planeta.
Aqui, parece que: ou não se sabe ou tem-se medo ou vergonha em retratar
esse universo dentro dos filmes. Talvez os cineastas locais se ponham em um
degrau tão elevado que não lhes permite aceitar a condição de serem
classe-média. Não que todos os filmes têm de representar personagem da nossa
vida cotidiana, todavia, mesmo quando não o representam, eles têm a obrigação
em ganhar a confiança do público no quesito verossimilhança. E isso não está
acontecendo. Sempre é aquela coisa trabalhada nos clichês da interpretação
teatral, no aprisionamento do ator ao texto e nas impostações absurdas de
vozes. Por outro lado, os cineastas persistem na escolha de temas que estão em
voga em editais e na construção de roteiros soníferos, prolixos e tecnicamente
defeituosos. O resultado final são filmes mal feitos. A equação é simples: se
queremos mais espectadores nos nossos filmes então que se façam obras que
dialoguem com eles; e isso não significa fazer filmes simplórios ou caricatos,
ou para a cultura de massa. Basta apenas contar uma boa história com
personagens interessantes. Sem esses índices de pagantes em salas de cinema,
jamais teremos a chance de deixarmos de ser dependentes do governo e de tentar
na praça barganhar outros modelos de investimentos. Sem adquirir a confiança
desses outros possíveis fomentadores, volta-se ao impasse de apenas continuar
sendo o governo a única fonte de liberação de recursos. Por que, afinal, para
ele tanto faz se os filmes dêem ou não público, ou sejam bem feitos ou
artesanalmente mal elaborados. O governo exige apenas que seu carimbo esteja
estampado nas peças de propagandas e que as prestações de contas sejam
coerentes e não contenha, por exemplo, na rubrica de “transporte” uma nota
fiscal de duas garrafas de Red Label. A necessidade em se fazer bons roteiros e
o refinamento na direção de atores são imprescindíveis para se começar a
imaginar um sistema de financiamento e produção que se distinga daquele que
impera hoje no Cinema Baiano — o
assistencialismo estatal.
Compete aos cineastas daqui romperem
com esse padrão, buscarem a ampliação das suas referências e deixarem de
acreditar que a revolução virá dos seus “subversivos” filmes, ou de uma reunião com o Governador, ou das
mesas de bares do Rio Vermelho ou das telas luminosas dos seus smartphones. É preciso se
distanciar da boçalidade e do cinema “em primeira pessoa”, perseguir outros
colóquios que não se refiram apenas aos conhecidos vocábulos e começar a pensar
em cinema em seus contornos mais elementares.
Ano que vem chega uma safra de novos
filmes nossos no mercado. Torço a favor de todos, como sempre o fiz — torcer contra é burrice e é um sintoma
indelicado de um povo provinciano com síndromes da inveja. No entanto, mesmo a
tentar acreditar no que verei, costumo entrar na sala de cinema com o coração
aberto mas, invariavelmente saio com ele partido e cada vez mais desacreditado
na capacidade artística das pessoas; e crente de que está tudo ao avesso nesse
paradigma da cena do Cinema na Bahia. Espero que essa sensação mude com as
obras que virão. Se não será tarde demais. E a única saída para essa disfunção
sistemática será mesmo rumar ao aeroporto da cidade: está bem díficil competir
com as rêmoras; elas estão cada dia mais famintas...
E são por algumas dessas razões
citadas nessa texto que não acredito no otimismo, nem nos ideais práticos (e
políticos) desse movimento corporativista proclamado de “Cinema Baiano”.
Me desculpem, mas a impressão que tenho é de que muita gente nessa cidade está iludida, procurando soluções inadequadas em equações inexistentes.
Davi Caires é natural de Salvador, Bahia. Formou-se em música erudita; porém, em
2006, a partir de um evento ocorrido no Aeroporto Internacional de Madrid, em
que ficou confinado no alojamento da imigração por três dias, descobriu que o
cinema é a sua verdadeira expressão artística. Atualmente, está em fase de
captação de recursos para produzir "Perversa", seu primeiro longametragem.
Blog de Davi Caires: http://emboscadafilmes.wix.com/davicaires
Fotos de autoria de Natália Reis (Octopus Estúdio)
Blog de Davi Caires: http://emboscadafilmes.wix.com/davicaires
Fotos de autoria de Natália Reis (Octopus Estúdio)
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