Tuna Espinheira, cineasta baiano, que realizou recentemente Cascalho, longa baseado no livro homônimo de Herberto Salles, enviou-me um texto sobre o seu premiado documentário sobre Dr. Sobral Pinto, avisando-me que o filme passa dia 4 de julho, na Sala Walter da Silveira, às 20 horas, dentro do projeto vitorioso das Quartas Baianas. O documentário de Tuna é uma raridade e um depoimento precioso acerca do inesquecível advogado. Abaixo o seu texto:
"Lembro-me ainda na verde infância, de ouvir citado o nome de Sobral Pinto, vezes sem conta, quando meu pai relatava suas façanhas desassombradas, principalmente nas defesas antológicas e exemplares de Luis Carlos Prestes e Harry Berger.
Na metade dos anos setenta, morando no Rio, surgiu-me, com a maior naturalidade, a idéia de documentar, em imagem em movimento, o mito pretérito. Com a parceria e cumplicidade de Nelson Pereira dos Santos, foi armada uma produção. Ato contínuo, convocamos o ensaísta-crítico, Alceu Amoroso Lima, os advogados, Heleno Fragoso, Raimundo Faoro e o historiador Hélio Silva, para, através dos seus depoimentos, adquirir a ajuda necessária para traçar o perfil do nosso personagem.
O filme ia de vento em popa, a meio caminho, de repente,empacou. Faltava o motivo motor. O personagem central, o verdadeiro leit-motiv, astuciava pretextos para fugir à câmera. Momentos de suspense e desespero. Mais tarde ficaríamos sabendo que falou mais alto a sedimentada formação de homem sóbrio, simples, do Dr. Sobral. Para ele, parecia uma espécie de exagero, um exercício das vaidades, ser retratado no cinema. Passado o susto, de volta à terra firme, até o final dos trabalhos, a convivência foi rica, prazerosa, enriquecedora. Revelara-se um colaborador surpreendente, afável, solicito.
Dr. Sobral era um conservador ferrenho, vestia-se de preto, calça, paletó, chapéu idem, com sol ou chuva, sempre um guarda –chuva à mão. Católico praticante, torcia o nariz para Teologia da Libertação. O movimento feminista era um modismo que desvirtuava a função natural das mulheres. Por aí afora...
As pinceladas acima qualificariam o nosso personagem como um chato de galocha, apenasmente antiquado. Mas, naquele mesmo corpo raquítico, sempre habitou um outro Sobral, o advogado de atitudes legendárias durante os famigerados anos da ditadura do Estado Novo, quando defendeu Luis Carlos Prestes e Harry Berger, para este último num momento em que as leis estavam cerceadas ao seu alcance, não hesitou em reclamar, para o seu cliente, massacrado pelas mais hediondas torturas, os benefícios do artigo 14 da Lei de Proteção dos Animais. Décadas mais tarde, durante a igualmente famigerada e infame ditadura iniciada em primeiro de abril de 64, Dr. Sobral seria novamente o destemido defensor dos presos políticos, sem jamais cobrar nem aceitar qualquer pagamento por suas defesas.
A figura do Dr. Sobral haveria de incomodar também em sua versão para o cinema. Eis que, a TV Educativa do Rio de Janeiro, seguindo a intolerância vigente, naqueles anos de chumbo, por decisão do seu Diretor, Gilson Amado, achou por bem proibir a veiculação do filme no programa “Coisas Nossas”, de responsabilidade da Embrafilme, com a infeliz alegação de que o documentário trazia mensagens comunistas, isto porque discorria sobre o caso Prestes. Os jornais da época polemizaram a questão. O Cineasta e critico David Neves publicou, na ocasião, um contundente artigo contra o obscurantismo de Gilson Amado. Naqueles tempos, o dito ficava pelo dito. O filme permaneceu censurado. Noticia alvissareira, só mais tarde, em 1979, quando o nosso trabalho ganhou o Grande Prêmio no VI Festival Brasileiro de Custa-metragem – Jornal do Brasil/Shell."