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Roteiro no Brasil fica ainda mais pobre
A mania de ser autor veio a prejudicar a feitura de filmes mais bem construídos, com um roteiro bem estruturado. Durante o boom do Cinema Novo, quase todos os cineastas queriam ser autores e desdenhavam dos roteiros. Se o Cinema Novo tem filmes importantes, revelando grandes e bons realizadores, por outro lado também foi contraproducente dado o assanhamento autoral, a querência de se ser dono do filme. Não prestaram atenção, os mais famigerados cinemanovistas, para o fato de que gênios do cinema, a exemplo de Fellini, Visconti, Billy Wilder, John Ford, entre tantos, têm em seus filmes os roteiros assinados por vários nomes, principalmente os italianos cujos roteiros são feitos, muitas vezes, a dez, doze mãos. Quem for ler a biografia de Truffaut, vai perceber o quanto ele elaborava seus roteiros, procurando escrevê-los com uma pessoa com a qual pudesse ter afinidade temática. Tudo isso para dizer que a morte de Leopoldo Serran, nesta semana, representa uma imensa perda para o cinema brasileiro, pois um dos poucos roteiristas que realmente sabiam de seu ofício. Assinou os roteiros de Dona Flor e seus dois maridos, de Bruno Barreto, Bye, bye Brasil, de Carlos Diegues, A faca de dois gumes, de Murilo Salles, entre outros. Na foto, o velho Tuna Espinheira, há alguns anos, numa das jornadas setembrinas, encontrou-se com Leopoldo Serran (à direita) e Doc Comparato. O que causa espanto é que há, na mesa, apenas um copo e parece que de água. Tudo neste mundo não pode ser perfeito.
Introdução ao cinema (15)
Henri Angel, ensaísta francês, acha que o ponto de vista de um filme deve ser sempre o que é adotado pelo cineasta, quer este decida ver o mundo através dos olhos de um dos protagonistas, quer decida manter-se o mais possível exterior à ação narrada. Um caso de identificação autor-personagem é representado por O deserto vermelho (Il deserto rosso, 1964), de Antonioni, onde a realidade é vista pela câmera não como efetivamente é mas como se apresenta aos olhos do protagonista.
Outro caso de identificação autor-personagem está representado em Repulsa ao sexo (Repulsion, 65), de Roman Polansky, onde os pesadelos da protagonista (Catherine Deneuve), apresentados como objetivos, não são mais que o fruto da personagem psicopata, uma manicure sexualmente reprimida que se isola em seu apartamento e vai enlouquecendo.
No polo oposto situam-se, pela sua objetividade extrema, filmes como Nashville, de Altman, uma crônica de cinco dias da vida de uma cidade no Tennessee, Nashville, na hora do show business e de uma campanha eleitoral que serve como um testemunho à beira do desespero sobre os Estados Unidos contemporâneos. Também Lancelot, de Robert Bresson, e Nicht Versohnt, 65, de Jean-Marie Straub, obras centradas numa radical objetividade e construídas de modo a esvaziar qualquer identificação personagem-espectador e, também, redutíveis ao ponto de vista exclusivo do realizador onisciente.
Existem também filmes nos quais os pontos de vista são contraditórios ou contrastantes entre si. Rashomon, 1950, de Akira Kurosawa, filme que projetou o cinema japonês no mercado internacional, é um exemplo bem marcante. A fábula se passa no século XV numa floresta perto de Tóquio, quando um bandido afirma que matou um samurai depois de violentar a mulher dele. A mulher, porém, diz que foi ela quem matou seu próprio marido. Surge, então, a alma do morto que conta a todos, estupefatos, como se suicidou. Mas um açougueiro que a tudo ouvia, dá uma quarta versão. Em Rashomon, portanto, são fornecidos três pontos de vista diferentes do mesmo fato, todos igualmente espectáveis, até emergir deles um quarto que é o verdadeiro.
Há o caso de a ação ser contada por um morto que relata do além a sua história trágica – não existem nem realizador oculto nem personagem visível. É o que acontece em Crepúsculo dos deuses (Sunset Boulevard, 1950), de Billy Wilder, no qual o encenador protagonista conta da sua situação de defunto, o como e porque de sua morte devida à atriz famosa da qual tinha sido hóspede. A ex-estrela é Glória Swanson que, vivendo esquecida num suntuoso palácio antiquado de Hollywood, acompanhada de seu fiel criado (Erich von Stroheim), contrata um roteirista fracassado que se torna seu amante e que ela mata quando ele se recusa a continuar a relação.
A imagem que ilustra o post é do extraordinário Meu tio da América (Mon oncle d'Amerique, 1980), de Alain Resnais.