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30 agosto 2008

Elizabeth Taylor em "Cerimônia secreta"



Uma vez alguém disse que Elizabeth Taylor foi a última estrêla de Hollywood. As divas, como as chamava o crítico e ensaísta Octávio de Faria, não existem mais, assim como o cinema do grande segrêdo truffautiano acabou. Taylor recebeu o maior cachê que uma estrela podia receber na sua época: um milhão de dólares para interpretar Cleópatra, a rainha do Egito. Ninguém, de sã consciência, pode esquecê-la em Um lugar ao sol (A place in the sun), de Georges Stevens, onde contracena ao lado de Montgomery Clift, assim como, com este mesmo, em De repente no último verão. Na imagem, ela está em Cerimônia secreta (Secret ceremony, 1969), do esquecido Joseph Losey (amanhã dou a sua trajetória como artista). Inspirado num conto de Marco Denevi, tem, como moral do filme: "Dois ratos caíram num balde de leite. Um morreu afogado. O outro debateu-se a noite inteira e acordou na coalhada".

Romy Schneider: beleza e explicação da beleza

A beleza de Romy Schneider sempre me fascinou. Conheci-a, através das telas, das imagens em movimento, ainda menino vendo a trilogia de Sissi (1955), de Ernst Marischka, que foi lançado três anos depois de sua estréia na Alemanha, como era de praxe naquela época (para se ter uma idéia, Os dez mandamentos, de Cecil B. DeMille, feito em 1955, somente teve lançamento no Brasil em 1959). O primeiro Sissi, ainda que um filme histórico com acentos melodramáticos, encantou o público, e seus produtores o fizeram continuar: Sissi, a imperatriz (Sissi - Die junge Kaiserin, 1956) e Sissi e seu destino (Sissi - Schicksalsjahre einer Kaiserin, 1957), todos de Marischka, artesão mediano mas com faro comercial. O menino, eu, na segunda metade da década de 50, apaixonou-se por duas mulheres: Brigitte Bardot, a eterna, e Romy Schneider. Quem não viveu a época não pode ter idéia da repercussão da série Sissi e como os cinemas ficavam lotados, e a ansiedade na espera do próximo filme. Não resta dúvida que os anos dourados eram mais ingênuos e menos petulantes. Não havia, neles, a palavra contemporaneidade.
Mas a bela Romy Schneider foi aproveitada em outros sub-filmes históricos (Katia, por exemplo) na sua terra natal até que quis empreender um vôo mais alto a buscar oportunidades na França, quando conheceu, durante as filmagens de Christine (1958), de Pierre Gaspard-Huit, o jovem e bem apessoado Alain Delon por quem teve, por muitos anos, relação turbinada pela instabilidade. Apareceu numa ponta em O sol por testemunha (Plein soleil, 1960), de René Clement, obra perturbadora para a época pelo rigor da mise-en-scène deste.
Luchino Visconti se apaixonou pela sua personalidade e lhe deu um papel num dos episódios de Boccaccio 70 (1962) intitulado O trabalho (Il lavoro) - os outros são de autoria de Fellini, DeSica e Mario Monicelli, mas o filme foi lançado sem o deste último, que pode ser visto agora na versão completa em DVD). No mesmo ano de Boccaccio 70, foi aproveitada por Orson Welles em O processo (The trial). A carreira de Romy Schneider na Europa já estava se consolidando e, em 1963, já se encontrava no cast de filmes americanos, a exemplo de Os vitoriosos, de Carl Foreman, e O cardeal (The cardinal), de Otto Preminger. Fez comédias em Hollywood: Uma amor de vizinho (Good Neighbor Sam, 1964), de David Swift, O que é que há gatinha (What's new pussycat, 1965), de Clive Donner, uma comédia pop, primeira aparição de Woody Allen no cinema.
De volta à Europa, trabalhou em muitos filmes, com bons cineastas: Os inocentes de mãos sujas (Les innocents aux mains sales, 1975), de Claude Chabrol, O assassinato de Trotsky (The Assassination of Trotsky, 1973), do grande e hoje esquecido Joseph Losey, César e Rosalie (César et Rosalie, 1972), de Claude Sautet (com este, outros filmes, como Max et les ferrailleurs e As coisas da vida [Les choses de la vie, 1970] ao lado de Michel Piccoli), Ludwig (1972), do esteta Luchino Visconti a viver, novamente Elisabeth da Áustria (nos cinemas, passou desfigurado, mas a cópia em DVD é integral), entre outros.
Morreu jovem, a coitada, com apenas 44 anos de enfarte violento. Nasceu em Viena (Áustria) em 1938 e morreu na França em 1982. Abalada com a morte do filho, que ficou espetado nas vigas de um grande portão de ferro, começou a beber desesperadamente e a tomar comprimidos para dormir. Quem bem conta o calvário da bela é Ruy Castro em seu delicioso livro Cinema é para sempre, editado pela Companhia das Letras. Há 26 anos estamos sem Romy Schneider. Mas o que podemos fazer?

25 agosto 2008

"Os imperdoáveis": o mais apreciado de Eastwood

Os imperdoáveis (Unforgiven, 1992) foi o grande vencedor da enquete sobre alguns filmes de Clint Eastwood. Entre os 40 votantes, 12 deles (30%) votaram neste filme, obra de grande expressividade na qual Eastwood faz uma revisão da mitologia do western. Aliás, o gênero lhe é bem caro, pois começou com os spaghettis dirigidos por Sergio Leone e se aplicou, já como diretor, em Joseph Wales, o fora da lei, O estranho sem nome, far-west meio fantasmagórrico, O cavaleiro solitário. Mas é em Unforgiven (título tirado, aliás, de outro western, O passado me condena, de John Huston, com Burt Lancaster, Lillian Gish, Audrey Hepburn, cujo título em inglês é Unforgiven) que Clint Eastwood atinge a sua plena maturidade. O segundo lugar tem empate entre Sobre meninos e lobos e As pontes de Madison (10 votos, que correspondem a 25%). Gosto muito de As pontes de Madison, que considero um grande momento na carreira de Eastwood como diretor. O terceiro lugar é dividido entre Menina de ouro e Cartas a Iwo Jima (3 votos, 7%). A conquista da honra e Bird tiveram apenas um voto. Mas O mundo secreto não mereceria assim ficar no tracinho, porque um belo filme com Kevin Coster e Laura Dern. Talvez não muito visto, pois na época de seu lançamento, exceção se faça àqueles que já apreciavam Eastwood, o filme passou despercebido da gente fina que frequenta as chamadas salas alternativas, e, assim, lançado em sala de cinemão, não foi conferido. Os alternativos não estão a perceber que grandes filmes podem também sair da indústria, a exemplo de Onde os fracos não têm vez, dos Irmãos Coen, e de Sangue negro, de Paul Thomas Anderson, para ficar em apenas dois exemplos. E há quem diga que a indústria cultural cinematográfica está cada vez mais a se apropriar das formas de expressão do chamado cinema de arte.

24 agosto 2008

Roteiro no Brasil fica ainda mais pobre



A mania de ser autor veio a prejudicar a feitura de filmes mais bem construídos, com um roteiro bem estruturado. Durante o boom do Cinema Novo, quase todos os cineastas queriam ser autores e desdenhavam dos roteiros. Se o Cinema Novo tem filmes importantes, revelando grandes e bons realizadores, por outro lado também foi contraproducente dado o assanhamento autoral, a querência de se ser dono do filme. Não prestaram atenção, os mais famigerados cinemanovistas, para o fato de que gênios do cinema, a exemplo de Fellini, Visconti, Billy Wilder, John Ford, entre tantos, têm em seus filmes os roteiros assinados por vários nomes, principalmente os italianos cujos roteiros são feitos, muitas vezes, a dez, doze mãos. Quem for ler a biografia de Truffaut, vai perceber o quanto ele elaborava seus roteiros, procurando escrevê-los com uma pessoa com a qual pudesse ter afinidade temática. Tudo isso para dizer que a morte de Leopoldo Serran, nesta semana, representa uma imensa perda para o cinema brasileiro, pois um dos poucos roteiristas que realmente sabiam de seu ofício. Assinou os roteiros de Dona Flor e seus dois maridos, de Bruno Barreto, Bye, bye Brasil, de Carlos Diegues, A faca de dois gumes, de Murilo Salles, entre outros. Na foto, o velho Tuna Espinheira, há alguns anos, numa das jornadas setembrinas, encontrou-se com Leopoldo Serran (à direita) e Doc Comparato. O que causa espanto é que há, na mesa, apenas um copo e parece que de água. Tudo neste mundo não pode ser perfeito.

Introdução ao cinema (15)


O ponto de vista adotado pela narrativa fílmica é sempre – e simultaneamente – objetivo e subjetivo, nunca redutível a uma única perspectiva por causa da dupla e concomitante ação realista e irrealista do cinema. O que não exclui, em todo caso, a hipótese de a narrativa abraçar uma ótica em detrimento de outra em relação ao desenvolvimento global da narração. Um filme, portanto, nunca pode narrar um acontecimento inteiramente visto de dentro – a coisa que o romance pode fazer, mas tem a necessidade de recorrer a um ângulo de observação que permita unificar a matéria representada a fim de não gerar confusões de perspectiva. No filme-ensaio (vide Meu tio da América/Mon oncle d’Amerique, 1979), do imenso Alain Resnais, que esteve em cartaz recentemente com Medos privados em lugares públicos (Coeurs), esta ótica se identifica com a do autor que seleciona e ajuíza. No filme de ficção, esta ótica segue o olhar de um dos protagonistas, procurando, no entanto, não se confundir completamente com ele.
A perspectiva da câmera é diferente da do olho humano e, como demonstram inúmeros filmes, a lente pode ocupar o olhar de um gato (Um dia, um gato, filme tcheco no qual, em alguns momentos, tem-se a perspectiva do olhar do gato que vê as pessoas de uma localidade segundo o seu caráter, dando-lhes as cores correspondentes). O objeto focalizado também pode ser totalmente deformado – e, nesse particular, o expressionismo alemão é farto de exemplos – O Gabinete do Dr. Caligari, 1919, de Robert Wiene, Nosferatu, o vampiro, 1922, de Friedrich Murnau, etc. Em Cidadão Kane, 1941, de Orson Welles, filme com forte influência expressionista, o cineasta usa tetos baixos para dar uma dimensão insólita aos personagens e, na sequência do palácio de Xanadu, Susan Alexander, a mulher de Kane, é vista em pequena silhueta diante de uma gigantesca lareira. Dentro da mesma obra, um jogo tipo quebra-cabeça – um puzzle que, no final das contas, é a própria chave para a compreensão da obra – tem suas peças em dimensão enorme. Welles, nestes casos, deforma os objetos com a lente com um propósito estético contextual.

Henri Angel, ensaísta francês, acha que o ponto de vista de um filme deve ser sempre o que é adotado pelo cineasta, quer este decida ver o mundo através dos olhos de um dos protagonistas, quer decida manter-se o mais possível exterior à ação narrada. Um caso de identificação autor-personagem é representado por O deserto vermelho (Il deserto rosso, 1964), de Antonioni, onde a realidade é vista pela câmera não como efetivamente é mas como se apresenta aos olhos do protagonista.

Outro caso de identificação autor-personagem está representado em Repulsa ao sexo (Repulsion, 65), de Roman Polansky, onde os pesadelos da protagonista (Catherine Deneuve), apresentados como objetivos, não são mais que o fruto da personagem psicopata, uma manicure sexualmente reprimida que se isola em seu apartamento e vai enlouquecendo.
No polo oposto situam-se, pela sua objetividade extrema, filmes como Nashville, de Altman, uma crônica de cinco dias da vida de uma cidade no Tennessee, Nashville, na hora do show business e de uma campanha eleitoral que serve como um testemunho à beira do desespero sobre os Estados Unidos contemporâneos. Também Lancelot, de Robert Bresson, e Nicht Versohnt, 65, de Jean-Marie Straub, obras centradas numa radical objetividade e construídas de modo a esvaziar qualquer identificação personagem-espectador e, também, redutíveis ao ponto de vista exclusivo do realizador onisciente.

Existem também filmes nos quais os pontos de vista são contraditórios ou contrastantes entre si. Rashomon, 1950, de Akira Kurosawa, filme que projetou o cinema japonês no mercado internacional, é um exemplo bem marcante. A fábula se passa no século XV numa floresta perto de Tóquio, quando um bandido afirma que matou um samurai depois de violentar a mulher dele. A mulher, porém, diz que foi ela quem matou seu próprio marido. Surge, então, a alma do morto que conta a todos, estupefatos, como se suicidou. Mas um açougueiro que a tudo ouvia, dá uma quarta versão. Em Rashomon, portanto, são fornecidos três pontos de vista diferentes do mesmo fato, todos igualmente espectáveis, até emergir deles um quarto que é o verdadeiro.

Há o caso de a ação ser contada por um morto que relata do além a sua história trágica – não existem nem realizador oculto nem personagem visível. É o que acontece em Crepúsculo dos deuses (Sunset Boulevard, 1950), de Billy Wilder, no qual o encenador protagonista conta da sua situação de defunto, o como e porque de sua morte devida à atriz famosa da qual tinha sido hóspede. A ex-estrela é Glória Swanson que, vivendo esquecida num suntuoso palácio antiquado de Hollywood, acompanhada de seu fiel criado (Erich von Stroheim), contrata um roteirista fracassado que se torna seu amante e que ela mata quando ele se recusa a continuar a relação.

A imagem que ilustra o post é do extraordinário Meu tio da América (Mon oncle d'Amerique, 1980), de Alain Resnais.