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03 setembro 2011

Vida longa à Jornada de Cinema de Guido

Tuna Espinheira acompanha a Jornada Internacional de Cinema da Bahia desde as suas primeiras manifestações, participando quase sempre com um curta (e várias vezes premiado), e escreve, aqui, um artigo no qual salienta e ressalta a importância da Jornada, que vive, neste 2011, o maior sufoco financeiro de sua história. O blog o acompanha nesse seu esforço.

Era uma vez, na década de setenta... Dr. Walter da Silveira, fazia algum tempo, deixara órfão e à deriva, o cinema baiano. Guido Araújo, ainda recém chegado da Europa, ode passou largo período estudando cinema. Resolveu criar a Jornada de cinema da Bahia, em 72. Cosme4 Alves Neto, (Diretor da Cinemateca do MAM, RJ); Rudá de Andrade (um dos fundadores da Cinemateca de SP); Fernando Coni Campos, Nelson Pereira dos Santos, Olney São Paulo, entre muitos outros, fizeram presença. Um evento, quase caseiro, neste primeiro momento. Logo-logo- tomaria impulso, passaria a Jornada Nordestina, Nacional, e mais tarde Internacional.

Foi durante décadas, o acontecimento cinematográfico, voltado para o cinema cultural, mais importante do Brasil. Um oásis libertário nos anos de chumbo destinado a ser um evento democrático, abria as portas para as inscrições de filmes em Super-8, 16 mm, 35 mm. A linguagem digital ainda estava por nascer. Todos eram projetados e exibidos, nos chamados horários nobres. Principalmente, participavam dos aguerridos debates. Muita polêmica, brigas boas e outras nem tanto. Mas, era assim a Jornada. Ali nasceu a ABD, ganhou sangue novo os Cines Clubes, palco de uma luminosa resistência cultural à ditadura.

É preciso não se perder de vistas que, o cinema baiano, no limbo, recebeu o espinafre do Popeye, através da Jornada. Muitos tomaram gosto, se formaram, contraíram a febre do cinema, pelos contatos, exibições, participação na arena de debates, justamente nestes eventos.

Graças aos ensinamentos do Mestre Dr. Walter da Silveira e a saga da Jornada de Guido, existe-resiste o cinema baiano (mesmo ainda movido com produções bissextas, em termos do filme de longa metragem).

Mesmo sabendo estar clamando no deserto, não poderia me furtar de expor minha indignação, por ter lido, hoje, 31 de agosto, em A Tarde, uma reportagem afirmando que, a Jornada, nº 38,vai acontecer entre os dias 09 e 15 de setembro, com um orçamento escandalosamente pífio, desrespeitoso, para um acontecimento que, fez e faz-história. É de lascar! Triste Bahia!

Tuna Espinheira

01 setembro 2011

Vincente Minnelli: sofisticação e estesia

Com a mostra completa de Vincente Minnelli em cartaz no Rio de Janeiro, um acontecimento raro na vida de um cinéfilo digno desse nome, resta, apenas, lamentar que não esteja disponível para outros estados brasileiros. Os soteropolitanos já estão fartos de tanta exclusão (nada de Resnais, de Ford, de Hitchcock). E principalmente os soteropolitanos que não possuem acessos a determinadas sinecuras que os permitem viagens e mordomias com direito a cama, mesa, banho, e outros mimos. Mimos por mimos, fico com Gigi, encantadora personagem do filme do mesmo nome dirigido pelo grande Minnelli, a quem, novamente, faço uma singela e pequena homenagem - o post é uma republicação. Mas vale sempre a repetição em se tratando de cineasta de tal envergadura.

 Em 1903, nasce em Chicago (Illinois) Vincente Minnelli, que vem a morrer em 1986, aos 83 anos de idade, considerado um dos maiores diretores do cinema americano de todos os tempos. Ainda pequeno, apenas a iniciar o seu conhecimento do mundo, aos 3 anos, atua na companhia paterna Minnelli Brothers Dramatic Tent Shows, especializada em espetáculos de vaudeville. Adolescente, o jovem Minnelli estuda decoração e trabalha como fotógrafo em um estúdio de Chicago, revelando, desde já, o gosto pela coreografia e pela composição. O circuito Balaban & Kats lhe contrata como decorador e figurinista, trabalho que desempenha até ser nomeado diretor artístico do Paramount Theatre de New York e do imponente Radio City Music Hall. Distante de sua terra natal, e com residência permanente em New York, dá início ao trabalho de direção de balés e espetáculos musicais na Broadway (At home abroad, Ziegfeld Follies, The show is on, etc). Em 1937, contratado pela Paramount, muda-se para Hollywood e, três anos depois, a MGM, o estúdio de maior envergadura na época, tira-o da empresa onde trabalha para ficar full time a seu serviço. Louis B. Mayer, acompanhando seus projetos na Paramount, vê em Minnelli um futuro promissor em seu estúdio, considerando que este é o que mais investe em musicais. Na MGM, Minnelli leva a cabo um profundo aprendizado em todos os departamentos de produção. Para assumir a direção, basta, apenas, uma oportunidade, que lhe é chegada com o convite de Arthur Freed (famoso produtor de musicais, entre eles Cantando na chuva) para dirigir, em 1942, Uma cabine no céu (Cabin in the sky), fantasia musical sobre as comunidades negras do sul.

Todos os historiadores do filmusical americano não têm dúvida ao afirmar que o gênero se transforma radicalmente com a chegada de Minnelli à Hollywood, pois o seu gênio faz integrar os elementos ficcionais da história com a música e as canções. Estas se tornam o próprio assunto do filme. Grande especialista em espetáculos musicais, Vincente Minnelli, após conceber Agora seremos felizes (Meet me in StLouis, 1944), O ponteiro da saudade (The clock, 1944), Yolanda e o ladrão (Yolanda and the thief, 1946), e O pirata (The pirate, 1947) - que exerce influência poderosa em Gene Kelly, que, aqui, trabalha ao lado de Judy Garland, a qual se casa com o realizador, encantado que fica Minnelli pelo extraordinário talento dessa cantora e atriz única, revoluciona o gênero, inaugurando, com eles, uma nova escola do musical cinematográfico, que logra seus títulos oficiais de nobreza com Sinfonia de Paris (A american in Paris, 1951), filme pelo qual recebe o Oscar de melhor direção, que voltaria a ganhar em 1958 por Gigi.

Martin Scorsese, em sua aula sobre o cinema americano, que saiu completa em três vídeos, destaca, entre as suas sequências preferidas, a de Meet me in St. Louis, quando a menina, numa noite de Natal, ao saber que vai sair de sua cidade, quebra todos os bonecos de neve que ela constrói no quintal. Há, nesta seqüência admirável, uma conjunção musical e dramática poucas vezes superada. Em Sinfonia de Paris, que tem roteiro assinado por Alan Jay Lerner (My fair lady), com a partitura recheada de George Gershwin, um pintor americano (Gene Kelly), que vive em Paris, é cortejado por bilionária (Nina Foch), mas gosta de uma linda moça (Leslie Caron), que, no entanto, é noiva de seu amigo francês (Georges Guétary).

Segundo o historiador francês Georges Sadoul, este cine-balé não é uma revista em estilo de teatro de revista, mas uma ópera cujas danças e músicas fazem parte de uma ação dramática. A coreografia, criada por Gene Kelly, é esplendorosa, principalmente nos 17 minutos finais, quando presta uma homenagem aos grandes mestres franceses: Toulouse-Lautrec, Raoul Dufy, Utrillo, Renoir, etc. Minnelli, porém, não se consolida apenas como um brilhante diretor de filmes musicais. Em sua extensa filmografia, podem ser distinguidas três vertentes: a do musical, que tem em A roda da fortuna (The band wagon, 1953) sua obra mais perfeita, a que se deve aplicar o termo obra-prima do gênero, a dos dramas ásperos e desesperados, cujos exemplares mais notórios são Assim estava escrito (The bad and the beautiful, 1953), Deus sabe quanto amei (Some came running, 1959), A cidade dos desiludidos (Two weeks in another town, 1962), entre outros, e a da comédia agridoce, que se inaugura com O papai da noiva (Father of the bridge, 1950), passando por Chá e simpatia (Tea and sympathy, 1956), Brotinho indócil (The reluctant debutante, 1958) entre outras, até atingir a sua culminância absoluta em Papai precisa casar (The courtship of Eddie's father, 1963) - considerada por muitos minnellianos talvez a sua obra maior no gênero, comédias que constituem um dos testemunhos mais lúcidos e agudos da burguesia americana. Para o colunista, os melhores filmes de Minnelli são: Deus sabe quanto amei, Assim estava escrito, Papai precisa casar, A cidade dos desiludidos, e A roda da fortuna.

No primeiro, obra-prima absoluta, lancinante radiografia do american way of life em que Minnelli, num drama áspero, tenso, utiliza elementos do filmusical, resultando, com isso, uma mise-en-scène deslumbrante, de pura estesia, principalmente perto do final, quando da perseguição num parque de diversões. Neste momento supremo do cinema minnelliano, que reflete a trágica invasão da realidade num mundo ideal onde os personagens pensam em se refugiar, as cores, os objetos, as pessoas e o espaço são praticamente coreografados; e quase nunca se vê, na estética da arte fílmica, um testemunho tão intenso da eficácia de um autor que se utiliza dos elementos componentes da linguagem cinematográfica de maneira tão marcante. Neste filme, cujo título em português nada acrescenta a sua excelência, antes ridicularizando-o (o original Some came running quer dizer como uma torrente), um romancista volta à sua cidadezinha natal para reencontrar o irmão rico, Mas, a seu lado, viaja uma prostituta que se apaixona por ele. Com Frank Sinatra, Dean Martin e Shirley McLaine, todos inexcedíveis.

Se Billy Wilder, no expressionista Crepúsculo dos deuses (Sunset boulevard, 1950), oferece um retrato crítico de Hollywood, Minnelli, em Assim estava escrito, o consegue superar não somente pelo elo semântico - a força do tema - como pelo elo sintático - a mise-en-scène que, sobre ser a de Wilder impecável, atinge aquilo que alguns estetas chamam de maravilhoso. Não dá, aqui, neste espaço, para falar de The bad and the beautiful, tal a sua riqueza, tal a sua imensa beleza. Em poucas palavras: um escritor (Dick Powell), uma atriz (Lana Turner), e um diretor (Barry Sullivan), recordam em flash-backs como um famoso produtor (Kirk Douglas) os traiu. Partitura de alto nível de David Raksin. Papai precisa casar é um primor de comédia, a maior, sem dúvida, do autor, no gênero. Encontra-se aqui toda a maturidade de um mestre do cinema, que sabe equilibrar, com uma fluência assustadora, os elementos da linguagem, a utilizar, com engenho e arte, o espaço e o tempo cinematográficos.

Realizado em 1963, Papai precisa casar, no apogeu da desconstrução, quando a crítica mais enragé exige dos filmes uma rigorosa falta de linearidade, Minnelli, desprezando as circunstâncias, e, com isso, fazendo valer o seu modo de fazer cinema, recusa-se à abdicação do linear. O resultado é mais que perfeito, ainda que, o filme, alta voltagem como cinema, como arte, como testemunho, como comédia que sabe deliciar o espectador, passe despercebido pelas autoridades que carimbam o atestado de valor. Glenn Ford é um viúvo que se vê às voltas com três lindas mulheres que o cercam. Seu filho, um garoto de 10 anos (o futuro diretor Ron Howard), o ajuda na escolha, O trio é esplendoroso: Shirley Jones, Dina Merrill e Stella Stevens, que vem a trabalhar nesse mesmo ano em O professor aloprado, de Jerry Lewis.

No magistral A roda da fortuna, Tony Hunter (Fred Astaire), no ocaso de sua carreira, regressa a New York, onde é recebido por seus velhos amigos. Minnelli sinaliza, aqui, já em 1953, no ocaso do personagem interpretado por Astaire, num rasgo premonitório, a decadência do filmusical. A roda da fortuna tem alusões e citações, e o autor, avant la lettre, introduz, no cinema, a referência. Os antigos colegas do dançarino projetam montar um grande espetáculo na Broadway, com uma bailarina clássica, Cyd Charisse. A princípio desconfiado, Astaire, no entanto, com o desenrolar das situações, acaba por se apaixonar por ela. Um famoso diretor, Jeffrey Cordova (interpretado por Jack Buchanan) transforma o espetáculo numa pomposa versão musical de Fausto, expressionista e pedante, que redunda em estrondoso fracasso. Astaire, porém, tenta reformula-lo com a ajuda de Charisse e consegue, na remontagem, um êxito surpreendente. Apogeu admirável da primeira etapa das experiências de Minnelli, filme-síntese, portanto, A roda da fortuna oferece uma imagem da vida pública e privada dos artistas que fazem o espetáculo. A sua atração, porém, reside nos pequenos, mas significativos, detalhes do cotidiano dos bastidores, em notações autobiográficas e satíricas. Mas onde o filme alcança sua dimensão mais específica está na singular identificação entre Fred Astaire e seu personagem, talvez a expressão mais acabada do mito pessoal do grande bailarino em números admiráveis como, logo no início, com o engraxate, e a dança de amor no parque - com uma Cyd Charisse na plenitude de suas faculdades. A culminação espetacular do filme se encontra no balé Girl Hunt - brilhante e violenta sátira dos filmes de detetive e do chamado cinema noir, que, sem nenhuma dúvida, é um dos mais completos e inteligentes números musicais da história do cinema.

Na vertente dos dramas ásperos, além de Assim estava escrito, um outro, que lhe parece uma espécie de continuação, e de impacto extraordinário, é A cidade dos desiludidos, de 1962. A história gira em torno de Jack Andrus (interpretado por Kirk Douglas), que, após temporada de descanso numa clínica, é chamado por Kruger (Edward G. Robinson), que está, em Roma, dirigindo um filme. Jack toma o avião e vai se encontrar com o amigo, ainda que amargurado e deprimido pela vida. O contato, no entanto, com a doce beleza de Dahlia Lavi, e a volta à atividade profissional, oferece-lhe a possibilidade de recomeçar de novo, ofertando-lhe um novo ânimo, de libertar-se de suas obsessões e das amargas lembranças de sua mulher (Cyd Charisse). Mas há um acidente de percurso com o ataque cardíaco de Kruger, que fica impossibilitado de trabalhar e Jack se vê obrigado a assumir a direção do filme. A chegada da ex-esposa, no entanto, e o stress do trabalho, levam Jack a uma crise. Contornada, e definitivamente curado, Jack retorna aos Estados Unidos para recomeçar sua carreira de diretor. O título original do filme, traduzido, é Duas semanas em outra cidade, tempo que Jack passa em Roma. Um ator (Douglas) e um diretor (Robinson) vivem encerrados em um mundo de sonhos para escaparem da realidade de seus fracassos. Mas somente o primeiro consegue se libertar, sendo que sua penosa experiência constitui a trama de A cidade dos desiludidos. Continuação espiritual de Assim estava escrito - uma das cenas desse filme serve para precisar a evolução psicológica de Jack, o filme oferece uma visão ácida do mundo cinematográfico de Roma. Pleno de observações incisivas e justas, como o tumulto da Via Veneto - o filme é realizado dois anos depois de La dolce vita - em torno da estrela italiana (Rosanna Schiaffino), as relações entre o produtor e o diretor, o ambiente das filmagens, etc. Minnelli, no entanto, não se limita somente a este aspecto, mas, superando as limitações melodramáticas da intriga, leva a cabo uma reflexão moral sobre a condição do cineasta, que vem a sintetizar o eterno conflito do homem entre a ilusão e a realidade, tema básico de sua obra.

PS: Acabo de ver, em dvd, Os quatro cavaleiros do apocalipse (The 4 Horsemen of the Apocalypse, 1962), de Minnelli, épico desenrolado durante a Segunda Guerra Mundial que prenuncia Os deuses malditos, de Luchino Visconti, e Lili Marlene, de Rainer Werner Fassbinder. Malhado pela crítica na época de seu lançamento, The 4 Horsemen of the Apocalypse foi um tremendo fracasso de bilheteria para uma produção cara e ambiciosa. Minnelli queria Alain Delon (que lhe foi apresentado por Visconti, mas a MGM vetou) ou Dirk Bogarde para o papel que ficou com Glenn Ford. Fiquei empolgado com a força da mise-en-scène minnelliana. Obra que precisa de revisão. Elenco soberbo: Lee J. Cobb, Ingrid Thulin (dublada por Angela Lansbury), Charles Boyer, Yvette Mimieux, Paul Henreid etc.

31 agosto 2011

Jornada promove Oficina de Cinema, Tv e Vídeo


O cineasta e produtor de TV Pedro Ortiz e Giuliano Tourino ministra a Oficina sobre “Produção Audiovisual Multimídia para Cinema, TV e Vídeo”, pelas manhãs e tardes dos dias 8 e 9 de setembro, no Auditório da Faculdade de Educação da UFBA. A oficina, que tem como foco documentários para web, unindo cinema, vídeo, TV e internet, trabalha com o conceito dos webdocumentártios. As inscrições são gratuitas e podem ser realizadas através do site da Jornada (www.jornadabahia.com).

Diretor da TV USP, Ortiz propõe uma abordagem conceitual e teórica sobre as relações entre cinema, TV e vídeo, a convergência de mídias na era digital, a linguagem e os recursos da produção multimídia. Para isso, utiliza muitos exemplos e também uma pequena oficina prática de produção de webdocumentários e vídeos de bolso com câmeras portáteis, amadoras, digitais, celulares e dispositivos de mídia.

Segundo Pedro Ortiz, é possível realizar produções audiovisuais com poucos recursos e dispositivos acessíveis. “Queremos mostrar que também é possível realizar produções audiovisuais criativas e inovadoras em termos de linguagem com poucos recursos a partir do uso de dispositivos de mídia acessíveis, portáteis, amadores, com ótimos resultados e com inúmeras possibilidades de distribuição nas mídias digitais e redes sociais", afirma o diretor que estréia o documentário "Passageiro(s) da Utopia”, com Dom Pedro Casaldáliga, na Jornada deste ano, no dia 13, às 18h, no Cine Teatro ICBA.

Programa - O programa é dividido em quatro módulos. O primeiro, “Documentário e as relações entre Cinema, TV e Vídeo”, faz um breve histórico de produções para cinema e TV, experiências na televisão brasileira (Globo Repórter, Hora da Notícia, Documento Especial, Caminhos & Parcerias) e em canais internacionais (BBC - Behind the Lines, BBC Four Documentaries, Frontline - PBS). No segundo módulo, “Produção Audiovisual Multimídia”, Ortiz e Tourino traçam um panorama geral e as principais tendências atuais. Convergência de mídias na era digital: cinema, televisão, rádio, vídeo, internet.

A terceira parte da oficina, “ Linguagem, Narrativas e Plataformas Multimídias”, faz uma abordagem dos recursos tecnológicos e de linguagem e das principais inovações nas narrativas audiovisuais dentro da produção multimídia. Novas formas de produção e de distribuição de conteúdos audiovisuais nas mídias digitais. Finalizando com a “Oficina prática de produção de mini-documentário multimídia”.

29 agosto 2011

Ainda há fogo sob as cinzas

Diante do sucateamento da mentalidade brasileira em todos os níveis, em todos os graus, em toda a latitude, cujo avatar de aferição sociológica está nos paredões promovidos pelo BBB (Big Brother Brasil) e congêneres, diante da violência importada made in U.S.A. (como assassinato brutal que matou mais de uma dezena de crianças e adolescentes, ocorrido numa escola de Realengo do Rio de Janeiro), diante da falência da Educação no Brasil, que promove a doutores, em alguns casos, indivíduos que talvez não fizessem bem o trabalho de contínuos em limpeza de banheiro de rodoviárias, e, principalmente, em se tratando de cinema, diante do lixo mastodôntico servido no mercado exibidor, resta, àquele que gosta da chamada sétima arte, com as honrosas exceções de praxe, rever filmes pretéritos no DVD. É o que fiz mês passado com dois filmes de Terrence Malick, o autor de A árvore da vida, que se encontra em exibição nos cinemas. 

Cineasta bissexto, Terrence Malick, o diretor de Terra de ninguém (Badlands), realizou, em quase quarenta anos, apenas quatro filmes: este de estreia, em 1973, Cinzas no paraíso (Days of heaven), que no lançamento do DVD virou Dias no paraíso, em 1978, e desapareceu, para ressurgir, redivivo, vinte anos depois, em 1998, em Atrás da linha vermelha (The thin red line). E mais outro. Caso raro na história do cinema, um realizador tão interrompido, de imensos hiatos entre um filme e outro, principalmente a se considerar um cineasta da envergadura de Malick, que possui aquilo que François Truffaut tanto prezava num diretor de cinema: visão de mundo e estilo particular, uma maneira própria de expressão pelas imagens em movimento. A sua obra-prima continua sendo Days of heaven, mas Terra de ninguém já aponta para um cineasta maduro, com domínio formal de seus recursos expressivos e um olhar abrangente sobre a chamada América Profunda. É um filme, Terra de ninguém, que faz parte de uma fase rica do cinema americano após o declínio do império dos grandes estúdios, quando surgiram obras independentes e com uma visão muito ácida do american way of life (Sem destino, de Fonda e Hooper, Cada um vive como quer, de Bob Rafelson etc).

A partir dos meados da década de 70, Hollywood, em crise profunda (mas uma crise que oferecia oportunidade para criações mais independentes e criativas, antes que independente se tornasse, como agora, apenas uma marca), foi salva por Spielberg, que, com sua varinha mágica, em Tubarão (Jaws), fez retornar o grande público ao cinema. Outro salvador da indústria cinematográfica, Georges Lucas, que, com suas guerras estrelares, estabeleceu um novo alento para os espetáculos hollywoodianos. Mas se, por um lado, Lucas instituiu a febre dos efeitos especiais, salvando a indústria, por outro, ele e Spielberg também são responsáveis pela infantilização temática que predomina no cinema contemporâneo. O problema reside na influência que exerceram nos executivos, que estabeleceram um padrão de pasteurização para os filmes oriundos da indústria cultural hollywoodiana. Se Lucas, como realizador, é péssimo, o mesmo não pode se dizer de Spielberg, que tem alguns filmes notáveis. Mas obras mais independentes, como Terra de ninguém e Cada um vive como quer foram saindo do mapa.

Terra de ninguém projeta Sissy Spacek (que anos depois viria a ter impressionante desempenho em Carrie, a estranha, de Brian De Palma, e, logo depois, ganhou um Oscar por O destino mudou sua vida), e, também, Martin Sheen (que viraria um astro após o atormentado personagem de Apocalypse now, de Coppola). Órfã de mãe, a solitária Holly (Spacek) vive com o pai (Warren Oates) numa cidadezinha do interior americano. Sua solidão, porém, de repente, desaparece, quando conhece, por acaso, um lixeiro, Kit (Martin Sheen), enamorando-se dele. Quando o pai dela tenta impedi-la de fugir com ele, Kit o mata e, depois de forjar um suicídio, incendeia o barracão. Os dois passam a viver na floresta, subsistindo por meio de roubos e assassinatos para escapar de seus perseguidores. O relacionamento do casal, no entanto, no itinerário da fuga, vai se deteriorando. O diretor se baseou em recortes de jornais que abordavam fatos reais ocorridos em Kansas em 1958.

Malick mostra com vigor personalidades doentias decorrentes do meio social asfixiante em que vivem. Retrato de recônditos habitacionais dos Estados Unidos, onde o viver não oferece perspectivas, mas, também, uma reflexão sobre a necessidade do amor em meio à solidão, Terra de ninguém possui uma estrutura narrativa plena de momentos fortes nos quais a câmara de Malick integra, com singular propriedade, o homem à paisagem. Seus planos gerais, principalmente os do deserto, são verdadeiros quadros pictóricos. Neste particular, alguns créditos são devidos à captação da luz do fotográfo Tak Fujimoto. Não é uma obra-prima, como alguns quiseram ver, mas um esboço de uma obra-prima, que seria Cinzas no paraíso.

Dias de paraíso (Days of heaven, 1978), de Terrence Malick, que foi lançado comercialmente nos cinemas com o título de Cinzas no paraíso, é o segundo filme do diretor, e considerado a sua obra-prima, realizado cinco anos depois de Terra de ninguém (Badlands, 1973), sua fita de estreia. Obra de rara beleza, com paisagens deslumbrantes em planos gerais que se assemelham a pinturas, tem uma narrativa cujo registro é evocativo (a narradora é a irmã do personagem principal, Richard Gere, uma adolescente de 16 anos). Malick se caracteriza por uma narrativa elíptica, que, com isso, evita a emergência do sentimentalismo, sempre o seu desenrolar tem um tom seco, cortante, a provocar, no máximo, emoções mudas. Days of heaven é um filme sobre a esperança e a alegria de viver que foram reprimidas no coração daquela que narra. E a impressão que deixa é a de que, pelo tom evocativo, o que ela narra é um pretérito que já se desmanchou no seu presente, deixando, porém, as suas marcas. É uma história, portanto, de uma busca pela colocação no mundo. Findos os dias de paraíso, o que resta é a amargura, a falta de perspectiva, e o futuro desconhecido. Com um cenário de infortúnios quase bíblicos: praga de gafanhotos, assassinatos, Days of heaven é uma obra singular dentro do panorama do cinema americano da década de 70.

Poucas vezes um realizador captou tão bem a paisagem do Texas, com a imensidão de seus espaços, os seus trigais. Cada enquadramento de Malick se assemelha, como disse, a uma pintura, tal a disposição dos homens e dos objetos no quadro. O cineasta é também um detalhista pela procura em dar densidade à ambientação, quer no exterior (os planos de detalhes dos gafanhotos, dos diversos animais que habitam a paisagem), quer no interior (os objetos da casa, dispostos no enquadramento como uma espécie de natureza morta - uma jarra com uma bebida vermelha e dois copos numa bandeja etc.). Mas o filme não teria a sua beleza tão pungente não fossem os diretores de fotografia Nestor Almendros (cubano que depois desse filme se afirmaria como um dos melhores iluminadores do cinema) e Haskell Wexler (que teve sua participação diminuída por questões de briga com o estúdio, mas iluminou metade do filme), dois artistas da luz, que se preocuparam em registrar quase todos os planos ao amanhecer ou ao anoitecer, com o objetivo de dar ao filme uma coloração de fogo. A partitura musical de Ennio Morricone é outro ponto alto com uma trilha que produz a sensação de saudade, de melancolia.
Cliquem na imagem!

A ação transcorre durante os anos que precederam a Primeira Guerra Mundial. Richard Gere (em um dos seus primeiros papéis - virou celebridade quatro anos depois em A força do destino, de Taylor Hackford) vive perambulando à procura de emprego com sua amante (Brooke Adams), e sua irmã adolescente (a excelente Linda Manz). Empregado como foguista em Chicago, tem um desentendimento com seu chefe e o mata. Resta-lhe fugir, ir para o Texas, onde se emprega numa plantação de trigo em época de colheita, cujo proprietário (Sam Shepard, ainda bem jovem, dramaturgo famoso, que se casou com Jéssica Lange) se apaixona pela sua mulher. Vindo a saber que o fazendeiro tem apenas um ano de vida, convence a companheira a se casar com ele para, depois, herdar o seu dinheiro. Mas não estava nos planos deles que ela viesse a se apaixonar pelo marido. A praga de gafanhotos é como uma premonição do desastre que se avizinha, com os realinhamentos emocionais que se refletem na personalidade da narradora.

28 agosto 2011

Do antigo Cinema Guarany

Inaugurado em 1917, na Praça Castro Alves, a praça do Poeta, é um cinema acanhado, embora confortável e frequentado pela elite baiana. Nos anos 50, sofre reforma infraestrutural para se adaptar ao novo formato que então surge, o CinemaScope, implantando também o som estereofônico. A Fox, a temer a concorrência televisiva, decide colocar no mercado o CinemaScope, e o filme de estréia, neste processo anamórfico – tela retangular e muita larga – é O manto sagrado (The robe, 1953), de Henry Koster. Os baianos podem vê-lo, em meados do decurso dos 50, no Guarany, em noite de gala, e ficam surpresos quando Richard Burton, um de seus atores principais, ao andar do lado esquerdo para o lado direito do enquadramento, tem sua voz também a acompanhá-lo. É a novidade do stéreo que espanta àqueles acostumados à uniformidade do mono. Há um livro sobre a reforma do cinema Guarany, editado pela Construtora Norberto Odebrecht, que, esgotado, desaparece, nunca conseguindo sequer vê-lo de longe. É no Guarany também que se dá a estréia de Redenção, em 1959, de Roberto Pires, o primeiro longa metragem do cinema baiano, cuja lente, anamórfica, inventada pelo próprio diretor.

Ao contrário das salas atuais, todas iguais, os cinemas do pretérito possuem estilo, cada um com um toque diferente, uma decoração especial, e o Guarany, neste particular, é, para mim, o mais atmosférico. Antigamente, o espaço, frente a esta sala exibidora, chamava-se Largo do Teatro, porque o Guarany também tem um proscênio no qual se encenavam peças aclamadas muitas vezes oriundas do eixo Rio-São Paulo. Assim, a atmosfera do cinema começa na sua entrada, com o cheiro de seu ar condicionado. A sala de espera, um recanto para se ficar vendo os cartazes e as fotos dos filmes que vão a seguir e que em breve estão em cartaz. Além de sua sofisticada bombonière – é desse modo que todos se referiam àquele pequeno espaço onde se vendem dropes, chicletes, chocolates, com todos arrumados em filas indianas ou, mesmo, militarmente ordenados.

A sala de projeção se divide entre a platéia – lugar mais privilegiado – e um balcão, cujo acesso se faz por duas escadas laterais. Na primeira, antes do palco, um espaço para orquestra. E, de hábito naqueles bons tempos, que não voltam mais, quando o filme começa, antes que as cortinas fossem abertas, luzes coloridas se revezam enquanto se ouve um trecho de O Guarany, de Carlos Gomes. É o sinal de que a função iria se iniciar. Antes, no entanto, enquanto se espera a sessão, o gongo anunciador, a partitura musical do filme a ser apresentado é dada aos ouvidos dos presentes para uma melhor familiarização, um esquentamento, por assim dizer. Fica-se, então, a olhar os índios em fila da parede do lado direito pintados por Carybé, assim como os peixinhos enfileirados do lado esquerdo. Há, portanto, uma atmosfera especial, e o cinema estabelece-se, à maneira do teatro, como uma função.A partir da introdução do Cinemascope todos os outros cinemas têm que se adaptar ao novo formato, mas o CinemaScope do Guarany é especial, pois o mais espetacular da província da Bahia. Nos cinemas atuais não existe mais esta atmosfera, esta preparação, este, se quiser, esquentamento, pois a tela, sem cortina, recebe o filme de repente, jogado de supetão sem nenhum aviso prévio. Mas os tempos são outros. Antes, as imagens em movimento estam confinadas apenas nas salas escuras dos cinemas, enquanto, hoje, estas podem ser vistas nos mais variados suportes. Já se chegou ao requinte de baixar filmes pela internet com uma bem razoável definição de imagem.Walter da Silveira, em meados dos anos 60, instala o seu Clube de Cinema da Bahia no Guarany, com as sessões realizadas aos sábados pela manhã, às 10 horas. É, portanto, nesta sala, que comecei a minha formação cinematográfica, acostumado à programação do circuito cuja característica principal está no cinema de gênero americano – os westerns, os musicais, as comédias românticas, os thrillers, etc. Vim a conhecer o cinema como expressão de uma arte, o cinema de autor, vendo filmes como Hirsohima, mon amour, de Alain Resnais, Guerra e humanidade, de Masaki Kobayashi, O eclipse, de Antonioni,Morangos silvestres, de Ingmar Bergman, entre muitos e muitos outros.

De propriedade do Estado da Bahia, o Guarany é arrendado a Condor, cuja distribuição fica a cargo de Aluísio Ribeiro e a gerência administrativa, Francisco Pithon. Pressentindo a crise pela qual passava o cinema como espetáculo – superada com o toque de Mídias de George Lucas e a suas guerras nas estrelas e a descoberta do filão infanto-juvenil, quando se dá a infantilização temática que continua a infestar até hoje os produtos audiovisuais da indústria cultural hollywoodiana, a Condor resolve sair do mercado exibidor, em 1975, e transferir o arrendamento de suas salas à CIC (Cinema International Corporation) que, anos mais tarde, vem a se chamar UPI (United International Pictures). A passagem do Guarany às mãos multinacionais da CIC é motivo de protesto da associação que congrega os cineastas baianos, a qual emite uma nota furiosa, denunciando que o governo está a entregar um imóvel de seu patrimônio a uma multinacional contrária aos interesses do cinema brasileiro. Se na há engano no andamento de minha memória, assino tal protesto – é durante a administração da Embrafilme que o Guarany se tornoa Glauber Rocha, quando da morte deste que é o maior cineasta brasileiro de todos os tempos. ACM, então governador da Bahia, no dia seguinte ao falecimento do realizador de Terra em transe, assina ato determinando a mudança de seu nome.

Com a decadência galopante do centro histórico da cidade, e a abertura das avenidas de vale e, principalmente, a construção dos shoppings centers, os cinemas do centro entram em decadência. A CIC não se interessa em renovar o contrato. Existe, nesta época, 1980, toda poderosa, a Embrafilme (Empresa Brasileira de Filmes S/A), que, com sucursal bem montada em Salvador, assina contrato com o Estado para entrar no mercado exibidor. Iniciativa pioneira em todo o Brasil, porque a Embrafilme se restringe à produção e distribuição de filmes brasileiros. Neste período, em 1982, uma Jornada foi toda concentrada nesse cinema, com grande êxito, aliás. O Guarany passa a ser administrado por esta empresa e vem daí, talvez, sua decadência. Luis Carlos Barreto praticamente mandava na programação do cinema, determinando que filmes produzidos por sua empresa ficassem semanas e semanas em cartaz, mesmo que vistos por moscas. O Guarany de meus tempos tem perdida, paulatinamente, a sua aura.

Em 1985, mais ou menos, a Embrafilme, cansada de tanto insucesso, entrega o cinema ao Estado e este, novamente, resolve fazer uma licitação para arrendá-lo. A Art ganha, mas, pelo menos, era uma companhia brasileira importadora de filme e também exibidora. Mas desfigura o projeto original com uma reforma oportunista. Não diria que é a Art quem leva o Guarany à sepultura, mas é na gerência desta empresa que o Guarany fecha suas portas.E a lembrança do Guarany leva, necessariamente, à lembrança do Bar e Restaurante Cacique, lugar ideal para uma cerveja gelada a las cinco de la tarde, após uma matinée.

Clique na imagem para ver a majestade do cinemascope. A foto é de O manto sagrado.