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15 outubro 2010

No esplendor do Cinemascope

Nada como a tela grande do cinema, principalmente se o filme é em película, como está a acontecer na mostra de John Ford, mas há filmes que podem ser vistos no DVD caseiro com uma televisão ampliada e outros que somente podem ser contemplados dentro da sala exibidora para se ter o impacto necessário. 2001, uma odisséia no espaço, de Stanley Kubrik, por exemplo, não funciona no aparelho doméstico. O filme pede o espaço cinemascópico, a tela grande. Entre muitos outros exemplos, Crepúsculo de uma raça (Cheyenne Autumm, 1964), de John Ford., belíssimo nos seus enquadramentos, pontual na sua revisão em relação aos índios americanos, os quais, aqui, são colocados no pódio. Há um aspecto desmistificador do heroísmo, quando Wyatt Earp (interpretado por James Stewart, tem dificuldades de sacar uma arma, segundo me lembro). Outro filme, Nasce uma estrela (A star is born, 1955), de George Cukor, com a inesquecível Judy Garland e James Mason, somente pode ser contemplado no esplendor do Cinemascope. Entre muitos outros, claro. Ver Crepúsculo de uma raça no computador é um crime cinéfilico.  Clique na imagem.

13 outubro 2010

Natalie Wood

Quando a revista Life circulava, não colocava qualquer pessoa na capa. Tinha que ser uma celebridade. Se atualmente as ditas celebridades são constituídas de homens e mulheres de pouca importância, na sua grande maioria, em tempos pretéritos a seleção natural era mais rigorosa. Assim, temos, aqui, Natalie Wood, uma estrela de Hollywood que muito influenciou o meu imaginário de cinéfilo pagão. Crente, e apenas, nos astros e estrelas e por eles, durante certo tempo, alienado completamente. O homem tem aquele negócio do rito de passagem da Idade da Ilusão para a Idade da Razão. Natalie Wood fez parte não apenas da primeira como, também, da segunda, porque uma atriz extraordinária, bela, envolvente, deliciosa. Ninguém, que possua uma sã consciência, pode esquecê-la como a índia resgatada por John Wayne (Titio Ethan) em Rastros de ódio (The seachers), de John Ford. Ou como a portoriquenha de Amor sublime amor (West Side Story), de Robert Wise e Jerome Robbins. Ou ainda, dela ao lado de Warren Beatty no esplendoroso Clamor do sexo (Splendor in the glass), de Elia Kazan. E dela ao lado de James Dean em Juventude transviada (Rebel withou a cause), de Nicholas Ray? Bem, é melhor parar por aqui por causa do tempo e da pressa para postar o post. Basta dizer, apenas, que é um post em homenagem a Natalie Wood. Morreu de forma trágica, bêbeda, quando caiu (ou foi empurrada?) no mar, quando numa festa em yacht. Casou-se duas vezes com Robert Wagner. Clique na imagem que ela fica bem maior.

12 outubro 2010

60 anos de idade e 54 de estrada cinematográfica


Considerando ter ido pela primeira vez ao cinema em 1956, e por estar, no dia de hoje, dedicado às crianças, fazendo 60 anos, tenho, a rigor, de estrada cinematográfica, 60 de idade e 54 de cinema, mais de meio século, portanto, na carga horária existencial das imagens em movimento nos arcanos de minha memória.

O primeiro filme que vi, O Meninão (You're Never Too Young, 1955), de Norman Taurog, tinha a dupla Jerry Lewis e Dean Martin como a maior atração. Levado por uma prima, vi O Meninão no cinema que ficava incrustado no fabuloso Edifício Oceania, que ainda fica no turístico Farol da Barra. Esta edificação se constituiu num acontecimento para a velha província de Salvador, cidade com pouco mais de quinhentos mil habitantes.

Na planta, já se contemplava o espaço de um cinema, assim como um bar e um golden room - um avanço para a época. O cine Oceania, porém, com o passar do tempo, e o progressivo fechamento dos cinemas de bairros, não levou muito tempo em atividade (pelo menos a partir do momento em que o conheci).

Antes de You're Never Too Young, porém, já tinha avistado algumas e fugazes imagens em movimento no Convento do Desterro, quando, indo visitar uma tia, que era freira, passei por uma porta onde, dentro da sala, estava sendo exibido um filme preto e branco num projetor de 16mm (muito usado pelos clubes sociais e instituições naquele período, inclusive por algumas famílias). Mas a sensação foi rápida e logo fui chamado para ir embora.

Dentro da sala escura do Oceania, porque o cinema cheio, e tendo ficado na lateral bem próximo à tela, achei as imagens distorcidas (e o filme não era em Cinemascope), e tive aquele sensação do escritor Gogol, quando viu pela primeira vez as imagens em movimento: cabeças cortadas, os planos de detalhe de mãos, rostos, como se fossem decepados. Antes do filme propriamente dito, o cinejornal, além das notícias, apresentou um jogo de futebol, que pensei  ingenuamente ser o que estava acontecendo naquela mesmo hora (era pela tarde) no estádio da Fonte Nova.

A partir de You’re Never Too Young, passei a ir semanalmente aos cinemas, e o segundo filme que vi foi Tom & Jerry, desenho animado que passava todos os domingos, pela manhã, no Guarany toda primeira semana de cada mês. Consultando aqui um velho caderno escolar, no qual já anotava, com minha letra infantil, os filmes que via, dando, a eles, uma cotação, e registrando os principais atores, preço do ingresso, cinemas onde eram exibidos, vejo que os primeiros filmes foram, além dos citados, Um estranho no paraíso (Kismet, 1955), de Vincent Minnelli, Casei-me com um xavante, de Alfredo Palácios, De pernas pro ar, de Vitor Lima, com Ankito e Grande Otelo, É de chuá, também de Lima, e com a mesma dupla, Meus amores no Rio, de Carlos Hugo Christensen, com Suzanna Freire, Um pijama para dois (Pajama game), de Stanley Donen e G. Abbott, O sonho que eu vivi (Bernardine), de Henry Levin, com Pat Boone, Virtude selvagem (The yearling), de Clarence Brown, com Gregory Peck, Férias em Paris (Paris Holiday), de Gerd Oswald, com Fernandel, A volta ao mundo em 80 dias (Around the world in 80 days), de Michael Anderson, Primavera de amor (April Love), com Pat Boone, As lavadeiras de Portugal (Les lavandières de Portugal), de Pierre Gaspard-Huit, O rebelde orgulhoso (The proud Rebel), de Michael Curtiz, com Alan Ladd, Viva o palhaço (Merry Andrew), de Michael Kidd, com Danny Kay e Píer Angeli, Rio Zona Norte, de Nelson Pereira dos Santos, Meu tio (Mon oncle), de Jacques Tati, Saeta, o canto do rouxinol, com Joselito, Marcelino Pão e Vinho, com Pablito Calvo, Férias no paraíso, de Mario Camerini, com Vittorio De Sica, A delícia de m dilema (Rally, round the flag, boys!), de Leo McCarey, com Paul Newman e Joanne Woodward, Sissi, de Ernest Marischka, entre muitos outros. E muitas, muitas chanchadas (Tem boi na linha, O camelô da rua Larga, O batedor de carteiras, O massagista de madame, Pé na tábua, Uma certa Lucrecia, Mulheres à vista, Pega ladrão [um filme de Alberto Pieralisi que não pode ser considerado uma chanchada tout court], Titio não é sopa [com Procópio Ferreira] etc.

Com a mega-retrospectiva de John Ford, que fico privado dela por morar na Bahia – e no momento sem condições de dar um salto ao Rio, devo dizer que vi os filmes desse genial cineasta com o passar do tempo. Desde menino acompanho os filmes de Ford e sempre havia, naquela época, as constantes reprises. Um filme podia ser visto várias vezes, porque lançado, primeiramente, em circuito de primeira linha, depois circulava nos cinemas de bairro e os mais populares, e ficava sendo reprisado até esgotar o seu certificado de censura (validade de cinco anos). Vi, por exemplo, Crepúsculo de uma raça (Cheyenne Autumm), no esplendor de seu Cinemacope no cinema situado na Praça da Sé, e que se chamava Excelsior.

O tempo, sempre implacável e cruel, passou. Mas retive na memória os grandes momentos passados dentro da sala escura do cinema.  Uma vez, depois de ter terminado com uma namorada, que a levava muito ao cinema, ela contou a um amigo meu: “Quando namorei com André, fiquei com mais horas de cinema do que urubu de voo”. Eu a perdoo.

10 outubro 2010

Os recursos da montagem


A chama montagem ideológica ou intelectual é uma operação com um objetivo mais ou menos descritivo que consiste em aproximar planos a fim de comunicar um ponto de vista, um sentimento ou um conteúdo ideológico ao espectador. Eisenstein escreveu na justificativa de sua montagem de atrações: "uma vez reunidos, dois fragmentos de filme de qualquer tipo combinam-se inevitavelmente em um novo conceito, em uma nova qualidade, que nasce, justamente, de sua justaposição (...) A montagem é a arte de exprimir ou dar significado através da relação de dois planos justapostos, de tal forma que esta justaposição dê origem à idéia ou exprima algo que não exista em nenhum dos dois planos separadamente. O conjunto é superior à soma das partes".

Amparado nestes ditos de Eisenstein, há de se ver que, no cinema, como em quase todos os ramos das ciências, quando se reúne elementos (no sentido amplo) para obter um resultado, este é freqüentemente diferente daquele que se esperava: é o fenômeno dito de emergência. Aprende-se, por exemplo, em biologia, que pai e mãe misturam seu patrimônio hereditário para criar uma terceira personagem não pela soma desses dois patrimônios, mas, ao contrário, pela combinação deles em um novo patrimônio inédito. Em química, sabe-se ser possível misturar dois elementos em quaisquer proporções, mas não é possível combiná-los verdadeiramente em um corpo novo se não tem proporções perfeitamente definidas (Lavoisier). Da mesma forma, na montagem de um filme, os planos só podem ser reunidos numa relação harmoniosa.

A montagem ideológica consiste em dar da realidade uma visão reconstruída intelectualmente. É preciso não somente olhar, mas examinar, não somente ver, mas conceber, não somente tomar conhecimento, mas compreender. A montagem é, então, um novo método, descoberto e cultivado pela sétima arte, para precisar e evidenciar todas as ligações, exteriores ou interiores, que existem na realidade dos acontecimentos diversos.

A montagem pode, assim, criar ou evidenciar relações puramente intelectuais, conceituais, de valor simbólico: relações de tempo, de lugar, de causa, e de conseqüência. Pode fazer um paralelo entre operários fuzilados e animais degolados, como, por exemplo, em
 A Greve (1924), de Eisenstein. As ligações , sutis, podem não atingir o espectador. Eis, aqui, um exemplo da aproximação simbólica por paralelismo entre uma manifestação operária em São Petersburgo e uma delegação de trabalhadores que vai pedir ao seu patrão a assinatura de uma pauta de reivindicações (exemplo extraído do filme Montanhas de ouro, do soviético Serge Youtkévitch).

- os operários diante do patrão
- os manifestantes diante do oficial de polícia
- o patrão com a caneta na mão
- o oficial ergue a mão para dar ordem de atirar
- uma gota de tinta cai na folha de reivindicações
- o oficial abaixa a mão; salva de tiros; um manifestante tomba.

A experiência de Kulechov demonstra o papel criador da montagem: um primeiro plano de Ivan Mosjukine, voluntariamente inexpressivo, era relacionado a um prato de sopa fumegante, um revólver, um caixão de criança e uma cena erótica. Quando se projetava a seqüência diante de espectadores desprevenidos, o rosto de Mosjukine passava a exprimir a fome, o medo, a tristeza ou o desejo. Outras montagens célebres podem ser assimiladas ao efeito Kulechov: a montagem dos três leões de pedra - o primeiro adormecido, o segundo acordado, o terceiro erguido - que, justapostos, formam apenas um, rugindo e revoltado (em
 O Encouraçado Potemkin, 1925, de Eisenstein); ou ainda a da estátua do czar Alexandre III que, demolida, reconstitui-se, simbolizando assim a reviravolta da situação política (em Outubro).

O que Kulechov entendia por montagem se assemelha à concepção do pioneiro David Wark Griffith, argumentando que a base da arte do filme está na edição (ou montagem) e que um filme se constrói a partir de tiras individuais de celulóide. Pudovkin, outro teórico da escola soviética dos anos 20, pesquisou sobre o significado da combinação de duas tomadas diferentes dentro de um mesmo contexto narrativo. Por exemplo, em Tol'able David (1921), de Henry King, um vagabundo entra numa casa, vê um gato e, incontinente, atira nele uma pedra. Pudovkin lê esta cena da seguinte forma: vagabundo + gato = sádico. Para Eisenstein, Pudovkin não está lendo - ou compreendendo o significado - de maneira correta, porque, segundo o autor de
 A Greve a equação não é A + B, mas A x B, ou, melhor, não se trata de A + B = C, porém, a rigor, A x B = Y. Eisenstein considerava que as tomadas devem sempre conflitar, nunca, todavia, unir-se, justapor-se. Assim, para o criador da montagem de atrações, o realizador cinematográfico não deve combinar tomadas ou alterná-las, mas fazer com que as tomadas se choquem: A x B = Y, que é igual a raposa + homem de negócios = astúcia. Em Tol'able David, quando Henry King corta do vagabundo ao gato, tanto o primeiro como o segundo figuram proeminentemente na mesma cena. Em A Greve ( Strike ), quando Eisenstein justapõe o rosto de um homem e a imagem de uma raposa (que não é parte integrante da cena da mesma forma que o gato o é em Tol'able David, porque, para King, o gato é um personagem),esta é uma metáfora.
Em
 Estamos construindo (Zuyderzee, 1930), de Jori Ivens, várias tomadas mostram a destruição de cereais (trigo incendiado ou jogado no mar) durante o débacle de 1929 da Bolsa de Valores de Nova York, a depressão que marcou o século XX. Enquanto apresenta os planos de destruição de cereais, o realizador alterna -os com o plano singelo de uma criança faminta. Neste caso, o cineasta, fotografando uma realidade, recorta uma determinada significação. Os planos fotografados por Jori Ivens podem ser retirados da realidade circundante, mas é a montagem quem lhes dá um sentido, uma significação. Os cineastas soviéticos, como Serguei Eisenstein e Pudovkin, procuravam maximizar o efeito do choque que a imagem é capaz de produzir a serviço de uma causa.

Considerada a expressão máxima da arte do filme, a montagem, entretanto, vem a ser questionada na sua supremacia como elemento determinante da linguagem cinematográfica com a introdução - em fins dos anos 30 - das objetivas com foco curto que permitiu melhorar as filmagens contínuas - a câmera circulando dentro do plano - com uma potenciação de todos os elementos da cena e com um tal rendimento da profundidade de campo (vide
 Cidadão Kane (1941), de Orson Welles, Os melhores anos de nossas vidas, 46, de William Wyler) que possibilitou tomadas contínuas a dispensar os excessivos fracionamentos da decupagem clássica. A tecnologia influi bastante na evolução da linguagem fílmica, dando, com o seu avanço, novas configurações que modificam o estatuto da narração - o próprio primeiro plano - o close up - tão exaltado por Bela Balazs como "um mergulho na alma humana" - com o advento das lentes mais aperfeiçoadas já se encontra, esteticamente, com sua expressão mais abrangente e menos restrita. Tem-se, como exemplo, as faces enrugadas e pavorosas de David Bowie em Fome de Viver/The Hunger, 1983, de Tony Scott, com Catherine Deneuve e Susan Sarandon.