Um colírio para os olhos nesta noite de sábado. Brigitte Bardot, como Deus a criou, em O desprezo (Le mépris, 1963), de Jean-Luc Godard, baseado em livro de Alberto Moravia, um de seus filmes mais geniais que tem, no elenco, ninguém menos que Fritz Lang, como ele mesmo.Clique na imagem para vê-la, em outra janela, ampliada.
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06 setembro 2008
04 setembro 2008
Ruy Polanah: um sertanejo moçambicano
Morreu Ruy Polanah. Seu amigo Tuna Espinheira escreveu um artigo sobre ele, que vai abaixo.
"Ele tinha um rosto esculpido com um talhe marcadamente barroco. Lia-se na sua expressão natural, a possibilidade da materialização de diversos tipos de personagens. Era o que, em cinema, a gente chama de boa “máscara”.
"Ele tinha um rosto esculpido com um talhe marcadamente barroco. Lia-se na sua expressão natural, a possibilidade da materialização de diversos tipos de personagens. Era o que, em cinema, a gente chama de boa “máscara”.
Sua gênese como ator deu-se em Ganga Zumba, de Cacá Diegues, anos sessenta, daí em diante foi um número sem conto de filmes. Trabalhou em produções internacionais, com grandes diretores, entre estes, o alemão Verner Herzog, nos filmes: “Aguirre, a Ira dos Deuses” e Fitzcarraldo, e, com o inglês John Boorman, a “Floresta das Esmeraldas”. Coincidentemente estes três filmes foram rodados na mata amazônica, Peru e Brasil, em épocas diferentes e com grande aceitação do público e da crítica.
Dois grandes diretores, responsáveis por algumas obras-primas do cinema, destas que não se escoram na moda e sim nas ondas perenes do tempo.
Mas, foi aqui mesmo, numa produção cabocla, “Os Deuses e os Mortos”, um clássico de Ruy Guerra, que o nosso sertanejo moçambicano iria deixar a sua marca do Zorro, quando interpretou, com alma, talento e carisma, um dos personagens principais do filme. Deixando para a história da dramaturgia cinematográfica da nossa sétima arte, um legado emblemático.
Na vadiagem da vida era um notável prosador, dominava a arte de falar, contar estórias, causos, com a devida contrapartida de ser um atento escutador. Conviveu com a fina flor da inteligência e da arte, num Rio de Janeiro ainda “Cidade Maravilhosa”, acolhedora, ecumênica.
Sua casa na Travessa Dona Carlota, nº 19, em Botafogo, sempre foi um palco fervilhante de acontecimentos. A atriz que ditou uma espécie de existencialismo nos costumes, dizeres e comportamento, Leila Diniz, morou lá, na época casada com Ruy Guerra. O nosso Ruy foi o padrinho da filha deles. Mais tarde, esta mesma casa, passou a estar sempre aberta, ou seja, tinha um cordão que era só puxar e a porta se abria, a qualquer hora do dia ou da noite. Muitos amigos, alguns deles hoje célebres, adentravam naquele recinto, puxando aquele cordão, nas horas mais incríveis. Uns à espera de encontrar alguém de plantão para bater papo, outros por motivo de fossa existencial, para extravasar. Era, por tanto, um espaço para os encontros, para as festividades e, também, fazia às vezes de Muro das Lamentações. Muitos e muitos, se hospedaram naquela morada. Ou pelo menos, iam ficando... ficando...
Conheço o Ruy desde que filmamos, nos idos da década de setenta, o filme, “Cristais de Sangue”, de Luna Alkalai, rodado em Mucugê, nas Lavras Diamantinas. Uma amizade de quatro décadas, prazeirosa, regada por uns aperitivos e abençoada pelo bom humor. Ruy foi um amigueiro profissional. Nós, os amigos e amigas, sempre o tivemos como Mestre, como exemplo de dignidade, de companheirismo e bom humor. Impossível apartá-lo do nosso imaginário, mesmo porque: Não se faz mais Ruy Polanah, como antigamente.
Tuna Espinheira
tunaespinheira@terra.com.br
Sobre a filmografia de Ruy Polanah consultar: http://www.imdb.com/name/nm0688837/
03 setembro 2008
Leiam-me no "Terra Magazine"
Leiam-me no Terra Magazine:
http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI3150914-EI11347,00-Entre+Mojica+e+Walter+Salles.html
A imagem é de Encarnação do demônio, de José Mojica Marins, com o próprio ao lado de José Celso Martinez Corrêa.
01 setembro 2008
"Marnie" é sinfonia e estesia
Um dos meus preferidos do mestre Hitchcock é Marnie, confissões de uma ladra, ainda que o realizador tenha extrapolado o conceito de obra-prima por ter feito várias. Claro que venero Janela indiscreta, Um corpo que cai, Notorius, mas, questão subjetiva, tenho por Marnie uma admiração especial. Assim como por Intriga internacional (North by northwest, 1959), filme que assisto sempre e, a cada vez, constatando a sua beleza dissonante. Cheguei ao ponto de ver, durante anos, meia hora de Intriga internacional por dia. Nestes anos, North by northwest foi a minha terapêutica. Mas vamos falar de Marnie.
Considerado por François Truffaut como "o filme doente" de Hitchcock, Marnie não mereceu por parte da crítica, quando do seu lançamento em meados da década de 60, a devida atenção e, até hoje, excetuando-se os exegetas da obra do cineasta (Peter Bogdanovich, Truffaut, Claude Chabrol, Eric Rohmer, Robin Wood...) é um dos filmes menos citados do autor de Vertigo. Mas tem uma importância fundamental em sua obra, podendo, inclusive, ser considerado o seu trabalho mais pessoal, o filme no qual deposita as suas inquietações íntimas. Além do mais, possui uma belíssima mise-en-scène, um ritmo vertiginoso onde o cinema reina absoluto. É preciso, portanto, que se faça, agora, em DVD a reavaliação dessa obra-prima.
Após roubar uma empresa na qual trabalha, Marnie (Tippie Hedren) troca de identidade e busca um novo emprego. Mark Rutland (Sean Connery) a reconhece, mas, mesmo assim, a contrata como secretária de sua firma. Marnie, no entanto, estuda uma maneira de praticar um golpe (a seqüência do roubo, toda muda, é de um rigor formal surpreendente). Mark descobre e persegue Marnie, conduzindo-a a Filadélfia, mas em lugar de entregá-la à polícia, casa-se com ela. Acossada, Marnie não tem outra saída senão aceitar o pedido de casamento. Durante a lua-de-mel numa viagem de navio, ela se recusa a dormir com Mark até que este, enfurecido, a possui (outra seqüência magistral e puro cinema inebriante). Aterrorizada pela cor vermelha, vítima de terríveis pesadelos, a sua cleptomania é uma compensação da frigidez. Após a sua posse por Mark, desesperada, Marnie tenta o suicídio. Ao descobrir que sua mulher lhe mente ao se fazer passar por órfã, Mark contrata um detetive particular para seguir sua pista. Uma nova crise se instala em Marnie quando ela deve matar o seu cavalo preferido após este ter se ferido acidentalmente. Mark decide, então, levá-la a Baltimore para falar com a mãe dela, Bernice (Louise Latham). Encontra aí a causa do desajuste psíquico de Marnie e abre, para ela, o caminha da cura.Uma outra incursão, após "Um corpo que cai" (Vertigo), no tema do amor fetichista, Marnie baseia-se na estranha atração que um homem sente por uma ladra e constitui um dos mais inquietantes repertórios de anormalidades sexuais do cinema. Apesar da motivação psicanalítica do drama, se bem que coerente, o extremado rigor do triângulo de personagens centrais, Marnie, Mark e Bernice, resulta na admirável culminação da galeria de mães terríveis hitchcockiana (Pacto sinistro, a mãe dominadora do assassino; Psicose; Os pássaros, a estranha e autoritária mãe vivida por Jéssica Tandy).
Crônica de uma redenção - um homem salva a uma mulher de uma enfermidade que a atormenta - e de uma sedução - um caçador persegue a sua presa até capturá-la, Marnie é um dos ápices da arte narrativa de Hitchcock, capaz de fazer chegar ao público os sentimentos mais complexos e contraditórios por meios puramente visuais, isto é, especificamente cinematográficos. A inventividade excepcional de muitas cenas - e Hitch, nesse particular é um criador de fórmulas, como se comprova no prólogo, na aparição de Bernice, na queda dos confeitos pelo chão da cozinha, o beijo na biblioteca depois da tempestade, o já citado roubo no escritório de Mark, a chegada de Strutt à festa - , as insólitas relações entre os protagonistas, o desenrolar cativante da narrativa, fazem de Marnie o mais estranho e um dos mais belos filmes de Hitchcock.É difícil encontrar em toda a filmografia de Hitchcock um filme tão incompreendido e injustamente tratado como Marnie, e é significativo que isto suceda com um dos trabalhos criativos mais intensos e apaixonados levados a cabo por um diretor.
Marnie é, na verdade, uma infernal exploração dos abismos do comportamento, busca febril e agônica que se plasma visualmente, revelando o que há de mais problemático e misterioso no interior das pessoas. Se Hitchcock é um dos maiores tratadistas narrativos da condição humana, é em Marnie (e em Vertigo) que se dedica a tão ousada aventura. A incompreensão de Marnie se origina em um erro sobre o que nesta obra é essencial e acessório. Não é um filme sobre psicanálise, salvo se se confunde tema com anedota. Não é um melodrama didático, salvo se se identifica a utilização de convenções com a mentalidade convencional. Não é, por exemplo, um filme policial, salvo se a miopia cinematográfica do cinéfilo seja ilimitada. Hitch investiga, por meios cinematográficos, e não psicológicos, a complexidade e a significação das relações entre dois personagens: Marnie e Mark
31 agosto 2008
Comédia inspiradíssima
Houve um tempo em que a cinema italiano nos fornecia comédias admiráveis e singulares, particulares, especiais, em relação às cinematografias de outras nacionalidades. O boom aconteceu durante a prodigiosa década de 60, embora já na de 50 existissem obras do gênero elaboradas por Mario Monicelli, Steno, etc. De Monicelli, lembro de Os eternos desconhecidos (paródia de Riffifi chez les hommes, de Jules Dassin), entre outras, evidentemente. Mas aqui hoje vai um exemplo inspiradíssimo de comédia à la italiana: Venha tomar um café conosco (Venga a prendere il caffè da noi, 1970), de Alberto Lattuada, com o inesquecível Ugo Tognazzi.
Joseph Losey
Hoje, domingo, dia de Introdução ao cinema, devo dizer que os capítulos chegaram ao fim. Creio tê-la publicado, toda a introdução, por três vezes neste blog, que está a cumprir quatro anos de existência, considerando que o dei início em agosto de 2005 assim como está, aqui, no Blogspot. Mas já o tinha começado desde janeiro de 2004 no Blogger da Globo, o que me daria cinco anos e meio de blogueiro. A idade é a de um menino, ainda na infância, embora acredite que a cronologia temporal do blogueiro tenha outra dimensão de tempo e, mesmo, de espaço. A lembrança que me veio hoje foi a de Joseph Losey. Pesquisei e vi que, há mais ou menos dois anos, tinha escrito o que vai abaixo e publicado neste blog. Losey (1909/1984), cineasta sempre presente em minha trajetória de cinéfilo, não tem, nos dias atuais, o destaque que merece. Parece esquecido. O criado (The sevant, 1963), obra de mestre, lembro-me que, quando o vi, recebi um impacto surpreende. O roteiro, de Harold Pinter, a direção, rigorosa, de Losey, os atores, estupendos, a começar por Dirk Bogarde, James Fox, Sarah Miles. Mas esta preciosidade já saiu em DVD. Que o domingo não fique, portanto, neste blog, em vão.
Losey, apesar de sua fleugma, que o faz parecer um britânico nato, nasceu nos Estados Unidos, em Wisconsin, La Crousse, em 1909. Se estivesse vivo -morreu em 1984 - teria a provecta idade de 99 anos (o seu centenário, ano que vem, precisa ser comemorabo e bebemorado). Membro de uma família de ascendência holandesa, quando ingressa nos estudos superiores opta por duas carreiras bastante distintas: medicina e teatro. Logo, porém, a segunda fica no centro de suas preocupações, atuando, como intérprete, em peças alheias e, em 1930, findo seus estudos, dá-se a conhecer como um excelente crítico teatral. Da teoria, todavia, Losey passa, logo, à praxis, funcionando como diretor, metteur-en-scène, em The Living Newspaper (1936), influenciado, nesta ocasião, pelas teorias de Piscator e Bertold Brecht. Do teatro para ocinema, um pulo: em 1937 supervisiona mais de 40 documentários educativos para a Fundação Rockefeller e, realiza curtas autorais, e, trabalhando, para seu sustento, ao mesmo tempo, numa rádio, Losey desponta para a crítica como diretor teatral com a adaptação de Galileu, Galileu, de Bertold Brecht, considerada, até então, a melhor versão no proscênio da peça de Brecht. Após o triunfo de Galileu é que vem o cinema propriamente dito, o cinema ficcional, de longa metragem, com caráter profissional. Dore Schary o convida, em 1948, para dirigir The boy with green hair (O menino dos cabelos verdes), uma fábula humanista acerca do racismo latente em uma coletividade. O Fugitivo de Santa Maria (The Lawless, 49), seu filme seguinte, insiste sobre o mesmo tema, mas com uma chave realista, pois o primeiro está cheio de metáforas e símbolos na fabulação. O menino dos cabelos verdes e O fugitivo de Santa Maria revelam o cineasta Joseph Losey como um realizador original e singularmente apto para restituir a pulsação lírica de alguns estados de ânimo. Assim, The boy with grenn hair contém o que não nos é dado com freqüência observar - uma mensagem de solidariedade humana, de tolerância, de paz, e The lawless, rodado numa pequena cidade do norte da Califórnia, expõe, através de uma narrativa um tanto descontrolada, a dramática situação desta localidade, quando um dos rapazes do bairro mexicano, tomado de pânico após esmurrar um policial, rouba um carro, foge desesperadamente e é acusado de vários crimes (entre os quais o de tentar violentar uma jovem estudante) no decorrer de sua perseguição. A população mais "respeitável" da cidade, indignada com os acontecimentos, percorre as ruas agredindo a pauladas outros mexicanos e empastela o único jornal da região, cujo editor resolvera defender a causa do fugitivo.
Em 1950, O cúmplice das sombras (The prowler), que significa um passo importante na sua carreira ao transcender um tema melodramático - um policial que seduz a uma mulher depois de assassinar o marido - para realizar um profundo estudo psicológico da condição humana de um personagem, a evidenciar Losey, neste filme, como um seguro realizador no controle da técnica naturalista e uma exatidão extraordinária na apresentação psicológica dos personagens. A seguir, no mesmo ano, M, o maldito, nova versão do célebre filme de Fritz Lang, que lhe permite descobrir outra de suas facetas: a faculdade de uma fusão expressiva entre o cenário e o seu protagonista. A maior parte da história e muitos dos arranjos de câmara são conservados e, quase cena por cena, o filme americano segue o alemão. As modificações principais se referem à época e ao local, com a transferência da ação de 1929 para 1950, e de Dusseldorf para uma cidade não identificada dos Estados Unidos. Em ambos, porém, o cenário é o mesmo: uma cidade agredida e aterrorizada por um psicopata cuja especialidade é matar meninas, após captar-lhes a confiança, sem uma pista a seguir, sem um delator, e que invade diariamente o bas-fond. Depois de M, Losey faz The big night, onde Robert Aldrich aparece como figurante: um dos espectadores da luta de boxe.
Em O homem que o mundo esqueceu (Stranger on prowl), filme que se segue a The big night na filmografia de Joseph Losey, a ação está situada em um porto não identificado, que apenas se sabe, pela insistente focalização de suas ruínas, ter sido duramente atingido pela guerra, num passado próximo. Um estranho percorre as ruas faminto e sem esperanças e, mais tarde, se vê perseguido e encurralado como se fora um animal por ter morto acidentalmente a dona do armazém que ameaçava entregá-lo à polícia ao surpreendê-lo com umpedaço de queijo na mão. Dois anos depois, 1954, O monstro de Londres (The sleeping tiger), com Dirk Bogarde (que mais tarde seria um ator constante do cineasta), com Losey a amargar o exílio forçado (é vítima do estupidez maccartista e taxado de 'comunista', deslocando-se para a Europa), assinando a fita como Victor Hanbury. Um homem em desespero (The intimate stranger, 56), assinado, também com pseudônimo, parece refletir a angústia do exílio. E a partir de A sombra da forca (Time without pity, 57), cuja fotografia é de Freddie Francis (o mesmo de Cabo do medo), o realizador já se sente mais livre para assinar seu próprio nome. Thriller policial britânico, apesar de realizado por um norte-americano, tem a britanicidade necessária para que se não lhe perceba a origem direcional: atmosfera sufocante, rictus narrativo, imagens rápidas, cheias de emoção visual e personagens enfocados oniricamente. Após o que, Losey realiza Por amor também se mata (The gypsy and the gentleman), de 1957, com Melina Mercouri e Patrick MacGoohan. Em 1959, um filme muito acima de sua média, e que muitos críticos consideram um de seus momentos altos: Entrevista com a morte (Blind date), com Hardy Kruger, Stanley Baker. Jovem pintor holandês em Londres leva à sua amante um ramalhete de violetas, mas não a encontra em casa e, de repente, chega a polícia. Há impressão de kafkanismo na narrativa com a tensão se fazendo à custa de um equívoco produzido pela usurpação de identidade da vítima. A direção de Losey se mostra menos preocupada com a trama policial do que com o exame psicológico de dois de seus três personagens centrais. Um filme que marca a presença de um autêntico cineasta.The damned, de 1962, nunca foi exibido nos cinemas brasileiros, restringindo-se a uma histórica exibição na TV Tupi do Rio de Janeiro em março de 1973, com o título de O mundo os condenou. Losey, entretanto, já se encontra, dois anos antes, com alta cotação entre os críticos, principalmente porque The criminal revela um realizador inusitado, estilista admirável. Mas é com Eva que a admiração total a Losey se estabelece de maneira definitiva, e seu nome se inclui, definitivamente, na galeria dos grandes cineastas. Com Jeanne Moreau, Stanley Baker, Virna Lisi, Eva é o ponto mais grave de uma acidentada carreira, pois a fita mais ambiciosa, concebida sem preconceitos e realizada num regime de absoluta liberdade de criação. Talvez seja Eva ainda a resultante dos estímulos recebidos por Losey de um grupo compacto da crítica francesa, que o elegeu um dos seus ídolos, para o seu espanto e estupefação, com o elogio descontrolado de suas obras menores. Um ano antes de O criado, que é de 1963, Eva tem uma narrativa pictoricamente sufocante por causa da poderosa beleza da iluminação de Gianni di Venanzo, um artista da luz.
Em 1950, O cúmplice das sombras (The prowler), que significa um passo importante na sua carreira ao transcender um tema melodramático - um policial que seduz a uma mulher depois de assassinar o marido - para realizar um profundo estudo psicológico da condição humana de um personagem, a evidenciar Losey, neste filme, como um seguro realizador no controle da técnica naturalista e uma exatidão extraordinária na apresentação psicológica dos personagens. A seguir, no mesmo ano, M, o maldito, nova versão do célebre filme de Fritz Lang, que lhe permite descobrir outra de suas facetas: a faculdade de uma fusão expressiva entre o cenário e o seu protagonista. A maior parte da história e muitos dos arranjos de câmara são conservados e, quase cena por cena, o filme americano segue o alemão. As modificações principais se referem à época e ao local, com a transferência da ação de 1929 para 1950, e de Dusseldorf para uma cidade não identificada dos Estados Unidos. Em ambos, porém, o cenário é o mesmo: uma cidade agredida e aterrorizada por um psicopata cuja especialidade é matar meninas, após captar-lhes a confiança, sem uma pista a seguir, sem um delator, e que invade diariamente o bas-fond. Depois de M, Losey faz The big night, onde Robert Aldrich aparece como figurante: um dos espectadores da luta de boxe.
Em O homem que o mundo esqueceu (Stranger on prowl), filme que se segue a The big night na filmografia de Joseph Losey, a ação está situada em um porto não identificado, que apenas se sabe, pela insistente focalização de suas ruínas, ter sido duramente atingido pela guerra, num passado próximo. Um estranho percorre as ruas faminto e sem esperanças e, mais tarde, se vê perseguido e encurralado como se fora um animal por ter morto acidentalmente a dona do armazém que ameaçava entregá-lo à polícia ao surpreendê-lo com umpedaço de queijo na mão. Dois anos depois, 1954, O monstro de Londres (The sleeping tiger), com Dirk Bogarde (que mais tarde seria um ator constante do cineasta), com Losey a amargar o exílio forçado (é vítima do estupidez maccartista e taxado de 'comunista', deslocando-se para a Europa), assinando a fita como Victor Hanbury. Um homem em desespero (The intimate stranger, 56), assinado, também com pseudônimo, parece refletir a angústia do exílio. E a partir de A sombra da forca (Time without pity, 57), cuja fotografia é de Freddie Francis (o mesmo de Cabo do medo), o realizador já se sente mais livre para assinar seu próprio nome. Thriller policial britânico, apesar de realizado por um norte-americano, tem a britanicidade necessária para que se não lhe perceba a origem direcional: atmosfera sufocante, rictus narrativo, imagens rápidas, cheias de emoção visual e personagens enfocados oniricamente. Após o que, Losey realiza Por amor também se mata (The gypsy and the gentleman), de 1957, com Melina Mercouri e Patrick MacGoohan. Em 1959, um filme muito acima de sua média, e que muitos críticos consideram um de seus momentos altos: Entrevista com a morte (Blind date), com Hardy Kruger, Stanley Baker. Jovem pintor holandês em Londres leva à sua amante um ramalhete de violetas, mas não a encontra em casa e, de repente, chega a polícia. Há impressão de kafkanismo na narrativa com a tensão se fazendo à custa de um equívoco produzido pela usurpação de identidade da vítima. A direção de Losey se mostra menos preocupada com a trama policial do que com o exame psicológico de dois de seus três personagens centrais. Um filme que marca a presença de um autêntico cineasta.The damned, de 1962, nunca foi exibido nos cinemas brasileiros, restringindo-se a uma histórica exibição na TV Tupi do Rio de Janeiro em março de 1973, com o título de O mundo os condenou. Losey, entretanto, já se encontra, dois anos antes, com alta cotação entre os críticos, principalmente porque The criminal revela um realizador inusitado, estilista admirável. Mas é com Eva que a admiração total a Losey se estabelece de maneira definitiva, e seu nome se inclui, definitivamente, na galeria dos grandes cineastas. Com Jeanne Moreau, Stanley Baker, Virna Lisi, Eva é o ponto mais grave de uma acidentada carreira, pois a fita mais ambiciosa, concebida sem preconceitos e realizada num regime de absoluta liberdade de criação. Talvez seja Eva ainda a resultante dos estímulos recebidos por Losey de um grupo compacto da crítica francesa, que o elegeu um dos seus ídolos, para o seu espanto e estupefação, com o elogio descontrolado de suas obras menores. Um ano antes de O criado, que é de 1963, Eva tem uma narrativa pictoricamente sufocante por causa da poderosa beleza da iluminação de Gianni di Venanzo, um artista da luz.
Obra de mestre, obra-prima, O criado (The servant), com Dirk Bogarde e JamesFox, traduz bem a relação hegeliana do senhor e escravo. É o melhor filme de Losey, um trabalho exemplar, que se encontra, de repente e para surpresa de todos, em DVD. Vi o filme nos bons tempos do Cinema 1 em Copacabana. O criado é representativo desse enfoque de personagens cuja transparência de status social só tem igual na opacidade psicológica. Tony (James Fox), um jovem e sedutor aristocrata britânico, contrata um camareiro, Barrett (Bogarde). Como observou o ensaísta francês Claude Beylie, "A fábula é límpida: herdeiros de um mundo condenado, o escravo torna-se amo e vice-versa. Losey deleita-se com o espetáculo desse processo inexorável de degradação. Aí encontramos aquela 'exigência em perpétuua tensão' de que falava Michel Mourlet a propósito de À sombra da forca."
A seguir, um inédito em território brasileiro: King and country. Depois uma brincadeira satírica em tom descontraído: Modesty Blaise, com Monica Vitti, Terence Stamp, 1966, uma sátira ao bondianismo, desta vez colocando, como a heroína, uma mulher, e movido por chave irônica em linguagem de história em quadrinhos. E posteriormente uma quase obra-prima: Estranho acidente (Accident, 67), análise de comportamentos e de idiossincrasias, pintura ácida (como de hábito) de um meio corrompido (desta vez o acadêmico), com, novamente, Bogarde e o Stanley Baker de tantos filmes. O casal Burton reviveria Tennessee Williams em Boom (O homem que veio de longe), que se passa nos interiores do elizabetano palazzo onde tudo é ostentação. Vieram a seguir: Cerimônia secreta (Secret cerimony, 1968). No limiar da liberdade (Figures in a landscape, 1970), O mensageiro (The gobetween, 71, Palma de Ouro em Cannes), O assassinato de Trotsky, 1973), Casa de bonecas (A doll's house), com Jane Fonda, baseado em Henrik Ibsen, Galileo (74), A inglesa romântica (The romantic englishwoman, 74), Cidadão Klein (76), Don Giovanni.
Em Cerimônia secreta, uma mulher (Mia Farrow, recém chegada de Rosemary's baby) adota uma prostituta (Elizabeth Taylor) como sua mãe. Segundo Losey, Secret cerimony é um filme sobre a terrível necessidade que os seres humanos têm uns dos outros e a incapacidade que todos temos de nos satisfazer." Moral da história: dois ratos caem num balde de leite. Um morre afogado. O outro debate-se a noite inteira e acorda na coalhada
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