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04 abril 2008

Momentos da arte do filme

Blog exclusivo para colocar trechos preciosos da arte cinematográfica tirados do You Tube. Conheçam-no:
http://setaroandreolivieri.blogspot.com/

Reflexão sobre Glauber Rocha



Recebi do "velho" Tuna Espinheira a reflexão lúcida e coerente que transcrevo abaixo de autoria de Alexei Bueno. Na Folha de S. Paulo de hoje, sexta, na Ilustrada, também Carlos Heitor Cony escreve sobre o autor de Deus e o diabo na terra do sol. Segundo pude entender, um dos integrantes do Casseta & Planeta, numa exibição recente de um filme de Glauber no Rio de Janeiro, gritou que Glauber "é uma merda". O tal integrante, que trabalha também num programa no GNT, Marcelo de não-se-o-quê, suscitou o texto abaixo e a crônica conyana. Merda, digo eu, é A taça do mundo é nossa. Por concordar em gênero, número e grau com Alexei Bueno, faço questão de dar, aqui, sua reflexão, à publicação, a pedir licença. Abrindo as imprescindíveis aspas:
"O que é a arte? perguntou Tolstoi num famoso e estranho livro da sua fase mística. Para que serve a arte? não para os outros, o que é muito claro, mas para os que a criam, e num país pleno de energúmenos como o nosso, pergunto eu? Glauber Rocha, recentemente chamado de “uma merda” por um palhaço, fez Deus e o Diabo na Terra do Sol aos 24 anos de idade. Esse filme, para além da sua beleza indescritível, é uma síntese da nacionalidade que não só abarca todo o passado como chega – o famoso dom “profético” de Glauber - até nossa contemporaneidade, assim como passará além dela. É impossível, a não ser para os cegos, não ver o retrato do irracionalismo popular dividido entre a religião e a violência que há no filme, e não perceber que o Beato Sebastião e o Corisco que nele estão se transformaram no Bispo Macedo e no Fernandinho Beira-mar da nossa triste conjuntura. Aos 27 anos, Glauber fez Terra em transe, o maior filme sobre política da história do cinema, no caso sobre o subdesenvolvimento político e a tragédia dos que, conscientes, vivem nele. Mas, ora, ninguém o entendeu, qualquer flashback, e ainda mais um filme que é inteiro um flashback, é demais para a astúcia dos nossos conterrâneos, inclusive intelectuais que lêem com a maior naturalidade o mais arrevesado romance de vanguarda, mas saem de um filme no meio se ele tiver a mais ínfima inversão de ordem direta na narrativa. Aos 29 anos fez Glauber O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro, fecho dessa trilogia genial, filme de uma precisão de mise-en-scène coletiva em planos-seqüência como só vi um tanto semelhante no Oito e meio de Fellini. Um importante e inteligente articulista disse recentemente que o filme era chato, essa grande reflexão estética. Já vi indivíduos dizerem que a Odisséia era chata, o Dom Quixote era chato, que a Divina Comédia era chata, que a Quarta Sinfonia de Brahms era chata, que o Grande sertão: veredas era chato, que a Missa em si-menor de Bach era chata, etc. etc. Conheci mesmo um que dizia – e era comunista, membro do Partidão – que o Encouraçado Potiônkim era chatíssimo. Uma merda deveria ser de fato Eisenstein para conseguir fazer um filme que dura uma hora, com 1.500 planos, e mesmo assim ser tão chato. Uma merda igualmente o Glauber do Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro, filme onde vemos uma cidadezinha do sertão ser invadida por uma coréia de beatos famintos, comandados por uma santa; onde um matador de cangaceiros se encontra com o último deles, desafia-o e fere-o de morte; onde há um Coronel cego, que é corneado pelo delegado a quem domina; onde o mesmo Coronel chama seus jagunços para massacrar todos os beatos; onde a amante, flagrada, mata o delegado em praça pública com cinqüenta punhaladas; onde o cangaceiro ferido agoniza como o Cristo, e é deixado como que crucificado num mandacaru; onde um professor bêbado e a mulher do delegado fazem um ménage à trois com o cadáver do próprio, perante o padre, que se transformará por sua vez num revoltado, cena de necrofilia lírica única na história do cinema; onde os beatos são todos massacrados, a partir do que se prepara um duelo final, titânico, entre o professor e o matador de cangaceiros, de um lado, e o Coronel e todos os jagunços do outro, uma das maiores seqüências corais da história do cinema; onde o pobre Preto Antão se transforma num novo São Jorge e mata, a cavalo, com uma lança, a figura maligna do Coronel cego, no meio de uma praça, etc. etc. De fato, se Glauber, com tudo isso acontecendo em menos de duas horas, conseguiu fazer um filme chato, deve estar na mesma categoria de Eisenstein para o comunista. Esse filme, que conquistou a Europa – apesar do substrato histórico cultural que ela não conhece, e que nós deveríamos ter obrigação do conhecer – esse filme sobre o qual disse, magistralmente, o Osservatore Romano, fazer a fusão exata da tragédia grega com a elisabetana, esse filme com que Glauber ganhou o prêmio de Melhor Diretor em Cannes, esse filme que reuniu um dos mais admiráveis grupos de atores do nosso cinema, Joffre Soares, Maurício do Valle, Othon Bastos, Emmanuel Cavalcanti, Odete Lara, Hugo Carvana, com uma fotografia colorida de uma beleza poucas vezes igualada, etc. etc., é chato, e basta.

Citei três filmes para nem, citar o resto, nem os admiráveis livros sobre cinema que Glauber deixou, nem nada. Glauber morreu com 42 anos, já lá se vão 27. Poderia estar vivo e bem agora, com 69, ter seguido a sua vida na Faculdade de Direito de Salvador, e assim não seria hoje chamado uma merda. Disse o mesmo articulista que seus filmes não são para a geração do palhaço que o chamou de uma merda, nem para a dos avós do mesmo. Não sei o que é arte fashion, arte para “tal geração”, vejo e revejo os filmes de Griffith, Murnau, Abel Gance, Dreyer, Eisenstein, Pudovkin, Dovchenko, Stroheim, Epstein, Clair, Keaton, Chaplin, Lang, Fellinni, Buñuel, Bergman, Godard, Pasolini, Truffaut, Glauber, etc. etc. etc. com suprema emoção estética, a mesma que tive aos ver pela primeira vez Deus e o Diabo na Terra do Sol, aos 13 anos, no dia 15 de janeiro de 1977, no Cineclube Macunaíma, na ABI, dia que mudou toda a minha visão sobre o cinema, assim como leio Homero, Camões, Balzac, Proust ou Kazantzákis com a mesma estesia; como olho para a pinturas de Lascaux, para as das múmias de Fayum, de Caravaggio, de Rembrandt, de Van Gogh, de Picasso com o mesmo entusiasmo; ou ouço Bach, Haendel, Haydn, Mozart, Beethoven, Schubert, Brahms, Wagner, Stravinsky, Bartok, Chostakóvitch como se meus contemporâneos fossem. Não se tem o direito de xingar Glauber? Claro que sim. Qualquer um pode chamar de uma merda o Aleijadinho, Machado de Assis, Raul Pompéia, Euclides da Cunha, Villa-Lobos, Manuel Bandeira, Cecília Meireles, Guimarães Rosa, etc. etc. O direito ao desprezo abissal, no entanto, esse também é sagrado. Talvez o grande cinema brasileiro seja o de A Copa do Mundo é nossa, do grupo Casseta. O que é, simplesmente, mais desagradável, mais deselegante, no caso de Glauber, é que essa merda tem uma mãe viva, uma senhora de quase noventa anos que perdeu uma filha aos 13, de leucemia, uma outra, a bela e saudosa Anecy, aos 34, caída num poço de elevador, e o seu último filho, a merda em questão, aos 42, graças a uma obra-prima da medicina lusitana. Felizmente, cada um sabe escolher quem é a merda de sua preferência."

03 abril 2008

O artesão de sonhos

O artesão de sonhos é um documentário realizado por Petrus Pires e Paulo Hermida sobre o grande cineasta baiano que foi Roberto Pires. O primeiro, filho deste, está a resgatar a memória do pai, um dos maiores artesãos do cinema brasileiro, como se pode verificar pelos depoimentos e pelos trechos do documentário. Há alguns momentos preciosos, a exemplo da avant-première de Redenção, primeiro longa baiano, no cine Guarany, há quase quarenta anos atrás. E trechos deste filme cujo pioneirismo é indiscutível e realizado com uma lente anamórfica (cinemascope) inventada por Roberto Pires.
A estrutura de O artesão de sonhos se estabelece pelos depoimentos de pessoas que conviveram com o grande cineasta, trechos de filmes e material de arquivo onde se vê Pires a trabalhar durante a rodagem de alguns de seus filmes, além de fotografias fixas. Há momentos de inspiração por parte de Petrus e Hermida, principalmente na parte final, quando, aproveitando uma cena de Abrigo nuclear (1980), no qual o próprio Roberto Pires trabalha como ator, mostra este a olhar para uma tela e, nesta, aparecem algumas informações sobre ele, como se Pires estivesse a ler o que os cineastas escreveram. A imagem, de repente, do close up do realizador, congela a alegria em seu rosto. Em outro momento, há um saque bem funcional de montagem: uma ambulância que sai em Césio 137 (1990) para, corte, outra entrar em cena em disparada, mas, nesta tomada, em A grande feira (1961).
Zenilton Barreto, Orlando Senna, Oscar Santana e César Pires (filho também de Roberto) são os depoentes de O artesão dos sonhos. Zenilton fala sobre o projeto de Césio 137, a investigação feita pelo cineasta para saber toda a verdade acerca do acidente que vitimou várias pessoas em Goiania. Roberto entrevistou com vagar um a um dos sobreviventes e o resultado é a sinceridade e a pungência de Césio 137. É bem possível que o câncer que o matou tenha sido uma conseqüência de seu contato com o objeto radioativo durante a rodagem do filme, que, entre outros atores, tem Nelson Xavier e Joanna Fomm nos principais papéis. Césio 137 foi o derradeiro filme de Roberto Pires, sua despedida do cinema. Tinha, quando morreu, e já feitos alguns registros, o projeto de Nasce o sol a 2 de Julho, cujo roteiro é de Rex Schindler e narra os episódios culminantes da vitória dos baianos durante a sua data magna, quando conquistaram a independência dos portugueses.
Orlando, que saiu da Secretária do Audiovisual do Minc direto para a Tv Brasil, conta que foi assistente de direção de Roberto em Tocaia no asfalto, um thriller que demonstra o talento de Pires e tem duas seqüências fundamentais como registro e prova de sua competência como metteur en scène: a tentativa de assassinato de um político dentro da Igreja de São Francisco e a sua consumação no cemitério do Campo Santo. A abertura é explosiva com o tiro certeiro que Roberto Ferreira (Zé Coió) toma na testa. Orlando Senna explica como foi feito.
Oscar, que trabalha com Pires desde Redenção, disse que Roberto Pires não foi à avant-première deste filme pioneiro. Porque não gostava de agitação. Pires não era de dar entrevistas, nunca gostou de aparecer. Era pessoa de lhano trato, discreta. O artesão de sonhos dá uma visão geral de sua importância como diretor de cinema. É o maior realizador que o cinema baiano já teve, descontando, aqui, Glauber Rocha, que é internacional.
O documentário de Petrus Pires e Paulo Hermida tem o resgate e a inteligência de nos fazer lembrar, pelo itinerário documental, a figura exemplar de um grande realizador, de um pai e de um artesão de sonhos, que se tornaram realidade.
Clique no foto do cartaz para vê-lo ampliado em outra janela

01 abril 2008

Jules Dassin dá seu último suspiro

Romero Azevedo, professor de cinema, crítico e cinéfilo, comunica-me a morte de Jules Dassin, o blogueiro ainda abatido com o passamento de Richard Widmark. Se, por um lado, a constatação de perdas, por outro a constatação de que os dois extintos se foram com mais de 90 anos, Dassin, realizador que tem importância, morreu de gripe, o que significa quase dizer: de velhice. Mas seu nome remete logo a Rififi chez les hommes, Aquele que deve morrer, Mercado de ladrões, Cidade nua, Brutalidade, entre outros. E Nunca aos domingos, grande sucesso, que ficou várias semanas em cartaz e sua música entrou pelos ouvidos de toda gente (há, inclusive, uma versão em português, que era muita cantada pelos jovens nos idos dos 60). É um cineasta a considerar. A pressa faz com que tire do UOL as informações que vão abaixo, ainda que todos os direitos destas sejam reservados. Na foto, Dassin com a atriz grega Melina Mercouri, que soube ser atraente numa determinada época e depois entrou na política, combatente que era, para representar seu povo - o que é difícil na deputança brasileira. O parlamentar deste Brasil entra no Congresso Nacional para representar seus próprios interesses e os interesses das empresas que patrocinam sua candidatura. Mas isto é outra história.
O cineasta americano Jules Dassin morreu nesta segunda-feira em Atenas aos 96 anos, em conseqüência de uma gripe, anunciaram fontes hospitalares.
O cineasta era casado com a atriz grega Melina Mercouri, juntos em foto de 1960
Mercouri faleceu em 1994, quando era ministra de cultura. Dassin, que tinha a saúde deteriorada nos últimos anos, morreu no hospital particular Ygeia, onde estava internado após uma fratura no quadril, afirmaram as fontes. Nascido em 18 de dezembro de 1911 em Middletown (Connecticut), Jules Dassin morava na capital grega desde 1959 com a esposa, a atriz grega Melina Mercuri. Teve uma longa carreira cinematográfica, em que abordou todos os gêneros da sétima arte, da crônica social do gênero "noir", destacando-se os filmes "Cidade Nua" (1948) e "Rififi" (1955), pelo qual venceu o prêmio de melhor direção em Cannes. Ator, diretor e produtor de cinema, realizou filmes nos EUA, Inglaterra, França e Grécia, com mensagem de esperança aos oprimidos. De uma família humilde, trabalhou como ator e diretor no teatro iídiche de Nova York até ingressar no cinema (1941) realizando vários filmes curtos. Fez sete longas-metragens para a Metro (1942-1945), dos quais os mais expressivos foram "O Fantasma de Canterville" (1944), com Charles Laughton e Robert Young, e "Uma Carta para Evie" (1945). Depois realizou dois clássicos: "Brutalidade" (1947), com Burt Lancaster e Hume Cronyn, e "Cidade Nua" (1948), com Barry Fitzgerald e Dorothy Hart. Vitima das perseguições políticas do maccarthysmo, exilou-se na Europa e recomeçou a carreira na Inglaterra com "Sombras do Mal" (1950), com Gene Tierney e Richard Widmark, na França com o grande sucesso "Rififi" (1955), com Jean Servais e Carl Möhner, prêmio de direção em Cannes. Também na França fez "Aquele Que Deve Morrer" (1956), com Maurice Ronet e Jean Servais, Prêmio César, o maior do cinema francês, e La Loi (1958), com Gina Lollobrigida e Marcello Mastroianni. Mudando-se para a Grécia dirigiu e produziu Pote Tin Kyriaki (1960) - em francês "Jamais le dimanche" e, no Brasil, "Nunca aos Domingos", Oscar de melhor atriz para sua mulher, Melina Mercouri, e de melhor canção.E ainda, "Profanação" (1962), com Melina Mercouri e Anthony Perkins, e "Topkapi" (1964), com Akim Tamiroff e Peter Ustinov. Ainda fizeram grandes sucesso comerciais "Up Tight!" (1968), com Raymond St Jacques e Ruby Dee, "La Promesse de l'aube" (1970), "A Dream of Passion" (1978), "Circle of Two" (1981) e "Rififi" (2000), do qual também foi o roteirista.Dassin participou ativamente na Grécia de manifestações contra a ditadura militar (1967-1974). Depois da morte da mulher, em 1994, recebeu a cidadania grega a título honorífico, e a partir desse momento dedicou a vida à construção do novo museu da Acrópolis e a lutar pela devolução dos frisos do Partenon, que estão em Londres. Dassin teve dois filhos: Julie e o popular cantor Joe Dassin, morto em 1980.





30 março 2008

O professor aloprado

A versão de O Professor Aloprado (The Nutty Professor), com o histriônico Eddie Murphy, revela a distância quilométrica existente entre a comediografia americana contemporânea e a do pretérito. Enquanto nos dias atuais inexiste uma, por assim dizer, poética do gag, a haver, isto sim, uma exacerbação das situações num speed escatológico ou na procura nerd do ridículo, mas, sempre, sem nenhuma inventividade cinematográfica – Vovó zona, entre outras, as comédias de tempos idos evocam o riso pela imaginação criadora, quer do ponto de vista do Ser, quer do ponto de vista da narrativa fílmica (o elo fundamental sintático). Assim, faz-se necessário, aqui, relembrar, com urgência urgentíssima, a genialidade de Jerry Lewis (e a aproveitar o gancho de pesquisa recente feita neste blog), um dos maiores comediantes do cinema de todos os tempos, e de seu singular O Professor Aloprado (1963), obra-prima, sem dúvida, não só da comédia mas do cinema. Artista criador, revolucionário mesmo na concepção de uma mise-en-scène originalíssima, Jerry Lewis é um poeta ou, como disse Jean-Luc Godard, "o mais progressista cineasta do cinema americano dos anos 60".
Versão (ou inversão?) de O Médico e o Monstro, de Robert Louis Stevenson, O Professor Aloprado conta como um pacato e modesto professor de química, feio, dentuço, desengonçado e mal ajambrado, consegue criar uma fórmula capaz de lhe impor a beleza e o charme. Apaixonado por uma de suas alunas (Stella Stevens), ele tenta conquistá-la quando toma a poção mágica e vira o charmoso Buddy Love. A fórmula, no entanto, tem duração limitada e, de repente, a criatura se transforma, aos poucos, no criador, principalmente nos momentos idílicos entre Buddy e Stella, mas ele, sabidamente, desaparece. Buddy Love provoca celeuma na escola, deixando, estupefatos e apaixonados, desde a secretária (a lewsiana Kathleen Freeman), às alunas e, até, o grave e circunspeto diretor (Del Moore). O clímax se dá no baile de formatura no momento em que Buddy, o convidado de honra, se metamorfoseia no desengonçado professor.
A inventividade de Jerry Lewis no plano da linguagem cinematográfica é imensa. Cenas brilhantes que se encontram em qualquer antologia que se preze da comediografia cinematográfica: (1) o processo de transformação do professor Kelp em Buddy Love com um extraordinário uso da cor poucas vezes observado na história da arte do filme; (2) a câmera subjetiva em lugar de Buddy, finda a metamorfose(e ainda quando o espectador não sabe do resultado), e o espanto dos transeuntes que circulam na porta da buate; (3) a seqüência do ginásio traduz com absoluta perfeição a frustração essencial do personagem lewisiano diante da mitificação esportiva norteamericana; (4) a ambigüidade estampada no close up de Stella Stevens, quando Buddy inicia os tiques diccionais de seu criador; (5) o professor a olhar e imaginar Stella na porta da sala em várias mudanças de sua indumentária; (6) depois da noite perdida, e de ressaca, o professor, pálido, na aula, ouvindo, desesperado, o ruído exagerado do giz riscando o quadro, da aluna que assoa o nariz, etc, numa conjugação funcional da imagem e do som; (7) toda a seqüência do baile de formatura, em especial a cena da transformação da criatura no criador; entre muitas outras.
Lewis desmistifica o espetáculo, revelando seus códigos com uma coragem inusitada para a linguagem da época. O final é de uma terrível elegância, quando os principais atores, um a um, como se estivessem num palco de teatro, agradecem enquanto seus nomes são creditados na tela. O último é Jerry Lewis que, literalmente, quebra a lente da câmera.
Este artista mal compreendido, que somente vem a receber o respeito crítico a partir do número especial que lhe dedica o sisudo Cahiers du Cinema, é o máximo representante da comicidade non sense do cinema americano posterior a 1945. Lewis parodia, com seus filmes dirigidos nos anos 60, e com singular acerto, as frustrações psicológicas do american way of life. Os seus instrumentos de análise (ou, se se quiser, o seu método) estão na utilização imaginativa da técnica do gag.
Cantor das orquestras de Jimmy Dorsey e Ted Florita, Jerry Lewis (Joseph Levitch, New Jersey, 1926) forma dupla com Dean Martin em 1946, atua em televisão e rádio, e, em pouquíssimo tempo, torna-se popular coast to coast em toda a América. A dupla mais burlesca do mundo do espetáculo logo é convidada para ingressar no cinema - e isto se faz através da Paramount. Entre 1949 e 1955, quando Lewis, neste último ano, começa uma extraordinária carreira solo sob as ordens de um mestre da comédia: Frank Tashlin, que lhe inspira o timing cinematográfico e o sentido non sense das situações. Aliás, a sua separação de Dean Martin revela que o êxito da dupla radica fundamentalmente no talento cômico de Lewis. Artistas e modelos (1955), filme que assinala a sua estréia sob a direção de Tashlin, dá início a uma série de títulos que se constituem em agudas sátiras da sociedade norteamericana expostas com um estilo refinado que se aproxima algumas vezes do cartoon e das histórias em quadrinhos.É, porém, quando Jerry Lewis decide montar uma companhia independente (a Jerry Lewis Productions Inc.) que emerge o seu gênio. Desde O Mensageiro Trapalhão (The Bellboy,1960), obra de estréia, o indicativo da originalidade na arte de conceber a mise-en-scène está presente. Neste filme, não há progressão dramática mas uma sucessão de sketchs, assim como Mocinho encrenqueiro (The errand boy, 1961).
O Terror das mulheres (The ladie´s man, 1961) deslancha a sua fase de obras-primas absolutas (se é possível a um artista ter mais de uma obra-prima!). Filme que representa na obra de seu autor um inequívoco manifesto sobre a concepção da mulher e uma irrefutável fulminação do matriarcado, O Terror das mulheres é delirantemente desmistificador (a partir mesmo do cenário, uma grande mansão na qual os segredos do décor são revelados ao público).Vem O professor Aloprado em 1963 e, em seguida, O Otário (The Patsy, 1964), outra obra magistral, onde aperfeiçoa, amadurece e enriquece definitivamente o seu estilo: a crueldade que consiste em fazer rir de si próprio; a magistral utilização do showburn; o gosto do espetáculo e a vontade em revelar ao espectador o décor, o desdobramento de sua personalidade autor-ator, a explosão em personagens múltiplas,etc. Lewis continua a filmar, tem uma crise nos anos 70, mas seus maiores filmes, os geniais, estão na década de 60. Como este O Professor Aloprado. Mas não se pode esquecer, nunca, de The big mother (O fofoqueiro, 1967), entre outros.