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21 março 2008

Jerry Lewis, um gênio do cinema



O resultado da enquete sobre Jerry Lewis (um gênio do cinema inconteste) ainda bem que deu um resultado satisfatório. Dos 28 votantes, 60% (17) consideram-no um grande comediante. Alguns nunca viram nada dele (pena!) e outros poucos acham que Lewis é apenas um artista engraçado.

Na verdade, um autor na expressão da palavra, um dos cineastas mais importantes do cinema, um inventor de fórmulas que contribui sobremaneira para a evolução da linguagem cinematográfica. Custa crer que já passou da casa dos 80, mas, a julgar pela sua aparição dois anos atrás em David Lettermin, continua ativo e forte.

Seus principais filmes podem ser encontrados em DVD, ainda que faltem obras como O fofoqueiro (The big mouth, 1967) e Smorgasbord (1983), filmes demolidores e devastadores em todos os sentidos.

20 março 2008

O gosto dos outros

Muito bom o début de Agnès Jaoui como diretora em O gosto dos outros (Le goût des autres, 2000), que pode ser encontrado em DVD, ainda que lançamento há cinco anos ou mais. Jaoui aprendeu com Alain Resnais (trabalha como atriz e participou do roteiro de Amores parisientes/On connaît la chanson, 1997) a observação dos comportamentos humanos e a maneira simples e inteligente de abordá-los. Le goût des autres, lembra, na sua concepção geral e no andamento da situações, o modo resnaisiano de fabulação dos últimos filmes, a exemplo do magistral Medos privados em lugares públicos/Coeurs, o melhor filme, de longe, do ano passado. Em O gosto dos outros são três corações que descobrem novas possibilidades na vida. Jaoui é delicada e sensível como diretora e também, em Le goût des autres, trabalha como atriz ao lado de Jean-Pierre Bacri (seu companheiro de longa data).

Sempre achei Laís Bodansky inteligente e simpática. Chega de saudade, seu segunda longa (o primeiro: Bicho de sete cabeças), está sendo lançado neste fim de semana em quase todas as capitais do país. Agradou muito em Brasília, aplaudido pelo público presente ao festival, cujo juri preferiu premiar Cleópatra, de Júlio Bressane. Chega de saudade tem sua ação localizada em um baile para pessoas da terceira idade. Para alguns, lembra um pouco O baile, de Ettore Scola, embora as propostas diferentes. E tem um elenco de se tirar o chapéu: Tonia Carrero, Leonardo Villar, Jorge Lordelo, Stepan Narcessian, entre muitos outros notáveis. De repente, no meio do filme, aparece a fabulosa ("Lata d'água na cabeça...") Elza Soares. Assim que for lançado, vou, logo, assisti-lo.
Ninguém tomou conhecimento, mas Agnès Jaoui esteve em Salvador para lançar - há alguns anos - Amores parisienses, de Alain Resnais, filme do qual ela participa não somente como atriz mas, também, como uma das roteiristas. O lançamento se deu numa das salas do Aeroclube. Saiu uma nota em A Tarde. Jaoui é uma mulher extremamente inteligente e que se destaca pelo seu poder criativo. Infelizmente não tive oportunidade de ver os outros filmes que dirigiu a partir de Le goût des autres, a exemplo de Comme une image (2004).
O blog do grande crítico de arte, Professor Jorge Coli, pode ser conferido em
http://bravonline.abril.com.br/participe/blogs_listarpublicacoes.shtml?1316 Coli, sobre ser um dos mais eruditos críticos de arte no Brasil, é polêmico quando fala de cinema. Adora os filmes oriundos da indústria cultural de Hollywood, os chamados blockbusters, que os tem em alta conta. Tem opiniões que conflitam com a intelligentzia crítica (o que é sempre bom), quando, por exemplo, elogia o diretor Moacyr Goes, e, também, Miguel Falabella, a considerar estes, por exemplo, mais talentosos do que um Cláudio Assis, por exemplo. Vale dar um conferida no blog cujo endereço já se encontra acima dado.
Este não é um blog, mas um site. Trata-se de Escrever Cinema (http://www.escrevercinema.com/), de José Carlos Avellar, um veterano da crítica cinematográfica. Passou anos com uma coluna no Jornal do Brasil, onde dividia a crítica dos filmes com Ely Azeredo, que se encontra a completar 50 anos de atividade no colunismo cinematográfico. A existência de dois críticos no Jornal do Brasil era muito interessante, pois Ely Azeredo é o antípoda do pensamento de Avellar sobre cinema. A concepção estética de um diverge em número, gênero e grau ao do outro. E, para completar, em matéria de novidades, um outro blog que recomendo é o de Diego Assunção, que pode ser acessado através do seguinte link: http://www.cinema-setima-arte.blogspot.com/
A campanha antitabagista que toma conta dos politicamente corretos é puro fascismo. Quem fuma, agora, é um marginal. O seu livre-arbítrio não é respeitado. Concordo com Carlos Reichenbach sobre este fascismo que se está a alastrar pelo Brasil afora contra os fumantes. Há poucas semanas, por exemplo, o fumódromo do Cine Sesc em São Paulo foi abruptamente fechado.
A imagem que ilustra este post mostra Jean-Pierre Bacri e sua companheira Agnès Jaoui, a diretora de Le goût des outres.

16 março 2008

A vida íntima de Sherlock Holmes




Pena que o Telecine Cult esteja a passar um dos melhores e mais desconhecidos filmes de Billy Wilder, A vida íntima de Sherlock Holmes, originariamente filmado no formato cinemascope, em tela espichada, cheia (full screen), a resultar, com isso, a deformação da imagem, a desfiguração do enquadramento do filme. Pouco apreciado, porque, quando lançado em sua época, e retirado de cartaz, numa mais exibido, A vida íntima de Sherlock Holmes é um Wilder em plena sensibilidade de seu humor e de seu cinema com um acento hitchcockiano que o faz ainda mais saboroso. Trata-se também do primeiro filme que Wilder(vienense radicado no cinema americano) realiza na Inglaterra (os interiores nos estúdios Pinewood) e Escócia (exteriores em Inverness). Produzido em 1970, com roteiro do inseparável I. A. L. Diamond, baseado nos personagensde Sir Arthur Doyle, A vida íntima de Sherlock Holmes, sobre ser um espetáculo de grande finura, humor, e observação de comportamentos, é uma obra que se incorpora a uma filmografia quase única da história do cinema como mais uma variante de sua verve versátil e amplitude temática. A influência de Hitchcock se faz notável, mas influência benéfica, mais que soma do que diminui, como acentua Paulo Perdigão, o grande crítico, em comentário que posto abaixo.

Inativo, ocioso, Sherlock Holmes (interpretado por Robert Stephens) passa o tempo a tomar cocaína, apesar dos reclamos de seu biógrafo e amigo Dr. Watson (Colin Brakely). Aceitando o convite para assistir ao balé russo, Holmes é levado à presença da primeira-bailarina, Petrova (Tamara Toumanova), que, a desejar um filho genial, escolhe Holmes como o pai ideal. Polidamente, como é do seu feitio, o detetive recusa, a alegar ser um homossexual (é audacioso, para a época, a insinuação desta condição), declaração que deixa atônito o Dr. Watson totalmente desconfiado de sua misoginia. Dias depois, uma jovem, Gabrielle (a insinuante Geneviève Page), que tentara o suicídio no Tâmisa, é levada à residência de Holmes (rua Baker, 221-B). Ela viera da Bélgica para descobrir o paradeiro do marido, um engenheiro. O fleugmático private eye segue uma pista, apesar das advertências em sentido contrário de seu irmão, Mycroff (interpretado pelo emblemático Christopher Lee).

Em Inverness, na Escócia, descobre Holmes a existência de um estranho submersível testado pelo governo, e que tem a forma do lendário monstro marinho Long Ness. Mycroff, que trabalha no projeto, revela a Holmes que Gabrielle é, na verdade, uma espiã alemã. Frustrado, o detetive volta à sua Londres enquanto Gabrielle é presa. Mais tarde, Holmes vem a saber, transtornado, que a moça fora executada. A solução, e solução wilderiana, diga-se de passagem, será voltar à cocaína.

Conto o filme porque não o recomendo ver no Telecine Cult, porque em tela cheia, e se encontra, como disse, totalmente desfigurado. Monstruosamente modificado em seu enquadramento, em seu formato original. The private life of Sherlock Holmes é vigéssimo-segundo filme da carreira do diretor e o nono em parceria com o roteirista Diamond (trabalham juntos desde Amor na tarde/Love in the afternoon, 1956). Produzido com sete milhões de dólares (uma micharia em relação aos tempos faraônicos da Hollywood atual), é o centéssimo vigéssimo sete filme a apresentar a figura do detetive criado por Conan Doyle e aqui abordado livremente.

Como homenagem a este filme pouco apreciado de Billy Wilder e, também, como homenagem ao grande crítico que foi Paulo Perdigão, publico aqui uma crítica de sua lavra publicada no antigo Guia de Filmes do INC (Instituto Nacional de Cinema, que também publicava a revista Filme/Cultura. Nos bons tempos da crítica cinematográfica. Perdigão morreu em janeiro de 2007, o que se constituiu numa perda enorme para os escritos sobre a arte do filme. Tinha Perdigão como o seu melhor filme Os brutos também amam (Shane, 1953), de George Stevens. Chegou a ir, sob os auspícios da Filme/Cultura, entrevistar Stevens, que, a princípio arredio, com o desenrolar da conversa, assombrou-se com o conhecimento de Perdigão sobre Shane. No final da entrevista, disse que Perdigão conhecia mais o filme do que ele, seu diretor. Mas vamos logo à crítica de Perdigão a respeito de The private life of Sherlock Holmes:

"Elementar, meu caro Wilder. É o que o roteirista Diamond deve ter comentado com o diretor Billy Wilder quando ambos resolveram decifrar – sem consulta à fonte Conan Doyle – um mistério chamado A vida íntima de Sherlock Holmes. As pistas deixadas pelo fiel Dr. Watson dentro de uma caixa top secret eram dignas da imaginação, do faro e da irreverência do mais célebre detetive de todas as épocas; além da clássica indumentária sherlockiana (o boné de camurça, o cachimbo, a écharpe, a lente de aumento), já estavam os relatos que Watson não teve coragem de publicar em The Strand Magazine por serem indiscretos demais. Quatro episódios reveladores da personalidade de Sherlock e que, como diz Wilder com seu conhecido cinismo, “também refletem a imagem de uma certa Inglaterra”.

Antes da atual aventura, Sherlock esteve 127 vezes na tela – numa delas (alemã de 1963) interpretado por Christopher Lee, que aqui faz o irmão de Holmes, Mycroft. Mas só agora, sob os traços do shakespeariano Robert Stephens, ele foi examinado por um cineasta à altura de sua sofisticação diabólica. Wilder identifica-se com Holmes e evidentemente o admira: “Ele é um dos maiores personagens da literatura, comparável a Hamlet e Cyrano de Bergerac”. Por isso, as inconfidências sobre a intimidade do herói não atingem o plano da sátira devastadora.; contém-se respeitosamente na fina ironia, numa reconstituição muito fleumática e astuciosa do mundo em que viveu Holmes, a velha Inglaterra vitoriana com seus personagens nobres, céticos e calculistas. Na carreira de Wilder, dominado por tantas provocações indômitas (A montagem dos sete abutres, Quanto mais quente melhor, Beija-me idiota), este filme ocupa posição mais discreta, porém, em quase tudo refletindo a sofisticação que o diretor guardou de suas antigas ligações com o mestre Lubitsch, como roteirista de A oitava esposa do Barba Azul e Ninotchka. (Nota de André Setaro: A montanha dos sete abutres está na grade do Cult e pode ser visto porque em formato padrão, isto que dizer: não foi filmado em lente anamórfica. É um grande filme, um ataque feroz sobre o sensacionalismo da imprensa, com Kirk Douglas no papel principal).

The private life of Sherlock Holmes é também como uma inesperada homenagem que o cinema presta a Hitchcock. O estilo e o tom da narrativa têm o mesmo sabor de velhos thrillers ingleses de Hitch e muitas imagens – a velha paralítica na loja deserta, os monges misteriosos do trem, os anões do cemitério – chegam a ser acintosamente hitchcockianas. Há, inclusive, na cena das ovelhas, uma citação de Os 39 degraus e, na seqüência do balé russo, a repetição de uma passagem idêntica de Cortina rasgada, com a mesma e sinistra Tâmara Toumanova. Até quando se diverte com a velha Inglaterra (a Rainha Vitória, de metro e meio de altura, protesta contra a falta de cortesia na guerra e manda destruir o submarino porque “não se pode atacar o inimigo sem aviso prévio”). Billy Wilder parece estar querendo fazer de A vida íntima de Sherlock Holmes o filme mais hichcokiano que o Hitchcock da fase inglesa não dirigiu.”