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27 janeiro 2007

Da narrativa cinematográfica


A construção de uma narrativa cinematografia obedece a diversos critérios assim como um projeto arquitetônico corresponde a determinadas opções. Há uma construção narrativa que se pode considerar simples e outra que se desenha como complexa. Dois tipos de estruturas, portanto, mas que se deve ter em conta e ressaltar que a simplicidade ou a complexidade são noções exclusivamente inerentes ao como do discurso e não à sua coisa. Isto quer dizer: pode haver histórias intrincadíssimas mas de estrutura simples, elementar, e, pelo contrário histórias lineares, com começo, meio e fim e progressão dramática tradicional mas que se tornam intrincadas por uma disposição particular dos segmentos narrativos.Dentre as narrativas de estruturas simples estão: a linear, a binária e a circular.


Narrativa linear. Percorrida por um único fio condutor que se desenvolve de maneira seqüencial do princípio ao fim sem complicações ou desvios do caminho traçado. A narrativa de estrutura linear é a de mais fácil leitura e é concebida de modo a respeitar todas as fases do desenvolvimento dramático tradicional. O esquema que se obedece é aproximadamente o seguinte: a) introdução ambiental; b) apresentação das personagens; c) nascimento do conflito; d) conseqüências do conflito; e) golpe de teatro resolutório. Este esquema da narrativa linear repete ao pé da letra o que era a estrutura base do romance psicológico do século XIX. Incluem-se nesse tipo de narrativa aquela nas quais o elemento poético e metafórico é reduzido ao mínimo e os motivos de interesse residem exclusivamente na fábula (story), excetuando-se os eventuais casos de erosão dentro do referido esquema - que se constituem uma exceção à regra.


Narrativa binária. Este tipo de narrativa é percorrido por dois fios condutores a reger a ação como só acontece nos casos de narrativas paralelas baseada na coexistência de duas ações que podem entrecruzar-se ou manter-se distintas. Garantia certa de tensão dramática, a binária é empregada em fitas de ação - thrillers, westerns, etc - porque valoriza o paralelismo e o simultaneismo, fornecendo, assim, amplas possibilidades de impacto. Exemplo clássico da narrativa binária está em David Wark Griffith (Intolerância, 1916, O lírio partido, 1918, Broken blossoms no original). A linguagem cinematográfica tomou impulso com a descoberta da ação paralela e da inserção de um plano de detalhe no plano de conjunto.


Narrativa circular. Este tipo de narrativa tem lugar quando o final reencontra o início de tal modo que o arco narrativo acaba por formar um círculo fechado. É menos frequente e mais ligada a intenções poéticas precisas com um propósito de oferecer uma significação da natureza insolúvel do conflito de partida e denota a desconfiança em qualquer tentativa para superar a contradição assumida como motor dramático do filme. A significação implícita a este gênero de escolha estrutural poderia ser: "as mesmas coisas repetem-se". Em A faca na água (Noz W Wodzie, Polônia, 62), o primeiro longa metragem de Roman Polansky, assim como também em O fantasma da liberdade (Le fantôme de la liberté, 74) de Luis Buñuel, e Estranho Acidente (Accident, 68), de Joseph Losey, para ficar em três exemplos, as coisas que se observam no início voltam a surgir no final, a despeito das tentativas registradas pela narrativa para se libertar delas e da sua influencia nefasta. A construção das obras citadas obedece e exprime a visão do mundo de seus autores do que, propriamente, à matéria da fábula, que pode se apresentar tranquila e jocosa e destituída de relevância maior.


Dentre as narrativas de estrutura complexa estão: a estrutura de inserção, a estrutura fragmentada e a estrutura polifônica.

Narrativa de inserção. Consiste numa justaposição de planos pertencentes a ordens espaciais ou temporais diferentes cujo objetivo é gerar uma espécie de representação simultânea de acontecimentos subtraídos a qualquer relação de causalidade. Os segmentos narrativos individuais interatuam entre si, produzindo, com isso, uma complicação ao nível dos significantes que potencializa o sentido global do discurso. A contínua intervenção do flash-back pode provocar um entrelaçamento temporal que esvazia a noção do tempo cronológico em favor do conceito de duração. Por outro lado, as frequentes deslocações espaciais conferem aos lugares uma unidade de caráter psicológico mas não de caráter geográfico. Na narrativa de inserção, a realidade é vista de modo mediatizado, isto é, a realidade é refletida pela consciência do protagonista ou pela do realizador omnisciente. Seguem esta narrativa de inserção filmes como 8 ½ (Otto e mezzo, 64), de Federico Fellini, A guerra acabou (La guerre est finie, 66), Providence, entre outros trabalhos de Alain Resnais, Morangos Silvestres (Smulstronstallet, 57) de Ingmar Bergman, etc. Nestes exemplos, o receptor/espectador é posto diante de um desenvolvimento narrativo que não é lógico mas puramente mental: o velho Professor Isaac contempla a própria infância (Bergman), o cineasta Guido (Marcello Mastroianni) no cemitério conversa com seus pais já falecidos (Fellini), a projeção do desejo de um escritor moribundo (John Gielgud) imaginando situações (Resnais). O desenvolvimento puramente mental determina, por sua vez, um jogo de associações visuais e emotivas que cria um universo fictício exclusivamente psicológico.


Narrativa fragmentária. Estrutura-se pela acumulação desorganizada de materiais de proveniência diversa, segundo um procedimento análogo ao que, em pintura, é conhecida pelo nome de colagem, A unidade, aqui, não é dado pela presença de um fio narrativo reconhecível, porém pelo ótica que preside à seleção e representação dos fragmentos da realidade. Se, neste caso, da narrativa fragmentária, a intenção oratória do cineasta prevalece sobre a fabulatória, mais acertado seria considerar o filme como um ensaio do que um filme como narrativa. A expectativa de fábulas, no entanto, encontra-se presente no homem desde seus primórdios e o cinema, portanto, desde seu nascedouro possui uma irresistível vocação narrativa. Poder-se-ia, então, ainda que esta irrefreável expectativa do receptor diante de um filme, falar de um cinema-ensaio ao lado de um cinema-narrativo. O exemplo de, novamente Alain Resnais, Meu tio da América (Mon oncle d'Amerique) vem a propósito, assim como Duas ou Três Coisas Que Eu Sei Dela (Deux ou trois choses que je sais d'elle, 66) de Jean-Luc Godard - um minitratado sobre a reificação que ameaça o homem na sociedade de consumo, La hora de los hornos (68), de Fernando Solanas - obra nascida como ato político que utiliza documentos, entrevistas, cenas documentais e trechos com o objetivo de proporcionar a tomada de consciência revolucionária por parte do espectador.


Narrativa polifônica. Estrutura-se pelo número de ações apresentadas que confere uma feição coral à narrativa, impedindo-a de afirmar-se de um ponto de vista que não seja o do realizador-narrador. Os acontecimentos que se entrelaçam são múltiplos, dando a impressão de um afresco, que se forma pelas situações captadas quase a vol d'oiseau. Utilizando-se desse tipo de narrativa complexa, o cineasta capta de maneira sensível, se capacidade houver, o clima social de uma determinada época, como fez Robert Altman em Nashville (1975). Neste filme, vinte e quatro histórias se entrecruzam para compor um mosaico revelador da realidade dos Estados Unidos durante a década de 70. Outro exemplo do mesmo Altman é Short cuts. (Short cuts, EUA, 91).As estruturas examinadas são todas elas do tipo fechado, segundo as coordenadas estabelecidas por René Caillois (12). Porque, assim fechadas, estas estruturas servem de suporte à narrativas concluídas do ponto de vista de seu desenvolvimento, não importando o seu significado poético. Existem, no entanto, casos de estruturas abertas, nas quais a conclusão do discurso é deixada em suspenso ou então prolongada para além do filme. O que caracteriza a obra cinematográfica como um trabalho em devir, um filme que busca ainda o seu desfecho ou, então, como um texto que se oferece à meditação do espectador. Em Apocalypse now (1978), de Francis Ford Coppola, o cineasta apresenta três finais todos igualmente legítimos e solidários com o contexto narrativo. Já em Dalla nube nulla ressitenza (81), de Jean-Marie Straub, formado por blocos de sequências fixas, a solução final é deixada ao subsequente trabalho de reflexão do espectador/receptor. Trata-se de uma obra que faz uma reflexão, por meio de representações dialogais, sobre a passagem da idade feliz do Mito para a idade infeliz da História.O caráter aberto da narração, todavia, em nada desfalca a contextualidade orgânica do discurso, contextualidade que se mantém íntegra apesar da suspensão da fábula. A solidariedade estrutural, ressalte-se, constitui a conditio sine qua non de qualquer discurso cinematográfico que pretenda considerar-se artístico.

26 janeiro 2007

Ó tempo suspende o teu vôo!


Como o tempo passa! Este post, além de querer lembrar o grande Tom Jobim, também tem o propósito de ressaltar a aflição pela passagem do tempo. Se vivo fosse, Antonio Carlos Jobim, o maior compositor brasileiro de todos os tempos, teria feito, ontem, dia 25 de janeiro, 80 anos, idade provecta, mas, como tudo está mudado, talvez estivesse bem, disposto, compondo, a tomar seu chopinho maneiro. Uma pessoa, no meu tempo de meninice, que completasse oitentinha era considerado um velho, um pé-na-cova, mas os tempos mudaram, as concepçoes se transformaram, a medicina evoluiu, e as mentalidades sofreram um processo de mutação. Nunca poderia imaginar Jobim com 80 anos, considerando que acompanhei a sua trajetória, quando ainda era jovem, dinâmico. A constatação de suas oito décadas hipotéticas é, no fundo, a constatação de minhas quase seis décadas. A refelxão sobre o tempo que passa é, atualmente, uma constante em minha vida.

25 janeiro 2007

A senhora e seus maridos


Há filmes que, vistos na infância e adolescência, nunca mais são reprisados e, em conseqüência, vão embora para sempre. Assim foi com A senhora e seus maridos (What a way to go, 1964), que, tendo-o visto na época de seu lançamento, adolescente que era, agradou-me sobremaneira, principalmente porque um veículo para Shirley MacLaine, então uma estrela de primeira grandeza. 43 anos se passaram desde que vi What a way to go até que, nesta semana, olhando as ofertas de DVDs nas Lojas Americanas, deparei-me com um monte de disquinhos em oferta, todos de A senhora e seus maridos por modestos 19,90. Comprei-o no ato, incontinenti. O que estava em causa era a impressão adolescente que tivera do filme em contraste com o tempo que, passando, modifica a sua percepção. Como reagiria a What a way to go nestes bicudos tempos? Recordo-me que, na época, e o vi, em Salvador, no Liceu várias vezes, achei-o bem criativo, refinado, atraente. Comédia bem típica de uma época, a da sophisticated comedy, What a way to go tem, para começar, roteiro de Betty Comden e Adolphe Green (basta dizer que foram os roteiristas de Cantando na chuva, entre outros grandes e inesquecíveis musicais da MGM na fase Arthur Freed), que se basearam num argumento de Gwen Davis. Exemplo de um filme que tropeça por causa do diretor, o mão pesada J. Lee Thompson, que dirige administrativamente um roteiro bastante indicativo para a criatividade no ato de dirigir. Thompson não soube aproveitar as deixas contidas no screenplay, mas, mesmo assim, este, tão substantivo, mesmo em mãos de um Thompson, faz resultar num espetáculo que possui uma promessa retroativa..MacLaine é uma mulher que se casa várias vezes porque seus maridos sempre estão a morrer em acidentes. Embora com o propósito de ser feliz sem que, necessariamente, para isso, venha a ficar rica, o fato dela casar com alguém proporciona àquele que vier a desposá-la súbita riqueza. Habitante de uma pequena cidadezinha interiorana, troca o milionário local, um comerciante abastado (Dean Martin), pelo pobre Dick Van Dyke, que, casando-se com ela, torna-se rico e termina por morrer de tanto trabalhar. Decepcionada, MacLaine vai descansar em Paris, mas, na Cidade Luz, encontra o pintor Paul Newman, que usa máquinas como pincéis para seus quadros abstratos. Há uma sátira bem feita ao intelecutalismo e à mania do abstracionismo então em voga. Mas no filme, cada casamento de MacLaine, que narra, é ilustrado cinematograficamente, isto é: o de Van Dyke como uma fita muda, o de Newman, como uma do realismo poético francês. Mas Newman acaba sendo vítima de sua exasperação como artista, vítima das máquinas que utiliza, que lhe enforcam. A senhora do título em português desta vez se casa com um milionário, Robert Mitchum, e a ilustração é na base da comédia sofisticada, quando MacLaine desfila uma porção de vestidos todos assinados por Edith Head. Em seguida, Gene Kelly, pobre dançarinho de uma espelunca, que vira astro, de repente, e morre atropelado pelos fãs. Na ilustração do casamento, um filme musical, como não poderia deixar de acontecer. What a way to go tem MacLaine, sempre um talento, uma graça, mas como comédia deixa muito a desejar, apesar do roteiro de Comden e Green (este trabalhou como com Alain Resnais em Quero ir para casa/I want go home), da partitura de Nelson Riddle, das canções de Jule Styne. Pelo que se pode observar, o material em outras mãos, que não as de J. Lee Thompson, poderia ter resultado num filme admirável, caso tivesse, este material, sido transformado esteticamente em obra cinematográfica com uma narrativa ao gosto de um Billy Wilder, Frank Tashlin ou, mesmo, um Richard Quine.

21 janeiro 2007

Um angu de caroço



Revendo Luzes da ribalta (Limelight,1952), de Charles Chaplin, pude sentir a força de uma obra-prima. É um filme, como disse Bernardo Bertolucci, sobre o tempo e a crueldade do tempo. Melodramático, sim, mas o que importa? Uma vez, Carlos Heitor Cony escreveu que se Limelight era um filme melodramático nunca vira, no entanto, um melodrama tão bonito e profundo. E o que é Marnie, do mestre Hitch, senão um melodramaço que me faz ficar de joelhos? Que se pare com o preconceito contra o melodrama, sabendo separar este do dramalhão. Chaplin anda esquecido pela nova geração que somente o conhece de vista e de cartaz. O Telecine Cult está com uma programação dedicada ao eterno vagabundo todas as quintas, às 20 horas. Revi, sob impacto, o grandioso Em busca do ouro (The gold rush, 1925), que, exibido na sua velocidade normal (16 quadros por segundo), é outro filme, tem outro ritmo do que aquele a que estávamos acostumados a assistir com uma velocidade apócrifa (sempre vi Em busca do ouro, assim como a maioria dos filmes do cinema mundo, em exibições em 24 quadros por segundo, fazendo que as imagens ficassem aceleradas, e destruindo, com isso, todo o andamento rítmico - muita gente culta, e que se diz entendida, pensa ainda que o cinema mudo era acelerado, o que significa dizer: ledo e ivo engano).
Se o Telecine Cult dá de presente alguns filmes fundamentais de Chaplin na sua integridade, por outro lado, já é praxe a destruição do enquadramento dos filmes originariamente feito em lente anamórfica, cinemascope, que são mostrados na abominável full screen (tela cheia). Para ficar em poucos exemplos, vi a monstruosidade (ato criminoso contra a integridade da obra cinematográfica) desferida contra Tarde demais para esquecer, de Leo McCarey, O pecado mora ao lado, de Billy Wilder, Thelma e Louise, de Ridley Scott. Com a substitição do Classic pelo Cult, para atender ao mercado de consumidores mais afeitos ao circunstancial e aos modismos de ocasião, os atentados se multiplicaram, pois não se pode admitir que um filme originariamente em cinemascope seja exibido cortado nas laterais, com o enquadramento todo deformado. Mas, como disse Ariano Suassuna, coitado daquele que se molda ao gosto da classe média. O consumidor, na verdade, e infelizmente, gosta mais do filme na tela cheia. Está pouco ligando para problemas de integridade de enquadramento e coisas que tais. Não se importa com a narrativa, porque preocupado, apenas, com a história, a trama, o enredo.
Pena que a estética do videoclip seja a tônica dos espetáculos cinematográficos oriundos da indústria cultural hollywoodiana, que chamo também de estética da tesourinha. As tomadas, de tão rápidas, não permitem que sejam contempladas. Tudo é feito muito rapidamente. A contemplação, nestes fajutos tempos pós-modernos, parece banida, prevalecendo, apenas, a velocidade das coisas. Os diálogos internéticos, por exemplo, se caracterizam pelos monossíbalos, se há alguém disposto a fazer a enunciação de um pensamento, recebe, como resposta, um muxoxo sintático (sim, também acho, e que tais). A interlocução se torna impossível, assim como a troca de idéias. Daí porque ter desinstalado os msns e yahoos. Prefiro ficar, neste particular, no anacronismo, a ler o romance do século XIX, onde reina vida inteligente. Mas, como todo homem é paradoxal, navego pela internet, perdendo tempo, e ainda escrevo este blog, que se quer cinemeiro, mas que também pode contemplar qualquer coisa e qualquer assunto.