O cineasta João Batista de Andrade, veterano do cinema brasileiro, realizador de alguns filmes consagrados como O homem que virou suco, A próxima vítima, O país dos tenentes, Doramundo, entre outros, desgostoso com a atual política cinematográfica vigente, faz um desabafo em sua página no Facebook que vale a pena ser transcrita aqui no blog. Reflitam!
"VAMOS FALAR SÉRIO AQUI NO FB? Recebi mensagens muito amigas.
Algumas me perguntam qual a dificuldade. Eu sempre me pergunto se minha vida é
o cinema ou se o cinema é que é minha vida. Quem pertence a quem. A resposta
poderia me ajudar a suportar a dificuldade em retomar minha carreira, depois de
tantos filmes, tanta história, tanta luta, tantos prêmios, tantas homenagens.
Tenho me mantido sereno, racional, tenho procurado falar com amigos. Mas tenho
denunciado também a política de exclusão e a eutanásia cultural.
"Novos" valores pedem "novos" cineastas. Serão mesmo
"novos"?- por trás de tudo há uma luta cega pelo poder. E pelos
recursos. Na Europa, os cineastas podem dizer que morrerão filmando. Não no
Brasil. Aqui somos descartáveis. Venho vivendo esse desrespeito desde os anos
90, fazendo filmes na marra, na contramão, com escassos recursos e apoios. Há
dez anos não ganho um só edital de produção e se não parei é por que comecei
minha vida de cineasta assim, fazendo filmes na pura loucura, sem dinheiro.
Assim fiz o "Rua Seis sem Número " (Berlim/2002) "Vida de
Artista" (Melhor filme Fest. Mostra Filme Livre Rio/2004), "Veias e
Vinhos" 2006, "Vlado, 30 anos depois"( 2005). Mas chega um
momento em que é preciso voar mais, sair das pequenas produções, voltar ao meu
ciclo virtuoso dos anos 80 com "Doramundo" (Melhor filme Gramado/78),
"O homem que virou suco" (Melhor Filme Moscou/81), "A próxima
Vítima" (vários prêmios1983), "Céu Aberto" (Melhor filme Office
Catolic/1985 e muitos outros prêmios), "O País dos Tenentes" (Melhor
filme Festval do Rio/1987 e muiiiitos prêmios). É o ciclo de filmes que
seguiram a história do Brasil da ditadura à abertura. É isso. Me danei em 90,
com o plano Collor, perdi o filme de ficção que faria sobre o Vlado (Vladimir
Herzog). Me auto-exilei em Goiás, voltei em 2002, fui Secretário da Cultura de
SP, elaborei e implantei a Lei da Cultura, o PROAC que injeta milhões de reais
todos os anos na produção cultural desse estado (inclusive no cinema paulista).
Saí da Secretaria da Cultura pensando em voltar à minha carreira de cineasta. É
difícil. Como já disse, o desrespeito é enorme: há dez anos não ganho um só
edital nem estadual nem federal. E posso garantir: os projetos são bons e tenho
toda a minha carreira como aval. Olha, eu gosto de muita coisa na vida: gosto
de cinema, gosto de escrever, gosto de desenhar, gosto de mato (tenho paixão
pelo cerrado e conheço ali as frutas, as plantas, os animais). Não pertenço ao
cinema e nenhum laço covarde vai me prender a essa cadeia de insensatez e
covardia. Pois o descarte dos veteranos é mesmo uma eutanásia cultural que
denuncio. Daqui a poucos dias completo meus 72 anos, quase 50 deles dedicados
ao cinema e à luta do cinema brasileiro. Sou ainda um garoto em todos os
sentidos: fisica e mentalmente. E vou procurar minha vida em algum prazer de
viver, fora dessa perigosa irracionalidade que, infelizmente, não tenho
conseguido mudar. Se for assim, ficarão minhas obras, meus livros, meus textos,
a memória de minhas lutas, as entidades e festivais que criei ou ajudei a
criar, minha presença um tanto fantasmagórica pela história dos últimos 50 anos
do cinema brasileiro e de nossa política cultural. O QUE NINGUÉM PODERÁ FAZER É
ME IMPEDIR DE PENSAR E SER CRÍTICO, EXPOR MINHA INSATISFAÇÃO COM O MUNDO EM QUE VIVEMOS."
Um comentário:
Maravilha Setaro! Obrigada por compartilhar.''Eutanasia cultural''(Otimo).
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