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13 julho 2007

Editorial


Se a lista da internet, que congrega os cineastas e pseudo-cineastas baianos, a Cineba, da Yahoo, cujo endereço eletrônico é http://br.groups.yahoo.com/group/cineba/, apesar dos esforços e da competência de seu gerenciador e fundador André França, é um troca-troca efusivo de entusiasmados parabéns, demonstrando o espírito corporativista e fechado do grupo de cineastas que se diz baiano, há, por outro lado, nela, a inexistência de um debate de idéias, de um conflito salutar de pensamentos, de conceitos e percepções diversos. Quem ousa criticiar um filme baiano é logo chamado de inimigo desta cinematografia, amarrado e crucificado. Aqueles que, no pretérito, mostravam-se libertários e tão democráticos, capazes de ser convincentes nas suas diatribes contra o autoritarismo e a ditadura, quando desfeita a nuvem carregada da opressão, e ao tomar o poder, estão a se mostrar mais prepotentes do que os antigos detentores do poder. E, quando se fala aqui em poder, não se está a dizer poder institucional mas, também, poder artístico, quando certas pessoas premiadas e festejadas, porque não sabendo absorver o sentido da glória, ainda que efêmera, partem, justo dizer, para a ignorância.
Se, nos anos 50 e parte dos 60, Salvador viveu o seu Século de Péricles, a chamada avant-garde baiana, houve, por outro lado, nos últimos trinta anos, imensa regressão cultural com o estabelecimento, nos dias que correm, de verdadeiro estado de miséria cultural. O cinema, como reflete esta, como é um espelho de seu momento histórico, naturalmente a espelha e, com isso, não pode ter o mesmo vigor de outrora. É uma questão muito mais do que cultural, mas de constatação sociológica. Não se pode, esta a verdade, tapar o sol com a peneira. Mas os realizadores baianos, ao invés de um processo de auto-crítica, que os faça ver os seus erros e desacertos, ficam a babar-ovos e à procura do sucesso, da ovação, e dos apupos que tanto os destroem.
O que o cinema baiano precisa é se democratizar, ajustar seus debates para um nível de aceitação das diferenças. Cada pessoa tem um critério de julgar, um nível de percepção, e não se pode exigir uma unanimidade forçada quando o que se vê é uma imagem aumentada de um caldo cultural miserável que se espraia pelas artes baianas e também, em conseqüência, atinge o cinema dito baiano. Festejar a mediocridade é um ato de soberania dos menos inteligentes e arriscos, que, por oportunistas, pretendem se locupletar com as sobras da mendicância. O importante é que se seja justo e criativo, criativo e justo. Os happenings, se necessários e bem-vindos na década de 70, estão fora de moda e não se ajustam aos tempos contemporâneos. Soam falsos e agressivos, defassados, diluídos em seu pretenso impacto, fazendo que o tiro saia pela culatra e o feitiço se vire contra o feiticeiro.

12 julho 2007

A vanguarda do "derrière"


O affair que aconteceu na tarde de terça última, durante uma mesa do III Seminário Internacional de Cinema e Audiovisual, comentado e discutido, por causa da agressão do cineasta Edgard Navarro a este bloguista, já são favas contadas e passadas. O pivô de tudo o artigo que publiquei em A Tarde - e que também está publicado aqui logo abaixo. Volto a dizer tudo que disse: os realizadores baianos não passam de mendigos das burras do estado e que o cinema sempre refletiu a sua cultura e o seu momento histórico. Neste particular, considerando a nossa imensa miséria cultural, o cinema praticado na soterópolis vem a refleti-la. O texto abaixo, que saiu hoje publicado em A Tarde, "A vanguarda da derrière", é de autoria do jornalista Franciel Cruz. Achei de reproduzi-lo aqui e pedi o seu consentimento. Ele aceitou. A ilustração poderia ser a de um derrière, mas preferi um envelope de Paul Klee.
"Este balanço na órbita do universo é exatamente o que vocês estão pensando: mais uma polêmica no, com o perdão da má palavra, audiovisual baiano. Eu estou cansado, mas não para dizer: Se a cada mil chiliques dos artistas locais ganhássemos, em contrapartida, um filme que prestasse, a Bahia seria o maior celeiro de obras-primas da cinematografia latino-americana. (E prosseguimos honrando esta gloriosa tradição. Ai, deixem meu cabelo em paz).


A novidade, se é que podemos chamar assim, é que atingimos um novo patamar.O menino Drummond dizia que “Lutar com as palavras é a luta mais vã”. E, em seguida, acrescentava. “Entanto lutamos mal rompe a manhã”.

Acontece que o cineasta Edgard Navarro só escutou a primeira parte do ensinamento do poeta. E, ontem à tardinha, no III Seminário Internacional de Cinema, abandonou a batalha vã dos argumentos. Para rebater as constatações do professor André Setaro sobre a falta de continuidade na produção local, mostrou a bunda como contestação - mesma atitude tomada recentemente por, desculpem o palavrão, Gerald Thomas. Não deixa de ser uma evolução. Em priscas eras, encerrava-se o debate de modo fálico, com uma banana. Hoje, variamos o cardápio. Somos a vanguarda do derrière.

Mas, qual heresia disse Setaro que provocou tamanha indignação? Às aspas: “Fazem-se filmes na Bahia de vez em quando e ao sabor dos editais governamentais, os únicos que podem proporcionar a realização de longas-metragens, porque o cinema exige altos recursos e somente o Estado tem a capacidade de socorrer os cineastas ditos baianos, que vivem à sua mercê”. Resumindo: os cineastas são mendigos da boa vontade oficial.

Pois é. Nada de novo, conforme atestam os alfarrábios. Há exatos 18 anos, em 1989, no número 13 da Revista da Bahia, houve um debate com estes personagens na Associação Bahiana de Imprensa. Pois muito bem. Noves fora a eterna ladainha pela perda de Glauber Rocha, o chororô era o mesmíssimo: falta de verbas governamentais. Valei-me, meus culhões de Cristo.

Mas, retorno à cizânia da tarde de ontem e vejo que, antes de apelar aos dotes de seu traseiro, Edgard Navarro afirmou que Setaro “só faz bater no cinema baiano nos últimos 20 anos”.
Não procede.
Aliás, em relação à obra do cineasta, o referido professor tem sido até generoso, elevando à categoria de obra de arte filmes feitos pelo mesmo Edgard. Quem quiser conferir, basta acessar o blog de Setaro. Eis o endereço: http://setarosblog.blogspot.com.Porém, somente o elogio não é o bastante. Tudo na Bahia tem que ser lindo, divino, maravilhoso. É o tal fantasma da baianidade que nos persegue, que nos faz recusar sempre algo que não seja o reconhecimento de uma suposta (e inexistente) genialidade. Poderia ainda dizer que, ao usar a bunda como expressão, Edgard apenas está se inserindo na linha evolutiva da cultura baiana. Não digo. Já falei demais, o telefone está caro, vou desligar, obrigado pela atenção."

09 julho 2007

Os mendigos da boa vontade

Artigo publicado hoje no caderno especial do jornal soteropolitano 'A Tarde' dedicado ao III Seminário Internacional de Cinema e Audiovisual que acontece em Salvador entre os dias 9 e 14 de julho, no Teatro Castro Alves e no Hotel da Bahia.
Os cineastas baianos são mendigos da boa vontade
Para que exista uma cinematografia é necessário que haja uma produção sistemática e continuada, além de características comuns capazes de configurá-la como tal. A rigor, portanto, não se pode falar em cinematografia baiana sob pena de se estar incorrendo em erro conceitual, pois não existem os pré-requisitos que possam tipificá-la, a exemplo de uma produção sistemática e continuada.


Fazem-se filmes na Bahia de vez em quando e ao sabor dos editais governamentais, os únicos que podem proporcionar a realização de longasmetragens, porque o cinema exige altos recursos e somente o Estado tem a capacidade de socorrer os cineastas ditos baianos, que vivem à sua mercê.


Se não existe uma cinematografia baiana por que, então, fala-se tanto em cinema baiano? A generalização do vocábulo audiovisual para toda obra que contenha imagens em movimento é que está a gerar a confusão, a fazer com que alhos sejam confundidos com bugalhos. Teria o mesmo status, por exemplo, aquele que trabalha na bitola 35 mm, e faz longas, daquele que se expressa pelas imagens em movimento registradas no seu celular? A tendência, ainda que possa espantar, é misturar tudo na palavra audiovisual, gerando, com isso, a confusão e a panacéia. A tal ponto que se não pode mais falar de uma linguagem cinematográfica, mas, sim, de uma linguagem audiovisual.


Também se poderia distinguir entre aqueles que trabalham com o digital e aqueles que trabalham com o celulóide. Se a linguagem pela qual expressam suas idéias é igual, a prática é muito diferente. Assim, contrariando a tendência generalista, o fato é que há uma necessidade de se separar o cineasta do celular e da fita magnética daquele que enfrenta o registro nas bitolas de 16 mm ou 35 mm. Estes últimos fazem cinema verdadeiro – pelo menos do ponto de vista do processo de sua realização, abstraindo-se, aqui, juízos valorativos.
Mas, então, como chamar os outros, os dos celulares, os das máquinas digitais apressadas, ou os da fita magnética, videográfica? Narradores audiovisuais? Verdade seja dita: cinema, com C maiúsculo, é que não fazem, apesar da mentalidade corporativa reinante, apesar do sistema defensivo natural que impele os realizadores baianos a jogarem no mesmo saco alho e bugalho.

A iniciativa privada não acredita em cinema baiano e dificilmente, mesmo havendo a lei de incentivo fiscal, patrocinaria qualquer empreitada com vistas à imagem em movimento. Os cineastas baianos, por outro lado, por não serem milionários, são mendigos da boa vontade oficial. Os filmes são feitos quando ocorrem os tais concursos, não havendo, aqui, portanto, uma continuidade de produção capaz de dar emprego a um profissional de cinema (montador, iluminador, técnico de som, etc., etc.).

Assim, não pode haver uma cinematografia.

Na verdade, a única tentativa (e veja-se bem: tentativa) de se fazer um cinema continuado e sistemático no Estado foi quando do efervescente Ciclo Baiano de Cinema, entre 1959 e 1963, quando houve realmente um projeto nesse sentido com a proliferação de empresas produtoras (Iglu, Winston, Sani etc.), e produtores dispostos a bancar obras cinematográficas, sendo o principal deles Rex Schindler, coadjuvado por David Singer, Álvaro Queiroz, Braga Netto, entre outros. Além da produção genuinamente baiana, havia também filmes que se queriam baianos, mas realizados por cineastas sulinos, a exemplo de O Pagador de Promessas, produzido pelo paulista Oswaldo Massaini e dirigido por Anselmo Duarte. Ou Bahia de Todos os Santos, de Trigueir inho Netto. E há, neles, um denominador comum no que se refere à procura temática: todos se encontram centrados na apreensão dos problemas decorrentes da estrutura social injusta que leva à dramatização das ocorrências vividas pelo povo.

A ausência de recursos, notória, não contribuiu para o incremento criativo.

Mas, e se se considerar o ano de 80 como o ponto final da tentativa longa-metragista no espaço geográfico baiano, passaram-se duas décadas sem nenhum filme de longa duração, com uma dieta restrita aos curtas quase todos destituídos do vigor criativo que seria de se esperar daqueles que se lançam na aventura do cinema.

Vinte anos depois, tempo de uma geração, é que aparece, emendado a durex, 3 Histórias da Bahia, saudado e reverenciado pelos baba-ovos de plantão, que o viram como a redenção do chamado cinema baiano (que não existe, e, com isso, quase condicionando a emergência de um verdadeiro teatro do absurdo).

Mas para além dos filmes, o que se precisa constatar é a regressão que se abateu sobre a cultura baiana nos últimos trinta anos. Se a Bahia já foi um centro de excelência nas artes e já chegou a se falar até numa avant-gard e, como a referência explícita do livro de Antonio Risério, é de se perguntar que tragédia se abateu sobre a cultura baiana, considerando que somente se dá a perceber cacos de um pretérito? E, tangenciando a egolatria, Araripe, surpreendentemente, investe em Esses Moços, na simplicidade da gente humilde em obra sincera e destituída de arroubos, mas, no frigir dos ovos, com defeitos estruturais e ausência de dínamo narrativo. Mas o que dizer dos filmes que estão por aparecer? Ainda que produção sulina, mas com motivação baiana, Ó, Paí, Ó, de Monique Gardenberg, assustou pela mediocridade, e quase instalou o pânico na sensibilidade; mas, a rigor, é documento sociológico da miséria na qual está imersa a cultura baiana.

Crê-se que o que está por vir reflete muito a miséria cultural ou, se se quiser, a tragédia que se abateu sobre a cultura baiana. Terão esta tragicidade Cascalho, de Tuna Espinheira, O Jardim das Folhas Sagradas, de Pola Ribeiro, Pau-Brasil , de Fernando Beléns, Revoada , de José Umberto, Esses Moços, de Araripe, Cidade das Mulheres, de Lázaro Faria? Ou será o articulista que está a delirar diante de tanta miséria, de tanta falta de criatividade, de tanta ausência de imaginação? Contemplar a efígie de um suposto cinema baiano é a tarefa para a decifração do trágico.

08 julho 2007

Dando sentido ao que ilumina



Já disse aqui neste blog que Hamilton Oliveira é um dos melhores diretores de fotografia do cinema brasileiro. Para ficar em apenas três exemplos, iluminou, com engenho e arte, Eu me lembro, de Edgard Navarro, Esses moços, de José Araripe, e Pau Brasil, de Fernando Belens, longas baianos. Num site cultural baiano, Nacocó, que já fiz referência neste espaço, há uma excelente entrevista com Hamilton Oliveira, quando revela ser um profissional culto e sempre atento e que procura, obsessivamente, dar sempre sentido ao que ilumina. Para ler a entrevista de Hamilton, acessar o link: http://www.nacoco.com.br/entrevista/hamiltonoliveira.html

Introdução ao Cinema (3)



Vai aqui a terceira dose desta introdução - o cartaz que ilustra o post é o de Teorema concebido no Japão, quando o filme lá foi lançado.

Antes de entrarmos no outro elemento determinante da linguagem cinematográfica, os movimentos de câmera, necessário, para uma melhor compreensão do processo de criação, saber distinguir entre PLANO e TOMADA. Cada filmagem de um plano qualquer é uma tomada. Tem-se uma tomada a partir do momento me que a câmera é acionada até o momento me que ela é desligada - no tradicional corta do diretor. Assim, a tomada é este fragmento de tempo entre o acionamento do registro e o seu término. A tomada pode variar quanto a seu tempo. Já o PLANO se caracteriza pela distância entre a câmera e o objeto filmado. É a unidade básica da obra cinematográfica. Os planos se reúnem em cenas que, por sua vez, se reúnem em seqüências. Assim cenas se constituem de uma série de planos ligados a uma só ação ou situados num mesmo cenário É a forma cinematográfica mais próxima do teatro. Já as seqüências contêm uma série de cenas. Do ponto de vista mais geral, tem-se uma funcionalidade bastante específica de certos planos fundamentais. Cabe ao realizador saber dosa-los com força expressiva, pois é na articulação dos elementos determinantes da linguagem fílmica que se estabelece a artisticidade da obra cinematográfica. Assim, podemos dizer que, no que concerne unicamente aos planos, o geral valoriza a paisagem como espaço físico e sugere uma comunhão psicológica entre os personagens e a natureza. O PLANO MÉDIO inscreve os indivíduos no espaço físico em que vivem e instaura um equilíbrio dramático entre a ação e o cenário. Já o PLANO AMERICANO destaca os personagens em sua proximidade física e a intensidade de sua presença moral. E o CLOSE UP instala a pujança do valor dramático e psicológico determinante. A natureza dos planos é governada pela distância relativa entre o ator e a câmera. assim, quanto maior a distância, maiores parcelas do cenário são mostradas. diminuindo a distância, as formas do ator crescem de tamanho na tela e, neste caso, há a necessidade de uma mudança de posição da câmera tendo me vista a obtenção de planos mais distantes ou mais próximos. Outro método consiste me empregar lentes de distâncias focais diferentes, isto é, as diversas objetivas que fazem parte do equipamento da câmera. Nesse caso, o resultado almejado é conseguido com uma simples troca de objetiva.


Consegue-se a variação do ângulo visual das imagens por meio das sucessivas mudanças de plano. Em geral, a rigor, qualquer mudança de plano corresponde a uma mudança de posição da câmera ou a uma troca de objetiva, obrigando, com isso, a uma interrupção nos trabalhos de filmagem. Ao contrário do que pensa a maioria dos espectadores, o filme é construído a partir de muitos fragmentos e, apesar de dar a impressão de continuidade, tem, no seu processo de criação, uma total descontinuidade. Para cada tomada (take) de alguns minutos e, às vezes, alguns segundos, há, forçosamente, de se interromper as filmagens. Assim, o resultado na tela é uma sucessão de dois planos articulados por uma descontinuidade chamada CORTE. O corte (cut) é o que caracteriza visualmente uma mudança de plano, sendo também a palavra que o diretor usa para interromper a tomada. Não é só pelo corte, no entanto, que se efetua uma mudança de plano. Como a câmera pode executar movimentos, deslocando-se suavemente durante a tomada, ela, a câmera, pode passar sem interrupção de um plano geral a um plano médio e deste ao close, bem como seguir o caminho inverso, aproximando-se ou afastando-se gradualmente da realidade profílmica. Tem-se,então, aqui, uma mudança contínua de planos. O mais simples dos movimentos de câmera é a PANORÂMICA (Pannning), movimento no qual o aparelho, fixado em sua base, gira sobre si mesmo na direção horizontal (nos dois sentidos) ou na direção vertical. A câmera como que olha ao seu redor (panorâmica horizontal) ou à sua frente (panorâmica vertical). Se, por exemplo, um personagem está no alto de uma montanha e divisa a paisagem, a câmera confunde-se com sua vista, executando uma panorâmica horizontal. Se está na base de um edifício, e olha para uma janela elevada, correndo a vista pela altura do prédio, a câmera mostra o que o personagem enxerga por meio de uma panorâmica vertical. A forma mais simples de panorâmica - da direita para a esquerda - ou vice-versa - pode cumprir várias funções qualificantes. Pode, por exemplo, afastar gradualmente a nossa vista de uma cena resolutiva e reconduzi-la a ela, carregada de curiosidade, provavelmente após o seu desfecho.


Em Trágico Amanhecer(Le jour se lève, 1939), de Marcel Carné, na cena de amor entre o protagonista e a mulher dentro da cabana enquanto lá fora chove, mal os dois começam a reclinar-se sobre o leito abraçados, uma panorâmica conduz o espectador, lentamente, para o exterior diante de uma goteira pela qual se escoa um abundante caudal de água de chuva. A imagem, então, dissolve-se, até que, finalmente, reaparece a mesma goteira, desta vez, porém, apenas gotejante. O temporal findou. Uma outra panorâmica reconduz o espectador ao interior, mostrando o par que se prepara, agora, após uma noite de paixão, para abandonar o refúgio. É uma maneira indireta de apresentar as coisas, rica de sugestão, no entanto, e que não deixa de aludir ao destino adverso que paira sobre o acontecimento. Elevando-se sobre os personagens me movimento, a câmera também pode informar ao espectador de algo que o espera mais adiante, colocando-o me posição de vantagem me relação às personagens da trama. É o que acontece em "No Tempo das Diligências" ("Stagecoach", 1939), de John Ford, onde a presença dos índios é revelada ao espectador antes de os ocupantes da diligência dela se aperceberem. A câmera pode, igualmente, ligar fatos pertencentes a diferentes dimensões temporais, prolongando-se numa outra panorâmica que evolui no mesmo sentido mas que se refere a um acontecimento ocorrido no passado e que se liga ao primeiro por meio de uma recordação neutra,, invocada, através de um objeto de dupla referência espaço-temporal. É o procedimento que, em Morangos Silvestres(Smultronstallet, 1958), de Ingmar Bergman, provoca uma constante confusão do presente com o passado sem que a linearidade narrativa e dramática do relato fique comprometida. Ainda temos mais exemplos de panorâmicas e de outros movimentos de câmera - como o travelling. Mas fica para o próximo capítulo.