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03 novembro 2007

Meus favoritos brasileiros

Quando nos perguntam quais os nossos filmes preferidos, ficamos acossados entre os afetivos e os que se impõem pela importância história, o que dificulta a realização de uma lista dos melhores de todos os tempos. Também há o problema da limitação. Por que não colocarmos logo os vinte, os trinta, os cem? Mas há uma espécie de apego, nestas listas, à dezena. Fiquemos, portanto, assim limitados, embora existam filmes que gostaríamos de também incluí-los, como A margem (1967), de Ozualdo Candeias, De vento em popa e O homem do sputnick (1959), de Carlos Manga, A grande feira (1961) e Tocaia no asfalto (1962), ambos de Roberto Pires – nestes dois, afetividade grande, O cangaceiro, de Lima Barreto, O padre e a moça, de Joaquim Pedro de Andrade, entre outros. Interessante observar que, desta relação, oito filmes foram realizados nos anos 60, um nos 50 e outro nos 70. Por que esta preferência pela década de 60? Acreditamos que a década mais criativa do cinema brasileiro. Em todo caso, cada um tem sua lista e, afinal de contas, gosto não se discute. Quanto a Limite, de Mário Peixoto, pensei em colocá-lo em primeiro lugar, mas sua importância é tanta que fica a latere, hors concurs com o títuto de filme Doutor Honoris Causa.

1) DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL (1964), de Glauber Rocha, com Geraldo D’El Rey, Othon Bastos, Maurício do Valle, Yoná Magalhães e Sonia dos Humildes. Filme-ópera que rompe com os cânones narrativos do cinema brasileiro para instaurar uma estética dilacerante onde estão em simbiose a tragédia sertaneja, plena de ecos gregos, e a expressão lancinante de brasilidade, onde, num toque original e impactuante, a influência de vários cineastas (Ford, Kurosawa, Buñuel, e principalmente Eisenstein - a matança dos beatos é nitidamente influenciada pela seqüência da Escadaria de Odessa de O encouraçado Potemkin) se espraia num estilo personalíssimo. Este filme traumatizou duramente o cinema brasileiro.

2) TERRA EM TRANSE, de Glauber Rocha (1967), com Jardel Filho, Glauce Rocha, Paulo Autran. Ainda que a tentação fosse a de não repetir realizadores nesta lista mambembe, não se pode deixar de incluir esta obra-primíssima que retrata, num painel alucinante, o terremoto da política brasileira. Obra de grande impacto em sua mise-en-scène, com seqüências audaciosas, é, também, um canto agônico, onde um poeta - dividido entre a política e a arte, no processo de sua lenta morte, após um tiroteio numa estrada, repassa o seu pretérito. O filme, portanto, tem sua ação localizada na mente desse personagem enquanto dá seus últimos suspiros. Surpreendente sob todos os aspectos.

3) SÃO PAULO S/A, de Luís Sérgio Person (1965), com Walmor Chagas, Eva Wilma, Otelo Zelloni. O Cinema Novo se desloca, aqui, do campo para a cidade. Person realiza uma obra delicada e sensível onde a cidade paulistana se integra no conflito audiovisual, inserindo-se na estrutura narrativa do filme como um personagem. Esta incorporação do ambiente ao tecido dramatúrgico é rara na cinematografia. Centro da metrópole, em plena era de industrialização, um homem perdido à procura de um sentido para a sua existência. Exemplar!

4) O BANDIDO DA LUZ VERMELHA, de Rogério Sganzerla (1967), com Paulo Villaça, Helena Ignêz, Luiz Linhares. Carro-chefe do chamado Cinema Marginal - ou underground ou, ainda, udigrudi. Um faroeste do Terceiro Mundo, na definição de seu autor, obra de estréia em longa metragem, um filme único na cinematografia nacional. As imagens, desordenadas mas com uma cadência rítmica explosiva, aparecem, na estrutura narrativa, como a ilustração de um programa de rádio de classe Z. Duas vozes narram a trajetória de um perigoso marginal da periferia paulistana. O que se pode ver, neste filme extraordinário, é a apreensão, por um jovem cineasta de 21 anos, do melhor cinema praticado em décadas anteriores. Radiofônico, como Welles, sincopado em sua montagem, como Godard, mas de uma boçalidade exclusivamente brasileira. O autor assume a bregüice nacional com uma total non chalance, proporcionando, com isso, um retrato esculhambado por excelência, mas inteligentíssimo como expressão da arte do filme.

5) A HORA E A VEZ DE AUGUSTO MATRAGA, de Roberto Santos (1965), com Leonardo Villar, Jofre Soares. O realizador venceu uma batalha mais forte do que a do seu personagem: adaptar, com poder de convencimento, uma obra de Guimarães Rosa. Problemas de especificidades lingüísticas à parte, o fato é que o filme é deslumbrante na tentativa de descrever o universo rosiano por meio da força de um outro signo expressivo: o da linguagem cinematográfica. Um grande momento para o Cinema Novo e para todo o cinema brasileiro. E Leonardo Villar está como que inexcedível no papel título.

6) ABSOLUTAMENTE CERTO, de Anselmo Duarte (1958), com Dercy Gonçalves, Anselmo Duarte, Odete Lara. Em pleno domínio da chanchada, o maior galã do cinema nacional da época dirige o seu primeiro longa. O resultado fica acima da expectativa, pois uma inteligente comédia de costumes que retrata, com graça e humor, a classe média paulistana. Mas, mais importante que isso, é o cinema ágil, engraçado, com excelentes transições, de um ritmo frenético que acaba por funcionar como um trabalho que ultrapassa o espírito de sua época. O realizador, anos depois, conquistaria a cobiçada Palma de Ouro no Festival de Cannes com O Pagador de Promessas. Mas é aqui que se encontra o melhor do cineasta.

7) VIDAS SECAS, de Nelson Pereira dos Santos (1964), com Átila Iório, Maria Ribeiro. Adaptação do romance homônimo de Graciliano Ramos. Poucas vezes o cinema e a literatura puderam se dar as mãos em harmonia como nesta obra cinematográfica. O livro parece um indicativo das imagens em movimento pela sua linguagem seca, sem floreios. O diretor, precursor do Cinema Novo - Rio, quarenta graus, Rio Zona Norte, soube apreender as indicações da escritura romanesca, transformando-as em pura linguagem fílmica. Desde a fotografia sem filtros, que denuncia a aridez da paisagem e o sol dominador, passando pelas rigorosas interpretações de Átila Iório e Maria Ribeiro, até o clímax da morte cansada da cadela, tudo é luz e maravilhamento.

8) NOITE VAZIA, de Walter Hugo Khoury (1964), com Mário Benvenutti, Norma Bengell, Odete Lara, Gabrielle Tinti. Um autor original no panorama do cinema brasileiro que, muito criticado pelos cinemanovistas pelas influências de Ingmar Bergman e Michelangelo Antonioni, conseguiu, como poucos neste país, revelar-se um verdadeiro autor na expressão exata do vocábulo. Com um universo ficcional próprio e um estilo particularíssimo, com cada obra singular sendo uma variação de um mesmo tema - o macrofilme, que é toda a sua filmografia, Khoury enfrentou incólume as turbulências da crítica e hoje está estabelecido como um dos maiores cineastas brasileiros. Noite vazia investe na noite de São Paulo com seus personagens amargurados à procura de um significado para as suas existências desiludidas. Mas o que se faz notar no filme é uma emergência poética a cada instante, um domínio formal impressionante na condução da mise-en-scène. A seqüência da chuva na janela, em montagem paralela com as mulheres deitadas e o ovo que se estala no fogão, é uma das mais belas do cinema brasileiro.

9) TODAS AS MULHERES DO MUNDO, de Domingos de Oliveira (1966), com Paulo José, Flávio Migliaccio, Leila Diniz, Ivan de Albuquerque, Irma Alvarez. Nenhum filme brasileiro revelou tão bem o espírito de uma época como este delicado poema à mulher amada de um realizador em sua primeira incursão no universo das imagens em movimento. Domingos se encontra em sua quintessência, dotado de um singular humor e uma capacidade intuitiva rara no estabelecimento de uma poética sobre o seu tempo.

10) LILIAM M - RELATÓRIO CONFIDENCIAL, de Carlos Reichenbach, com Célia Olga Benvenutti, Benjamin Cattan, Sérgio Hingst, Edward Freud. Mulher casada com lavrador é seduzida por mascate e após trágico acidente vai morar na selva de pedra paulistana onde enfrenta a solidão e o desespero, mas, inesperadamente, se casa com industrial rico e muda de vida. Filme original, bastante influenciado pela estética do cinema japonês, premiado em vários festivais, é um marco na carreira de seu autor e sua revelação para o Brasil e para o mundo. Uma obra que precisa ser revista atualmente com toda a atenção.

LIMITE, de Mário Peixoto (1930), com Olga Breno, Taciana Rei, Raul Schnoor. Clássico absoluto do cinema brasileiro. Um filme que não se compara mas se separa. Três pessoas viajam sem destino num barco e relembram o passado. Filme-mito, que provocou estesia e polêmica, realizado ainda na estética da arte muda por um jovem realizador que estreava, aqui, na direção cinematográfica e depois desse filme se trancou numa ilha para sempre. Obra essencial, visual, puro cinema, ou o cinema como música do olhar. Fotografia excepcional de Edgard Brazil.
A foto é do magistral Paulo Autran em Terra em transe, um dos mais expressivos trabalhos de ator do cinema brasileiro em todos os tempos.

01 novembro 2007

A produção de sentidos no cinema



A maioria das pessoas que vai ao cinema recebe uma avalanche de imagens e não se encontra apta a identificá-la enquanto uma linguagem. O que interessa, apenas, é a história, a intriga, o desdobramento das situações - aquilo que se chama de fábula. Assim, o espectador comum não percebe que o filme tem uma narrativa e é esta que, por assim dizer, ’puxa’ a fábula - a história. Por narrativa se entende a maneira pela qual o realizador cinematográfico manipula os elementos da linguagem fílmica. Ou seja: o conjunto das modalidades de língua e de estilo que caracterizam o discurso cinematográfico.

O que precisa ficar bem entendido é o seguinte: o que merece crédito na obra cinematográfica não é o que se diz 'no' filme, mas, sim, o que o filme diz. E este fala por meio de sua linguagem específica, assim como na literatura o escritor se expressa por um conjunto de palavras que formam frases, orações e períodos. A expressão daquele que escreve se dá através da sintaxe. E o cinema também tem uma sintaxe que se cristaliza pelo relacionamento dos planos, das cenas, das seqüências. Assim, os elementos básicos da linguagem cinematográfica, os chamados elementos determinantes, podem ser assim considerados: a planificação (os diversos tipos de planos - geral, de conjunto, americano, médio, close up...), os movimentos de câmera (travelling, panorâmica, na mão...) e a angulação (plongée, contre-plongée...). E a montagem, existindo também os elementos componentes, mas não determinantes (fotografia, intérpretes, cenografia...).

É necessário, para uma melhor compreensão de um filme, aprender a reconhecer a linguagem do cinema e a captar qualquer mínima manifestação sua. Importa mais estar atento ao comportamento que a câmera adota em relação a determinado personagem do que seguir o seu comportamento na tela. É mais importante a verificação dos sinais efetuados pela câmera referente ao personagem do que tentar entender o que este está a fazer no desenvolvimento da história. A câmera dificilmente renuncia a uma opinião sua, mesmo quando parece estar silenciosa e perfeitamente alheada. Os modos que dispõe para qualificar a realidade são múltiplos e nem sempre imediatamente compreensíveis.

Um exemplo está em Frenesi (Frenzy, 1972), penúltimo filme de Alfred Hitchcock, um cineasta inventor de fórmulas, um artista da mise-en-scène, cujos significados muitas vezes emergem do comportamento da câmera e, por extensão, do uso que faz da linguagem cinematográfica. Assim, em Frenzy, o movimento aparentemente vagabundo da câmera tem a função de indicar a atitude moral assumida pelo autor - no caso o mestre Hitch - relativamente à matéria tratada. Numa cena dessa obra exponencial, uma mulher (Anna Massey, a namorada do falso culpado Jon Finch) é assassinada em seu apartamento pelo hóspede (Barry Foster, o estrangulador que o espectador já conhece) ocasional que ela própria convidara confiando na sua extrema simpatia. A câmera acompanha os dois quando se dirigem ao prédio onde ela mora - o público já pressente o pior, pois ciente de que o homem é um assassino perigoso, mas, entrando neste, a máquina de filmar abandona os dois ’à sua própria sorte’, pois começa a recuar lentamente, sai do edifício e se detém apenas quando o exterior deste fica enquadrado num plano geral. Todo o movimento se procede através de um movimento de câmera chamado travelling, a princípio ’para frente’ e, quando do recuo, para trás. O grito da pobre moça é abafado pelos ruídos do bairro popular onde se localiza uma feira muito barulhenta. Que outra coisa pretende dizer Hitchcock com este travelling em derrière se não que o Mal está entre nós e que opera das maneiras mais insuspeitas? Trata-se, na verdade, de um caso em que a ’metafísica’ do autor recorre, para se manifestar, à física de uma óbvia escolha estilística.

Hitchcock procura também, com seu humor negro habitual, brincar com o espectador, que sabe ser um sado-masoquista e adoraria, no caso, presenciar o estrangulamento da mulher pelo perverso homicida. A significação, por conseguinte, se faz pela linguagem, pelo comportamento da câmera em relação ao personagem. Se neste exemplo, a significação decorre de um movimento de câmera, em outro, desse mesmo filme, ela advém pela montagem na seqüência na qual o estrangulador procura, dentre muitos sacos cheios de batatas, aquele no qual se encontra o cadáver da mulher que matara no apartamento a fim de lhe tirar um broche de suas mãos, as quais, no momento da agonia, agarram o objeto. A manipulação de Hitch é tal que o espectador torce para que o brutal homicida encontre, tal a sua aflição - e a aflição provocada pela montagem, pela ’mise-en-scène’, o broche que o denunciaria como criminoso.

Em O Açougueiro (Le Boucher, 1969), de Claude Cahbrol - um discípulo de Hitchcock e autor, com Eric Rohmer, de um livro importante sobre o diretor de Vertigo -,há uma cena na qual o protagonista - um carniceiro que se sabe torturado pela mania homicida - confessa o seu afeto à ignara professora da aldeia - ele é Jean Yanne, ela, Stéphane Audran, naquela época companheira do diretor. A declaração tem lugar num bosque onde os dois se deslocaram para colher cogumelos. A atmosfera seria das mais tranqüilizantes, não fora passar-se - durante o colóquio entre ambos - algo que não pode deixar de alarmar o espectador atento. E esse algo não se refere ao comportamento das personagens - que continuam a dialogar num cenário idílico - mas, precisamente, ao comportamento da câmera. Esta última, quase inadvertidamente, começa a deslocar-se lateralmente até o primeiro plano de um tronco de árvore se interpor entre ela - a câmera - e o par, escondendo o homem cujas palavras, contudo, continua-se a ouvir. A vista é desimpedida com a saída do tronco do campo da visão, mas pouco depois desaparece novamente quando o movimento se repete em sentido contrário, conduzindo a câmera à posição inicial. Eis um caso em que um simples travelling se encarrega de denunciar ao espectador a atitude reticente da personagem, 'encobrindo-a' da vista no momento em que se revela ao ouvido. Denúncia essa dirigida ao público e não, infelizmente, à desventurada professora, que se manterá por um bom pedaço na ignorância das verdadeiras intenções do carniceiro degolador.

31 outubro 2007

Algumas palavras


O cinema popular brasileiro, realizado principalmente em São Paulo, sempre foi objeto de indiferença por parte da crítica dita especializada. Assim como a chanchada (hoje mais ou menos reverenciada e estudada com teses, inclusive, teses acadêmicas de doutorado), que recebeu, em sua época, um silêncio estrondoso dos comentaristas que se diziam cinematográficos, um desdém monumental (vejo hoje filmes como O homem do sputnick, de Carlos Manga, ou Absolutamente certo, de Anselmo Duarte, como obras que engolem, magnificamente, toda a produção nacional da última década, consideradas as honrosas exceções de praxe). Mas a internet e seus blogs estão a resgatar a memória desse cinema tão desprezado, a exemplo da Revista Zingu!, de Matheus Trunk, e, principalmente, o original (pela maneira de criticar o filme, de procurar escutá-lo na sua proposta, pela originalidade do enfoque e também até pelo ineditismo da empreitada) blog escrito por Andrea Ormond intitulado Estranho encontro, não por acaso o título de um dos filmes de Walter Hugo Khoury, cineasta da admiração da autora. Noite vazia, não canso de dizer, é um dos monumentos da filmografia brasileira, da história do cinema nacional, queiram ou não seus detratores, que serão esquecidos, mas não o filme e seu autor.
A foto é da atriz Andreia Bayard em Estranho encontro, de Walter Hugo Khoury.

30 outubro 2007

Itinerário torto de bloguista sem assunto



Já cansei de ouvir que todo crítico de cinema é um cineasta frustrado. Ora, ora, ora bolas! Que o seja, então! Serei um deles? Creio que não, mas, quem sabe, no inconsciente talvez o seja. Precisaria ser psicanalizado para saber dessa frustração. Seria ela responsável pela minha adoração aos prazeres etílicos que, agora, encontro-me tão acossado, tão restrito por problemas de saúde? O fato é que, e verdade seja dita, e que me desculpem os cineastas, que os respeito, gosto mais de ver do que de fazer. Tenho natureza contemplativa e uma certa preguiça para estar no set de filmagens, embora tenha já participado de alguns filmes. Realizei, de moto próprio, não um filme, mas um produto audiovisual em fita magnética, que mantenho escondido nos escombros de meus papéis. Trata-se de Pizzaria Eisenstein, vídeo de ficção de 15 minutos, o qual, depois de pronto, resolvi arquivá-lo sem mostrar a ninguém. Mas já participei de obras alheias, principalmente na juventude, e quando ainda era um adulto jovem. Acho que filmar é esperar, esperar, esperar pela próxima tomada. Para o ator é meio frustrante, pois além da espera - e muitas vezes uma espera quase godótica, fica o intérprete algum tempo sem ver o resultado até que o filme fique pronto. Cary Grant uma vez disse que em Intriga internacional (North by northwest, 1959), de Alfred Hitchcock, apenas obedecia às indicações do mestre sem saber rigorosamente nada de seu personagem. Hitch dizia a ele: olha em frente, feche os olhos, ande à direita, suba a escada, e ele ia obedecendo. Já o intérprete teatral tem uma grande satisfação no proscênio, pois a sua construção do personagem se faz num contínuo de espaço e de tempo, havendo, nisto, integridade na composição.
Quando jovem, participei como assistente de direção de Perâmbulo (1968), e, como diretor de produção, de Vôo interrompido (1969), ambos do cineasta baiano José Umberto (que tem em seu curriculum dois longas: O anjo negro (1973) e Revoada (2008), este último em processo de pós-produção e com lançamento previsto para o ano que vem. Vôo interrompido é um média metragem e, segundo opinião de Álvaro Guimarães, o autor de Caveira my friend, é o primeiro filme realmente underground - ou udigrudi - do cinema baiano, pois feito antes do dele que é radicalmente marginal. Funcionei como diretor de produção ao lado de José Frazão, que viria a se tornar um cineasta conhecido com J. S. Brown, o último herói do gibi (que tem uma excelente apreciação no blog de Andrea Ormond Estranho Encontro, uma das páginas mais importantes na internet sobre cinema brasileiro (http://estranhoencontro.blogspot.com/), Akpalô (1972), que desapareceu, O mistério do colégio Brasil, entre outros. Nunca mais vi Frazão e acredito que esteja a morar no sul do país.
Vôo interrompido se propõe a ser uma espécie de poema audiovisual por meio de imagens que registram a ascenção e queda de uma prostituta que sai de seu interior paupérrimo e vai para a cidade grande onde se torna uma puta. A sua vivência como prostituta determina a sua aflição e o seu suicídio. Mas assim narrado não se pode ter uma idéia do que seja o filme, pois é uma obra que se estabelece, e como deveria ser em qualquer obra cinematográfica, como estrutura audiovisual.
Em 1982, a convite de Tuna Espinheira, apesar de minha recusa inicial, participei como um dos atores principais de O cisne também morre, o primeiro filme de ficção do realizador do longa Cascalho, transposição cinematográfica do famoso romance de Herberto Salles. Faço um agente de funerária, vestido com uma japona esquisita, azul marinho, a beber formol o tempo inteiro. O cisne também morre é baseado na memória de Carlos Anísio Melhor, poeta consagrado, e, a rigor, é um filme sobre a boemia soteropolitana, uma espécie de réquiem aqueles que, desgraçados mas sensíveis, adoravam a bebida como mola propulsora de suas existências. Não ganhei o Oscar de melhor ator, esta a verdade.
Recentemente, e como ator, ora vejam só, atuei em À margem do tempo, de Júlia Lima, um filme baseado em conto de Jorge Luís Borges, onde faço este, maquiado para parecer velho. Um velho que, num banco à beira do rio, encontra com ele próprio jovem (feito por Lucas Valladares de Eu me lembro). O filme é um jogo no espaço e no tempo que reflete sobre o tempo que passa.
Mas por que estou a narrar estas coisas? Talvez falta de assunto para o post de hoje. A quem interessar possa, fica o registro.
A imagem é um fotograma de À margem do tempo.

29 outubro 2007

O cinema segundo Friedkin



Se ontem, domingo, foi a vez de John Frankenheimer, hoje, por vias travessas, é a de William Friedkin, mas numa entrevista exclusiva conseguida não se sabe como pelo crítico mineiro Marcelo Miranda, uma das revelações como exegeta cinematográfico da internet dos últimos anos. É interessante observar que, finda a fase áurea da crítica, quando pontificavam a majestade de um Moniz Vianna, um Almeida Salles, um Paulo Emílio, um Walter da Silveira, entre tantos, houve, na imprensa, uma certa calmaria, um hiato que se aprofundou cada vez mais com a crise do cinema contemporâneo e a ascensão, como metástase cancerosa, do lixo da indústria cultural hollywoodiana. Se, porém, a crítica se ausentou dos jornais e revistas, que passaram a contratar resenhadores, guias de consumo, indicadores de estrelinhas, por outro lado, a crítica tomou força na internet e nas revistas eletrônicas que foram surgindo, revistas especializadas com colaboradores que são verdadeiros cdfs em matéria de cinema. Não se pode desconhecer o trabalho que vem sendo feito pelas revistas Contracampo (esta a chegar ao número 90), Cinética, Críticos Com, Cinemascópio (de Kleber Mendonça Filho que, se não estou enganado, foi um pioneiro da crítica na web). Marcelo Miranda pode ser encontrado nos seguintes endereços, que recomendo desde já: htttp://www.otempo.com.br, http://www.cinequanon.art.br, http://www.filmespolvo.com.br, http://www.canalcinefilia.com.br,

A imagem que está aqui é de um excelente filme de Friedkin completamente desprezado pela crítica que se diz especializada: Jade, que fez em meados da década de 90. Descaradamente, copio, com a licença de Marcelo Miranda, apesar de tudo, a sua entrevista com o grande Friedklin que saiu em O Tempo, jornal de Belo Horizonte. Lá vai ela!

"Realizador do lendário "O Exorcista" (1973), que redefiniu o gênero terror, e ganhador do Oscar por "Operação França" (1971), o cineasta norte-americano William Friedkin, 72, mantém-se em plena atividade. Ao longo de 40 anos de carreira, teve altos e baixos, mas o saldo computa muito mais altos. Vários deles foram ficando para trás na mente de boa parte do público - como "Comboio do Medo" (1977), "Parceiros da Noite" (1980), "Viver e Morrer em Los Angeles" (1985) e "Caçado" (2003) -, mas ainda mantém a genialidade de um diretor que soube subverter regras de gênero e realizar trabalhos de muita força e impacto. É assim com "Bug" - que recebeu o infame título de "Possuídos" no Brasil. Um dos filmes mais perturbadores e instigantes deste ano, "Possuídos" teve lançamento mundial no Festival de Cannes de 2006, de onde saiu com o prêmio principal da Quinzena dos Realizadores (mostra paralela dedicada a trabalhos de maior experimentalismo e ousadia). Estreou no Brasil há pouco mais de um mês e minguou de público. Motivos podem ser vários, e essa é uma das questões que afligem Friedkin. Ele conversou com o Magazine por telefone, direto da Califórnia, sobre isso e vários outros assuntos. Sereno, inteligente e sucinto, Friedkin se mostra consciente de ser um artista raro dentro da máquina de produção da grande indústria. Leia a conversa logo abaixo.

O TEMPO - Sr. Friedkin, comecemos por "Possuídos". Quando foi seu primeiro contato com a peça de Tracy Letts, "Bug", e o que o atraiu a ponto de querer realizar um filme a partir dela?

William Friedkin - A peça surgiu há dez anos e vem sendo reencenada todo esse tempo. Assisti no circuito off-Brodway em 2005 e achei tudo muito bonito e muito poderoso e perturbador. Perguntei ao Tracy se poderia fazer um filme, mostrei meu interesse. O texto era cheio de elementos que eu poderia levar para o cinema e fui atrás tentar a adaptação.

O filme é muito fiel ao original, já que contratou o próprio Letts para ser seu roteirista?

Eu tentei adaptar algo que já era muito poderoso e cinematográfico. Mudamos a forma para inserir mais elementos visuais. O maior desafio foi justamente transformar em imagens coisas que no teatro seriam impossíveis de fazer. Eu já tinha dirigido uma peça do Tracy Letts no teatro, que foi "The Man From Nebraska", e conhecia seu trabalho. Os EUA vivem hoje uma crise dramatúrgica, e Letts é um dos escritores que melhor trabalham nesse ramo atualmente. É inquestionavelmente um dos melhores, então o chamei para roteirizar o filme. Filmei em 20 dias com orçamento de US$ 4 milhões.

Um dos aspectos mais atraentes e angustiantes de "Possuídos" é o fato de que a narrativa nunca deixa de lado a subjetividade. O espectador está o tempo inteiro inserido nos delírios dos personagens, num verdadeiro mergulho na loucura e no amor dos dois que estão em cena. Foi difícil manter esse tom íntimo?

O senhor teve receio do filme ser repelido pelo espectador acostumado a um excesso de explicações? Eu já tinha trabalhado dessa forma em outros projetos e sabia como fazer. "Bug" é uma história de amor muito intimista de duas pessoas que estão num quarto de motel e presas nelas mesmas, em crise com elas próprias, se podemos dizer assim. A mulher, Agnes (Ashley Judd), tem tanto medo de contato com os homens, depois de um trauma que sofreu no passado, que ela fica obcecada com a possibilidade de encontrar alguém com quem ela pode se relacionar. A maioria dos espectadores, hoje, espera histórias fáceis e explicadinhas. Mas eu fiz um filme para quem não espera respostas e nem explicações, para quem não procura ou espera entender exatamente o que está acontecendo.

O senhor também filma "Possuídos" de forma pouco habitual. São poucos cortes na montagem, os diálogos são muito longos e as atuações atingem um tom acima do que seria considerado "normal" no cinema médio norte-americano. Essas escolhas fazem o filme quase um projeto experimental e joga com as sensações do espectador. Gostaria que o senhor falasse dessas particularidades no jeito de filmar um drama entre duas pessoas paranóicas.

Eu tentei fazer os personagens da forma mais realista e verossímil possível. Queria que eles fossem gente que você encontra todo dia na sua vida, que você reconhece. Eu mesmo os identifico com gente que conheço. Tem sido dito que os diálogos são teatrais ou exagerados apenas porque a maioria dos filmes feitos em Hollywood hoje é ridícula. "Quem é você?", "Como vai você?", são diálogos estúpidos. Em "Bug", o público acredita nas falas, o filme mostra uma visão verdadeira do mundo da forma como ele é. Pode ficar parecendo teatral justamente porque os personagens falam por muito tempo e falam de coisas estranhas. Isso tudo acaba provocando um certo estranhamento na narrativa, mas eu acredito que esses personagens são reais e estão nas ruas. A experiência como diretor de ópera me ajudou muito na hora de conceber "Bug" e vários outros dos meus filmes. Dirigir óperas é como dirigir filmes, só que sem a câmera.

"Bug" seria bem diferente se o som não exercesse muitos significados e tornasse tudo extremamente ambíguo. "O Exorcista", seu filme mais famoso, também era muito focado no uso do som, assim como vários outros trabalhos seus. Qual a importância do som para o seu cinema?

É algo essencial. Eu gravo o som separado das filmagens. Faço a trilha sonora e incluo os efeitos de som (música, atmosfera, ruídos) depois de realizar as tomadas. Essa minha preocupação com o som vem do meu amor pelo rádio, pelos dramas de rádio, que eu sempre gostei e que vieram antes da TV. Eu tento fazer com que o som seja algo fundamental nos meus filmes e sirva como complemento da imagem. Quero que um sustente o outro, sempre em equilíbrio.

O senhor enxerga algo de político em "Bug", seja na temática ou nas escolhas formais?

Claro. O filme é bastante político. Todos os políticos parecem as mesmas pessoas, eles são iguais. Não adianta dizer o que vão fazer, porque são sempre do mesmo discurso, a república democrática não muda. E a política de "Bug" são as experiências com os soldados. É disso que eu falo, sobre essa paranóia que atinge o homem comum exposto aos políticos. Mas não estou dizendo que o homem no filme, o ex-soldado Peter, esteja falando necessariamente a verdade. Porque ele está tendo delírios, e o espectador pode considerar que nada no filme é verdade e tudo seja fruto de imaginação. O Peter não é simplesmente louco, ele é extremo, e a idéia da paranóia é muito forte no filme, a noção de como as pessoas tentam se defender quando acreditam estar sendo ameaçadas.
"Bug" não foi um grande sucesso nos EUA e não tem conquistado grandes platéias no Brasil. Porém, é uma unanimidade crítica desde Cannes. A que o senhor atribui a má performance de "Bug" junto ao grande público? Eu não tenho a menor idéia. Nunca paro para pensar nisso e também não entendo porque tantos filmes que não dizem absolutamente nada fazem sucesso.


Aqui no Brasil, "Bug" foi lançado com o título de "Possuídos", numa analogia forçada a "O Exorcista" e seus demônios encarnados - ainda que "Bug" não tenha nada disso. O senhor sabia desse título?

É horrível! Eu nao fazia a menor idéia. Nunca fico sabendo dos títulos fora dos EUA, nem sugiro nada. Mas "Possuídos" é muito ruim.

Ironicamente, o seu cinema é caracterizado por personagens que poderíamos chamar de possuídos por algum tipo de obsessão ou vontade. Eles se dispõem a qualquer coisa para atingir os objetivos. É o padre de "O Exorcista", os policiais de "Operação França" e "Viver e Morrer em Los Angeles", o motorista de "Comboio do Medo", o jurado de "12 Homens e Uma Sentença", o agente de "Caçados" e o ex-militar de "Bug", entre tantos outros mais. O senhor realmente sempre procurou focar personagens ambíguos e obcecados?

Eu nunca sei direito para onde estou indo. Sempre que começo um projeto, vou deixando que ele tome sua própria forma. O que me interessa todas as vezes é o limite entre o bem e o mal, é o fato de que todos nós vivemos nesse limite e isso faz parte das pessoas. Eu não tinha idéia disso no começo da minha carreira, mas agora é tudo muito claro. Nem preciso ir atrás desses temas, porque eles sempre vêm até mim de um jeito ou outro.

Em vários artigos sobre "Bug", foi comum o discurso de que o filme representou o grande retorno de William Friedkin. Porém, o senhor nunca sumiu, de fato, e sempre manteve produção constante. O que o senhor pensa disso?

De fato "Bug" é uma continuidade. Os personagens e temas presentes em "Bug" são muito parecidos em vários outros filmes que eu fiz, mas a história, o enredo, é diferente. Eu busco me manter em algumas dessas temáticas ao longo dos meus projetos.

Quais são suas referências dentro do universo do cinema, tanto como cinéfilo quanto como realizador? O senhor possui filmes de cabeceira?

Não tenho filmes de cabeceira e nem saberia falar sobre algum cineasta que me toque mais. Na verdade, eu poderia dizer que não sou membro de nenhum fã-clube.

E na sua carreira, o senhor destacaria algum filme em específico?

Acho que não. Seria o mesmo que perguntar a um pai ou a uma mãe qual seu filho favorito. Você até pode ter um, mas não vai dizer. (risos)

O senhor vem de uma geração de grandes nomes do cinema norte-americano, como Coppola, Scorsese, Clint Eastwood. O cinema dos EUA evoluiu?

Não há muito o que falar do cinema norte-americano hoje porque ele não é nada mais que um exercício comercial. Nem há como como comparar com o que fazíamos naquela época, quando essa preocupação com o comercial não era algo tão forte. Era um momento de muita liberdade, principalmente antes da minha geração, com os grandes nomes clássicos de Hollywood. Mesmo os estúdios controlando tudo, havia noção de que os diretores sabiam o que fazer. Hoje os filmes estão mais preocupados com a venda dos ingressos e com grandes orçamentos. Um trabalho de menos de U$ 100 milhões já é considerado de baixo orçamento.

Como o senhor avaliaria o significado de um filme como "O Exorcista" e a referência que ele se tornou para toda uma geração?

Eu não controlo o que os meus filmes vão significar para as gerações. Simplesmente essas coisas acontecem. E também não estou atrás disso, quero continuar fazendo aquilo que eu acredito e aquilo que eu quero ver.
Está com novos projetos em andamento? Estou com vários projetos e avaliando alguns roteiros. Nunca estou parado, porque tenho outras atividades fora do cinema. Também sou diretor de ópera e viajo muito com as minhas peças, para diversas partes do mundo. Desde 1996, quando fui convidado para dirigir "Wozzeck", de Alban Berg. Já fui a Florença, Tel Aviv, Munique, Turim e outros lugares com várias óperas e é algo que me mantém sempre na ativa.

Colaborou Soraya Belusi

28 outubro 2007

Frankenheimer: espetáculo e ritmo sempre

Diretor americano que ainda não recebeu a necessária valorização, a ser confundido (1930/2002), muitas vezes, como um realizador mediano e comercial, John Frankenheimer é um cineasta possuidor de um invejável sentido de composição plástica, dominando formalmente o veículo, com um ritmo, timing, surpreendente. Na engrenagem da indústria cinematográfica, todavia, vê-se obrigado a aceitar encomendas ditas comerciais, o que faz oscilar a sua filmografia entre grandes e menores momentos, nunca, entretanto, mesmo nos filmes mais fracos, sem deixar de apor a sua marca de realizador eficiente e impactual - é verdade que, no fim da vida, comete alguns pecados imperdoáveis, excetuando-se Ronin, como Amazônia em chamas, entre outros. Assim, Frankenheimer, quando um roteiro bom lhe é entregue, desenvolve-o com maestria na exposição de suas imagens em movimento. É um cineasta, portanto, que precisa ser melhor investigado para se poder conhecer as suas constantes temáticas e estilísticas. E isso, por ignorância de uma crítica somente capaz de enxergar os autores consagrados, ainda não aconteceu, excetuando-se alguns exegetas franceses que, diga-se de passagem, souberam captar a sua grandeza. No Brasil, porém, este diretor precisa, e urgentemente, ser redescoberto.

Este desconhecimento de Frankenheimer é bem revelador de uma crítica modista incapaz de investigar os filmes, se estes não chegam já firmados e devidamente cultuados, pois Frankenheimer não é um cineasta modista, não incursiona por termas “pós-modernos” e nem se preocupa com os assuntos que fazem a festa da patuléia (ou de uma certa patuléia) contemplativa. Seus filmes, sobre ser obras de construção dramática de uma funcionalidade extrema, podem ser considerados reflexões sobre a violência do homem contemporâneo. Que se veja aqui, portanto, a sua trajetória.
Este cineasta audacioso e impactuante - talvez, pelo domingo, esteja a exagerar um pouco, que dota a sua mise-en-scène de um fascínio crepuscular, nasce em Nova Iorque em 1930, estuda na Academia Militar de La Salle e faz parte da geração oriunda da tv nos anos 50, tendo sido assistente de Sidney Lumet (Doze homens e uma sentença). Começa a dirigir em 1956, com 26 anos de idade, emv No labirinto do vício (The Young Stranger), com James MacArthur e Kim Hunter. Passa, então, vários anos sem realizar um longa, o que só acontece em 1961 em Juventude selvagem (The Young savages), com Burt Lancaster e Dina Merril. É o mesmo Lancaster que faz, em 62, o papel-título de O Homem de Alcatraz (Birdman of Alcatraz), um filme não sobre a prisão, mas, importante, sobre a idéia da prisão; obra humanista e de fôlego. Nesse mesmo ano, considerado pelos produtores pela sua demonstração de talento, faz outro filme: O anjo violento (All fall down), com Eve Marie Saint e Warren Beatty. Findo este, ainda em 62, realiza um de seus melhores trabalhos, uma audaciosa previsão dos assassinatos Kennedy em Sob o domínio do mal (The mandchurian candidate), que provoca polêmica por causa de seu tom premonitório. Dinâmico, vigoroso, um thriller surpreendente, com Frank Sinatra, Janet Leigh e Laurence Harvey. Em 1963 descansa e não dirige nada para voltar, em 64, com outra análise dos bastidores do poder estadunidense: Sete dias de maio (7 days in may), com, novamente, Burt Lancaster e Kirk Douglas (um par de atores admirável) Substitui Arthur Penn e chega ao final de O trem (The train) e seu ator preferido, Burt Lancaster, ao lado de Jeanne Moreau (então uma musa do cinema europeu), encabeça o elenco.

Talvez a obra-prima de John Frankenheimer seja este filme realizado em 1966: O segundo rosto (Seconds), com um Rock Hudson irreconhecível como um intérprete seguro e eficiente. Estranho, Seconds mergulha no problema da crise do homem e do tempo, com um personagem que realizando uma operação plástica, muda de rosto, “deixando” a velhice para aparentar um quarentão. Obra de impacto quando de seu lançamento e que merece muitos elogios, mas filme completamente esquecido e que serve de demonstração do faro de Frankenheimer.
Ano rico, o de 1966, para Frankenheimer, pois neste período realiza Grand Prix, um filme fascinante sobre corrida de automóveis (quem pode esquecer o plano de detalhe dos olhos de Eve Marie Saint na grandiosidade dos 70mm?). Este filme foi exibido no cine Tupy logo após sua reforma em 1968 quando passou a projetar a bitola de 70mm.

Três anos de inatividade. O projeto de Grand Prix se torna demasiado puxado. Fica fora do ar por um tempo para, em 1969, construir uma comédia non sense bastante inventiva: O extraordinário marinheiro (The extraordinary seaman), com David Niven e Faye Dunaway. Logo em seguida um filme político e de denúncia: O homem de Kiev (The fixer), com Alan Bates e Dirk Bogarde. Ainda em 69, uma gozação e um trunfo como comediógrafo: Os pára-quedistas estão chegando (The gipsy moths), trazendo de volta Burt Lancaster ao lado de Deborah Kerr (uma atriz maravilhosa, aliás, que fez com Lancaster a famosa cena da praia de A um passo da eternidade, e cujo falecimento, nesta semana, tanto se lamentou, pois a mulher contemporânea, aputalhada, não tem mais a classe, a finesse, de uma Deborah Kerr, embora isto seja outra história).

A década de 70 se inicia com um Frankenheimer menor - mas que menor é este se é ainda muito bom?: O pecado de um xerife (I walk the line), com um Gregory Peck maduro e apaixonado pela quase ninfeta Tuesday Weld. Nesse mesmo ano, um épico menor: Os cavalheiros de Buskashi (The horsemen), com Omar Shariff e Leigh Taylon Young. Um inédito no circuito comercial, mas que aparece exibido na TV. História de uma história de amor (Impossible object, 72), com Alan Bates e Dominique Sanda, que são dois atores estupendo e ao que se pode perceber algo muito interessante para ver, embora se ficou proibido de ver pelas injunções do mercado exibidor. Em 1973, outro inédito: The iceman cometh, com Lee Marvin e Fredric March. Até o ultimo disparo (99 and 44% dead), exibido no antigo Bristol, é divertido e simpático, com produção datada de 74.
Frankenheimer aceita dirigir a seqüência de Operação França e surge The french connetion II (75) mas, ao invés de um filme de ação (como fizera William Friendkin no primeiro), Frankenheimer mistura esta com devaneios à la Antonioni, principalmente no enfoque da angústia de Gene Hackman, o detetive Popeye. Domingo Negro (Black sunday), 77, filme que segue a crise existencial de Popeye, trata do terrorismo internacional e é de um impacto absoluto.
Reconheço que já no ocaso de sua vida, John Frankenheimer, sem o apoio de um sistema de estúdio eficiente, perde, também, força de metteur-en-scène, embora o esforço, a perspectiva de um novo filme que viesse a superar o outro, a tenacidade, e a coragem. Mas outros tempos. O melhor de Frankenheimer está, realmente, na década de 60 e não seria exagero dizer que O segundo rosto é uma obra-prima.