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10 agosto 2012

"Antonio Conselheiro" já em cartaz

Carlos Petrovich faz o Conselheiro no filme de Walter Lima
Entra hoje em cartaz (Salvador), sexta, dia 10 de agosto, em bom circuito, Antonio Conselheiro, o taumaturgo dos sertões, de José Walter Pinto Lima: Espaço Unibanco, Sala de Arte da Ufba, Cine XIV (Pelourinho), UCI Orient Iguatemi, e UCI Orient Paralela. Também em Petrolina no Orient Cinemas River Shopping. Na próxima sexta, 17, entra em cartaz no Rio e São Paulo. É um filme baiano que deve ser prestigiado. O seu lançamento se constitui numa façanha de Walter Lima, pois difícil a colocação de uma obra que foge aos padrões dominantes do modelo narrativo comercial - o mercado, dominado pelas multinacionais, promove o cinema a um parque de diversões. Basta dizer que, considerando que o Brasil possui pouco mais de 2.000 salas de exibição, 1.000 cópias foram lançadas de O Homem Aranha e mais 1.000 de Batman. Antonio Conselheiro está mais afeito ao cinema de poesia do que ao cinema de prosa: tem um acento mais retórico do que fabulatório. É o segundo longa de Walter Lima, que atua no cinema baiano há mais de 40 anos, sendo o organizador e idealizador do bem sucedido Seminário Internacional de Cinema e do Audiovisual (que mudou de nome para Cine Futuro). Vamos vê-lo e, com isso, prestigiar o esquálido cinema que se faz na Bahia.

08 agosto 2012

A nobreza da sensação do medo

Christopher Lee em O vampiro da noite (Horror of Dracula, 1958), de Terence Fisher. Cliquem na imagem.

1) O cinema de terror, passada a sua fase clássica, e de ouro (Drácula, com Bela Lugosi, Frankenstein, com Boris Karloff etc), encontrou, nos anos 50, forte inspiração na produtora inglesa Hammer, que preencheu os adoradores do gênero com filmes de qualidade e certa sofisticação, a exemplo de O vampiro da noite (Horror of Drácula), com o indefectível Christofher Lee. Quando da sua exibição em Salvador, 1961, a estratégia de marketing, quando ainda quase que não existia isso, foi perfeita. Rigorosamente proibido para menores de 18 anos, um cartaz, em cima da bilheteria, advertia os que compravam ingressos que o filme não era indicado "para cardíacos e pessoas nervosas". O mais genial, no entanto, foi a colocação de uma ambulância na porta do cinema com dois enfermeiros ao lado.



2) Os filmes que trilham a linha de Sexta-feira 13 ou, mesmo, A hora do pesadelo não são atraentes, porque se "alimentam" mais de efeitos especiais e sustos intermitentes, a deixar de lado a tensão oriunda das sugestões. É verdade que nos anos 80 tivemos O exorcista, de William Frieklin, que é uma obra de impressionante vitalidade como mise-en-scène.
3) Wes Craven tentou a paródia do terrorífico em seus sucessivos pânicos, com resultados satisfatórios dentro dos limites do gênero. Mas o terror que põe o espectador de sobressalto é aquele mais movido pelas sugestões, pela tensão psicológica, com completo domínio formal da narrativa, da 'mise-en-scène', é preciso repetir. Em O exorcista, por exemplo, a maior cena de terror, na minha opinião, vem da montagem do momento em que a menina possuída está fazendo exames, radiografias, a tomar injeções até na veia do pescoço. É uma sucessão de ruídos de chapas batendo, de imagens cruas de um exame invasivo, enfim, a conjunção imagem e som, que estabelece, na cena, uma impressionante, vá lá o termo de novo, mise-en-scène.

4) Não se pode deixar de falar, em se tratando do gênero terror, dos clássicos do expressionismo alemão, principalmente, Nosferatu, o vampiro (1922), de Friedrich Wilhelm Murnau, com a estupenda performance de Max Schenk, insuperável como o personagem título. Murnau, um dos maiores cineastas de todos os tempos, teve morte prematura no alvorecer dos anos 30. Um acidente de automóvel lhe tirou a vida. É autor de A última gargalhada, entre muitos outros filmes excepcionais, como Aurora (Sunrise, 1927), que realizou nos Estados Unidos com a estética expressionista e que François Truffaut considera o mais belo filme de todos os tempos.

5) Werner Herzog realizou uma belíssima versão do clássico "Nosferatu", de Murnau, com Klaus Kinsky no papel do vampiro, e Bruno Ganz (excepcional ator alemão que trabalhou em "O amigo americano", o melhor filme de Wim Wenders, e "A queda", no qual faz Hitler em interpretação assombrosa).

6) Vi, no disquinho, Giallo, de Dario Argento, um dos mestres contemporâneos do filme de terror. Giallo é uma expressão italiana para designar livrinhos de bolso de terror e suspense baratos e editados em papel de má qualidade. Uma espécie de pulp-ficcion. Argento, tal o seu domínio formal da narrativa, é um mestre e "purifica" seus filmes com um derramamento estético de sangue. É um diretor respeitado, ainda que mal compreendido - os ignorantes pensam que é um diretor sensacionalista e barato sem atentar para a sua grande capacidade de usar brilhantemente os elementos da linguagem cinematográfica.

7) Dario Argento, além de ter em sua filmografia alguns cults do suspense e terror – o cineasta Carlos Reichenbach (de saudosa memória) foi um apaixonado por sua obra, foi um dos roteiristas do admirável Era uma vez no oeste (C’era uma volta in West, 1968, de Sergio Leone.). Entre seus filmes mais aclamados, encontram-se O pássaro das plumas de cristal (L'uccello dalle piume di cristallo, 1970, obra de estréia no longa), O gato das nove caudas (Il gatto a nove code, 1971), Suspiria, entre outros notáveis.

8) Em Giallo, Argento procede de maneira a não dar ao espectador aquela sensação de “quem foi”, a mostrar, já no primeiro terço do filme, o serial killer. O que Argento procura, na verdade, é a angústia do homem perseguido e o acompanhamento, por parte do público, da angústia do casal que o caça. Uma constante de Argento, os traumas da infância, está presente em Giallo. A modelo americana, Celine, é seqüestrada, em Milão, durante uma semana na qual participa de um desfile de moda, pelo serial killer conhecido como Giallo, que faz, com extremado sadismo, suas vitimas passarem por um verdadeiro calvário. Linda (Emmanuelle Seigner, linda, apesar do tempo no seu rosto), irmã de Celine, deixa o assunto nas mãos do inspetor Enzo Lavia (Adrien Brody, o pianista de Polanski, e, também, um dos produtores do filme), que deverá encontrar a garota antes que ela sofra o terrível final das vitimas anteriores.

05 agosto 2012

O Intimismo no cinema

Rock Hudson e Dorothy Malone em Palavras ao vento, de Douglas Sirk

Fala-se muito em intimismo cinematográfico, mas quase nada, pelo menos em língua portuguesa, existe escrito sobre esta maneira de representação do real nas imagens em movimento. O lançamento (em DVD) de Imitação da vida (Imitation of life, 1959), de Douglas Sirk, faz emergir o pensamento sobre o que significa o intimismo e o modo pelo qual é traduzido, nele, o "real".

O intimismo representa, por excelência, a escola idealista no cinema. A realidade é filtrada pelo sentimentalismo e pela subjetividade, o que o identifica com o romantismo. Segundo Maurício Rittner, em seu exemplar livro introdutório, Compreensão de cinema, editado pela Buriti em 1965, nos filmes intimistas nem sempre o desfecho da história é feliz, fato característico dos filmes românticos. Como as normas de conduta, ainda segundo Rittner, próprias do intimismo são normais ideais, elas acarretam uma técnica de renúncia aos valores autênticos da vida. Assim, o universo romântico-intimista configura um sistema de forças em conflito: as forças do sentimento e as forças da razão. Mas em sua fé nos sentimentos, os personagens se tornam quase místicos.

Segundo o crítico de arte Herbert Reed, existem três modos básicos de representar o mundo: o realismo, o idealismo (intimismo), e o expressionismo, havendo um quarto modo (surrealismo) que tenta substituir o realismo, que é, esta,  a escola, por assim dizer, que registra tão verazmente quanto possível aquilo que nossos sentidos conseguem perceber no mundo real. Há no realismo cinematográfico várias vertentes (neo-realismo italiano, realismo poético francês, realismo socialista, realismo fantástico, realismo crítico...). A maioria dos filmes do Cinema Novo brasileiro pode se inserir dentro do realismo, assim como a famosa escola de documentaristas britânicos dos anos 20 (John Grierson, Paul Rotha...).

No expressionismo (e, principalmente, no expressionismo alemão dos anos 10 e 20) o que importa não é a tradução do real (como no realismo), mas a expressão de seu reflexo na sensibilidade e no espírito. O filme ícone do expressionismo é O gabinete do Dr. Caligari (Robert Wiene, 1919), com seus cenários de papelão, objetos pintados, gesticulação exagerada. Há uma preocupação maior na plástica da imagem do que nos recursos da montagem. A cenografia tem uma forte presença na produção de sentidos. O expressionismo influenciou todo o cinema (Cidadão Kane, de Orson Welles, com seu jogo de luz e sombras, é uma obra expressionista.)

O nome maior do surrealismo no cinema é o de Don Luis Buñuel, autor de duas obras puramente surrealistas: Un chien andalou (1928) e L'Âge d'or (1930), ambas em colaboração com Salvador Dali, filmes que chocaram platéias e provocaram escândalos. O surrealismo tenciona apresentar a realidade interior e a realidade exterior como dois elementos em processo de unificação, Tem grande influência de Freud (A interpretação dos sonhos) e do materialismo histórico.

O móvel, entretanto, da coluna, é o intimismo, que tem seu apogeu nas décadas de 30, 40 e 50 no cinema americano. Para uma sociedade extremamente imediatista e consumista, atualmente filmes intimistas podem provocar risos (vindos, evidentemente, de débeis incapazes da percepção da obra em seu momento histórico) e parecer, à primeira vista, anacrônicos. Mas os filmes intimistas, quando realizados com classe, com talento, com estilo, podem suscitar uma espécie de estesia pela beleza de sua mise-en-scène. Alguém, de sã consciência, poderia rir dos filmes de Douglas Sirk (Palavras ao vento, Almas maculadas, Tudo que o céu permite, Amar e morrer, Desejo atroz, entre outros)?

O intimismo significa a evolução de uma história cinematográfica em torno das eternas constantes do amor, com a tônica no estudo exaustivo das relações afetivas e dos fatores que as precipitam ou as impedem. E criou um universo dramático especificamente feminino centrado nas reações da mulher diante do mistério do amor. Por exemplo: ...E o vento levou (Gone with the wind, 1939), de David Selznick/Victor Fleming/George Cukor/Sam Wood, embora a sua ação se localize na Guerra de Secessão americana (1861/1864), esta se torna apenas um pano de fundo, porque o que importa é a análise da personalidade esfuziante de Scarlett O'Hara (vivida com empenho inexcedível por Vivien Leigh) e suas oscilações diante do mistério do amor. Todos os acontecimentos básicos do filmes são explicados em função dos estados passionais (outro exemplo marcante é O morro dos ventos uivantes/Wuthering Heights, também de 1939), de William Wyler, com Laurence Olivier, David Niven, Merle Oberon. A dimensão lírica do intimismo é dada por um tratamento acentuadamente romântico dos personagens e das situações.

O intimismo parte de uma visão realista, que é deliberadamente selecionada e exaltada em alguns de seus aspectos. Para Rittner, o intimismo induz das formas da realidade uma idéia abstrata, mais perfeita do que a original. A realidade "deveria ser assim" e não  assim, como seria numa visão realista. A idéia abstrata mais perfeita do que a realidade não torna o intimismo "menor", mas, muito pelo contrário, fala-se, muitas vezes, melhor da realidade através da fantasia e da estilização. Diria mesmo que há uma possibilidade estética maior no intimismo do que no realismo tout court.

A própria realidade, no intimismo, é recriada em termos de poesia e de ternura e, por isso, quase se torna estática, desvitalizada, isolando os personagens de seu meio. É, no entanto, é pela imobilização da realidade circunstancial que o intimismo se torna revelador, transformando o vulgar em invulgar, o superficial em transcendente.

Com a barbárie estabelecida no consumo do produto cinematográfico, com o cinema transformado em fast food, o público solicita, hoje, mais a brutalidade e a ação do que a ternura e a poesia. Ri-se de certos momentos românticos dos filmes intimistas. Ri-se de forma esquizóide, nos dias que correm, da poesia e da beleza. Há, patente, uma preferência por um realismo quase naturalista do que pelo tratamento intimista dos personagens e das situações. Rir de uma obra como Assim estava escrito (The bad and the beautiful, 1953), de Vincente Minnelli, filme intimista, dá àquele que ri um atestado inconteste de imbecilidade congênita.

São exemplos de filmes intimistas: Grande Hotel (Grand Hotel, 1932), de Edmund Goulding, com Greta Garbo, John Barrymore, Joan Crawford, que saiu numa coleção de Dvds de um jornal paulista, Esquina do pecado (Back street, 1932), de John M. Stahl, que dirigiu a primeira versão, em 1934, de Imitação da vida, Anna Cristie (idem, 1930), de Clarence Brown, com Garbo, A dama das camélias (Camille, 1936), com Garbo e Robert Taylor, Adeus Mr. Chips (Good-bye Mr. Chips, 1939), de Sam Wood, Um lírio na cruz (Till we meet again, 1944), de Frank Borzage, Carta de uma desconhecida (Letter from a unknow woman, 1948), de Max Ophul, com Louis Jordan e Joan Fontaine, Por tua causa (Because of you, 1952), de Joseph Pevney, com Loretta Young e Jeff Chandler, Tarde demais para esquecer (A affair to remember, 1955), de Leo McCarey, com Cary Grant e Deborah Kerr, Suplício de uma saudade (Love is a many splendored thing, 1955), de Henry King, com William Holden e Jennifer Jones, entre muitos outros. E os grandes sirks já citados dos anos 50.