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10 fevereiro 2012

Nostalgia de François Truffaut


François Truffaut, se vivo estivesse, teria completado dia 6 de fevereiro passado, 80 anos, pois nasceu em Paris em 1932. Mas morreu cedo, em 1984, aos 52 anos, vitimado por um câncer no cérebro (tumor cerebral). Em sua homenagem, posto este artigo.

Ao contrário do cinema de seus companheiros da Nouvelle Vague - Godard, Rohmer, Chabrol, Rivette, Resnais... racionalista e cerebral, o de François Truffaut é feito com a emoção e o coração, com extrema sensibilidade e uma simpatia incomum pelos seus personagens, que são tratados com ternura, generosidade e afeto. O crítico ferrenho, radical, intransigente, das revistas Cahiers du Cinema e Arts et Spetacules, que ataca em seus escritos o cinema clássico francês e o realismo psicológico de acadêmicos como Claude Autant Lara, Julien Duvivier, entre outros, sofre uma espécie de metamorfose quando passa a realizar filmes, transformando-se num cineasta terno e amável.

Os Incompreendidos (Les Quatre Cents Coups, cuja tradução literal é Os Quatrocentos Golpes), além de inaugurar a Nouvelle Vague – juntamente com Acossado, de Godard, Hiroshima, de Resnais... -, dá início à carreira de Truffaut como realizador de longas. E, neste 2009, a distância deste filme é de exatos 50 anos. Aqui também começa o ciclo dedicado a Antoine Doinel (sempre interpretado por Jean Pierre Léaud), um personagem com evidentes elementos autobiográficos, através do qual aborda o rito de passagem da infância à idade adulta. É a nostalgia da adolescência que Truffaut reflete nos filmes do ciclo Doinel, a fugacidade do tempo e a ânsia de amar, a chegada a idade adulta, o casamento... (Antoine et Colette, 1982, episódio de O Amor aos Vinte Anos/L’Amour a vints ansBeijos Proibidos/Baisers Volés, 1968, Domicílio Conjugal/Domicile Conjugal, 1970, e; Amor em Fuga/L’Amour en Fuite, 1978).

(Em Os Incompreendidos, Truffaut, avant la lettre, considerando a época, alude à Nouvelle Vague e a seu amigo e colega Jacques Rivette, quando os pais de Antoine – que, por sinal, nos outros filmes do ciclo estão sempre ‘indo ao cinema’ – decidem ir ver Paris Nous Appartient, de Rivette, filme emblemático, apesar de pouco conhecido do movimento francês, e, de volta, no automóvel, consideram-no ‘muito bom’ – melhor homenagem impossível).

Romântico, sem, contudo, abandonar a visão irônica e dolorosa das relações afetivas, Truffaut tem a sua obra-prima já na terceira incursão longametragista: Uma Mulher para Dois/ Jules et Jim (1961), crônica de uma relação triangular (Oskar Werner, Jeanne Moreau...) baseada no texto literário de Henri Pierre Roché, autor que lhe serviria de inspiração para realizar, dez anos depois, abordando a mesma temática da dificuldade de amar, As Duas Inglesas e o Continente/ Les Deux Anglaises et le Continent (1971). O problema da comunicação no amor, aliás, do amor impossível, en fuite, é uma constante na filmografia de Truffaut, como revelam A História de Adele H/ L’Histoire de Adele H (1976), com Isabelle Adjani, A Mulher do Lado/ La Femme de la Cote (1981), entre outros.

Se seus colegas da Nouvelle Vague procuram elaborar uma linguagem que desconstrói o discurso cinematográfico tradicional, revertendo os cânones da lei de progressão dramática griffithiana, François Truffaut não pretende nunca em seus filmes dissolver a estrutura lingüística, mas, ao contrário, busca desesperadamente a fluência narrativa, o toque mágico capaz de envolver o espectador a fazê-lo pensar que não está no mundo’. É verdade que brinca com a metalinguagem, mas num sentido de reverência e ao cinema como em A Noite AmericanaLa Nuit Americaine (1973), belíssima homenagem ao processo de criação cinematográfica onde Truffaut comparece como ele mesmo no papel de um diretor que faz um filme. O filme dentro do filme, portanto.

Outra vertente temática na obra truffautiana é a dominante policial, influência, na certa, de sua admiração por Alfred Hitchcock – seu livro de entrevista com este, Hitchcock/Truffaut, da Brasiliense (e, agora, em outra edição pela Cosac ou Companhia das Letras), é, simplesmente, uma aula magna de cinema. Há Hitchcock em Fareinheit 451 (1966), que faz na Inglaterra, com o mesmo Oskar Werner de Jules et Jim, baseado na ficção-científica de Ray Bradbury. Outra obra alusiva ao mestre é A Noiva Estava de Preto/ La Mariée Était em Noir (1967), com Jeanne Moreau ou, mesmo, Tirez sur le Pianiste, segundo filme (1960), e A Sereia do Mississipi/ La Sirene du Mississipi (1969), no qual declara, através das imagens em movimento, a sua paixão momentânea, Catherine Deneuve, que trabalha, aqui, ao lado de Jean Paul Belmondo. E no seu canto de cisneDe Repente num Domingo/ Vivement Dimanche (1984), cujo ‘claro/escuro’, proposital, vem em auxílio de uma proposta estilística em função do film noir francês. Sem esquecer o elaborado, como mise-en-scène, Um só pecado (Le peau douce, 1963).

Autor, porque dono de um estilo próprio, marcante, ainda que com um universo temático diversificado, François Truffaut, na sua filmografia, envereda por assuntos diversos, a exemplo de O Garoto Selvagem/ L’Enfant Sauvage (1970), filme sobre a luta de um médico, no século XIX, para ‘domar’, um menino bárbaro criado sem contato com a civilização – influência possível para Werner Herzog em O Enigma de Kaspar Hauser. Na Idade da Inocência/ L’Argent de Poche (1976), experiência na qual, repetindo Jean Vigo (Zero de Conduite), o universo que retrata é constituído somente de crianças. Sem esquecer O Último Metrô/ Le Dernier Metro (1980), uma volta ao passado, Segunda Guerra Mundial na França ocupada, para valorizar, numa situação-limite, a importância dos pequenos gestos.

Em todos os filmes de François Truffaut, um denominador comum: a narrativa que sobrepuja a fábula, a doce fabulação que advém de um sentido preciso de mise-en-scène, o touch truffautiano, sempre terno, apaixonado, capaz de levar ao espectador o prazer do autor com o que está a filmar e o prazer, imenso, de se assistir ao que se está a ver.

08 fevereiro 2012

"O Silêncio", de Ingmar Bergman

O silêncio (Tystnaden, 1963), uma das obras mais admiradas de Ingmar Bergman, realizada no mesmo ano de Luz de inverno (Nattvardsgästerna), reflete o problema da incomunicabilidade através da distância emocional entre duas irmãs (Ingrid Thulin e Gunnel Lindblom). que viajam por um país estranho e desconhecido acompanhadas de um menino perplexo e curioso (Jorgen Lindstrom) e se hospedam num grande hotel desabitado e no silêncio de um país cuja língua desconhecem. A fase bergmaniana dos anos 60 é muito rica, assim como também a foi a dos 50. Filme para ser visto também em silêncio, silêncio respeitoso ao qual se deve reverenciar toda obra de arte. 

07 fevereiro 2012

A necessidade dos ruídos

O grande Alain Resnais
Quando do advento do cinema falado, em fins dos anos 20, a verborragia tomou conta dos filmes e se destruiu por completo a estética da arte muda. A linguagem cinematográfica alcançara uma perfeição quase absoluta, mas pedia o som. Este veio de forma desordenada e os filmes perderam, por assim dizer, a sua arte, para se transformarem em avalanches de diálogos. Foi preciso esperar a década de 30 para que houvesse uma compreensão da exata estrutura audiovisual do cinema e, então, alguns cineastas conseguiram dosar a imagem e o som, que entraram em conjugação harmônica. O surgimento do cinema falado também veio a estabelecer uma série de problemas, como bem mostra, de maneira satírica, aquele que é considerado o maior musical de todos os tempos: Cantando na chuva (Singin'in the rain, 1952), de Stanley Donen e Gene Kelly.
Há, na parte sonora, três bandas: a banda dos diálogos, a banda da partitura musical, e a banda dos ruídos. Esta última, por incrível que pareça, ainda se encontra pouco utilizada como elemento estético. Um filme argentino, extraordinário, O pântano, de Lucrecia Martel, é um exemplo perfeito da sábia utilização dos ruídos. Martel esteve ano passado no Seminário Internacional de Cinema e Audiovisual e falou sobre a estética dos ruídos.
Lars von Trier, cineasta dinamarquês, soube usar o ruído com propriedade nas cenas da floresta em O anticristo, assim como a própria Martel os utiliza com eficiência estética e dramática em O pântano (os ruídos das cadeiras no pátio onde se encontra uma piscina, os raios etc). Os fratelli Coen sabem usá-los em seus filmes, notadamente no oscarizado Onde os fracos não têm vez.
Foi apresentado no Cannes Classic, evento do festival do mesmo nome, a cópia remasterizada de Psicose, causando, ainda hoje, 50 anos depois, um grande impacto na platéia, principalmente por causa da partitura impactual de Bernard Herrmann que, na remasterização do filme consegue ser ouvida em todos os seus detalhes. Aliás, a narrativa para Psycho é executada, hoje, em concertos da maior expressão no cenário internacional. O grande Herrmann, que assinou as trilhas dos principais momentos hitchcockianos, morreu em 1975, após compor a partitura de Taxi Driver, de Martin Scorsese, na qual, pela primeira vez, se utiliza de instrumentos eletrônicos.
Nunca se pode deixar de esquecer e verificar que o cinema é uma estrutura audiovisual. Mas as pessoas insistem em dar valor a um filme por causa do seu elo semântico, isto é, o conteúdo, a mensagem. O que é um erro, pois o valor cinematográfico de um filme se encontra na sua linguagem, na maneira de o cineasta a articular por meio dos planos, dos movimentos de câmera, da angulação, da montagem etc.
O advento do som provocou uma reviravolta completa na já estabelecida estética da arte muda que alguns realizadores, a exemplo de Charles Chaplin, se recusaram a aderir ao cinema falado. Chaplin realizou Luzes das cidades (City lights, 1930), quando o som já era moeda corrente nas salas exibidoras. E ficou agarrado a uma estrutura narrativa da era muda em 1936 em Tempos modernos, e somente veio a falar em 1941 quando fez um discurso bombástico em O grande ditador (embora neste filme a estrutura narrativa continuasse a ser do cinema mudo).
Mas muita água rolou debaixo da ponte em 116 anos de cinema, arte jovem, como se pode ver, se comparada às outras. Lucrecia Martel fez O pântano com a consciência de uma cineasta ciente das possibilidades estéticas do cinema contemporâneo. Argentina, é considerada pelos críticos, uma das diretoras mais originais da atualidade. Basta dizer que A menina santa, de sua autoria, é um dos filmes preferidos de Pedro Almodóvar.
Em Os brutos também amam (Shane, 1953), de George Stevens, quando Paredão (Elisha Cook Jr), tirando onda de valentão, tenta, no lamaçal diante da taberna onde se encontra o temível pistoleiro Wilson (Jack Palance), dizer-lhe algumas poucas e boas, Wilson, com seu olhar frio, fita o pobre Paredão enquanto coloca, maneirosamente, as suas luvas pretas (sinal que vai sacar da arma). O tiro que Wilson dispara tem um ruído tão intenso, que causa grande impacto. George Stevens, numa entrevista antológica a Paulo Perdigão publicada na revista Filme/Cultura, disse ao crítico carioca que o som do tiro foi, na verdade, o som de um tiro de canhão. Há, por outro lado, ruídos que servem como sinal de pontuação, como a mala que cai no final de Frenesi, de Alfred Hitchcock para sinalizar, com impacto e mise-en-scène, o término do filme.
E a palavra como elemento estético, um fim em si mesma, aconteceu com o extraordinário, e imprescindível, Hiroshima, mon amour (1959), de Alain Resnais, que provocou, na época, comoção diante de sua originalidade. Originalidade que seria reforçada dois anos depois pelo próprio Resnais em O ano passado em Marienbad. E, impressionante, este realizador, com quase 90 anos de idade, continua em atividade, tendo nos brindado, ano retrasado, com um filme que foi, de longe, o melhor, As ervas daninhas (Les herbes folles). Outro longevo é o português Manoel de Oliveira, que já passou dos 100 e continua filmando.

06 fevereiro 2012

James Bond: meio século

Sempre gostei muito da série 007 - e para quê negá-lo? - desde o primeiro O satânico Dr. No (Dr. No, 1962), de Terence Young, que vi no seu lançamento, adolescente. Depois Moscou contra 007 (From Russia with love, 1963), também de Young, um chinês que trabalhava no cinema britânico, e 007 contra Goldfinger (Goldfinger, 1964), de Guy Hamilton. Young volta a dirigir 007 contra a chantagem atômica (Thunderball, 1965), cujo vilão, o nosso conhecido Adolfo Celi. Bem e vai por aí. Sean Connery, o melhor Bond de todos. Mas sabem que gostei muito de Cassino Royalle com Daniel Craig?

"Limite" (1931), de Mário Peixoto

Limite, filme brasileiro realizado em 1931 por Mário Peixoto, é uma obra-prima, que permaneceu décadas, após a sua apresentação na época, deteriorado, até que, em 1980, pôde ser visto depois de restaurado com a paciência de Jó por um amigo e grande entusiasta da obra única de Peixoto. Conta a lenda que o realizador Sergei Eisenstein o viu em Moscou e ficou assombrado com a sua ousadia estilística.

05 fevereiro 2012

"Histórias Cruzadas": ficção e realidade do capitalismo nos EUA



Tenho a honra de publicar a exegese do Professor (Ph.d) Jorge Moreira, de Wisconsin, sobre Histórias Cruzadas (The Help), filme que, por coincidência, está entrando em cartaz no Brasil (e também na Bahia). Analista severo, e sem papas na língua, da crise pela qual passa o capitalismo, o Professor Moreira, não passa, na verdade, de um baiano, e baiano da Ilha de Maré. Nas horas vagas, que lhe são poucas, gosta de escrever histórias e já tem um livro publicado: Memorial da Ilha, que não é outra senão a de Maré, onde passou a sua Idade da Ilusão, a sua meninice. Já publiquei aqui no blog alguns artigos de Moreira. Mas vamos em frente porque atrás vem gente. Abrindo as aspas devidas:


"Histórias Cruzadas é o título do filme The Help em língua portuguesa que está baseado no livro romance homônimo e ambos (filme e livro) têm tido uma extraordinária recepção popular entre o público dos EUA.

Basta dizer que o livro de Kathryn Stockett (suposta autora do romance) transformou-se em um notável “best seller” ocupando por várias semanas o primeiro lugar na lista dos livros mais vendidos do jornal The New York Times.

O filme The Help, do diretor Tate Taylor, também está tendo um  grande sucesso de bilheteria  no país pois teve o custo total de apenas 25 milhões de dólares mas já arrecadou mais  de $205  milhões de dólares até agora (dados da Wikipédia).

The Help já ganhou prêmios em alguns festivais de cinema e atualmente está competindo ao prêmio Oscar de 2012 em três categorias (melhor filme, melhor atriz, e melhor atriz coadjuvante).

The Help é um filme que tem despertado as lacrimosas emoções do público e tem feito espectadores e críticos entrarem no chororô para logo sair do cinema com a alma lavada, contentes, e sem sentimento de culpa para atormentar o corpo e a alma.

O filme narra a história de Eugenia “Skeeter” Phelan (Emma Stone) uma jovem mulher rica, branca e o seu relacionamento com duas empregadas negras, Aibileen Clark (Viola Davis) e Minny Jackson (Octavia Spencer), durante o período do movimento pelos Direitos Civis nos anos 1960.
Skeeter” é uma jornalista recém formada que decide escrever um livro sobre a vida das empregadas domésticas pobres que trabalham nas "casas brancas" da cidade de Jackson, no estado de Mississipi, sul dos EUA, porem adotando a perspectiva das empregadas (conhecidas como the help) para mostrar o tratamento racista que elas têm que aguentar quando estão trabalhando para famílias de brancas ricas. 
Mesmo intimidadas pelo perigo de serem descobertas e castigadas pelos brancos (se são identificadas como coautoras do livro), as empregadas afroamericanas (depois de muita resistência) decidem corajosamente dar seus depoimentos para “Skeeter”. Depois de publicado, o livro obtém um grande sucesso de vendas resultando na melhora da situação econômica das colaboradoras negras.
The Help (de forma e estilo clássico hollywoodiano), destaca-se pela utilização de alguns elementos formais que colaboram para manter o agradável ritmo do filme assegurando a atenção e o interesse do espectador ate o seu final. Entre os elementos formais que despertaram a minha atenção estão: a utilização de protagonistas múltiplos (que me lembrou a sua utilização no filme Hannah e suas irmãs pelo diretor Woody Allen); e a vigorosa atuação do conjunto de atrizes e atores do filme com destaque especial para a brilhante atuação de Viola Davis no papel da doméstica Aibilene (ainda que os personagens sejam quase todos baseados em conhecidos estereótipos da sociedade estadunidense).

Uma sequência de cenas que despertou particularmente a minha atenção (pelo nível de mistificação e manipulação ideológica), mostra Minny Jackson, uma  das empregadas domesticas, recebendo dinheiro pelo trabalho e pelo perigo que correram ousando narrar as suas experiências pessoais no relacionamento com as mulheres brancas e ricas. 

A sequência começa quando Minny, desempregada e triste, está na cozinha da sua casa fritando frango para os três filhos, menores de idade. Neste momento, uma das filhas entrega-lhe a correspondência que havia chegado pelo correio. Minny abre um envelope e encontra um bilhete da jovem jornalista “Skeeter” com a quantia de 46 dólares (uma fortuna para a época) em dinheiro vivo. O bilhete informa-lhe que o dinheiro corresponde a uma adiantamento que a editora pagou pela edição do livro e que chegará mais dólares no futuro.

Minny, deslumbrada de alegria, esquece do frango sendo queimado na frigideira e sai correndo para a casa da amiga Aibilene para mostrar-lhe a carta e a quantidade de dinheiro que recebeu.

As duas mulheres começam a pular de alegria e enquanto Minny grita “estamos ricas, estamos ricas”, Aibiline narra (voz em off) que a jornalista “Skeeter” recebeu 600 dólares  como um adiantamento pelo romance e que ela  dividiu o dinheiro entre ela e as 13 empregadas que colaboraram no livro cabendo 46 dólares para cada uma.

Esta sequência (construída para convencer o espectador de que através da solidariedade entre raças, os oprimidos se libertarão da opressão) sugere que as negras pobres já não terão problemas econômicos pelo resto de suas vidas, mas o espectador atento e critico, pode paradoxalmente se dar conta da espetacular manipulação ideológica que o filme esconde e que trata de generalizar através  do ideologema (liberal, burguês e capitalista) de que a superação dos conflitos e contradições entre  as diferentes classes sociais pode ser obtida sem a luta de classes entre capitalistas e trabalhadores.

E a mistificação e manipulação ideológica podem ser verificadas se os leitores e espectadores deixarem por um momento a ficção e forem informados honestamente que Kathryn Stockett, a suposta autora do romance, na realidade roubou a história de uma mulher negra de 60 anos de idade, de carne e osso, chamada Ablene Cooper que trabalhou para a família e o irmão da suposta autora por um período de 12  anos.
(Ver o link do The New York Times:

Reproduzo aqui as duras palavras de Ablene Cooper contra o roubo da sua vida por Kathryn Stockett: “Her family hired me as a maid for 12 years but then she stole my life and made it a Disney movie”: "Sua família me contratou como empregada doméstica por 12 anos mas então ela roubou minha vida e fez dela um filme de Disney”
(Ver link do jornal inglês  Mail Online.com:

Logicamente, Ablene Cooper, a pobre empregada domestica real, entrou com um processo jurídico contra Kathryn Stockett, demandando 75.000 doláres, mas um juiz branco do sul dos EUA recusou dar prosseguimento à sua demanda.

Queremos acreditar que ainda resta para a verdadeira Ablene, um último recurso (será?): apelar a decisão do juiz branco do sul dos EUA em uma outra corte de justiça estadunidense.

Por último, gostaria de voltar à ficção para sugerir que o olhar do filme para o passado histórico, ao invés de nos ajudar (to help) a entender a realidade da permanência do racismo contra os pobres, pretos e latinoamericanos no presente, mistifica o passado e esconde (indiretamente) não apenas o aumento do desemprego e da deterioração das condições de vida dos pobres, mas sobretudo esconde  a intensificação da perseguição racista branca cujo objetivo é legitimar, numa situação de crise econômica, o saqueio dos  postos de trabalho que têm sido, tradicionalmente, ocupados por trabalhadores negros e latinoamericanos, dado os baixos salários e as péssimas condições de vida dos mesmos.

Na minha opinião, o filme busca (direta ou indiretamente) nos distrair do pesadelo resultante do mítico “sonho americano”, tratando de nos fazer esquecer do sentimento de culpa que sentimos pelo racismo que não para de crescer no país, devido a política oficial do governo do afroamericano Barack Obama que expandiu o sistema policial para prender e expulsar latinoamericanos (sobretudo mexicanos) do território nacional mas que continua fazendo discursos demagógicos e hipócritas (prometendo uma reforma migratória) afim de obter os votos da população latinoamericana para a sua reeleição  à presidência dos EUA.

Assim, em vez de mostrar as causas da intensificação do racismo na atualidade, o filme, complacente e conformista, procura mistificar nos, querendo que acreditemos que o racismo e a opressão dos pretos no sul dos Estados Unidos já não existem. Que é coisa de um passado remoto; do tempo em que Martin Luther King Jr. ainda não tinha sido assassinado pelos brancos ricos e racistas."
Texto de Jorge Moreira