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19 abril 2007

Pavor nos bastidores



O amante de cinema não morreu enquanto se preparava para a cirurgia de ponte de safena, pois, apesar do medo, do receio, do pavor, sentia algo cinematográfico naquele instante, um touch talvez hitchcockiniano, mas, no fundo, mais parecido com Georges Franju. É verdade que, indo para o matadouro, pensei em Os olhos sem rosto (Les yeux sans visage), deste. A razão de colocar a fotografia ao lado está na constatação da posteridade, isto quer dizer: tomaram-na quando de minha alta, perto já de casa, diante de um prédio.

Cinema no vestibular


Escrevi o artigo que se segue para a revista Lupa editada pela Faculdade de Comunicação da UFBa.


Louvável a iniciativa, posta em prática há alguns anos, de introduzir, no programa do vestibular da Universidade Federal da Bahia, obras cinematográficas de certa relevância para que sejam devidamente apreciadas, assim como ocorreu, no final da década de 60, com a obrigatoriedade do candidato ler uma relação de obras literárias.

Com a ausência no ensino de segundo grau de disciplinas que façam referência à linguagem cinematográfica, o aluno que, aprovado no vestibular, ingressa na universidade, com as raras exceções de praxe (daqueles que já se iniciaram por interesse pessoal), encontra-se em absoluto estado de analfabetismo no que se refere à maneira pela qual o realizador cinematográfico articula os elementos da linguagem em função da explicitação temática. O cinema tem uma linguagem própria, específica, enquanto a literatura uma outra completamente diferente. Mas a maioria das pessoas que vai ver um filme não tem a percepção de que este produz sentidos de uma forma particular, interessando-se, apenas, pelo enredo, pela trama, pela história.

A introdução das obras cinematográficas, se não sanaria a deficiência do ensino do segundo grau, pelo menos poderia dar uma iniciação, ao postulante, sobre noções básicas de linguagem, auferidas pela visão dos filmes. Mas o que está a acontecer pode se rotular de um equívoco e um paradoxo, pois os filmes são discutidos apenas pelo seu conteúdo, pelo seu tema, desprezando-se o fato de que possuem uma linguagem específica. Poder-se-ia mesmo dizer que os filmes são debatidos como se fossem livros.

Estas duas práticas narrativas, cinema e literatura, baseiam-se numa diferente noção do espaço e do tempo. A menos que se queira ficar-se pela ilustração de histórias contadas pelo romance, o filme deve converter para o seu espaço-tempo a ação que pediu de empréstimo ao romance. Não deve haver, portanto, qualquer preocupação de fidelidade à letra do texto original, mas, pelo contrário, a mais ampla liberdade na procura de soluções dramáticas e de figuras estilísticas capazes de produzir na tela o mesmíssimo efeito poético confiado na página a outros tantos recursos ao dispor da linguagem escrito-verbal.

É preciso alertar estas diferenças de linguagem e fazer ver ao vestibulando que o cinema é uma linguagem. A julgar, no entanto, pela maneira com que os filmes são analisados em colégios, cursinhos e, mesmo, em palestras, as obras cinematográficas não estão sendo lidas como uma leitura do específico fílmico em função de seu desenvolvimento narrativo. Presos aos grilhões do conteúdo, os responsáveis pelos debates dos filmes indicados para o vestibular se encontram amarrados à ditadura do tema e do conteúdo, desconhecendo completamente que a expressão cinematográfica advém da forma pela qual o realizador procura transmitir o seu tema. Desse modo, tem-se, num saco de gatos, filmes e livros, a disputar, cada um, o seu valor dentro de uma visão equivocada na qual o tema é o valor primeiro a considerar.

Os equívocos considerados levam a um paradoxo, como se não existissem uma linguagem literária e uma linguagem cinematográfica. E, infelizmente, a constatação é a de que o vício continua e, ao invés de um esclarecimento, para a exata compreensão do cinema, tem-se, patente, um discurso simplesmente voltado para a significação, não se levando em consideração que esta advém de cada linguagem específica.

18 abril 2007

Engajamento e arte?





Lançado durante a 30 Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, O Cinema Político Italiano – Anos 60 e 70, com a presença da atriz Florinda Bolkan, musa e intérprete de alguns dos principais filmes do período, é um livro de entrevistas com 15 realizadores importantes que determinaram a inclusão da política no tratamento temático das obras cinematográficas da época retratada. A edição é da Cosacnaify, editora que vem se destacando pelo enriquecimento da escassa bibliografia em relação ao cinema no Brasil – e para citar somente dois exemplos: as reedições dos fundamentais Hitchcock/Truffaut - uma entrevista de longa duração, feita pelo cineasta da Nouvelle Vague com o mestre do suspense, que se constitui não apenas numa rigorosa análise perfuratriz da filmografia hitchcockiana mas, e sobretudo, um dos mais importantes livros já publicados sobre o processo de criação cinematográfica, e a de O século do cinema, reunião dos escritos de Glauber Rocha desde o início de sua carreira como crítico nos jornais baianos até os últimos e explosivos ensaios polêmicos.

As entrevistas de O Cinema Político Italiano – Anos 60 e 70 foram realizadas por duas pesquisadoras italianas: Ângela Prudenzi e Elisa Resegotti. Ainda que o cinema politizado italiano seja um assunto ainda a explorar em língua portuguesa, nada existindo, a rigor, sobre o tema, as entrevistas contidas no livro em questão são, por assim dizer, um vol d’oiseaux sobre uma época tão efervescente e com tantos frutos. Não fossem os textos de José Carlos Avellar, que aborda a influência da cinematografia italiana enragé na latino americana da época, o de Leon Cakoff, que procura situar as fontes propiciadoras da eclosão da política no cinema, e um panorama assinado pelas próprias pesquisadoras, a publicação deixaria a desejar àqueles que porventura quisessem uma análise de mais fôlego sobre o cinema italiano que procurou fazer filmes nos quais a política e a denúncia social se situaram como o móvel do registro fílmico.

E a fortuna crítica que o livro contém, com textos (e bons) de Cakoff, Avellar, Patrick Seri, Póla Vartuck, Orlando L. Fassoni, Ely Azeredo, Luciano Ramos, Luiz Zanin Oricchio, e Valéria Wally? Não dariam, estes textos, a substância que faltaria se não tivessem sido acoplados à edição. Sim e não. Porque são artigos escritos para jornais ao sabor das reprises dos filmes, mas não não ensaios, análise penetrante na questão. Sobre ser escritos competentes, trabalhados por críticos consagrados, não oferecem, no entanto, um propósito investigativo sobre o cinema político que se quer analisado. Mas, de qualquer forma e de qualquer maneira, as ressalvas aqui postas não invalidam a contribuição – e a necessidade – de O Cinema Político Italiano – Anos 60 e 70, que é um trabalho, ainda que panorâmico, meritório e elucidativo de um momento importante da história do filme.

O livro é lançado no ano da morte de um dos mais importantes autores do cinema político italiano, Gillo Pontecorvo, que não é entrevistado (talvez por estar já doente na época da colheita dos depoimentos). Pontecorvo, e que se faça aqui uma pequena homenagem, realizou dois filmes imprescindíveis na filmografia da cinematografia que se queria engajada: Queimada (1970), com Marlon Brando, visão quase didática, mas com força expressiva, de como o colonizador oprime o colonizado, e, principalmente A batalha de Argel (La Bataglia di Argeli, 1965), semidocumentário que retrata a luta pela libertação da Argélia do domíno francês. O filme tem uma poder impressionante de convencimento e Pontecorvo mistura a ficção com o documentário de tal forma que parecem indissociáveis.

Os entrevistados são Mario Monicelli (um dos maiores comediógrafos de seu país, entrevistado menos por sua obra completa, mas por causa de Os companheiros (I compagni, 1963), filme que causou frisson em toda a esquerda da época; dele, porém, entre outros, não se pode esquecer O incrível exército de Brancaleone e Os eternos desconhecidos), Dino Risi (não tão importante assim como cineasta enragé, abordando temas associados à política como um assunto qualquer a desenvolver), Francesco Rosi (talvez o mais brilhante e inovador de todos os cineastas do período), Bernardo Bertolucci, Vittorio Taviani (faltou colocar o nome de Paolo, pois Vittorio somente trabalha do lado do irmão, assim como os Irmãos Coen, os Irmãos Taviani), Ettore Scola, Marco Bellochio, Elio Petri (de A classe operário vai ao paraíso/La classe operaria va in paradiso, 1972, Investigação sobre um cidadão acima de qualquer suspeita/Indagine su um cittadino al di sopra di ogni sospetto, 1970, Condenado pela máfia/A ciascuno di suo, 1966, os três com Gian Maria Volonté, que poderia ser considerado o ‘muso’ do cinema político italiano), Damiano Damiani, Giuliano Montaldo (famoso por Sacco e Vazzetti, mas realizador mediano), Carlo Lizzani, Vittorio De Seta, Ugo Pirro, Francesco Mazelli, e Florinda Bolkan (que pouco tem a dizer).

A fonte do cinema político italiano dos anos 60 e 70 é o neo-realismo italiano de Cezare Zavatti, Vittorio De Sica, Roberto Rosselini, entre outros. A cinematografia feita na Itália já se revelou como uma das maiores do mundo, com expoentes como Luchino Visconti, Federico Fellini, Michelangelo Antonioni. A origem do cinema moderno e, por extensão do cinema contemporâneo, se encontra nos filmes de Rossellini (principalmente Viagem à Itália/Viaggio in Itália, 1953, onde procede a uma espécie de desroteirização) e na desdramatização efetuada por Antonioni desde os anos 50 e mais notadamente na trilogia A aventura, A noite, O eclipse. Os cineastas italianos quebraram a narrativa clássica tradicional, moldada no esquema de David Wark Griffith (o realizador de O nascimento de uma nação, 1914, e Intolerância, 1916, considerado o pai da linguagem cinematográfica), estabelecendo um domínio anti-narrativo.

Além da lição neo-realista, havia, nos anos 60, uma efervescência muito grande em termos da procura de renovação da linguagem do filme, dando origem a surtos como a Nouvelle Vague, na França, Free Cinema, na Inglaterra, Cinema Novo, no Brasil, Cinema Underground Novaiorquino, etc. O cinema italiano do alvorecer da década de 60 já tinha abandonado quase o esquema neo-realista ou reciclado sua proposta. Havia as comédias, inúmeras, e, a partir de O bandido Giuliano/Salvatore Giuliano, 1961, de Francesco Rosi, dá-se o início dos filmes engajados, de denúncia, que fossem a fundo nas contradições da sociedade italiana, expondo-as algumas vezes como verdadeiras fraturas expostas.

Nesta particular, o realizador mais importante é Francesco Rosi, que, além de Salvatore Giuliano (não se pode desconhecer a dívida de Glauber Rocha com este filme, embora pouco citada). Rosi inovou o gênero (como de maneira imprópria está escrito na contra capa do livro), instituindo a interligação das fronteiras entre a ficção e o documentário, realizando obras ficcionais que faziam parece documentários. É o que se chamou de realidade reconstituída em filmes importantes (e inesquecíveis) como O caso Mattei (1971), com Gian Maria Volonté, o inédito no Brasil, mas aclamado no mundo inteiro, La mani sulla città (1963), sobre a destrutiva especulação imobiliária, Lucky Luciano (novamente com Volonté, em 1973), Cadáveres ilustres (Cadaveri eccelenti, 1976), que aborda a corrupção do judiciário italaino em denúncia de grande coragem, entre outros.
O cinema italiano, passado este período fértil, que vai até meados dos anos 70, entrou em crise, não resistindo às pressões da indústria cultural hollywoodiana. Com o desaparecimento dos grandes estetas (Visconti, Fellini, Antonioni), os italianos vivem da memória pretérita. O seu cinema política morreu – e de morte matada. Mas, também, há de se convir que os tempos são outros. Vive-se num mundo globalizado, individualista, consumista in extremis. Neste ponto, o aparecimento de um livro como O Cinema Político Italiano, além de servir como exemplo de uma época fervilhante de idéias e participação, na qual havia ainda o sonho, que não tinha acabado, feitas as ressalvas acima citadas, é obra que se lê com prazer e até com saudade.

Fao Miranda canta Billie Holiday

Fao Miranda é uma cantora singular. Vou vê-la cantar hoje, quarta, no Teatro do Acbeu.

17 abril 2007

A sede e o pote vazio

Antes das pontes de safena, frequentava com muita regularidade os botecos, os bares, os botequins, e demais estabelecimentos do gênero em Salvador, Bahia, cidade enfartada onde vivo desinfartado (até quando?). A foto é de um encontro ocorrido há mais de dois anos, quando levantava copo com uma agilidade impressionante, ainda que, nesta foto, não esteja flagrado nisso, mas se pode ver, na mesa, um copo de cerveja pelo meio, que é o meu. Estou, como diz o francês, en train de faire, ou seja, prestes a tomar um gole. Goles já foram bebidos e, no flagrante da foto, converso com alguém, ou, melhor, escuto alguém. A cerveja é Bohemia, que gostava quando era feita em Petrópolis e a Antactica não a tinha comprado. A melhor cerveja atualmente para mim é a Heineken naquela garrafa verdinha. Gosto também da Carlsberg. A Brahma, que já foi uma grande cerveja - já a tomei aos litros - hoje é uma porcaria. Na foto, entre outros, o bloguista, de óculos escuros, apesar da noite,. Sora Maia, Gazineo, e, na ponta, pegando um guardanapo, o guapo João Mendonça, hoje renomado escritor.
Mas boteco mesmo bom é no Rio (dizem que Beagá e Porto Alegre possuem belos botequins). Antes de se tornar 'cult', gostava do Bacarense, no Leblon, do Manolo's, em Botafogo (Marquês de Olinda), do Fiorentina (Leme), Modengo (Copacabana), Cervantes, aqueles botecos do centro, etc. Beber é o melhor remédio para a monotonia da vida, mas, por bebedor excessivo, que não se contenta com poucas tulipas, estou evitando beber, considerando que sempre vou com muita sede ao pote.

16 abril 2007

A miséria cultural baiana


Este artigo, publiquei-o sexta passada, dia 13 de abril, no jornal soteropolitano A Tarde, que se diz o maior do Norte e Nordeste do país.


Viveu-se na Bahia um Século de Péricles na década de 50, principalmente, e até meados dos anos 60, época considerada por alguns estudiosos do período como uma efervescência artística com pinceladas de avant-garde . Vivia-se num clima de permanente renovação dos espíritos, contrastando com o ar provinciano da cidade.


As artes eram sacudidas e apoiadas pela Universidade Federal da Bahia através de seu reitor Edgard Santos. A Escola de Teatro, para a qual veio dirigir Martim Gonçalves, referência nacional e até internacional. O Seminário de Música congregava vanguardistas, dando um toque atonal ao barroquismo baiano. Lina Bo Bardi, num ato de rebeldia, lança os fundamentos do Museu de Arte Moderna, enquanto os literatos, reunidos na porta da Livraria Civilização Brasileira da Rua Chile, pensavam o momento histórico e literário.


Os jornalistas, findos os expedientes, fechadas as páginas, bebiam cervejas no Cacique a las cinco de la tarde, ao pé da estátua do Poeta. De noite, na estreita Rua do Cabeça, a boite Anjo Azul era point obrigatório, dançante e etílico.


Mas que diferença se se for pensar que tudo isso aconteceu na Bahia! Atualmente impera, assombrosa, uma miséria cultural que é conseqüência de uma forte regressão em termos culturais sofrida nos últimos 30 anos. O teatro, antes tão rigoroso, se esfacelou num amontoado besteirol cuja tônica se encontra nas bofetadas promovidas por noviças inconformadas e rebeldes. O espectador de teatro baiano, aquele que ainda tenha a coragem de adentrar seus espaços, pode esperar de tudo: de pulos desvairados pelos palcos, gritos alucinantes, mas nada de literatura dramática posta em cena. Para não se dizer que se está aqui falando para o vento que se veja, então, Vixe Maria, Deus e o Diabo na Bahia.


Na época de Martim Gonçalves, um aluno da Escola de Teatro, que viesse a trabalhar numa peça, sorria, com os dentes engolindo as orelhas, quando era convidado, no final do curso, para trabalhar numa montagem como mordomo mudo ou de poucas falas. Somente ter o seu nome no programa da peça já era um prêmio, uma alegria, um consolo. No curso de preparação de ator, o estudante levava alguns anos para poder participar de uma montagem teatral. Com o passar do tempo, tudo foi facilitado em nome da democracia da expressão. Qualquer “analfa” está a dirigir uma peça ou a dela fazer parte. Vixe Maria! E aqueles debates da Galeria Bazarte no Politeama? O clima da Escola de Belas Artes? Tudo parece ter acabado na Bahia. Reinam o Carnaval despersonalizado e descaracterizado, as músicas gritadas e apelativas, a ausência de classe. A miséria toma conta da cultura baiana de forma avassaladora.
A Bahia regrediu culturalmente a uma estado, poder-se-ia dizer, pré-histórico, e o homo sapiens do pretérito se transformou no pithecantropus erectus do presente

.
E o cinema baiano? Bem, o espaço acabou.
Graças a Deus!

15 abril 2007

Filme assombrosamente belo



Poucos os filmes que, nos últimos tempos, conseguiram exercer um forte impacto. Se, antigamente, era mais suscetível à emoção do cinema, nos dias que correm sou muito seletivo no que quero ver (locomover-me custa paciência, principalmente agora nas salas multiplexadas com o comportamento vândalo da platéia débil mental). Vejo, por outro lado, muito filme em DVD. Nesta semana, a confirmação de um assombro que tive nos anos 90 em cinema: Aconteceu na primavera (Fiorile), de Paolo e Vittorio Taviani, cuja ação se localiza na beleza solar de Toscana na Itália. Estou ainda sob o impacto do filme e me sinto incapaz de falar qualquer coisa. O cinema, pelo menos neste momento, para mim, está nos irmãos Taviani. Há sublimidade, beleza, poesia. Tudo indescritível.
Paolo e Vittorio Taviani possuem uma poética singular, uma mise-en-scène particular de impressionante impacto, poder de sedução, capaz de causar no espectador uma sensação de estranheza que se desdobra, com o processo de seu conhecimento, em pura beleza. Basta ver, para ficar em poucos exemplos, estas preciosidades: Pai patrão, Bom dia Babilônia, Noites com sol (Il solo anche di notte, 90), A noite de São Lourenço (este um dos maiores de toda a história do cinema), As afinidades eletivas (Le affinità eletive), Allonsanfan, etc, etc.
Seus filmes mostram porque o cinema é uma expressão artística. Revisto hoje Fiorile, resta-me não ver mais nada por alguns dias.

"Cinema Paradiso" em versão do diretor


A versão internacional de Cinema Paradiso tem 123 minutos, mas a apresentada em Cannes pelo diretor Giuseppe Tornatore tinha 170, 47 a mais, portanto. Franco Cristaldi, produtor, que bancou o filme, achou demasiado e recomendou o corte para um tempo mais, por assim dizer, comercial. Cinema Paradiso (Nuevo Cinema Paradiso) no corte original de Tornatore, ainda que belo, sensível, envolvente, encontra-se diluído e, no seu último terço, se concentra no drama romântico, como se a crônica anterior, dos hábitos, dos costumes, do comportamento de um povoado, e, principalmente, da relação de Totó com Alfredo, o operador, fosse esquecida. O corte do produtor fez o cinema mais concentrado e mais denso. Tornatore, seu autor, como sói acontecer com os criadores, teve pena de reduzir o que filmou, embora, com tal atitude viesse a prejudicar o timing. Cristaldi, mais racionalista do que o intuitivo Tornatore, pensando mais na viabilidade e exequibilidade da obra cinematográfica, não fez cerimônia em introduzir a tesoura no material narrativo. Tornatore não viu outra alternativa que a concordância.Mas, há poucos anos, e com o DVD já estabelecido, resolveu colocar ao alcance de seus admiradores a sua versão de 170 minutos, a chamada versão do diretor. Nesta, o romance entre Jacques Perrin (Salvatore adulto) e Brigitte Fossey (Elena adulta, atriz que trabalhou no começa na década de 50 com René Clement em Brinquedo proibido/Jeux interdits), que praticamente não existia na versão internacional, domina a última parte de Nuovo Cinema Paradiso.Assombrosa, como disse no post abaixo, é a partitura do maestro Ennio Morricone, um grande músico, um artista fundamental para a vida, o cinema e a sensibilidade do homem.

Sem título


Um diretor como Francis Ford Coppola, que, como ele próprio afirmou em entrevista, é um “artista-industrial” em cuja filmografia, no entanto, acumulam-se êxitos indiscutíveis do ponto de vista da criação cinematográfica (O poderoso chefão – todos, A conversação, Apocalypse now, No fundo do coração, para ficar, apenas, em quatro exemplos), ao realizar O homem que fazia chover (The rainmaker), em 1997, ilustrando, para o cinema, um best seller de John Grisham (sobre as agruras da profissão de advogado e suas máfias subjacentes), pretendeu usar seu talento em função de uma história bem contada e que pudesse envolver o espectador. Neste particular, conseguiu o intento. O erro está em se exigir dos cineastas que sempre façam o mesmo filme, ou que consigam, a cada realizado, superar o anterior. Mas em The rainmaker, que acabei de rever em DVD, se não se pode compará-lo a outros filmes do realizador, não se pode, também, condená-lo, mas dizer que é um filme que atende perfeitamente ao propósito de sua elaboração: direção de eficiência dramática impressionante, com um sentido de duração das tomadas único, timing perfeito, elenco que se afina aos personagens o que faz o casting brilhante, e uma fábula com toques de imaginação ficcional, ainda que possa ser reduzida a um filme de tribunal. Toques laterais, porém, humanizam o relato, a escrita coppoliana: os diálogos de Matt Dimon com Claire Danes, vítima de um marido brutal e pela qual o rapaz se apaixona (Matt é um advogado de causas perdidas, um idealista que, por acaso, por causa da mudança de um juiz, vê possibilidade de ganhar um causa de valor humanitário), os diálogos entre o advogado e suas clientes, certas situações a latere que Coppola as trata com singular poeticidade, etc. Jon Voight, que se destacou como o ingênuo rapaz interiorano que se introduz na selva de pedra novaiorquina em Perdidos na noite (Midnight cowboy, 1969), é o advogado da companhia fraudulenta de seguro cujo presidente é Roy Scheider. A veterana Teresa Wright tem uma participação simpática, assim como Dean Stockwell.

Revendo Cinema Paradiso, belo e sensível filme de Giuseppe Tornatore, que saiu em versão estendida em DVD com quase 3 horas de projeção, há um momento em que é projetado na velha sala de exibição La terra trema, de Luchino Visconti, todo filmado numa aldeia de pescadores e falado em dialeto próprio. Observei que há forte influência de La terra trema em Barravento, de Glauber Rocha, filme, aliás, que era muito falado naquela época, quando o neo-realismo era uma fonte inesgotável para os cinemas novos do mundo todo. Mas voltando a Nuovo Cinema Paradiso, foi bem ter visto a sua versão estendida, mas a outra que passou nos cinemas, cortada por Franco Cristaldi, o produtor, concentra melhor a temática, que fica diluída no filme de maior duração. O cinema cede, neste, lugar ao romance entre Jacques Perrin e Brigitte Fosey (que não aparece no Cinema Paradiso que foi visto nas telas). O fato é que a música de Ennio Morricone assombra. Trata-se de um gênio em sua especialidade. Ganhou, merecidamente, um Oscar especial, que lhe foi entregue por Clint Eastwood. É um monstro sagrado. Um dos poucos partituristas que ainda resistem ao lixo do cinema contemporâneo.