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"A vida íntima de Sherlock Holmes", de Billy Wilder
Há alguns meses foi lançado em DVD A vida íntima de Sherlock Holmes. É difícil encontrá-lo nas locadores, mas pode ser comprado via internet. Foi o que fiz.
Pouco apreciado, porque, quando lançado em sua época, e retirado de cartaz, nunca mais exibido, A vida íntima de Sherlock Holmes é um Wilder em plena sensibilidade de seu humor e de seu cinema com um acento hitchcockiano que o faz ainda mais saboroso. Trata-se também do primeiro filme que Wilder (vienense radicado no cinema americano) realiza na Inglaterra (os interiores nos estúdios Pinewood) e Escócia (exteriores em Inverness). Produzido em 1970, com roteiro do inseparável I. A. L. Diamond, baseado nos personagens de Sir Conan Doyle, A vida íntima de Sherlock Holmes, sobre ser um espetáculo de grande finura, humor, e observação de comportamentos, é uma obra que se incorpora a uma filmografia quase única da história do cinema como mais uma variante de sua verve versátil e amplitude temática. A influência de Hitchcock se faz notável, mas influência benéfica, mais que soma do que diminui, como acentua Paulo Perdigão, o grande crítico, em comentário que posto abaixo.
Inativo, ocioso, Sherlock Holmes (interpretado por Robert Stephens) passa o tempo a tomar cocaína, apesar dos reclamos de seu biógrafo e amigo Dr. Watson (Colin Brakely). Aceitando o convite para assistir ao balé russo, Holmes é levado à presença da primeira-bailarina, Petrova (Tamara Toumanova), que, a desejar um filho genial, escolhe Holmes como o pai ideal. Polidamente, como é do seu feitio, o detetive recusa, a alegar ser um homossexual (é audacioso, para a época, a insinuação desta condição), declaração que deixa atônito o Dr. Watson totalmente desconfiado de sua misoginia. Dias depois, uma jovem, Gabrielle (a insinuante Geneviève Page), que tentara o suicídio no Tâmisa, é levada à residência de Holmes (rua Baker, 221-B). Ela viera da Bélgica para descobrir o paradeiro do marido, um engenheiro. O fleumático private eye segue uma pista, apesar das advertências em sentido contrário de seu irmão, Mycroff (interpretado pelo emblemático Christopher Lee).
Em Inverness, na Escócia, descobre Holmes a existência de um estranho submersível testado pelo governo, e que tem a forma do lendário monstro marinho Long Ness. Mycroff, que trabalha no projeto, revela a Holmes que Gabrielle é, na verdade, uma espiã alemã. Frustrado, o detetive volta à sua Londres enquanto Gabrielle é presa. Mais tarde, Holmes vem a saber, transtornado, que a moça fora executada. A solução, e solução wilderiana, diga-se de passagem, será voltar à cocaína.
The private life of Sherlock Holmes é vigésimo - segundo filme da carreira do diretor e o nono em parceria com o roteirista Diamond (trabalham juntos desde Amor na tarde/Love in the afternoon, 1956). Produzido com sete milhões de dólares (uma mixaria em relação aos tempos faraônicos da Hollywood atual), é o centésimo vigésimo filme a apresentar a figura do detetive criado por Conan Doyle e aqui abordado livremente.
Como homenagem a este filme pouco apreciado de Billy Wilder e, também, como homenagem ao grande crítico que foi Paulo Perdigão, publico aqui uma crítica de sua lavra publicada no antigo Guia de Filmes do INC (Instituto Nacional de Cinema, que também publicava a revista Filme/Cultura. Nos bons tempos da crítica cinematográfica. Perdigão morreu em janeiro de 2007, o que se constituiu numa perda enorme para os escritos sobre a arte do filme. Tinha Perdigão como o seu melhor filme Os brutos também amam (Shane, 1953), de George Stevens. Chegou a ir, sob os auspícios da Filme/Cultura, entrevistar Stevens, que, a princípio arredio, com o desenrolar da conversa, assombrou-se com o conhecimento de Perdigão sobre Shane. No final da entrevista, disse que Perdigão conhecia mais o filme do que ele, seu diretor. Eis seu comentário:
"Elementar, meu caro Wilder. É o que o roteirista Diamond deve ter comentado com o diretor Billy Wilder quando ambos resolveram decifrar - sem consulta à fonte Conan Doyle - um mistério chamado A vida íntima de Sherlock Holmes. As pistas deixadas pelo fiel Dr. Watson dentro de uma caixa top secret eram dignas da imaginação, do faro e da irreverência do mais célebre detetive de todas as épocas; além da clássica indumentária sherlockiana (o boné de camurça, o cachimbo, a écharpe, a lente de aumento), já estavam os relatos que Watson não teve coragem de publicar em The Strand Magazine por serem indiscretos demais. Quatro episódios reveladores da personalidade de Sherlock e que, como diz Wilder com seu conhecido cinismo, "também refletem a imagem de certa Inglaterra".
Antes da atual aventura, Sherlock esteve 127 vezes na tela - numa delas (alemã de 1963) interpretado por Christopher Lee, que aqui faz o irmão de Holmes, Mycroft. Mas só agora, sob os traços do shakespeariano Robert Stephens, ele foi examinado por um cineasta à altura de sua sofisticação diabólica. Wilder identifica-se com Holmes e evidentemente o admira: "Ele é um dos maiores personagens da literatura, comparável a Hamlet e Cyrano de Bergerac". Por isso, as inconfidências sobre a intimidade do herói não atingem o plano da sátira devastadora; contém-se respeitosamente na fina ironia, numa reconstituição muito fleumática e astuciosa do mundo em que viveu Holmes, a velha Inglaterra vitoriana com seus personagens nobres, céticos e calculistas. Na carreira de Wilder, dominado por tantas provocações indômitas (A montagem dos sete abutres, Quanto mais quente melhor, Beija-me idiota), este filme ocupa posição mais discreta, porém, em quase tudo refletindo a sofisticação que o diretor guardou de suas antigas ligações com o mestre Lubitsch, como roteirista de A oitava esposa do Barba Azul e Ninotchka.
The private life of Sherlock Holmes é também como uma inesperada homenagem que o cinema presta a Hitchcock. O estilo e o tom da narrativa têm o mesmo sabor de velhos thrillers ingleses de Hitch e muitas imagens - a velha paralítica na loja deserta, os monges misteriosos do trem, os anões do cemitério - chegam a ser acintosamente hitchcockianas. Há, inclusive, na cena das ovelhas, uma citação de Os 39 degraus e, na seqüência do balé russo, a repetição de uma passagem idêntica de Cortina rasgada, com a mesma e sinistra Tâmara Toumanova. Até quando se diverte com a velha Inglaterra (a Rainha Vitória, de metro e meio de altura, protesta contra a falta de cortesia na guerra e manda destruir o submarino porque "não se pode atacar o inimigo sem aviso prévio"). Billy Wilder parece estar querendo fazer de A vida íntima de Sherlock Holmes o filme mais hitchcockiano que o Hitchcock da fase inglesa não dirigiu, conclui o grande Perdigão.
12 dezembro 2011
Trailer de "Rio Bravo"
Rio Bravo (que tem o título em português Onde começa o inferno), filme de Howard Hawks, comentado infra, pode ser considerado um dos melhores westerns da história do cinema. Dean Martin, que faz um alcoólatra que se regenera, mostra que é um bom ator. John Wayne é sempre John Wayne: impecável. Angie Dickinson se encontra na sua melhor forma. Vamos ver, aqui, o trailer.
11 dezembro 2011
"Rio Bravo", de Howard Hawks
Assim como o ano de 1939, pleno de filmes excelentes, obras magistrais, a exemplo de O mágico de Oz, de Victor Fleming, No tempo das diligências (Stagecoach), de John Ford, A regra do jogo, de Jean Renoir etc, o ano de 1959 foi, também, emblemático para a história do cinema com obras do quilate de Onde começa o inferno, de Howard Hawks, Intriga internacional (North by northwest), de Hitchcock, Pickpocket, de Robert Bresson, Hiroshima, mon amour, de Alain Resnais, Acossado (A bout de souffle), de Jean-Luc Godard, A aventura, de Michelangelo Antonioni etc - a citação apressada e de memória pode fazer escapar algum grande filme.
No ocaso dos anos dourados, houve um 'boom' de filmes inovadores que, muitos deles, tornaram-se 'filmes-faróis', a contribuir sobremaneira para a evolução da linguagem cinematográfica. O cinema francês se modificava, a apontar novos caminhos, novas possibilidades expressivas, com a explosão de Nouvelle Vague. O italiano renovava o modelo narrativo pela introdução da 'desdramatização' e da 'antinarrativa', principalmente na famosa trilogia de Antonioni composta por 'A aventura', 'A noite' e 'O eclipse'. Resnais, com 'Hiroshima, mon amour', mudou completamente o cinema, passando a existir um cinema antes de 'Hiroshima' e outro depois dele. Mas, nesta coluna, vamos nos deter em um filme carismático e de particular intensidade: 'Onde começa o inferno' ('Rio Bravo'), de Howard Hawks.
Em Onde começa o inferno (Rio Bravo), resposta desse grande mestre ao 'western' psicológico que então emergia no cinema americano, há uma cadência que o distingue dos filmes do gênero que foram seus contemporâneos e, de certa forma, o que interessa ao autor é o estudo de comportamentos de homens numa dada situação. Excetuando-se o tiroteio final, e uns poucos tiros aqui e ali, os seus 144 minutos de projeção se concentram num espaço exíguo, a delegacia da qual é xerife John Wayne, com algumas deslocações dos personagens pelas ruas e pelo hotel onde se hospeda a bela Angie Dickinson - uma das pernas mais bonitas de toda a história do cinema.
Hawks, num faroeste, sempre sinônimo de ação e contínuo corte em movimento, predispõe seu filme - uma obra-prima! - a uma quase inação, podendo se ver, nesta obra, um estilo muito mais próximo de Michelangelo Antonioni do que de um John Ford, por incrível que isso possa parecer. Há uma escrita bem marcada na utilização dos procedimentos cinematográficos, há, em Hawks, uma constância temática e estilística. Daí poder ser considerado um verdadeiro autor de filmes. Mas, na sua filmografia, existe uma diáspora, porque nas comédias a emergência de um non sense, de uma loucura, entra em choque com seus filmes fora desse gênero, como podem servir de exemplo Levada de breca, Bola de fogo, O esporte favorito dos homens, O inventor da mocidade, entre muitos outros.
Um filme brilhante como Hatari! (1962), por exemplo, segue, na sua estrutura narrativa, um mesmo tipo de itinerário. Se em Rio Bravo os personagens esperam e, durante a maior parte do filme nada acontece de significativo, em Hatari!, eles também estão sempre a esperar pela próxima caçada, e é na espera que o cineasta aproveita para estudar a índole comportamental humana. Hatari!, que foi visto como mera fita de aventuras, é, na verdade, uma obra grandiosa, inteligente, e que propicia, ainda, o prazer do cinema, o que tem se tornado um fato raro na mediocridade contemporânea que confunde obscuridade com profundidade.
Uma vez, Jean-Luc Godard, desconstrutor do cinema nos anos 60, realizador admirado e considerado de vanguarda, respondendo a um repórter acerca do que era o cinema respondeu-lhe: 'O cinema é Howard Hawks'. Anos antes tinha dito que 'o cinema é Nicholas Ray'. Não se viaja na maionese quando se está diante de um filme de Howard Hawks. Em Bola de fogo (Ballfire), desse realizador, que tem Gary Cooper e Bárbara Stanwick nos principais papéis, um grupo de eruditos se encontra há anos trancado numa casa com o objetivo de elaborar a mais perfeita das enciclopédias, quando, de repente, uma mulher, fugindo de uma confusão que envolve gangsteres, encontra nela um refúgio. Esfuziante, bela, termina por se fazer apaixonar por Gary Cooper. A mulher, aqui, é elemento deflagrador de uma reviravolta na vida dos sábios.
Ver Hawks é essencial! Infelizmente existem poucos 'hawks' disponíveis em locadoras, mas nas televisões por assinatura de vez em quando um deles se apresenta para o prazer do cinéfilo. Já Rio Bravo, cujo título em português deve ser desprezado - Onde começa o inferno, tem em dvd e a cópia é das mais luminosas, conservando, como é justo e correto sem atentar contra a integridade da obra cinematográfico, o formato original pelo qual foi visto nos cinemas. Esse filme, uma obra-primíssima, é considerado como um dos maiores filmes de todos os tempos, chegando mesmo, numa lista definitiva solicitada pela 'Folha de S.Paulo' a críticos do mundo inteiro, Inácio Araújo encimá-lo como seu filme preferido. O 'western' em Hawks segue um itinerário, uma trajetória, um percurso: Rio Vermelho (1948), com John Wayne e Montgomery Clift, Rio Bravo, com Wayne e Dean Martin, Eldorado (1965), com Wayne e Robert Mitchum e, como canto de cisne, obra crepuscular, Rio Lobo (1970). Eldorado é uma refilmagem disfarçada de Rio Bravo, mas, mesmo, assim, filme de brilhantismo assegurado, ainda mais quando se tem presente a figura emblemática do 'sonolento' Mitchum, que a crítica tanto desprezou quando atuava, chamando-o de canastrão e não sabendo vê-lo como um tipo, uma personalidade, um emblema.
Quem nunca o viu, deve ir correndo a uma locadora para alugar. Quem já o viu, que o reveja. Ou mesmo, porque vale a pena, compre-o pela internet nos melhores sites do ramo.
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