Seguidores

07 junho 2008

Regulamento do DOCTV: "Decifra-me ou te devoro"

Tuna Espinheira escreveu o artigo que vai abaixo sobre as pegadinhas que estão colocadas no Regulamento do DOCTV, que, também concordo, revelam desconhecimento do processo de criação no documentário. A foto é histórica e foi tirada num intervalo das filmagens de um documentário sobre o grande advogado Sobral Pinto, um dos poucos (senão o único) depoimentos do inesquecível homem do Direito. Vê-se, na foto, o velho advogado, e Tuna é o barbudo e, na época, cabeludo, estando a seu lado, de óculos escuros, a sua companheira de sempre Yara. Os outros, sem contar os já citados, da direita para a esquerda: o maestro Jaceguai Lins, que fez o som direto, Nonato Estrela e o iluminador Antonio Luiz Mendes. Mas vamos ao texto de Tuna:
"Na Bahia, o IV Edital do DOCTV, chega com uma auspiciosa novidade: serão seis projetos premiados. Nos demais Estados da Federação apenas um, ou no máximo, dois serão escolhidos . Motivo de justa alegria para os documentaristas da terrinha. Mas, no bojo destas boas novas, tem uma invencionice novidadeira, tipo: decifra-me ou te devoro. É que, para o Tribunal do Júri, além da Justificativa do Projeto, do tradicional Roteiro, colocaram umas “pegadinhas”, exigindo contar, em palavras, o que vai ser escrito em imagens (o trabalho pronto, o filme/vídeo). Eis alguns exemplos: “descreva sua visão original sobre o processo contemporâneo abordado, a ser traduzido pela idéia audiovisual”. “Não se trata de descrição do tema ou de sua importância, mas da proposta formal do filme...” Ora, a linguagem, a “proposta formal do filme”, só terá vida depois de rodado/filmado, quando se permite a sua “visura”.
Sabe-se que, entre o roteiro e o filme pronto, existe um poço abissal, entretanto, para um bom decifrador, dá para enxergar uma espécie de retrato falado da arte em movimento anunciada. O Script está longe de ser uma peça literária, não tem vida própria, mas é o filme traduzido em indicações técnicas, fornece a idéia do projeto, vislumbra o que se pretende fazer.
Na arte, o “como se faz” é que faz a diferença, o estilo/linguagem, como dizia Noel: “Samba não se aprende no Colégio”. Não se explica, não se advinha, não se escreve, não se visualiza a linguagem, esta só vai ter vida depois da obra pronta e vai depender, fatalmente, do estilo e talento, de cada autor.
A Justificativa do Projeto e o Roteiro, são as principais matérias que permitem, ou pelo menos, dá uma luz, para o julgamento de um projeto cinematográfico, o que, não deixa de pressupor, um inerente contrato de risco. O Regulamento citado põe arapucas e pedras no caminho, mas todos serão obrigados a macaquear esta tal “linguagem” que, queira ou não, vão ter de expor no projeto.
Tudo o que foi dito redunda em um comentário/desabafo inútil. Só resta: Fé em Deus e pé na taboa." Assinado: Tuna Espinheira.

02 junho 2008

Walter da Silveira por Ângelo Roberto



O cineasta Tuna Espinheira, que já está prestes a lançar seu longa Cascalho, baseado em livro homônimo de Herberto Salles, enviou-me uma excelente caricatura de Walter da Silveira feita pelo grande artista plástico baiano Ângelo Roberto. A nova geração não sabe quem foi o ensaísta cinematográfico, cuja obra completa, quatro grossos volumes, foi lançada ano passado. Walter da Silveira pode ser considerado um pensador do cinema. Seus escritos muito contribuíram para a formação de críticos e realizadores, a começar do próprio Glauber Rocha, que nunca cansou de escrever que deve a sua iniciação cinematográfica ao mestre baiano.

01 junho 2008

Introdução ao cinema (6)


Outro elemento determinante da linguagem cinematográfica é o ângulo da câmera ou ângulo de tomada, que se estabelece pelo diretor do filme com o auxílio do iluminador (diretor de fotografia) e do cinegrafista (operador ou cameraman). Define-se o ângulo tendo em vista o eixo que a câmera faz em sua direção vertical (uma parede, por exemplo). O aparelho de filmagem conserva-se, via de regra, na horizontal, quase ao nível da visão de um homem em pé. É este o ângulo normal, mas se a câmera ocupar a posição de um homem olhando de alto de uma janela para a rua, tem-se o ângulo oblíquo superior, designado mais simplesmente por câmera alta. Inversamente, o ângulo oblíquo inferior é o ponto de vista de um homem deitado que olha para cima, designado pela expressão câmera baixa. No primeiro, o eixo da câmera é apontado para o chão e, no segundo, o eixo do aparelho se dirige para o teto. O eixo na horizontal define o ângulo normal. O uso de tais ângulos também não é arbitrário.
A imagem vista de baixo para cima (tomada com câmera baixa) confere ao ator um ar de importância, um ar dominador ou despótico. Caracteriza personagens prepotentes ou tirânicos, ou personagens que, num dado momento, estão em situação vantajosa em relação a outros, como o promotor de acusação durante uma cena de julgamento. Efeito contrário é o obtido com o uso da câmera alta - imagem vista de cima para baixo: a pessoa filmada parece humilhada e sofredora, comunicando aos espectadores uma sensação de esgotamento, como o acusado do crime, durante a mesma cena de julgamento. Também se denomina plongée a filmagem em câmera alta e de contre-plongée, a de câmera baixa. Encontra-se um bom exemplo desta em O Caminho da Vida(Putievka Y Gizn), de Ekk, na qual se descortina, em câmera baixa - contre-plongée, a imagem de rapazes portando barras de ferro que simboliza a alegria deles no trabalho e a vitória que conquistaram sobre si mesmo. Um ângulo semelhante materializa o poder capitalista de um magnata em O Fim de São Petersburgo(Konets Sanky-Petersburga), de Pudovkin, ou a superioridade ou o gênio militar em Alexandre Nevsky, de Serguei Eisenstein. Através de um contre-plongée, em outro filme, Que Viva México, este cineasta consegue transmitir a nobreza de três peões mexicanos condenados à morte. E Murnau, em A Última Gargalhada, apresenta o porteiro de um grande hotel em semelhante ângulo até que, degradado, é acentuado em sua decadência pelo ângulo inverso, a câmara alta ou plongée. A câmera alta tende, com efeito, a apequenar o indivíduo, a esmaga-lo moralmente, rebaixando-o ao nível do chão, fazendo dele um objeto preso a um determinismo insuperável, um joguete da fatalidade. Encontra-se um bom exemplo desse efeito em A Sombra de uma Dúvida (Shadow of a Doubt, 1943), de Alfred Hitchcock: no momento em que a jovem descobre a prova de que seu tio (Joseph Cotten) é um assassino, a câmera recua bruscamente em travelling para, em seguida, se elevar, e o ponto de vista assim obtido dá perfeitamente a idéia do horror e da opressão que se apoderam da jovem. Exemplo mais natural está em Roma, Cidade Aberta (Roma, Città Aperta, 1945), de Roberto Rossellini: a seqüência da morte de Maria é filmada de um ponto de vista normal, mas o plano preciso em que ela é morta pelos alemães é tomado do andar superior de um prédio, e a mulher correndo na rua -a extraordinária Anna Magnani - parece, então, um frágil e minúsculo animal à mercê de um destino inexorável. Uma variante da angulação é mostrar o ator em diagonal na tela, pretendendo dar-lhe um caráter de loucura ou de maldade. Alguns diretores gostam de abusar dos ângulos esquisitos, empregando os fartos recursos da angulação sem necessidade evidente. Um bom exemplo nesse sentido é o de O Terceiro Homem (The Third Man, 1948), de Carol Ree, com Joseph Cotten e Orson Welles, cultuado clássico do cinema todo filmado em ângulos insólitos, oblíquos. Um enquadramento inclinado leva o espectador a acreditar que Carlitos sobe uma encosta muito íngreme puxando pelo braço um veículo pesadamente carregado (O Limpador de Vidraças/ Work). Os ângulos de tomada são, basicamente, os três explicados acima: normal, câmera alta (plongée) e câmera baixa (contre-plongée), havendo, ainda o oblíquo.
Importante ressaltar que o conceito dos ângulos de tomada não se confunde com o conceito de ângulo visual, que é a perspectiva da cena vista pela câmera como se esta fosse o próprio olho do espectador. O ângulo visual é apenas o ponto de vista da câmera durante a tomada. Tem-se, portanto, infinitos ângulos visuais, tantos quantos são os pontos no espaço. Excetuando-se os ensaios fílmicos mais audaciosos e/ou pretensiosos, nos quais o uso do plano-sequência é a tônica, quase todos os filmes se utilizam do campo e do contracampo quando aparece, por exemplo, um casal conversando - ou duas pessoas dialogando. O campo e o contracampo se impõem quando duas tomadas sucessivas são feitas de ângulos visuais simétricos. No campo, vê-se o homem de frente e a mulher de costas - ou o interlocutor quando no caso de duas mulheres ou dois homens a conversar, enquanto que no contracampo, que vem logo a seguir por meio do corte, pois são duas tomadas sucessivas que os caracterizam. Realiza-se o campo e o contracampo pelo deslocamento da câmera colocada sucessivamente em duas posições diferentes ainda que simétricas. Não se entenda, aqui, deslocamento como movimento. Na conversa entre um homem e uma mulher, a alternância vista na tela é artificial porque, durante as filmagens, os personagens são filmados de uma vez só e em tomadas compridas. Filma-se, por exemplo, todos os diálogos de cada interlocutor em um só plano e depois, na montagem, é que se executa a alternância. Assim, é a interferência da tesoura, isto quer dizer, da montagem, que provoca, na tela, a alternância de se ver ora o homem ora a mulher.
Recomenda-se a leitura de A Linguagem Cinematográfica, de Marcel Martin - Brasiliense, 1990, livro imprescindível para todos aqueles que, um dia, queiram, por acaso, compreender o cinema.