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11 outubro 2008

Uma Meryl Streep magistral e inexcedível

Não resta a menor dúvida: uma das maiores interpretações femininas da história do cinema pode ser considerada a de Meryl Streep em A escolha de Sofia (Sophie's choice, 1982), de Alan J. Pakula (Os anos verdes, Klute...). Papel dificíllimo, ela o desempenha com uma perfeição absoluta, com uma emoção à flor da pele. Chego a compará-la, aqui em Sophie's choice, à interpretação de Falconetti em O martírio de Joana D'Arc (La passion de Jeanne D'Arc, 1928), de Carl Theodor Dreyer. Meryl Streep, por causa desse desempenho, ganhou um merecido Oscar de atriz em 1983. Para fazer a personagem, emagreceu vários quilos para ficar quase esquálida nas seqüências do campo de concentração, e levou meses para adquirir o sotaque polonês, chegando, inclusive, a aprender a falar alemão. Revendo hoje A escolha de Sofia (que somente o tinha visto na ocasião de seu lançamento nos anos 80), o filme, que o tinha na memória como belo e bom, surpreendeu-me, pois o passar do tempo o faz ainda melhor. A direção de Pakula, discreta, sem arroubos, é funcional, preocupada com o desenvolvimento dos caracteres de seus personagens. Acredito que Steven Spielberg se influenciou sobremaneira em Sophie's choise para realizar A lista de Schindler. As seqüências do passado de Sofia são em tom preto e branco meio acinzentado, mas algumas roupas e objetos possuem cores esmaecidas. Mas não é à toa, pois a iluminação é de um artista: Nestor Almendros. A escolha de Sofia assinala o primeiro trabalho de Kevin Kline no cinema. A ver ou rever obrigatoriamente.

Os mil olhos do Dr. Mabuse


Quando já não se pensava que Fritz Lang fosse capaz de nos presentear com mais filmes de impactos, tantos os que fizera, eis que, de volta à sua Alemanha, realiza, para surpresa geral, Os mil olhos do Dr. Mabuse (1960), com Dawn Addams, Peter Van Eyck, Gert Frobe (que viria a ser o vilão de 007 contra Goldfinger). O filme retoma o personagem famoso de dois filmes que fizera durante a fase áurea do expressionismo alemão, os sinistros Dr. Mabuse: Dr. Mabuse, der Spieler - Ein Bild der Zeit (1922), e O testamento de Dr. Mabuse (Das Testament des Dr. Mabuse, 1933), derradeiro filme que faz em seu país de origem, pois logo depois do lançamento Lang fugira do nazismo que então se estabelecia, apesar de ter sido convidado por Goebbels para ser o diretor artístico do cinema nazista. Sua esposa, Thea Von Harbour, aderente a Hitler, abandonou-a, e fugiu primeiro para a França (onde realizou Lillion, 1934) e, logo em seguida, para os Estados Unidos, onde se estabeleceu e continuou, dentro da indústria hollywoodiana, a fazer belos e vigorosos filmes sempre com a temática languiana do homem contra o destino. Antes de Os mil olhos do Dr. Mabuse, Lang realizou um périplo indiano para fazer o díptico O tigre da Índia e Sepulcro indiano. Sua fase americana é cheia de grandes filmes, a exemplo de Os corruptos, Fúria, O homem que matou Hitler, Rancho Notorius, Um retrato de mulher, O segredo da porta fechada, entre outros.

Cinema, hoje, é entretenimento de uma elite

O mundo financeiro está a se derreter. Há pânico. O neoliberalismo mostrou que não pode ficar assim à solta sem um controle regulatório. O mercado não é nenhum Deus. A irresponsabilidade dos jogadores profissionais (como diz o jornalista da Tribuna da Imprensa Hélio Fernandes) conduziu a este debacle que se anuncia. O Brasil, evidentemente, na globalização atual, vai sentir, e muito, os reflexos da quebradeira generalizada. Vamos passar fome, esta a verdade, o crediário, que andava muito farto, vai ficar apertado. Viajar ao exterior nem pensar. O governo, é bem provável, terá que instalar tendas do exército para a distribuição de pratos de sopa aos esfomeados. Quem tinha uma vida mais ou menos confortável vai ter que cortar na carne muitos itens de seu lazer. Os ingressos dos cinemas vão aumentar nos seus preços. Para se ter uma idéia de Depressão, basta ver As vinhas da ira, de John Ford, Tempos modernos, de Charles Chaplin, os filmes neo-realistas italianos, entre outros. Este bloquista já comprou um isopor para vender latinhas de cerveja na praia, se é que ainda haverá alguém com dinheiro para comprá-las. E talvez mesmo este blog venha a acabar porque é bem capaz de que seja obrigado a cancelar a minha assinatura da banda larga e da tv a cabo. Resta ficar a ver DVDs e a escrever pelas paredes. A crise chegou!! Mas o que quero falar é sobre a impossibilidade, hoje, de se ir ao cinema com a constância de antigamente. Os cinemas populares, de rua, desapareceram, restam os dos complexos (Multiplex, Cinemark, Unibanco...), Mas, ainda que difícil, vamos torcer para que a Depressão não se constitua assim tão depressiva.

Sim, uma ida ao cinema atualmente significa um gasto considerável, que fura o orçamento do classe média, que está pagando a conta das bolsas familiares A verdade é que, depois do Plano Real, a economia se dolarizou, os preços subiram muito e os salários, congelados em freezer potente. Um casal para ir ao Multiplex gasta, de saída, 32 reais, considerando que o ingresso custa a 16. Se quiser se empipocar, como é de praxe, mais uma grana – e os complexos de cinema cobram muito mais nas guloseimas compradas dentro deles. Mas, uma ida a seco, e de ônibus, adicione-se aos 32 dos ingressos, os 8 das passagens (2 reais por cabeça). O resultado assinala que um filme custa 40 reais. Muito caro. E o povo, e o povo, como é que pode ir ao cinema? Já que não mais existem os chamados cinemas de rua nem os de bairros?

Se formos fazer uma comparação entre o número de salas exibidoras que Salvador tinha em 1958 e o que tem atualmente, a conclusão é uma só: os cinemas estão fechando suas portas. Com uma população de, mais ou menos, quinhentos mil habitantes, a província possuía em torno de quase trinta salas, considerando, no cômputo final, as de primeira linha, os poeiras da Baixa dos Sapateiros, e os cinemas de bairro. Para arredondar o raciocino, que se coloque trinta salas em 1958 para quinhentos mil habitantes, sendo que cada uma delas tinha, em média, mil poltronas, variando entre as salas maiores, de quase duas mil cadeiras, como o Guarany e o Jandaia, e as menores, que beiravam a mil lugares. Para não haver crescimento das salas exibidores, e considerando, sempre, a densidade demográfica, nos dias que correm – e como correm!, com uma população de dois milhões e quinhentos mil habitantes – e, aqui, nivelando por baixo, Salvador deveria ter, no mínimo, cento e cinqüenta salas, pois a sua população, entre 1958 e 2005, aumentou cinco vezes. O cálculo é simples. Multiplicam-se as trinta salas do passado por 5 e se tem o número de cinemas que a cidade deveria ter e, repetindo-se, sem haver crescimento. Mas atualmente o que se tem é um máximo de trinta e cinco salas e cada uma com um máximo de 400 lugares, a maior parte se localizando nos complexos chamados Multiplex.

Então que se faça uma nova contagem, considerando que cada cinema, em 1958, tinha em média mil lugares e, hoje, trezentos. Trinta vezes mil, em 1958, é igual a trinta mil. Que se coloque, para ficar bem claro, em números inteiros: tinha-se, na província, nesta época, 30.000 lugares e, se o número for multiplicado por cinco, porque a população cresceu cinco vezes, tem-se o número redondo de 150.000. Este, o número que, para não se constatar crescimento, mas, apenas, manutenção, deveria a cidade possuir em número de lugares. Mas o que se tem atualmente? Com a média de 400 lugares e 35 salas, fazendo-se a multiplicação, o resultado é de 14.000 lugares. Que diferença brutal!

Se antigamente o povo ia muito ao cinema, hoje, como disse Gustavo Dahl no seminário internacional de cinema e audiovisual, não tem acesso a ele. O cinema, que era um meio de comunicação de massa, atualmente é um veículo cujo acesso somente é possível à elite. Antes, existiam os cinemas de primeira linha, lançadores, que ficavam concentrados no centro histórico, os poeiras da Baixa dos Sapateiros e os de bairro. Luiz Carlos Barreto, que conhece muito bem a mercadologia cinematográfica, afirmou, em recente entrevista no Canal Brasil, que o ingresso custava em torno de um dólar e, nos cinemas de segunda, cinqüenta centavos. É como se hoje o ingresso para entrar numa das salas do Multiplex custasse dois reais e cinqüenta centavos, a inteira, a inteira! Mas quanto custa realmente? Em torno de quatorze reais. Como uma pessoa que ganha a miséria do salário mínimo pode freqüentar as salas de exibição? Ir com a família ao cinema? Nem pensar.
O Plano Real dolarizou a economia de uma forma perversa. O povo está excluído do cinema, assim como a chamada classe média baixa. A conclusão é estarrecedora e reveladora: apenas dez por cento da população baiana pode ir ao cinema, sendo que dois milhões e tanto de pessoas estão completamente fora da rota cinematográfica. Constatou-se, em pesquisa recente, que a maioria dos baianos nunca foi ao cinema. Um grupo organizou uma sessão cinematográfica num bairro periférico e o que se viu foi espantoso. As pessoas ficaram maravilhadas pelas imagens em movimento, pois estavam a contempla-las pela primeira vez. E isto aconteceu na região metropolitana de Salvador!

Na década de 50, o Brasil tinha perto de dez mil salas exibidoras. Em 1975, já se contavam apenas cinco mil. No ano passado, chegou a mil e novecentos. Os cinemas interioranos fecharam suas portas. Assim como aqueles de rua, como os antigos e inesquecíveis da Baixa dos Sapateiros e os de bairro. O que se constata é que os cinemas estão sendo construídos para o usufruto de uma elite que pode pagar os quatorze reais de ingresso, ainda a se refestelar com as guloseimas caríssimas que lhe são oferecidas no fast food. O público se infantilizou e se idiotizou. Ir ao cinema, antes um ritual, uma solenidade, uma função, atualmente é comparável a uma ida ao fast food.
Triste país!