Teeh Schwarz, uma apaixonada por cinema e que escreve no blog Cinema & Afins, resolveu entrevistar este blogueiro. Embora nada mais tenha a dizer, a entrevista, graças a ela, excelente entrevistadora, saiu bastante informativa e esclarecedora. Schwarz, que mora em São Paulo, desponta como um talento de sua geração no que se refere à apreciação de tudo que seja relacionado ao cinema. O cinema, verdade seja dita, fez a cabeça, como se diz, de várias gerações de cinéfilos praticantes. O imaginário do homem foi invadido pelas imagens em movimento. Mas vamos logo à entrevista que pode ser lida aqui neste link: http://cinemaeafins.com/2010/12/17/entrevista-com-andre-setaro/
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18 dezembro 2010
16 dezembro 2010
Em homenagem a Blake Edwards
Em homenagem a Blake Edwards, que morreu, um momento de seu deslumbrante Victor/Victoria (1982), uma das melhores comédias da segunda metade do século passado.
Dos clássicos da ficção-científica
Extensão cinematográfica do gênero literário do mesmo nome, o cinema de ficção-científica conta com antecedentes tão ilustres como Viagem à lua (Le Voyage dans la lune, de Georges Méliès, 1909), Aelita (1924), do russo Yakov Protozanov, Metrópolis (1926) e Uma mulher na lua (Die frau im mond, 1929), ambos de Fritz Lang, entre outros.
Metrópolis é, até então, a mais expressiva ficção-científica do cinema. Realizada ainda na estética da arte muda, tem sua ação localizada no século 21 numa gigantesca metrópole autoritariamente governada por um industrial milionário, que vive com o filho num paradisíaco jardim suspenso. Seus operários são relegados aos subterrâneos e exortados à resignação por uma bela integrante do Exército da Salvação. De repente, um inventor louco fabrica uma mulher artificial que é igual a ela, mas que, ao contrário desta, incita os trabalhadores a uma revolta cujas principais vítimas são os filhos dos operários.
No final, um operário reconcilia-se com o grande patrão, enquanto seu filho se casa com a moça resignada do Exército da Salvação. Apesar da beleza de suas imagens, e do imenso sentido de cinema de Lang, o filme tem uma conclusão bastante reacionária, reformista, pregando a reconciliação entre o capital e o trabalho, a demonstrar que uma revolução provocada pelos operários teria como principais vítimas eles próprios e seus descendentes. George Sadoul, historiador francês, classifica Metrópolis como um filme expressionista e medieval.
O auge do progresso científico nos últimos anos - a energia nuclear, os satélites artificiais, as viagens interplanetárias - oferece grande atualidade ao gênero, que começa a se popularizar cinematograficamente a partir do êxito de Destino à lua (Destination moon), em 1950, dirigido por Irving Pichel, e também, do mesmo ano, Da terra à lua (Rocketship MX), de Kurt Neumann, que fazem emergir uma série de filmes americanos interessantes O enigma de outro mundo (The thing, 1951), de Christian Nyby, O dia em que a Terra parou (The day the earth stood still, 1951), de Robert Wise, Guerra dos mundos (War of the worlds, 1953), de Byron Haskin, baseado em H. G. Wells, O mundo em perigo (Them!, 1954), de Gordon Douglas, Planeta proibido (Forbidden, 1956), de Fred McLeod Wilcox, Vampiros de alma (Invasion of the bodysnatchers, 1956), de Don Siegel, entre outros.
O dia em que a Terra parou pode ser considerado como um dos mais representativos filmes do gênero. Pela primeira vez, o extraterrestre não vem à Terra como invasor e é apresentado como uma figura simpática, pois desce de seu disco voador para evitar uma catástrofe atômica. Mas o filme que, utilizando-se do gênero, propõe-se a uma análise da sociedade americana é Vampiros de almas, que mostra como numa pacata cidade dos Estados Unidos os seus habitantes são, pouco a pouco, substituídos por cópias perfeitas de si próprios (saídas, estas cópias, de enormes vagens de ervilhas). Não estaria Don Siegel, aqui neste filme, numa premonição da clonagem contemporânea?
As cópias perfeitas e iguais dos habitantes são destituídas, no entanto, de sentimentos, de almas e de consciências. Alphaville, de Jean-Luc Godard, da primeira metade dos anos 60, tem influência marcante dessa ficção-científica de 1956. Há, na verdade, em Vampiros de almas, uma grande metáfora de inspiração ideológica: as vagens seriam comunistas infiltrados na sociedade americana (paranóia típica da época em que o filme é realizado, em pleno macarthismo).
Na Inglaterra, também aparecem, neste período, interessantes filmes de ficção-científica, a exemplo de Terror que mata (Quatermass experiment, 1955), de Val Guest, A aldeia dos amaldiçoados (Village of the dammed, 1960), de Wolf Rilla. O mais importante, porém, dos filmes ingleses do gênero, é O mundo os condenou (The damned), do grande cineasta Joseph Losey, realizador de uma obra-prima,O criado (The servant, 1963), entre outros filmes significativos, mas que, atualmente, se encontra esquecido. The damned é sobre crianças contaminadas pela radioatividade que são enclausuradas pelas autoridades inglesas num reduto sigiloso.
A grande maioria, entretanto, dos filmes de ficção-científica, restrito que está, este panorama, aos clássicos, incluindo todos os japoneses, se limita a explorar velhas fórmulas do cinema de terror no esquema de mostrar a aparição de monstros criados pelas explosões nucleares. Diferentemente do que acontece na literatura, que possui excelentes escritores reconhecidos como mestres no gênero e que são capazes de o transcender.
Mas não se pode deixar de registrar algumas tentativas que tentam renovar os clichês do gênero, a exemplo do admirável Ikarie XB 1 (1963), do tcheco Jindrich Pollack, e Alphaville (1964), de Jean-Luc Godard, A décima vítima (La decima vittima, 1968), do italiano Elio Petri, Fahrenheit 451 (idem, 1966), de François Truffaut, Viagem fantástica (Fantastic Voyage, 1966), de Richard Fleischer. Nestes filmes, o cinema de ficção-científica deixa de ser o campo específico da série B para passar com todas as honras ao da A, revelando ambição na abordagem temática e que pretendem dar um testemunho moral e intelectual acerca da civilização do futuro.
Em Fahrenheit 451, por exemplo, filme baseado em novela de Ray Bradbury, num país indefinido, numa época indeterminada, uma decisão governamental proíbe a leitura e condena os livros sob a alegação de que eles perturbam a felicidade e provocam a inquietação. O corpo de bombeiros não mais apaga incêndios (as casas são à prova de fogo), mas é encarregado de queimar todas as obras literárias descobertas. No bosque, escondidos das autoridades, vivem os homens-livros. Cada qual memoriza uma obra-prima literária, a fim de preservá-la para o futuro.
Já em A décima vítima, de Elio Petri, a agressividade dos homens é saciada através de uma grande instituição internacional que promove uma grande caça ao homem, havendo, neste filme, uma nítida preocupação sobre o esmagamento do homem em meio a uma sociedade competitiva. A ação se passa no século XXI, este que já se está, mas A décima vítima é de 1965.
2001: Uma odisséia no espaço (2001: a space odyssey, 1968), de Stanley Kubrick, é um filme que se poderia considerar divisor de águas. A partir dessaspace opera, a ficção-científica no cinema não seria mais a mesma, quer do ponto de vista da temática, quer do ponto de vista estilístico. A época da ficção-científica clássica, cujo apogeu se dá nos anos 50, toma uma nova direção com a utilização do gênero para propósitos de paráfrase, política e indagação filosófica.
Kubrick, aliás, após a sua ópera espacial, retorna à ficção-científica de idéias emA laranja mecânica (A clockwork orange, 1971), tomando como base a narrativa literária de Anthony Burguess. O ficcionista, aqui, colocando-se já no futuro, empreende uma análise cáustica do seu passado que é o nosso presente. Mas a infantilização temática toma conta do cinema americano a partir da segunda metade dos anos 70 com os filmes que se seguiram à explosão mercadológica de Guerra nas estrelas.
15 dezembro 2010
Do advento do cinema moderno
Segundo os estudiosos no assunto, existem um Cinema Moderno e um Cinema Pós-Moderno. O primeiro tem início no final dos anos 50 e termina em meados do decurso dos 70. Começa, portanto, com a explosão da Nouvelle Vague francesa até a chamada Nova Hollywood e o Cinema Novo Alemão (quando surgem realizadores do porte de Alexander Kluge, Werner Herzog, Fassbinder, Wim Wenders, entre outros, imbuídos de uma nova visão e de novas propostas).
A Nouvelle Vague, que já foi aqui objeto de dois artigos, completa no ano em curso os seus 50 anos. Quer queiram ou não os seus detratores, muda o cinema a partir de filmes como Acossado (A bout de souffle, 1959), de Jean-Luc Godard,Hiroshima, mon amour (1959), de Alain Resnais, Os incompreendidos (Les quatre-cents coups, 1959), de François Truffaut, etc. A Nouvelle Vague transforma o sistema de produção, dá aos temas um tratamento mais livre, além de se constituir num sopro renovador na linguagem cinematográfica clássica e influenciar outras cinematografias, a exemplo do Free Cinema inglês, o Cinema Novo brasileiro...
Todo bom filme, segundo Truffaut, deve saber exprimir ao mesmo tempo uma concepção da vida e uma concepção do cinema. Antonio Costa (que, apesar do nome, é italiano) em seu livro Compreender o cinema (Saper vedere il cinema, 1987), editado no Brasil pela Globo dentro da Coleção Umberto Eco, sintetiza com muito acerto os quatro pontos inovadores que incidem sobre a instituição cinematográfica no mundo inteiro.
Estrutura narrativa: é abandonado o enredo romanesco tradicional e a construção da personagem acabada e são adotadas soluções mais próximas das novas tendências literárias (embora nem sempre ou não necessariamente nelas inspiradas).
Linguagem fílmica: abandono das formas sintáticas e expressivas tendentes a ocultar o procedimento de encenação e adoção de técnicas de filmagem, de recitação e de montagem de tipo antinaturalista e destinadas a evidenciar a subjetividade do autor.
Ideologia: em vez de evidenciar uma mensagem ideológica unívoca e direta, confiada geralmente a um herói positivo (como no passado o chamado realismo socialista, em alguns momentos do neorrealismo italiano e do realismo poético francês), surgem formas mais fluidas e indiretas, baseadas em procedimentos metafóricos ou alegóricos.
Estruturas de produção: manifesta-se sempre uma exigência de mudança, mesmo que de formas muito distintas segundo as diferentes situações; pode-se variar dos projetos de um circuito de distribuição radicalmente alternativo, como aquele esboçado nos Estados Unidos por Jonas Mekas e pelos film-makers do New American Cinema Group, às propostas reformistas dos cineastas dos países do Leste Europeu, que lutam para conquistar um mínimo de controle sobre o sistema de produção e de distribuição.
As duas etapas que sancionam a formação de um movimento de vanguarda cinematográfica nos Estados Unidos se encontram na fundação, em Nova York, em 1960, do New American Cinema Group, à qual se segue pouco depois a constituição da New York Film Makers Cooperative (1962). É a emergência do Cinema Underground (subterrâneo) no qual afloram os nomes de John Cassavetes (Sombras/Shadows, 1960), Stan Brackhage (Dog star man, 1965), Gregory Markopoulos (Twice a man, 1981), Jonas Mekas (The brig, 1964), Shirley Clarke (The connection, 1961), Sleep (1964) e Empire (1965), de Andy Warhol. Warhol realiza filmes com um único enquadramento fixo num único assunto.Sleep, por exemplo, mostra durante seis horas um homem que dorme, enquanto Empire tem como tema único o Empire State Building, filmado ao longo de oito horas.
Há a explosão renovadora do Leste Europeu após a morte de Stalin (1953): na União Soviética, com o degelo cinematográfico (A infância de Ivan, 1962, de Tarkovsky, Quando voam as cegonhas, A balada de um soldado...), na Polônia, com a Escola de Lodz, Wajda (Cinzas e diamantes), Munk, Kawalerowicz (Madre Joana dos Santos), Polanski (A faca na água, 1962), Skolimowski (Sinais particulares: nenhum, 1964). Também na Tchecoslováquia chega-se a se falar numa nouvelle vague com os filmes de Milos Forman Cerny Petr (1963), Os amores de uma loura (1965), entre outros, todos estimulados pela liberação promovida por Dubcek até que os tanques soviéticos, para sustar o sopro de liberdade, invadem o país (1968). E na Hungria, há, na década de 60, um clima de renovação, que revela grande vitalidade e originalidade com Jancsó (Os sem esperança, 1964), Gaal, Kovacs, Zzabo, etc.
As sementes do Cinema Moderno são plantadas, porém, ainda nos anos 50 com a desdramatização efetuada por Michelangelo Antonioni e Roberto Rossellini (Romance na Itália/Viaggio in Italia, 1953). A desdramatização aqui entendida como a recusa do espetáculo, a desteatralização. Antonioni é fundamental na eclosão deste novo cinema com a sua imprescindível trilogia constituída por A aventura (1959), A noite (1960), e O eclipse (1962, na qual, este geômetra cartesiano dos sentimentos humanos, introduz o domínio da antinarrativa - geralmente, no padrão da linguagem oriunda da indústria, nos filmes sempre há de acontecer alguma coisa, mas nos filmes de Antonioni nada acontece). Outro ponto determinante é o aparecimento do Cinema Direto, que se manifesta inicialmente nos filmes do etnólogo e cineasta Jean Rouch para depois desabrochar no chamado Cinema Verdade, segundo a famosa fórmula de Dziga Vertov, que se propôs a "captar a vida ao vivo". Suas principais características: a filmagem direta, o estilo de reportagem, a forma improvisada, a rejeição das estruturas dramáticas convencionais. Talvez o filme mais completo do Cinema Verité seja Crônica de um verão (Chronicle d'un éte, 1960), de Jean Rouch e Edgard Morin.
Texto publicado originariamente na revista eletrônica Terra Magazine. A imagem mostra o importante realizador americano John Cassavetes.
13 dezembro 2010
"Cascalho", o filme, em linguagem digital
Cascalho, o filme, e Cascalho, o livro, vão ser lançados em dupla na quarta, dia 15 de dezembro, às 17 horas, na Aliança Francesa, que fica situada na Ladeira da Barra. O livro, do qual se baseou o filme, é de autoria do consagrado escritor Herberto Salles. Transcrevo abaixo as palavras de Tuna Espinheira sobre o evento a acontecer. E clique na imagem para ver o convite direito.
"Era uma vez um filme e sua trajetória franciscana... Tudo começou na data histórica das comemorações dos cinqüenta anos da publicação do romance Cascalho. Dois dedos de prosa com o autor, Herberto Sales, sinalizou a oportunidade da licença dos direitos autorais, a exigência única: ver um roteiro pronto.
Tempos depois, o roteiro, em sua primeira urdidura, seguiu para São Pedro da Aldeia, Estado do Rio, habitat do escritor. A resposta não se fez de rogada: o script estava aprovado.
Anos bíblicos marcaram, a ferro e fogo, os passos nas léguas tiranas, com vistas ao levantamento da produção. Em vão... Jamais se conseguiu levantar um tostão sequer, pelas famigeradas “Leis de Incentivo”. Um Edital de roteiros para cinema, do Governo do Estado, nominado Fernando Coni Campos, premiaria o nosso projeto, no final de 2002.
Em julho de 2003, começaram as filmagens, com uma agenda madrasta, fosse qual fosse, as circunstancias, o tempo de rodagem, por hipótese alguma, poderia passar dos trinta dias úteis. Cada dia era dia “D”. O roteiro passou a ser retrabalhado, dia a dia, no calor da hora.
Esta missão impossível culminou com a extravagante décima quinta edição do script, até o final das filmagens. Cumprindo os ditames desta crua e real circunstância...
Em fins de 2004, montado e editado, foi tirada uma primeira cópia experimental, com o som mono. Mesmo nesta condição capenga, foi selecionado pelo Festival de Brasília. O único filme fora do eixo Rio/São Paulo, escolhido então.
Só no segundo semestre de 2008, o filme foi equipado com o Som Dolby Digital, sem o qual, nunca poderia adentrar numa sala de cinema comercial. Na Bahia, Aquiles Mônaco, acolheu o filme, dando-lhe um espaço para a pré-estréia e uma pequena temporada no Complexo de Cinemas do Iguatemi, em Salvador e em Feira de Santana. Nas vistosas Salas do Complexo Glauber Rocha, esta legítima produção, prata da casa, foi vetada de forma sumária, sem explicações. Deste acontecimento nefasto, só se pode deduzir como faíscas da ferradura de um coronelismo em extinção... A marca da maldade.
Agora, falando de flores, no dia 15 de dezembro, com patrocínio da Assembléia Legislativa do Estado da Bahia, serão lançados, o DVD e uma nova e primorosa edição do clássico de Herberto Sales, Cascalho. Na Aliança Francesa, 17 horas –Ladeira da Barra-
Para o filme de barbas brancas, este retorno ao olhar público, significa um luminoso alumbramento! !! La Nave Vá... Navegar é preciso... "
Tuna Espinheira (tunaespinheira@terra.com.br)
12 dezembro 2010
Os arquétipos da fábula
Se a narrativa possui as suas estruturas-tipo, a fábula também se apresenta sob a forma de lugares narrativos bem reconhecíveis. As estruturas da narrativa têm a ver com a organização do discurso enquanto que os lugares narrativos da fábula se referem às modalidades em que a história está representada dentro das coordenadas espácio-temporais do texto fílmico. Aparentemente, na multiplicidade das construções narrativas, esconde se apenas um número limitado e repetido de situações dramáticas. À primeira vista, e a grosso modo, pensa-se que todo filme conta uma história diferente. Daí vem a necessidade de se aplacar esta impressão de multiplicidade – uma ilusão! – através de um mecanismo redutor que faça esclarecer os arquétipos do gênero fabulístico. Com maior frequência, quatro são os mais utilizados lugares narrativos na fábula: a viagem, a educação sentimental,a investigação, e o elemento deflagrador.
(1) A viagem. É o topos – configurações que o material narrável adota no plano da dispositio – que ostenta os mais ilustres precedentes, a começar pela Odisséia, de Homero, até On the road, de Jack Kerouac. É também o mais congenial ao cinema que sempre mostrou uma predileção particular por histórias tendo por tema a descrição de um itinerário físico durante o qual, entre mil dificuldades e imprevistos, o protagonista passa de um estado de ignorância a um estado de conhecimento. Ou, como se pode também dizer: do pecado à salvação. A viagem é pontuada por etapas que se constituem em estações de um percurso interior que conduz do Erro inicial à Verdade final. É isso que se vê, por exemplo, em O Sétimo selo (Det sjunde inseglet, 57), de Ingmar Bergman, onde os encontros reveladores efetuados pelo cavaleiro Antonius Block durante a sua viagem de regresso da cruzada levam-no, gradualmente, a descobrir o valor da solidariedade humana e, com isso, a superar a condição de crise que o afeta. Os dois meninos que procuram o pai na Alemanha em Paisagem sob a neblina, do grego Theo Angelopoulos, percorrem, na viagem de busca, estações e, com elas, descobrem o mundo com a presenciação da dor e do sofrimento e da solidão. Do mesmo modo, em O soldado azul (Quando é preciso ser homem/The soldier blue, 71), de Ralph Nelson, a necessidade de atravessar o território índio em companhia de uma mulher branca permite ao protagonista descobrir os valores de uma civilização antes considerada inferior e compreender que os verdadeiros selvagens são, afinal, os soldados do seu regimento enviados para arrasar a aldeia dos peles-vermelhas.
Variante do topos é o motivo da fuga que, sendo semelhante ao precedente, se distingue dele por uma maior funcionalidade crítica. A fuga pode ser devida a razões externas (necessidade de afastar-se de uma situação de perigo ou, então, de perseguir de modo aventuroso aquilo que é proibido pela legalidade) ou a razões interiores de natureza existencial (intolerância de uma dada condição humana e procura de uma vida melhor). Em O viajante (Voyager, 93), de Volker Scholoendorff, o protagonista interpretado por Sam Shepard foge da vida por meio de viagens aéreas tomadas ao acaso, vivendo uma trajetória permeada de aeroportos.
O exemplo bem típico do primeiro caso – fuga devida a razões externas – é o de O fugitivo (I’m a fugitive from a chain gang, 1932), de Mervyn Le Roy, que mostra um inocente que foge e é encarcerado numa prisão e que, fugindo desta novamente, tem de continuar errando pela noite como um perseguido sem nenhuma perspectiva de retorno a uma vida normal. Também em A Louca escapada (The sugarland express, 74), de Steven Speilberg, um casal tem de afrontar as perseguições da polícia para recuperar a criança que lhe foi tirada por infâmia.
No segundo caso – fuga devido a razões internas – insere-se a fuga para um mítico Alasca tentada pelo protagonista inquieto de Five easy pieces (Cada um vive como quer, 1970), de Bob Rafelson, que espera encontrar um modelo de vida alternativa àquele obrigado a seguir e que não considera autêntico. Jack Nicholson é o intérprete que personifica o personagem andarilho em busca de uma identificação bem típica dos anos 60 e corolária do movimento paz e amor.
Existe também, dentro dos assim chamados lugares narrativos da fábula, um outro tipo de fuga chamado de gratuita cuja característica principal está num desejo de afirmação do eu e do desafio às normas sociais. Ainda: a fuga metafísica de causas reais desconhecidas e interpretável como metáfora do destino humano. Na fuga gratuita, o exemplo marcante é encontrado em Corrida contra o destino (Vanishing point, 1970), de Richard Sarafian, uma louca corrida através dos Estados Unidos feita de automóvel pelo personagem, uma fuga que termina pela autodestruição espetacular do homem. Já em No limiar da liberdade (Figures in a landscape, 70), de Joseph Losey, e em Encurralado (Duel, 73), de Steven Spielberg, há, no primeiro, uma fuga planetária – os protagonistas estão envolvidos, sem uma razão visível, e sob a ameaça de um estranho helicóptero numa corrida desenfreada – e, no segundo, uma fuga absurda – um homem foge desesperadamente de um gigantesco caminhão que o persegue pelas estradas.
Há, ainda, outros tipos de fugas como as de Geena Davis e Susan Saradon em Thelma & Louise (idem, 90), de Ridley Scott, ou a empreendida pelo protagonista de Com o passar do tempo (Im lauf der zeit, 76) de Wim Wenders, que, destituído de passado e futuro, percorre a Alemanha exclusivamente imerso na, por assim dizer, dimensão existencial do dasein heideggeriano. Neste caso, a narrativa renuncia a qualquer conotação dramática e limita-se a registrar com um gosto fenomenológico o comportamento do herói seguido nas suas incessantes deslocações espaciais. A fuga, aqui, apresenta a vagabundagem como uma condição normal do protagonista, como resultado de uma opção de vida coerente e consciente. Uma característica, aliás, do cinema wendersiano: Alice nas cidades (Alice in den stadten, 73), Movimento em falso (Falscher bewegung, 75), entre outros.
Um outro lugar narrativo – topos – é o que se pode definir por educação sentimental. Se nos topos da viagem o desenvolvimento narrativo se faz no espaço, tem-se, na educação sentimental, um desenrolar-se no tempo.
(2) A educação sentimental. A tomada de consciência opera-se graças a um itinerário que já não é mais horizontal mas vertical, considerando-se que neste topos se se reporta aos fenômenos psicológicos ligados à passagem de uma idade do homem para outra. O arco de tempo analisado pode ser mais ou menos longo consoante a quantidade e a qualidade das experiências narradas pela fábula. Além disso, a educação dos sentimentos pode ser apresentada segundo o seu desenvolvimento real ou, então, ser objeto de reinvocação por parte de quem a protagonizou. Em ambos os casos é contemplada pelo autor numa perspectiva mais ou menos autobiográfica, com a diferença de que, enquanto na primeira hipótese – a do seu desenvolvimento real – há uma pretensa objetividade que tende a fazer desaparecer esta característica autobiográfica, na segunda, a identificação entre o cineasta/autor e o protagonista da ação fica a descoberto. Em Os incompreendidos (Les quatre-cents coups, 59), de François Truffaut, existe uma melancolia eivada de um sentimento patente de nostalgia pela idade das ilusões anterior ao princípio do realismo ligado à dimensão adulta, qualquer que seja o período da vida em que tal princípio se afirma. Já em O mensageiro (The go-between, 71), de Joseph Losey, a reinvocação da passagem traumática do mundo das ilusões para o da realidade é confiada ao protagonista direto dessa dolorosa transição.
Este topos – arquétipo no qual se assentam muitos filmes – tem sua origem em Gustave Flaubert. Na primeira versão de A educação sentimental (1845), ainda sob o impacto da experiência amorosa que tivera na adolescência, o jovem Flaubert confere um desenlace feliz à sua paixão, acreditando ainda que, para conquistar a felicidade, bastaria desejá-la com toda a força. Anos mais tarde, ao redigir a segunda versão da obra (1869), já na idade da razão, reconhece o engano de sua mocidade e inicia o livro com uma saudosa evocação de Elisa Schlesinger (a Sra. Arnoux do romance), lembrando, com ternura, até os pormenores de seu vestuário para finalizar com a melancólica despedida de Frédéric Moreau (nome que atribui a si próprio no enredo) à amada impossível.
(3) A investigação. Baseia-se na reconstrução a posteriori de um acontecimento obscuro sobre o qual há que fazer luz. Os instrumentos utilizados podem ser os clássicos da investigação policial ou os mais recentes do inquérito jornalístico ou, se se quiser, cinematográficos. O móbil comum revelador é apreendido por meio de fragmentos soltos que, organizados, propõem o denominador comum. A fábula apresenta-se, aqui, como o lugar da desordem que tende a encontrar a sua explicação unitária para além da aparente casualidade dos acontecimentos descritos. É ao esquema do inquérito policial que obedecem filmes como A marca da maldade (Touch of evil, 58), de Orson Welles e A Besta deve morrer (Que la bête meure, 70), de Claude Chabrol. No filme de Welles, a procura do assassino está animada por um sentimento de legalidade oficial: numa cidade de fronteiras entre os Estados Unidos e o México, instaura-se uma rivalidade entre dois policiais, o americano Quinlan (Welles) e o Vargas (Charlton Heston) num caso de drogas e crimes. No filme de Chabrol, a procura do assassino é movida por um desejo de vingança privada. Inspirados no inquérito jornalístico e no filmado se encontram, respectivamente, O Bandido Giuliano (Salvatore Giuliano, 61), de Francesco Rosi e O Homem de mármore (Czlowiek z marmur, 79), de Andrzej Wajda, o primeiro procurando fazer luz sobre a morte do bandido siciliano, enquanto o outro se preocupa na reconstituição da verdadeira história de um “herói do trabalho” do período stalinista desaparecido imprevistamente das crônicas do regime. Ainda há um derradeiro lugar narrativo da fábula: aquele a que se recorre com maior frequência a ponto de não ser quase percebido como tal. O esquema em que o Bem e o Mal são eternamente contrapostos numa estrutura narrativa o mais elementar possível. Tal conflito, na realidade, para além de poder assumir um dos aspectos exteriores até aqui examinados, também pode ser representado de modo linear e segundo uma progressão dramática facilmente previsível pelo espectador. Em tal caso, o bom pode vestir as roupas de uma personagem histórica que tenha realmente existido como Aleksandr Nevsky no filme homônimo (Aleksandr Nevsky, 38), de Serguei Eisenstein, ou ser personificado por um herói lendário como Shane (Os Brutos também amam/Shane, 53), de George Stevens. Em ambas as circunstâncias, os códigos fílmicos procuram exaltar a figura empenhada na benemérita tarefa de destruir o Mal nas suas repetidas encarnações históricas e meta-históricas: a música, os fatos e até a cor fazem uma simpática apologia ao herói e, em contrapartida, exprimem toda a sua reprovação pelo malvado mau.
(4) O elemento deflagrador. Talvez não se possa definir o elemento deflagrador como um lugar narrativo da fábula mas é uma constante e uma presença marcante nos arquétipos da narrativa. Trata-se do elemento que vem de longe e deflagra, com sua aparição, um processo de transformação no meio social no qual se intromete. A chegada de Shane, cavaleiro misterioso, cujo passado é desconhecido, provoca uma metamorfose na localidade, revelando para os seus habitantes e, principalmente, para o menino Joe, sua mãe e seu pai, a família na qual Shane pousa por um tempo, uma força estranha e poderosa capaz de mudar o statu quo.
O anjo de Teorema (idem, 67), de Pier Paolo Pasolini, também é, na fábula, um elemento deflagrador da transformação de uma família burguesa italiana que, depois de sua misteriosa aparição, toma rumos inesperados após o contato sexual do anjo com todos os familiares e inclusive a empregada: o pai, desesperado, doa a fábrica aos operários; a mãe, ensandecida, procura, como prostituta em desespero, homens pela rua; o filho se torna um pintor abstrato; a filha entra em estado catatônico, e, por fim, a empregada, saindo da casa onde trabalha, volta às origens numa localidade interiorana onde levita, ascendendo ao céu e transformada em santa.
O elemento deflagrador é um arquétipo do qual se valem muitos filmes. Em Férias de amor (Picnic, 54), de Joshua Logan, o personagem interpretado por William Holden, um forasteiro, um estranho, chega a um vilarejo interiorano dos Estados Unidos e provoca, no dia da Festa do Trabalho, quando tem lugar um piquenique, um verdadeiro cataclisma. É a força que vem de fora e causa transtornos na aparente tranquilidade de uma sociedade onde os preconceitos, recônditos, eclodem à menor faísca.
Em A grande feira (1961), o filme baiano de Roberto Pires, um marinheiro sueco (Geraldo D’El Rey) detona uma reviravolta na feira de Água de Meninos ao se relacionar, simultaneamente, com uma burguesa do high society e uma negra pobre moradora da feira e mulher do agitador do local, o temível Chico Diabo (Antônio Pitanga). Também em outro filme baiano, O anjo negro (1972), de José Umberto, um negro anarquista (Mário Gusmão) desestrutura, tal o anjo pasoliniano de Teorema, uma família de ares aristocratas que habita um rico casarão colonial.
Existem poucas situações dramáticas originais, pois os arquétipos do gênero fabulístico reduzem a maioria a um número limitado.
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