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22 maio 2009

Herberto Sales, Tuna Espinheira e "Cascalho"

Tuna Espinheira está com seu longa, Cascalho, em exibição no cine Brasília desde o dia 1 de maio. A convite do Professor e membro da Academia de Letras da Bahia Aleilton Fonseca vai também exibí-lo em Feira de Santana no próximo dia 28 de maio. Após a projeção, uma conversa informal com o realizador. Transcrevo aqui um texto de Tuna, o velho guerreiro, sobre o seu filme. Na foto, Herberto Sales sendo condecorado pela então prefeita Lídice da Matta, tendo, ao fundo, óculos escuros na camisa, o cineasta.
"O romance Cascalho, de Herberto Sales, é hoje – e o tempo (único juiz categorizado), dá fé e assina em baixo – um livro clássico, emblemático, do chamado Ciclo do Garimpo.
Gabriel Garcia Marques escreveu livros maravilhosos, entre eles o surpreendente: Viver Para Escrever. Este de memórias. É só lê-lo para revisitar o principal da obra deste mestre. No Brasil, entre outros, Zé Lins do Rego, foi ainda mais radical, usou a memória como ferramenta substancial no seu oficio de escritor maior
.
Herberto viveu nas terras outrora férteis em diamantes, em Andaraí, ouviu estórias, vivenciou um passado ainda latente, e, com a alma em chamas foi ungido para escrever, registrar a Odisséia das Lavras Diamantinas
Nada como a memória com o necessário talento para temperar um bom livro.

Na passagem comemorativa dos 50 anos de Cascalho, em Salvador, tive a oportunidade de conhecer, em carne e osso, o autor da saga do garimpo. Eu tinha, formigando, já um bom tempo, uma utopia confessada a mim mesmo e gente próxima, de roteirizar o romance Cascalho. Conversando com ele, o próprio, Herberto, temperados ambos, com doses de Whisky, aproveitando a licença poética do momento, eu disse: “Tinha vontade de filmar o seu livro”, laconicamente ele me respondeu: “Faça o roteiro e me mande”.
Mergulhei de corpo e alma nas páginas daquele livro cinquentão, jamais imaginei o quanto de terrível é mexer na criação alheia. Adaptar uma obra literária para o cinema, é uma espécie de ato de heresia a cada vez que se suprime um personagem, corta pedaços da estória, espreme o enredo para caber no filme, entre outras intrusões... Enfim, pisa-se no solo sagrado da criação...

O roteiro técnico ficou pronto, submetido ao crivo do autor, foi aprovado e sacramentado. A partir daí só restava cair em campo, confiando na Corte Celeste de plantão e no Axé dos Orixás.

Herberto Sales, selou sua cumplicidade com o nosso projeto, com um texto do gênero a quem interessar possa... Vai na íntegra:
“Caro amigo ( ou amiga ) – O portador destas mal traçadas linhas é o conhecido homem de cinema Tuna Espinheira, de quem tenho o prazer de ser amigo e admirador, nem se fala.
Ele está ( para minha honra ) tratando de fazer um filme do meu romance Cascalho. Deus o ajude.
Faça de conta que quem está apresentando esta carta sou eu. Todavia, sou bastante modesto para reconhecer que Tuna Espinheira ( se isso é possível ) me representa melhor que eu próprio.
E isto é verdade e dou fé”.
Herberto Sales,
São Pedro da Aldeia – 10.04.95.
Herberto já não estava entre nos quando (em 2003) seus personagens se encarnaram nos atores: Wilson Mello, Othon Bastos, Gildasio Leite, Lúcio tranchesi, Irving São Paulo, Arildo Deda, Agnaldo Lopes, Emanuel Cavalcanti, Caco Monteiro, Rosa Espinheira, Jorge Coutinho, Bertho Filho, Julio Góes e povoaram a cidade de Andaraí (terra natal do escritor ), onde se passa a estória, nos anos trinta. No cenário exuberante da Chapada Diamantina.

Só no final do ano 2008 – DC – O filme em questão, ficou pronto, ou seja, com a armadura necessária para as exigências técnicas do mercado comercial. Infelizmente (não cabe aqui chorar aos pés do Caboclo) sem condições de bradar aos quatro ventos sua chegada ao escurinho do cinema... Não temos a menor dúvida que a propaganda é a alma do negócio... Por conta da circunstancia particular nossa, com Deus é servido... Sugerimos aos espectadores de boa vontade, se estiverem de acordo, fazer o boca a boca, avisando aos não avisados, seria esta, de resto, uma maneira de tentar não permitir que, a correnteza do descaso arraste ao Deus dará... Mais este filme para o ossuário geral da Utopia do fazer cinema no Brasil.

Sem propaganda o fita em cartaz tem vida curta. Portanto os primeiros serão os primeiros, dificilmente os últimos chegarão primeiro... É só prestar atenção ao terceto final do exemplar e coincidente (com vistas à nossa estória) soneto de Mário Quintana: “Pobres cartazes por aí afora/Que anunciam: Alegria – Risos/ Depois do Circo já ter ido embora”.

O cinema não tem vocação para a clandestinidade... Que os anjos nos digam Amém... Aleluia!!!!!!!"

Tuna Espinheira e-mail:
tunaespinheira@terra.com.br
Tuna Espinheira é cineasta, roteirista e diretor do filme: Cascalho

21 maio 2009

O gênio está em Cannes




Da AFP
O cineasta francês, Alain Resnais, 86 anos, e que há 50 anos deixou para a posteridade o austero e inovador Hiroshima meu amor, fez soprar nesta quarta-feira em la Croisette um vento de fantasia e leveza com Les Herbes folles (As ervas daninhas) - uma história interpretada por um casting surpreendente.
Alain Resnais, que completará 87 anos no dia 3 de junho, não colocava um filme em competição em Cannes desde 1980, com Mon Oncle d'Amérique /Meu tio da América, que lhe valeu o Grande Prêmio Especial do Júri e o da Crítica Internacional.
O filme Les Herbes folles, muito aplaudido na projeção para a imprensa, representa a adaptação fiel do romance L'incident, de Christian Gailly. O título do filme evoca as plantas que crescem à mercê do vento, em local onde não são esperadas. A dentista Marguerite Muir (Sabine Azéma) tem a bolsa roubada. Georges Palet (André Dussolier) encontra a carteira e a entrega a uma delegacia de polícia. Intrigado pela fotografia da identidade desta mulher, ele procura entrar em contato com ela.A história poderia parecer banal, mas não o é em seu desenvolvimento nem em seu tratamento, tanto por parte do diretor do filme quanto do escritor do livro.
Alain Resnais lembrou, durante entrevista à imprensaa, que se seguiu à projeção, que Christian Gailly havia sido saxofonista, para explicar o ritmo "sincopado de jazz" do filme. A maneira de Christian Gailly empregar a sintaxe "dava os efeitos que me parecem muito perto das improvisações do jazz e da música em geral", explicou o diretor, indicando que a música de Mark Snow foi utilizada durante a filmagem para dar o ritmo.
O filme, do começo ao fim surpreende o espectador de mil maneiras: diálogos inesperados, absurdo de situações, turbilhão de achados visuais.Tudo isso é apresentado por um casting brilhante, com Sabine Azéma e André Dussolier na cabeça, assim como Roger Pierre num papel coadjuvante. Em outros papéis mais ou menos importantes, estão presentes Anne Consigny, Emmanuelle Devos, Mathieu Amalric, Michel Vuillermoz, Annie Cordy, e a voz de Edouard Baer. O realizador de Hiroshima meu amor e O ano passado em Marienbad (1961) passa ao mundo, desde o início, a imagem de um cineasta cerebral, adaptando autores difíceis como Alain Robbe-Grillet, Marguerite Duras e temas complexos.
Fotos de Kleber Mendonça Filho diretamente de Cannes, que apanhei na internet.

20 maio 2009

Mostra do cinema baiano

Clique na imagem para vê-la maior e mais legível.

"The getaway", de Sam Peckinpah


Thriller vigoroso, sem falsos moralismos (o crime, afinal, para o casal protagonista, compensa), Os implacáveis (The getaway, 1972), de Sam Peckinpah (1924/1984), incorpora, inclusive, procedimentos resnaisianos ao gênero (como nos lances de memória, que se poderia dizer flashes de memória, quando Steve McQueen, logo na apresentação, dentro da cela, pensa na mulher que deixou, Ali MacGraw), além da montagem procurar, ao mostrar o trabalho dos presidiários, uma associação não de continuidade, mas de significações através das ações humanas e dos objetos que adquirem, na composição peckinpahniana, um sentido que é acrescido à representação da imagem, como queria André Bazin. Há quase trinta e sete anos de sua realização, The getaway se mostra uma obra ágil, vibrante, como se tivesse sido realizada nos dias atuais. Aliás, Peckinpah em Meu ódio será tua herança (The wild bunch, 1968) já preconizava um cinema de cortes rápidos em determinadas seqüências (como a do tiroteiro final avassalador e terminal), nunca, porém, como se faz hoje, com a abominável estética da tesourinha, quando a narrativa cinematográfica vira um papel picado não deixando ao olhar qualquer possibilidade de contemplação. The wild bunch é um filme que detona uma escrita que seria tomada como base pelos cineastas (como o uso da câmera lenta para enfatizar e robustecer a violência).
Em 1994, seguindo à risca o roteiro de Walter Hill (que viria a dirigir ótimos filmes de ação), Roger Donaldson realizou um remake de The getaway, que serve de exemplo, apesar de um filme fraquíssimo, como a mão de um grande diretor é que determina a excelência de um filme. O caso de Gus Van Sant no remake de Psicose é também exemplar, porque, mesmo contando com os préstimos do mesmo roteirista de Hitch, o resultado foi desastroso.
O primeiro filme notável de Peckinpah, depois de realizados vários filmes de ação, está em Pistoleiro ao entardecer (Ride the high country, 1961), western outonal, crepuscular, que prenuncia a morte do gênero, com Joel McCrea e Randolph Scott como dois velhos pistoleiros que já sentem os sinais do tempo e da finitude da vida, mas, mesmo assim, insistem na permanência como cowboys. Obra melancólia, de rara beleza, que também pode ser comparada a O homem que matou o facínora, do grande John Ford, também um western do crepúsculo.
McQueen, um tipo admirável, raro se se pensar no cinema contemporâneo tão cheio de adamascados, teve um affair impetuoso e implacável com Ali MacGraw, que, na época, era esposa do presidente da Paramount. Na cena em que ele bate nela, encostados num carro numa estrada, Peckinpah o orientou no sentido de socá-la com vontade. Ele é um vigarista que, ao sair da prisão, rouba um banco e foge com a mulher para o México. No trajeto tem que enfrentar os rivais que o perseguem e querem matá-lo.
Clique na imagem para vê-la maior.

19 maio 2009

Arte japonesa e outras

Sem assunto, pensei, a ver esta arte japonesa, em Toshiro Mifune, o primeiro ator que conheci do cinema nipônico. Com aqueles panos brancos a resguardar suas entranhas em O sétimo samurai, do grande Akira Kurosawa. Vi, menino e adolescente, muitos filmes japoneses distribuídos pela Toho, que passavam em São Paulo e vinham muitos para Salvador. Rashomon apenas vi muitos anos depois em cinemateca. Kurosawa, apreciei à medida em que seus filmes eram lançados. Lembro-me agora assim de memória de outros diretores como Kaneto Shindo (A ilha nua), Masaki Kobayashi (Harakiri, Onibaba, As quatro faces do medo, Guerra e humanidade...), Eizo Sugawa (Caça às feras), Shonei Inamura (Todos porcos), e, talvez, o maior de todos, Kenji Mizoguchi com seu encantador Contos da lua vaga, que me impressionou deveras. Mas Yasujiro Ozu vim somente a ter o grande prazer em conhecê-lo na última década através do disquinho e de alguns filmes baixados na internet que me foram emprestados. Comprei Bom dia. E quero comprar, para tê-lo em casa, Contos da lua vaga. Diria que Kurosawa é hors concurs. Há dele filmes belíssimos. Lembro-me de Toshiro Mifune a atuar em Grand Prix, de John Frankenheimer (ninguém nunca na história do cinema filmou tão bem corridas de automóveis). Frankenheimer, na sua fase anos 60, é o máximo. Mesmo depois, como pude constatar agora na revisão de Domingo negro (Black sunday, 1977) é de um impacto superior. Qual o realizador cinematográfico que tem uma sistemática utilização dos efeitos de intensificação dramática das situações por meio de um equilibrado uso da montagem e da música? John Schlesinger? William Friedklin?

17 maio 2009

Da selvageria nas salas de cinema


É um inferno a ida, atualmente, ao cinema para ver um filme, principalmente nos complexos dos shoppings. Mas a falta de educação, a gestualidade brutal, a ausência de respeito, não se restringem apenas às salas dos dominantes centros de compras. Também nas salas alternativas, verifica-se o mesmo comportamento selvagem. Nestas, a maioria é constituída de pseudos-cinéfilos, pessoas que querem aparecer, se mostrar. Mas antigamente não era assim? perguntou-me um gaiato com um saco de pipocas na mão? Não, não era assim, o público se comportava e, nos chamados cinemas poeiras, havia uma certa agitação, gritos, mas tudo em interação com o filme, uma espécie de torcida. Ir ao cinema hoje para mim é um inferno. É preciso escolher as sessões vazias.
Para que o processo de comunicação seja perfeito, segundo dizem os comunicólogos, entre a emissão e a recepção não deve haver ruídos. Estes, no entanto, estão presentes quando se vai atualmente às salas exibidoras de filmes, não importa sejam elas situadas em complexos, sejam elas consideradas alternativas, porque a falta de polidez e educação está generalizada. Entre os ruídos mais notórios que atrapalham sobremaneira a contemplação da obra cinematográfica, e os mais incomodativos, pelo menos na minha visão idiossincrática, estão aqui quatro exemplos:
1) Conversa ao celular. O telefone portátil deve ser desligado por todo o cinéfilo que se preza. Atendê-lo, durante a projeção de um filme, se constitui numa agressão ao próximo, num desrespeito a seu semelhante. A começar do toque da chamada, que se diversifica e tem seu volume cada vez mais alto. E as conversas, as abobrinhas descarregadas, que azucrinam aquele que, querendo apenas contemplar o filme, fica obrigado a escutá-las.
2) A comilança. Se antes tínhamos o barulho do amassar dos sacos de pipocas, e das mandíbulas ansiosas a mastigá-las, atualmente a sala exibidora se tornou um fast food, onde se come de tudo. O espectador, logo quando entra, chega a carregar uma bandeja plena de comida e guloseimas diversas.
3) Conversinhas descabidas. Os espectadores conversam durante o filme, o que incomoda muito. Vale observar que as conversas, geralmente papos demenciais, referem-se aos fatos de suas vidas cotidianas. O filme, impávido, rola na tela, indiferente às combinações urdidas no escurinho da sala.
4) Risadinhas fora de hora. Decididamente, a maioria dos espectadores que vai ao cinema, hoje, não está muito interessada no que se passa na tela, não. O ir ao cinema se constitui, apenas, numa das fases do shoppear. Mas, então, o comportamento das pessoas é completamente dissonante, principalmente quando riem de situações que nada têm de engraçadas. Há, na verdade, um fosso cultural, entre a cultura da platéia e a cultura dos personagens na tela, quando o filme não faz parte do lixo cultural.Há muitos outros ruídos entre a emissão e a recepção de um filme. Mas vamos ficar, por ora, nestes quatro, os mais abusados e irritantes. O fato é que o comportamento da platéia atualmente vem em decorrência de seu comportamento diante da televisão, principalmente nas novelas. A teledramaturgia televisiva, porque um discurso aberto, condicionou de tal maneira o consumidor, que, quando este vai ao cinema, se comporta da mesma maneira que se comporta ao ver televisão, não considerando que o filme, ao contrário da novela, é um discurso fechadíssimo, limitado em seu tempo, em sua duração. Quem gosta de ver um filme com atenção, em silêncio, sofre muito hoje em dias nas salas dos chamados complexos. Mas o interessante é que esse comportamento vândalo não se limita aos Multiplexes, mas está a ser notado, também, nas chamadas salas alternativas, redutos de pseudo-intelectuais e pseudo-cinéfilos.Sacrifica-se, hoje, indo-se ao cinema, a sensibilidade.

Veja-se, na imagem, a contradição: uma propaganda do governo sobre educação pelo vídeo que tem a pipoca como atrativo. O que vejo nisso é a ignorância, a deseducação e o caos.