Nos anos 50 e 60, o nome de Alberto Silva era um referencial na crítica de cinema baiana, ainda que sem uma periodicidade muito regular como alguns de seus colegas dessa mesma época (Glauber Rocha e Jeronimo Almeida - pseudônimo de José Gorender no Jornal da Bahia, Hamilton Correia no Diário de Notícias, José Augusto Berbert de Castro em A Tarde, entre outros. Com a homenagem que prestei aqui, neste blog, ao velho guerreiro Athayde, vim a saber da morte de Alberto Silva ocorrida há alguns anos. O desconhecimento, tudo indica, provocado pela ausência absoluta de informações na imprensa baiana, que omite. sempre e sempre, os falecimentos de baianos célebres - por ignorância, falta de memória. Acredito ser ainda tempo de as Quartas Baianas vir a prestar uma homenagem a Alberto Silva e, também, a Carlos Alberto Vaz de Athayde. Nascido em 1940 (dez anos mais velho do que eu), Alberto Silva, se morreu há dois anos, desapareceu com 70 anos, mas já abatido e doente. Lembrando o bravo guerreiro da crítica baiana, publico aqui algumas informações sobre Silva. Vale lembrar que Alberto Silva foi um grande amigo de Athayde.
Jornalista
profissional, Alberto Silva nasceu na Bahia a 23 de março de 1940. Em Salvador,
foi presidente da Associação dos Críticos Cinematográficos, diretor do jornal
Cinema Novo e da Revista da Bahia. Radicados no rio de Janeiro durante anos de
sua vida, atuou como crítico cinematográfico de Correio da Manhã, Última Hora,
Tribuna da Imprensa, Jornal do Commercio e como crítico literário de O Globo.
Foi verbetista da Enciclopédia Mirador Internacional e colaborador das revistas
Filme Cultura, Cadernos Brasileiros e Cultura. Foi editor do jornal Letras &
Artes.
Dirigiu
os filmes Major Cosme e Hospedarias. Escreveu, em 30 anos de
militância cinematográfica, diversos argumentos, roteiros e cerca de dois mil
artigos e ensaios em colunas especializadas, suplementos literários e revistas
culturais de todo o país. Cinema e humanismo recebeu o prêmio de “Melhor
Ensaio” (1975) da União Brasileira de Escritores. E A primavera mora na rua.
A PRIMAVERA MORA
NA RUA (Editora Achiamé, 84 págs., Rio de
Janeiro, 1991.)
“Demonstra a
presença de um escritor com real possibilidade de vir a destacar-se, pois revela
criatividade, humour e calor humano, requisitos fundamentais a quem quer
que deseje seguir, conseqüentemente, a carreira de
letras.”
Ênio da
Silveira – Editora
Civilização Brasileira
CINEMA E
HUMANISMO (prefácio Alex Viany, 128 págs., Editora Palias, Rio de Janeiro,
1975).
“É um dos raros
estudos sérios sobre o cinema já escritos no Brasil, e tem inegável
mérito”
Otto Maria
Carpeaux
“É um alívio ler
um crítico, um ensaísta cinematográfico, que permanece firme nessa de ver com os
olhos e sentir com os sentidos – e, mais, olhos e sentidos tão brasileiros (e
descolonizados) quanto é possível alguém ter nestes 70 tão
multinacionais.”
Alex
Viany
“Enriquece a
nossa pobre bibliografia de cinema. (...) Não é um livro morno ou inocente: a
instigação polêmica está em todas as suas páginas. (...) Cinema e
humanismo é um apanhado sintético do cinema, de hoje e de ontem: visão
crítica e histórica, uma soma positiva para a bibliografia
brasileira.”
Assis
Brasil
“Bem escrito,
caloroso, com uma visão sintética do cinema brasileiro enquanto fenômeno
cultural no sentido mais amplo da palavra, isto é, sem perder de vista o
entrosamento da cultura com a economia e a sociedade como um todo. (...)
Eminentemente opinativo, possui base informativa suficientemente sólida para que
as opiniões ganhem valor objetivo, vibração inteligível e um grande poder de
movimentação de ideias. (...) Outra qualidade importante a assinalar no livro é
o tom quase didático mas nunca esquemático, que o torna muito útil para
estudantes de cinema ou jovens em geral interessados no conhecimento do fenômeno
cinematográfico.”
Miguel
Borges
Nunca mais
20 anos na
Bahia
Ronaldo
Werneck
Terrível é saber que
nunca mais terei vinte anos nem o corpo intacto como na Bahia de 64. Vinte anos,
eu pleno e pronto para todos os prazeres, tabálcoois & tabarizes. Leia-se
cigarro, cerveja & Tabariz: a diabólica boate daquela ladeira por trás do
Cine Guarany, aquela ali que o Jorge Amado vai retomar mais tarde — o “Novo
Tabariz” de seus futuros romances. Tabariz era sinônimo de “vadiar”, como fazia
o Vadinho da Dona Flor. Vão-se as virtudes vem a vida, varal de vícios. A Bahia,
pelo menos a “minha” Bahia, cheirava a acarajé & sexo, exatamente como Maria
Bethânia diria certa vez da lambreta, aquele marisco que a gente entornava com a
cerveja da madrugada na Ladeira do Pelourinho: “dá um tesão dos diabos!”.
Difícil conciliar futebol e farra. E, antes de qualquer coisa, em 64, como ainda
hoje, a Bahia já era uma farra só, imensa e permanente.
“Temos que dormir pelo
menos umas quatro horas por noite, Ronaldo. É preciso conservar o corpo pras
mulheres”. Sábias essas palavras de Antônio, da jovem turma do cinema baiano dos
anos 60, o pessoal com quem eu andava na época. O Antônio que nós chamávamos de
“Antônio das Mortes”, brincando com o filme do Glauber. O nosso Antônio das
Mortes disse sua histórica frase no exato momento em que o crítico Alberto Silva
adentrava a Cantina da Lua, a cara idem, em plena madrugada do Terreiro de
Jesus. Há três noites/dias sem dormir, Alberto parecia um zumbi, com uns bons
cinco quilos a menos que seu normal, que já não era muito, ele que até hoje
conserva sua magreza baiana e bastante.
Nosso crítico predileto
encostou-se solene ao balcão do botequim, pediu a clássica batida de limão, e
disse que vinha de um aniversário de criança, onde subira numa cadeira e fizera
um veemente discurso contra os milicos que tomaram o poder depois da quartelada
de abril. Um espanto, o Alberto. Sóbrio, sempre foi cordato e simpaticíssimo.
Bêbado, um revolucionário romântico e, por isso mesmo, eterno. Lembro de outra
madrugada baiana, logo no início daquele abril de 64, dia 2, talvez dia 3, nós
dois voltando pra casa: eu e Alberto trôpegos ali pela Rua Chile, vizinhanças do
Elevador Lacerda. No Centro da Bahia, o sol já ensolarando todas as cores dia
adentro – vermelho-amarelo-azul-verde-azul – lá pelas bandas do mar, por trás do
Forte de São Marcelo.
Vício de jornalistas,
mesmo bêbados compramos nosso jornal. Continuamos a andar, quer dizer, a
tropegar, quando Alberto começa a gritar as manchetes do jornal que lia:
“Milicos não duram muito!”. “Jango resiste no Sul!”. “Brizolla pronto para
derrubar a quartelada!”. Os baianos que iam pro trabalho àquela hora, quer
dizer, uns dois ou três, os baianos, aqueles entes manemolentes, voltavam-se
estarrecidos, não acreditando, mas querendo acreditar, nas manchetes inventadas
pelo Alberto. Tomamos nosso ônibus rindo muito, a alma lavada. Que maravilha!
Melhor, que coisa mais porreta, como dizem os bons baianos. Realmente, Antônio
das Mortes tinha razão: a gente precisa dormir pelo menos umas boas quatro horas
(aliás, nem carece de quatro horas: dormir com as “boas” já basta) antes de se
aventurar em qualquer aniversário de criança.
Pois é, como podem
perceber, era preciso dormir bem mais do que isso pra se ficar sob as traves, à
espera dos intermináveis tirambaços dos baianos de todas as estirpes e que
tentavam me estirpar a qualquer custo da posição de guarda-valas, onde aliás,
estava eu perenemente metido – nas invioláveis valas da noite em vão. Era muita
noite pra pouco dia: não havia tempo pro futebol na Bahia. Mesmo assim, o time
da AABB, comigo sob as traves, ganhou a grande maioria das partidas do início do
campeonato e estávamos inclusive seriamente cotados para ir a São Paulo
representar a Bahia na disputa do Torneio de Futebol de Salão Bancário. Mas pode
um jovem goleiro resistir aos acenos da noite? Depois eu
conto.
Jornal Olé nº 17/16
a 31de abril de 1998
Do livro Há Controvérsias
1
Editora Arte Paubrasil,
São Paulo, 2009