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18 outubro 2008
Setaro's Blog atinge 50.000 visitantes
15 outubro 2008
Vejam, clicando, "O Guarany"
ATENÇÃO!
André Setaro
Janela Internacional de Cinema do Recife
Ao longo das últimas 8 semanas, nossa curadoria viu 812 filmes de 37 países, sendo 425 brasileiros. O difícil trabalho de seleção foi norteado pelo que o conjunto de filmes nos trouxe, nos levando à construção de programas específicos que abrigam as obras temática e esteticamente. Estamos muito felizes com o recorte que será apresentado na nossa primeira edição.
13 outubro 2008
Falta a "dicção" de Saramago a "Blindness"
Há certos críticos que, com poucas palavras, sabem sintetizar o que falta a um determinado filme para que possa atingir um valor poético mais aguçado. Entre eles, Inácio Araújo (da Folha de S. Paulo), cujo poder de síntese é extraordinário. Suas indicações diárias sobre os filmes que passam na televisão constituem no maior exemplo desse poder sintético, dessa arte, poder-se-ia dizer, de criticar/comentar em poucas linhas. Sabe, como poucos, jogar a palavra, efetuar uma sintaxe perfeita em função de uma idéia que ele tem sobre uma obra cinematográfica. Mas, Inácio à parte, cito outro crítico que também tem um rigor escritural na apreciação da arte do filme, que é Carlos Alberto de Mattos (do site Críticos.Com). Sua apreciação de Ensaio sobre a cegueira, de Fernando Meirelles, toca na ferida. A tal ponto que não resisto à transcrição dos dois primeiros parágrafos de sua crítica:
"O romance de José Saramago exerce seu fascínio em parte por causa da trama, em parte pela singular dicção do escritor, especialmente para quem o lê em português. Seria despropositado esperar que uma adaptação cinematográfica, ainda mais uma produção eminentemente internacional como Blindness, conseguisse reproduzir esse segundo elemento. Não se trata aqui de comparar livro e filme, erro tão recorrente na prática da crítica. Mas é preciso examinar o que resta ao projeto de um filme que tem em comum com o livro original apenas a sua trama.Fernando Meirelles procura suprir essa inevitável lacuna com um estilo visual agressivo, baseado na idéia do “mal branco”, nome atribuído à epidemia de cegueira que devasta um país inteiro a partir de um único motorista subitamente acometido (na verdade, não se pode afirmar que o “primeiro cego” do livro é de fato a origem da epidemia). Assim, a supressão da cor como um todo e a invasão do branco formam a “dicção” do filme. Some-se a isso um arsenal de procedimentos óticos relativos a foco, reflexos duplicadores e formas que replicam a órbita ocular. E ainda uma montagem nervosa, que procura exprimir a tensão em torno dos acontecimentos"
Mas, já que estou aqui falando de críticos e de uma adaptação literária, como é o caso de Ensaio sobre a cegueira, vi, recentemente, no Canal Brasil, um verdadeiro massacre praticado por Paulo César Saraceni (que é um diretor a respeitar, mas menos aqui) em cima de uma obra-prima: Dom Casmurro, de Machado de Assis, que em sua versão criminosa e cinematográfica se chamou Capitu. O filme é um desastre completo e acabado e uma lição permanente de como não se deve adaptar uma obra literária para o cinema. E pensar que o roteiro foi escrito por Lygia Fagundes Telles e seu marido Paulo Emílio Salles Gomes!!!!!
12 outubro 2008
Cidadão Walter
Tem-se, em Fronteiras do Cinema, um dossiê analítico acerca das mais variadas vertentes da estilística cinematográfica, passando pela entrevisão de Ingmar Bergman, ao ressaltar, neste, a renovação da natureza unanimista do cinema, às discussões entre as fronteiras do cinema e da literatura (Dostoievski ou Visconti?), às noites de um Federico Fellini, até atingir um ensaio que indaga da contribuição do cinemascope para a estética do cinema, além de desmistificar e dimensionar a real importância de filmes como Fantasia, de Walt Disney, e Orfeu do Carnaval, de Marcel Camus. O livro, entretanto, não pára por aqui. Contém mais - e muito mais.
Do “mestre do suspense”, Walter não perdoa suas vertigens, sua aparente exterioridade, no único ensaio, a nosso ver, infeliz do grande ensaísta, posto que, em Hitchcock, o argumento é concessão enquanto que a mise-en-scène, mensagem. Até que ponto a arte cinematográfica foi capaz de transportar as torrentes verbais, do texto shakespeariano? Eis outro artigo fundamental do mestre Walter, o qual não descuida também dos vôos poéticos e da irreverência do solitário Monsieur Hulot, personagem do comediante francês Jacques Tati. Ou da efemeridade dos sentimentos do cinema de Michelangelo Antonioni. Ou da poética de Jean Cocteau. Ou da oralidade em Alan Renais.
Dos 42 anos da publicação de Fronteiras do Cinema, décadas se passam e o cinema brasileiro se encontra órfão de Walter da Silveira há 38 – e é impressionante como a nova geração desconhece Walter da Silveira, que se restringe, hoje, a um nome dado a uma sala alternativa de programações cinematográficas, confirmando, com isso, a falta de memória característica da contemporaneidade. O apogeu criativo do cinema moderno, entretanto, Walter presenciara, pois este se dá lado a lado com a formação cultural do grande ensaísta. Ainda menino, Walter conhece a figura de Carlitos, assiste à transformação da estética da arte muda para o cinema falado, acompanha o desenvolvimento narrativo de um Orson Welles (Cidadão Kane), de um Sergei Eisenstein, contempla a nova postura ética da cinematografia com a eclosão do neo-realismo italiano. E as revoluções sintáticas, inauguradoras de uma nova sintaxe, com Michelangelo Antonioni, Alain Resnais e Jean-Luc Godard, entre outros. Porque, nascido na segunda década do século XX, Walter da Silveira tem o privilégio de ser quase contemporâneo das transformações estilísticas que marcaram a arte do filme.
Platéia e balcão do Guarany lotados. Sábado de manhã de 1965. A maioria dos espectadores constituída de estudantes do Central, que, filando aulas - sábado, naquele tempo, também tinha aula, adquiria o conhecimento do filme como arte. Uma turma, porém, de capadócios, que estava ali, naquela sessão, apenas para perturbar, gritava, ria, e assobiava diante dos passos poéticos de Hiroshima, mon amour. Num determinado momento, Walter da Silveira, temperamental como era, levantou-se e solicitou que a projeção fosse interrompida e que as luzes da sala se acendessem. Diante da platéia, que ficou silenciosa, Walter deu tremendo esporo nos jovens assanhados, fazendo-lhes ver que Hiroshima era uma obra de arte e merecia todo o respeito e todo o silêncio.
Walter da Silveira não admitia que alguém saísse no meio de um filme. Ficava aborrecido e o pecador restava, depois, sem moral com o mestre. Qualquer conversinha lateral também era reprovada pelos olhos de Walter da Silveira.Quem quer conversar que vá para a sala de espera ou saia do cinema, costumava dizer.
A importância do Clube de Cinema da Bahia, na formação de platéias, na deflagração do próprio “Ciclo Bahiano” (entre 1959 e 1963, filmes genuinamente baianos são realizados: Redenção, A Grande Feira, Tocaia no Asfalto, etc.), e como centro difusor da cultura cinematográfica, é inquestionável. A liderança de Walter proporciona a muitos interessados pela “sétima arte” uma espécie assim de descoberta da importância do cinema como veículo de expressão artística.
Vive-se, nos anos 50, na urbis soteropolitana, sob influência do espetáculo norte-americano, que impõe uma linguagem e uma forma de ver o discurso narrativo. Vive-se, portanto, sem a possibilidade de contemplação de outras conquistas da linguagem cinematográfica, porque o mercado, dominado pelas companhias americanas, não oferece outra opção que não seja o espetáculo narrativo tradicional, imperando o star system, a idolatria, o consumo desenfreado – não como agora, diga-se logo e de passagem.
Com o Clube de Cinema da Bahia, Walter da Silveira possibilita aos baianos o conhecimento dos filmes neo-realistas italianos (Roma Cidade Aberta, Paísa, ambos de Roberto Rossellini, Ladrões de Bicicleta, Umberto D, Milagre em Milão, todos de Vittorio De Sica), do realismo poético francês (Les enfants du paradis, de Marcel Carné), do cinema de Jean Renoir, da cinematografia soviética e dos discursos estéticos de um Sergei Eisenstein (O Encouraçado Potenkin, Outubro, Ivan o terrível), etc, etc, etc. A contribuição primordial de Walter neste período está em ter despertado muitos cinéfilos para a descoberta do cinema como uma linguagem autônoma, como um verdadeiro e poderoso veículo de expressão artística. Dentre os vários alunos que teve, um destaca-se sobremaneira: Glauber Rocha, que, conforme o mesmo confessa em alguns de seus escritos, “aprendeu cinema com Dr. Walter da Silveira”.
É o próprio Walter quem conta a inauguração do Clube (A Tarde: “Origem e fundamento do Cinema de Arte da Bahia”, em 1.03.67): “Fundado em 27 de junho de 1950, no auditório da Secretaria da Educação, o Clube de Cinema da Bahia dava início às suas atividades culturais projetando num velho aparelho, quase sem uso, com perigo de queimar a fita, Os visitantes da noite (Les visiteurs du soir), de Marcel Carné. Existia uma cena de dança medieval em que, por processo de técnica cinematográfica, os gestos e os sons se tornavam crescentemente lentos até vir a imobilidade total dos atores: o público pensou num defeito do projetor, exprimindo seu desencanto por ver interrompida a estória num momento de tamanha beleza, mas, logo depois, sorria dele próprio ante o prosseguimento dramático. E se tratava de público da mais alta qualidade, começando por Anísio Teixeira, que, Secretário da Educação, cedera o auditório ao Clube, prestigiando-lhe a fundação”.
Segundo recordações de Walter, o auditório era pequeno para os espectadores que, à porta, se inscreveram como sócios. Cerca de duzentos para uma sala de cem. “Não havia imaginado este êxito, Carlos Coqueijo da Costa e eu, quando fundamos o cineclube, seguindo os modelos franceses da época. Sabíamos que nossa cidade poderia classificar-se entre as mais atrasadas cinematograficamente do mundo, desconhecendo, sobretudo o cinema europeu, mas não supúnhamos que tanta gente estivesse como nós a procura do tempo perdido”, escreveu ele no mesmo artigo.
A segunda sessão tem de ser numa sala comercial: o “Gloria” (hoje “Tamoio”). No primeiro domingo de julho. De manhã. Até aquela data nenhum exibidor pensara em matinais, o Clube de Cinema criava um novo horário. E às 10 horas todas as cadeiras estavam ocupadas para a projeção de Desencanto (Brief-encounter), o extraordinário filme inglês de David Lean. O cineclubismo entra para a vida da cidade. O público de todas as manhãs de domingo, além de versátil, compunha-se das figuras mais representativas da cultura baiana, escritores, artistas, professores, universitários, advogados, médicos e estudantes.
Com menos de um ano, em abril de 1951, o Clube de Cinema da Bahia realiza um Festival Internacional do Filme de Curta-Metragem, com a participação de doze países. Até então, no Brasil, nada se fizera mais organizado. Um júri de alto nível é eleito e suas votações têm um caráter tão polêmico quanto as discussões que travam na platéia sobre as fitas que devem ser premiadas.
Como conferencistas convidados estão Alberto Cavalcanti, Vinicius de Moraes, Alex Viany, Salvyano Cavalcanti de Paiva e Luís Alípio de Barros. Suas palavras, ditas no palco do “Guarany”, também se tornam polêmicas, com o jogo cruzado de perguntas e respostas a propósito de todos os temas cinematográficos. Walter da Silveira contou: “Tenho uma carta de Cavalcanti que releio sempre com orgulho, embora me entristeça recordar como esse grande homem de cinema tão admirado por todos os historiadores mundiais por sua contribuição para o cinema francês dos anos 20 e para o cinema inglês dos anos 30 e 40, foi praticamente banido no Brasil; nessa carta, Cavalcanti fala do público daquele festival como dos melhores que conheceu em toda parte. E igualmente Vinicius: mais do que os filmes, não obstante os clássicos, julgou que a platéia merecera o prêmio, pela quantidade e qualidade dos espectadores. Em tão pouco tempo, o Clube de Cinema formara um tipo de público para dez dias seguidos somente de curtas metragens”.
Nos anos 60, o “Clube” passa a funcionar aos sábados, de manhã, no Cine Liceu. Depois, em 65, muda-se para o Cine Guarany, também aos sábados, fazendo confluir para suas sessões cinéfilos e estudantes, universitários e secundaristas, os quais, após os espetáculos, servem-se do “Bar e Restaurante Cacique” para um bate-papo em torno dos filmes apresentados, numa época em que ainda se pode transitar pelo centro da cidade, quando a Bahia ainda oferece a oportunidade de se “tê-la” característica e provinciana.
Dois anos depois, reformando-se o antigo “Popular” (na Rua da Oração, paralela a Saldanha da Gama, onde fica o Cine Liceu), Walter concentra as atividades cineclubistas nesta sala exibidora, inaugurando a programação em junho de 1967, com Terra em Transe, de Glauber Rocha, numa homenagem ao dileto cineclubista que atinge, então, dimensão internacional. As projeções tornam-se ininterruptas, com sessões contínuas, modelando-se Walter no esquema programático do Cine Paissandu, do Rio de Janeiro. A experiência, no entanto, por causa das injunções do mercado exibidor, não dá certo.
Em 1968, o Clube de Cinema transfere-se para a Reitoria, com projeções semanais, aos sábados pela noite. Neste mesmo ano acontece, por iniciativa de Walter, um Curso Livre de Cinema, que se estende por todo o ano, com aulas duas vezes por semana. O patrocínio é da Universidade Federal da Bahia. Walter da Silveira realiza seu sonho de dar um curso completo sobre a história e a estética da “sétima arte”. Além de um estilista admirável, irrepreensível nas suas construções lingüísticas e na manipulação da sintaxe (como tão bem atestam seus escritos), Walter da Silveira possuía o dom da oratória. Antes de cada filme, discorria sobre o cineasta e a importância da obra fílmica, envolvendo a platéia com a sua “oralidade” transparente e vivaz. O ano de 1970 surge fatídico, pois vem a falecer em novembro.
Há críticos e críticos. No prefácio de Fronteiras do Cinema, diz Jorge Amado: “Não farei a Walter da Silveira a injustiça de chamá-lo de crítico de cinema, de tal maneira a expressão se tornou um insulto, um nome feio”.
Estamos ante um ensaísta de cinema, continua Jorge Amado, com estatura de historiador de cinema – e o caminho da história da arte cinematográfica certamente será por ele palmilhada. Um grande ensaísta de cinema pela seriedade do conhecimento, pela decência de sua posição feita de amor pela criação do homem no plano da cinematografia, por seu livre pensamento, pela intransigência de seus pontos de vista que são, ao mesmo tempo, resultados de uma visão maleável e flexível, contendo uma realidade de experiência vivida (“a crítica que não refletir essas vivências de desespero – escreve ele sobre o drama do cinema – arrisca-se a parcial e injusta”).”
Pelo muito que Walter da Silveira estudou, viu, contemplou, degustou e usufruiu o prazer estético-cinematográfico, pode se dizer que pouco deixou em termos de bibliografia sobre sua arte predileta. A maior parte de seus escritos encontra-se, entretanto, espalhada pelos jornais baianos nos quais colaborava com relativa intensidade, enquanto não se encontrava, como advogado trabalhista, atuando em defesa dos pobres e oprimidos. Assim, este dublê de advogado e ensaísta de arte, pai de prole numerosa, bastante devotado à família, havia de desdobrar-se para, nos intervalos das lides judiciais, refletir sobre a natureza da arte do filme, sobre o específico cinematográfico.