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18 outubro 2008

Setaro's Blog atinge 50.000 visitantes

Ainda hoje, a julgar pelo compasso de meu contador Bravenet, o blog deve chegar à marca nada desprezível de 50.000 visitantes, um estádio de futebol de razoáveis proporções, quase cheio. Estalebecido em fevereiro de 2004, a princípio no Blogger da Globo, somente em agosto de 2005 é que houve a transferência para o Blogspot - e agora tomei um susto quando fui acessá-lo para colocar aqui o link: a Globo não me dá mais acesso, porque, segundo diz ao tentar entrar, o antigo blog não era atualizado há mais de 90 dias. Fiz o back up deste Setaro's Blog, mas esqueci do outro. Pena. Desapareceu. Em todo caso, deixo aqui o seu endereço, pois quem tem conta na Globo talvez possa vê-lo: http://www.setaro.blogger.com.br/index.html).

A bem da verdade, em fevereiro de 2006, o contador ofereceu um problema e fui obrigado a zerar tudo, colocando um novo, este da Bravenet. Assim, os 50.000 visitantes que o blog está prestes a atingir, somente podem ser aferidos a partir da colocação do novo contador (que teria algo assim como 10.000), sem considerar o blog antigo da Globo, que vejo furtados seus arquivos por esta desalmada. Antes que este Blogspot queira me atingir (nunca se sabe o dia de amanhã) já coloquei todos os seus arquivos em regime de back up, graças à indicação de um colega connaisseur das coisas belas e dos perigos do espaço virtual.
A enquete sobre o freqüência como que se vai, hoje, ao cinema, deu tracinho em "Todos os dias", isto quer dizer, segundo os votantes, nennhum deles vai mais ao cinema todos os dias. Engraçado. Menino ainda, e de mesada curta, tinha condições de ir às salas de exibição todos os dias, quando não o fazia duas vezes. É que o cinema era outro e não havia suportes com os quais se pode atualmente alcançá-lo. Mas não naquelas condições, mágicas, tela grande, com gongo, luzes coloridas, cortina que se abria no início da projeção, etc. O preço do ingresso também era bem barato mesmo nas casas consideradas de primeira linha (algo em torno de 2 reais a inteira, quando o ingresso atual gira em volta dos exasperantes 16 reais. E havia os chamados cinemas de rua, com o preço da entrada ainda mais barata (1 real a inteira e 50 centatovs a meia). Na Baixa dos Sapateiros, onde se localizavam os poeiras, via o povo alegre a frequentar os cinemas. Mas nos tempos sombrios que vivemos, o povo já foi alijado das salas escuras, pois não tem condições mínimas de frequentar os complexos (Multiplex, Cinemark, Unibanco...). Mesmo as salas alternativas cobram caro. Um cidadão classe média, com a corda no pescoço, também não pode mais ir todo dia ao cinema. Vai, no máximo, se cinéfilo for, uma vez por semana ou espera um filme mais importante para vê-lo. Mas naquela boa época na qual iniciei a minha formação cinematográfica (meados dos anos 50) via tudo e qualquer porcaria era bem vinda ao meu apetite cinéfilico
"Vejo apenas os filmes mais importantes" foi a resposta mais votada (9, 31%). Votei nesta. Mas, por outro lado, "Restrinjo-me hoje ao DVD", "Uma vez de quinze em quinze dias" e "Uma vez por semana, empataram (4, 13%). E "Vejo o que baixo da internet" e "Apenas grandes filmes" (que não deveria ter entrado, pois meio repetição da vencedora) também se igualaram em número de votantes (2, 6%). "Não tenho condições de ir ao cinema" apenas uma pessoa votou, o que dá a entender que o povo não lê meu blog, o que é uma pena.
Se já não falei aqui, devo falar: meu blog foi eleito para A liga dos blogues cinematográficos (http://ligadosblogues.wordpress.com/). Um esforço que valeu, ainda que um blog torto, atropelado, e cheio de defeitos. Por tudo isso, ao terminar de digitar este post vou abrir algumas garrafas de cerveja.
A imagem é dos olhos de Kim Novak num fotograma em Vistavision de Um corpo que cai (Vertigo), do mestre Alfred Hitchcock.

15 outubro 2008

Vejam, clicando, "O Guarany"

O cinema Guarany deixou uma grande saudade para aqueles que o conheceram, que se formaram cinematograficamente vendo os filmes exibidos nesta sala. Em 1981, com a morte do cineasta baiano de Deus e o diabo na terra do sol, passou a se chamar Cine Glauber Rocha. Mas o que quero chamar a atenção de vocês é para a possibilidade de ver O Guarany, documentário de Cláudio Marques e Marília Hughes, que tem imagens raríssimas como a da noite de gala da inauguração do cinema, trechos de Redenção (1956/59), primeiro filme baiano de longa metragem dirigido por Roberto Pires, além do depoimento deste bloguista, Orlando Senna, Hamilton Correia, entre outros, que falam daquela boa época em que o cinema Guarany era uma referência marcante para a esfuziante província da Bahia. Para vê-lo, basta um clique neste link. É algo precioso.

ATENÇÃO!

Por circunstâncias alheias à minha vontade, devo informar aos interessados que a Oficina Expressões do Cinema Contemporâneo foi cancelada e sem possibilidade de ser realizada neste ano.

André Setaro

Janela Internacional de Cinema do Recife



Recebi da curadoria do Janela Internacional de Cinema do Recife o texto abaixo. Por considerar o evento importante, creio também importante que seja divulgado, ainda que para os poucos leitores deste blog.
A curadoria do JANELA INTERNACIONAL DE CINEMA DO RECIFE (13-20 Novembro) divulga agora a lista de selecionados para esta primeira edição, nas mostras competitivas (Brasileiros e Estrangeiros) e não competitiva (dedicada ao cinema pernambucano).

Ao longo das últimas 8 semanas, nossa curadoria viu 812 filmes de 37 países, sendo 425 brasileiros. O difícil trabalho de seleção foi norteado pelo que o conjunto de filmes nos trouxe, nos levando à construção de programas específicos que abrigam as obras temática e esteticamente. Estamos muito felizes com o recorte que será apresentado na nossa primeira edição.
Como todo processo de seleção, decisões difíceis foram tomadas. Isso significa que um número grande de filmes não consta na nossa lista como gostaríamos. Queremos agradecer a todos os que inscreveram seus filmes, com a certeza de que vamos exibir outros autores em edições futuras.
A JANELA INTERNACIONAL DE CINEMA DO RECIFE é incentivado pelo Governo de Pernambuco através do Edital do Audiovisual com co-patrocínio da Fiori e apoio da Prefeitura do Recife e da Aeso – Faculdades Integradas Barros Melo. Apoios institucionais da Embaixada da Espanha no Brasil, Embaixada da França no Brasil, Centro Cultural Brasil Alemanha – CCBA. Também contamos com o apoio da Rec Produtores Associados, da Link Digital e do site Portacurtas.
Os trabalhos de seleção foram realizados pela produtora e montadora Emilie Lesclaux, o crítico Fernando Vasconcelos e o roteirista Luiz Otávio Pereira. A curadoria foi dirigida pelocrítico e cineasta Kleber Mendonça Filho.
Aproveitamos para convitar vocês a assistir a vinheta No. 4 do Janela Internacional de Cinema realizada pelo cineasta Leonardo Lacca:http://br.youtube.com/watch?v=vMAWdthwUiY
Janela Pernambucana (fora de competição):
MURO, Tião, 18 min. O Incrível Trem que Alçou Vôo, Chico Lacerda, 14 min. Cavalo Marinho, Kátia Mesel, 9’30 Clipping Salvador, Renata Pinheiro, 3 min. Dirijo, Raoni Vale e Indios Mura, 12 min. As Máscaras de Ar Não Funcionam, Leonardo Lacca, 12 min. O Presidente dos Estados Unidos, Camilo Cavalcanti, 23 min. O Rei do Coco, João Marcelo Ferraz, 15 min. Ocidente, Leonardo Sette, 6 min. Até Onde a Vista Alcança, Felipe Peres Calheiros, 20 min. Quando a Maré Encher, Oscar Malta, 30 min. Safe, Alice Chitunda 5 min. Sentado na Beira do Rio, Daniel Castelo Branco e Arthur Canavarro, 6 min. Três Contos de Reis, Maria Pessoa, 11 min. Voltage, Filippe Lyra e William Paiva, 4 min. A Vida é Curta, Leo Falcão, 20 min. Competição brasileira Fracasso, Alberto Labuto / ES / 11 min. Garotas de Ponto de Venda, Marcelo Lordello / PE / 26 min. Canosa One, Fellipe Gamarano Barbosa / RJ / 18 min. Eu que nem sei francês, Erly Vieira Jr. / ES / 6 min. Cristo 72, Carlos Magno / MG / 14 min. Osório, Heloisa Passos / PR / 12 min. A Espera, Fernanda Teixeira / RJ /15 min. A Infância de Anastácia, Cláudio Marques e Marília Hughes / BA / 5 min. A Psicose de Valter, Eduardo Kishimoto / SP / 15 min. Animadores, Allan Sieber / RJ / 6 min. Areia, Caetano Gotardo / SP / 12 min. Booker Pittman, Rodrigo Grota / PR / 15 min. Convite para Jantar com o Camarada Stalin, Ricardo Alves Júnior / MG / 10 min Corpo no Céu, Luisa Marques / RJ / 22 min. Corpo Presente, Marcelo Toledo & Paolo Gregori / SP / 20 min. Corpos Sagrados, Mariana Porto / CE / 15 min. Dez Elefantes, Eva Randolph / RJ / 15 min. Dossiê Rê Bordosa, César Cabral / SP /15 min. Esboço para Fotografia, Bruno Carneiro / SP / 15 min. Irmãos Collyer , Alfeu França / RJ / 22 min. Ismar, Gustavo Beck / RJ / 12 min. Jarro de Peixes, Salomão Santana / CE / 11 min. Longa Vida ao Cinema Cearense, Irmãos Pretti / CE / 11 min. Menino Aranha, Mariana Lacerda / PE-SP / 13 min. Nossos Filhos Ponto Com, Eduardo Wotzik / RJ / 8 min. o Brilho dos meus Olhos, Alan Ribeiro, RJ, 11 min. o Dia em que não Matei Bertrand, Ives Rosenfeld e Luiz Carlos Oliveira Jr. / RJ / 17 min. O Som e o Resto, André Lavaquial / RJ / 22 min. O Vampiro do Meio Dia, Anita Rocha da Silveira / RJ / 19 min. Os sapatos de Aristeu, Luiz René Guerra / SP/ 17 min. Passo, Alê Abreu / SP / 4 min. Prîara Jõ, Depois do Ovo a Guerra, de Komoi Panará / PE / 15 min. Quando o Vento Sopra, Petrus Cariry / CE / 18 min. Saltos, Gregório Graziosi / SP/ 8 min. Sin Peso, Cão Guimarães / MG / 7 min. Solidão Pública, Daniel Aragão / PE / 16 min. Solitário Anônimo, Debora Diniz / DF / 18 min. Terra, Sávio Leite / MG / 5 min. Competição internacional: "Ahendu nde sapukai" (Oigo tu grito), Pablo Lamar / Paraguai-Argentina / 13 min. A Piece of News, Evgeny Ruman / Israel / 17 min Aïe!, Virginie Gourmel / Bélgica / 10 min. Bait (Pitayon), Michal Vinik / Israel /12 min. China China, João Pedro Rodrigues, João Rui Guerra da Mata / Portugal / 20 min. Dar koche bad miayad (The wind is blowing in the lane), Diako Yazdani / Irã / 9 min. Debajo, Dominga Sotomayor / Chile / 17 min. En tránsito, Isabel Muniz Callejas / México / 21 min. G16 G17, Saw Tiong Guan / Malasia / 18 min. Induction, Nicolas Provost / Bélgica / 10 min. Karaokê Show, Karl Tebbe / Alemanha / 4 min. La leçon de guitare, de Martin Rit / França /18 min. Lacreme napulitane, Francesco Satta / Itália / 19 min. Le baiser, Yann Coridian / França / 10 min. Les comètes incriminées, Hadrien Courtier / França / 5 min. Love you more, Sam Taylor-Wood / Inglaterra / 15 min. Man, Myna Joseph / EUA / 14 min. Marea, Hatuey Viveros / México /14 min. Miraslava, Roberto Santaguida / Canadá / 7 min. Nymph, Ken Jacobs / Estados Unidos / 3 min. Pivot, Ian Strang / Canadá / 4 min. Procrastination, Johnny Kelly / Inglaterra / 4 min. Puppet Boy, Johannes Nyholm / Suécia / 27 min. Reise zum Wald (Journey to the Forest), Jörn Staeger / Alemanha / 7 min. Requiem, SunXun / China / 7 min. Sezon na kaczki (Wild Duck Season), Julia Ruszkiewicz / Polônia / 20 min. Superhero, Jared Katsiane / Estados Unidos / 4 min. The Cabin Man, Hashish Pandey / Índia / 7 min. The Tale of the Little Puppetboy, Johannes Nyholm / Suécia / 14 min. Three of Us, Umesh Kulkarni / Índia / 15 min. Twist, Alexia Walther / Suissa / 11 min. Two Birds, Runar Runarsson / Islândia / 15 min. Uku Ukai, Audrius Stonys / Lituânia / 30 min. Valuri (Waves), Adrian Sitaru / Romênia / 17 min. Viva, Louise Botkay Courcier / França / 13 min. We can’t keep still / Bo Widget / Alemanha / 4 min.

V Festival Sala de Arte de Salvador


Para ver a programação, clique na imagem.

13 outubro 2008

Falta a "dicção" de Saramago a "Blindness"



Há certos críticos que, com poucas palavras, sabem sintetizar o que falta a um determinado filme para que possa atingir um valor poético mais aguçado. Entre eles, Inácio Araújo (da Folha de S. Paulo), cujo poder de síntese é extraordinário. Suas indicações diárias sobre os filmes que passam na televisão constituem no maior exemplo desse poder sintético, dessa arte, poder-se-ia dizer, de criticar/comentar em poucas linhas. Sabe, como poucos, jogar a palavra, efetuar uma sintaxe perfeita em função de uma idéia que ele tem sobre uma obra cinematográfica. Mas, Inácio à parte, cito outro crítico que também tem um rigor escritural na apreciação da arte do filme, que é Carlos Alberto de Mattos (do site Críticos.Com). Sua apreciação de Ensaio sobre a cegueira, de Fernando Meirelles, toca na ferida. A tal ponto que não resisto à transcrição dos dois primeiros parágrafos de sua crítica:

"O romance de José Saramago exerce seu fascínio em parte por causa da trama, em parte pela singular dicção do escritor, especialmente para quem o lê em português. Seria despropositado esperar que uma adaptação cinematográfica, ainda mais uma produção eminentemente internacional como Blindness, conseguisse reproduzir esse segundo elemento. Não se trata aqui de comparar livro e filme, erro tão recorrente na prática da crítica. Mas é preciso examinar o que resta ao projeto de um filme que tem em comum com o livro original apenas a sua trama.Fernando Meirelles procura suprir essa inevitável lacuna com um estilo visual agressivo, baseado na idéia do “mal branco”, nome atribuído à epidemia de cegueira que devasta um país inteiro a partir de um único motorista subitamente acometido (na verdade, não se pode afirmar que o “primeiro cego” do livro é de fato a origem da epidemia). Assim, a supressão da cor como um todo e a invasão do branco formam a “dicção” do filme. Some-se a isso um arsenal de procedimentos óticos relativos a foco, reflexos duplicadores e formas que replicam a órbita ocular. E ainda uma montagem nervosa, que procura exprimir a tensão em torno dos acontecimentos"

Mas, já que estou aqui falando de críticos e de uma adaptação literária, como é o caso de Ensaio sobre a cegueira, vi, recentemente, no Canal Brasil, um verdadeiro massacre praticado por Paulo César Saraceni (que é um diretor a respeitar, mas menos aqui) em cima de uma obra-prima: Dom Casmurro, de Machado de Assis, que em sua versão criminosa e cinematográfica se chamou Capitu. O filme é um desastre completo e acabado e uma lição permanente de como não se deve adaptar uma obra literária para o cinema. E pensar que o roteiro foi escrito por Lygia Fagundes Telles e seu marido Paulo Emílio Salles Gomes!!!!!

12 outubro 2008

Cidadão Walter

Os quatro volumes fundamentais do pensamento cinematográfico de Walter da Silveira já foram lançados há quase dois anos. Patrocinado pelo Governo do Estado, O eterno e o efêmero, título do livro que se inspirou no seu discurso de posse na Academia Baiana de Letras em 1968, foi apenas distribuído e enviado para entidades ligadas ao cinema e a personalidades da área. Difícil adquiri-lo nas livrarias, porém. Obra de tal porte e importância deveria ter sido bem distribuído para estar acessível a todos os interessados. A organização, primorosa, um trabalho árduo de pesquisa do cineasta e escritor José Umberto Dias, autor de Revoada. Mas vamos, aqui, traçar um panorama sobre Walter da Silveira e falar um pouco de um seu outro livro de ensaios sobre a arte do filme: Fronteiras do cinema.

Com 19 ensaios, Fronteiras do Cinema (Edições Tempo Brasileiro, 1966), livro de Walter da Silveira (1915/1970), abriga escritos publicados em diferentes ocasiões na imprensa baiana. O autor selecionou-os e resolveu reuni-los numa publicação tendo em vista que “a crítica cinematográfica tem certamente uma efemeridade maior do que as outras e a dimensão do livro é uma tentativa de permanência”. Destacam-se, em Fronteiras do Cinema, dois momentos fundamentais para a compreensão do pensamento do ensaísta em relação ao processo de criação no cinema: Crítica e Contracrítica, o primeiro ensaio, que abre o livro – um severo artigo sobre a responsabilidade daquele que julga a obra-de-arte, “esta responsabilidade humana e social” – e O instrumento do humanismo, o derradeiro, um brado retumbante sobre a necessidade de o veículo cinematográfico ter sempre em vista, como elemento essencial, a figura humana.

Tem-se, em Fronteiras do Cinema, um dossiê analítico acerca das mais variadas vertentes da estilística cinematográfica, passando pela entrevisão de Ingmar Bergman, ao ressaltar, neste, a renovação da natureza unanimista do cinema, às discussões entre as fronteiras do cinema e da literatura (Dostoievski ou Visconti?), às noites de um Federico Fellini, até atingir um ensaio que indaga da contribuição do cinemascope para a estética do cinema, além de desmistificar e dimensionar a real importância de filmes como Fantasia, de Walt Disney, e Orfeu do Carnaval, de Marcel Camus. O livro, entretanto, não pára por aqui. Contém mais - e muito mais.

Do “mestre do suspense”, Walter não perdoa suas vertigens, sua aparente exterioridade, no único ensaio, a nosso ver, infeliz do grande ensaísta, posto que, em Hitchcock, o argumento é concessão enquanto que a mise-en-scène, mensagem. Até que ponto a arte cinematográfica foi capaz de transportar as torrentes verbais, do texto shakespeariano? Eis outro artigo fundamental do mestre Walter, o qual não descuida também dos vôos poéticos e da irreverência do solitário Monsieur Hulot, personagem do comediante francês Jacques Tati. Ou da efemeridade dos sentimentos do cinema de Michelangelo Antonioni. Ou da poética de Jean Cocteau. Ou da oralidade em Alan Renais.
E o cinema brasileiro? Que Walter da Silveira demonstrara tanto interesse, durante a sua trajetória de crítico, podendo-se mesmo afirmar que fora um grande animador de cinematografia baiana e nacional? O cinema brasileiro viria em publicação especial, que a fatalidade do destino não permitiu. Mas, em 1978, com a edição póstuma de História do Cinema Visto da Província, pela Fundação Cultural do Estado, com organização, estudo e ensaio de José Umberto Dias, resgata-se para a permanência em livro, um pouco da pesquisa feita através do tempo, num trabalho de verdadeiro arqueólogo da arte fílmica, dos primórdios do cinema na Bahia. E, sob ótica de um bom provinciano, Walter descobre, aos poucos, o cinema internacional, que vai despontando na cidade do Salvador. Também, poder-se-ia perguntar: e Charles Chaplin, a quem Walter tanto amara? Carlitos, ainda em tempo de vida do crítico, é objeto de um estudo definitivo sobre a sua filmografia em Imagem e Roteiro de Charles Chaplin, que Walter lança, em agosto de 1970 – pouco antes de morrer (o que ocorre no mesmo ano) – no Cine Bahia, com uma exibição especial de O Garoto (The Kid) em sua homenagem.

Dos 42 anos da publicação de Fronteiras do Cinema, décadas se passam e o cinema brasileiro se encontra órfão de Walter da Silveira há 38 – e é impressionante como a nova geração desconhece Walter da Silveira, que se restringe, hoje, a um nome dado a uma sala alternativa de programações cinematográficas, confirmando, com isso, a falta de memória característica da contemporaneidade. O apogeu criativo do cinema moderno, entretanto, Walter presenciara, pois este se dá lado a lado com a formação cultural do grande ensaísta. Ainda menino, Walter conhece a figura de Carlitos, assiste à transformação da estética da arte muda para o cinema falado, acompanha o desenvolvimento narrativo de um Orson Welles (Cidadão Kane), de um Sergei Eisenstein, contempla a nova postura ética da cinematografia com a eclosão do neo-realismo italiano. E as revoluções sintáticas, inauguradoras de uma nova sintaxe, com Michelangelo Antonioni, Alain Resnais e Jean-Luc Godard, entre outros. Porque, nascido na segunda década do século XX, Walter da Silveira tem o privilégio de ser quase contemporâneo das transformações estilísticas que marcaram a arte do filme.

Platéia e balcão do Guarany lotados. Sábado de manhã de 1965. A maioria dos espectadores constituída de estudantes do Central, que, filando aulas - sábado, naquele tempo, também tinha aula, adquiria o conhecimento do filme como arte. Uma turma, porém, de capadócios, que estava ali, naquela sessão, apenas para perturbar, gritava, ria, e assobiava diante dos passos poéticos de Hiroshima, mon amour. Num determinado momento, Walter da Silveira, temperamental como era, levantou-se e solicitou que a projeção fosse interrompida e que as luzes da sala se acendessem. Diante da platéia, que ficou silenciosa, Walter deu tremendo esporo nos jovens assanhados, fazendo-lhes ver que Hiroshima era uma obra de arte e merecia todo o respeito e todo o silêncio.

Walter da Silveira não admitia que alguém saísse no meio de um filme. Ficava aborrecido e o pecador restava, depois, sem moral com o mestre. Qualquer conversinha lateral também era reprovada pelos olhos de Walter da Silveira.Quem quer conversar que vá para a sala de espera ou saia do cinema, costumava dizer.

A importância do Clube de Cinema da Bahia, na formação de platéias, na deflagração do próprio “Ciclo Bahiano” (entre 1959 e 1963, filmes genuinamente baianos são realizados: Redenção, A Grande Feira, Tocaia no Asfalto, etc.), e como centro difusor da cultura cinematográfica, é inquestionável. A liderança de Walter proporciona a muitos interessados pela “sétima arte” uma espécie assim de descoberta da importância do cinema como veículo de expressão artística.

Vive-se, nos anos 50, na urbis soteropolitana, sob influência do espetáculo norte-americano, que impõe uma linguagem e uma forma de ver o discurso narrativo. Vive-se, portanto, sem a possibilidade de contemplação de outras conquistas da linguagem cinematográfica, porque o mercado, dominado pelas companhias americanas, não oferece outra opção que não seja o espetáculo narrativo tradicional, imperando o star system, a idolatria, o consumo desenfreado – não como agora, diga-se logo e de passagem.

Com o Clube de Cinema da Bahia, Walter da Silveira possibilita aos baianos o conhecimento dos filmes neo-realistas italianos (Roma Cidade Aberta, Paísa, ambos de Roberto Rossellini, Ladrões de Bicicleta, Umberto D, Milagre em Milão, todos de Vittorio De Sica), do realismo poético francês (Les enfants du paradis, de Marcel Carné), do cinema de Jean Renoir, da cinematografia soviética e dos discursos estéticos de um Sergei Eisenstein (O Encouraçado Potenkin, Outubro, Ivan o terrível), etc, etc, etc. A contribuição primordial de Walter neste período está em ter despertado muitos cinéfilos para a descoberta do cinema como uma linguagem autônoma, como um verdadeiro e poderoso veículo de expressão artística. Dentre os vários alunos que teve, um destaca-se sobremaneira: Glauber Rocha, que, conforme o mesmo confessa em alguns de seus escritos, “aprendeu cinema com Dr. Walter da Silveira”.
É o próprio Walter quem conta a inauguração do Clube (A Tarde: “Origem e fundamento do Cinema de Arte da Bahia”, em 1.03.67): “Fundado em 27 de junho de 1950, no auditório da Secretaria da Educação, o Clube de Cinema da Bahia dava início às suas atividades culturais projetando num velho aparelho, quase sem uso, com perigo de queimar a fita, Os visitantes da noite (Les visiteurs du soir), de Marcel Carné. Existia uma cena de dança medieval em que, por processo de técnica cinematográfica, os gestos e os sons se tornavam crescentemente lentos até vir a imobilidade total dos atores: o público pensou num defeito do projetor, exprimindo seu desencanto por ver interrompida a estória num momento de tamanha beleza, mas, logo depois, sorria dele próprio ante o prosseguimento dramático. E se tratava de público da mais alta qualidade, começando por Anísio Teixeira, que, Secretário da Educação, cedera o auditório ao Clube, prestigiando-lhe a fundação”.

Segundo recordações de Walter, o auditório era pequeno para os espectadores que, à porta, se inscreveram como sócios. Cerca de duzentos para uma sala de cem. “Não havia imaginado este êxito, Carlos Coqueijo da Costa e eu, quando fundamos o cineclube, seguindo os modelos franceses da época. Sabíamos que nossa cidade poderia classificar-se entre as mais atrasadas cinematograficamente do mundo, desconhecendo, sobretudo o cinema europeu, mas não supúnhamos que tanta gente estivesse como nós a procura do tempo perdido”, escreveu ele no mesmo artigo.

A segunda sessão tem de ser numa sala comercial: o “Gloria” (hoje “Tamoio”). No primeiro domingo de julho. De manhã. Até aquela data nenhum exibidor pensara em matinais, o Clube de Cinema criava um novo horário. E às 10 horas todas as cadeiras estavam ocupadas para a projeção de Desencanto (Brief-encounter), o extraordinário filme inglês de David Lean. O cineclubismo entra para a vida da cidade. O público de todas as manhãs de domingo, além de versátil, compunha-se das figuras mais representativas da cultura baiana, escritores, artistas, professores, universitários, advogados, médicos e estudantes.

Com menos de um ano, em abril de 1951, o Clube de Cinema da Bahia realiza um Festival Internacional do Filme de Curta-Metragem, com a participação de doze países. Até então, no Brasil, nada se fizera mais organizado. Um júri de alto nível é eleito e suas votações têm um caráter tão polêmico quanto as discussões que travam na platéia sobre as fitas que devem ser premiadas.

Como conferencistas convidados estão Alberto Cavalcanti, Vinicius de Moraes, Alex Viany, Salvyano Cavalcanti de Paiva e Luís Alípio de Barros. Suas palavras, ditas no palco do “Guarany”, também se tornam polêmicas, com o jogo cruzado de perguntas e respostas a propósito de todos os temas cinematográficos. Walter da Silveira contou: “Tenho uma carta de Cavalcanti que releio sempre com orgulho, embora me entristeça recordar como esse grande homem de cinema tão admirado por todos os historiadores mundiais por sua contribuição para o cinema francês dos anos 20 e para o cinema inglês dos anos 30 e 40, foi praticamente banido no Brasil; nessa carta, Cavalcanti fala do público daquele festival como dos melhores que conheceu em toda parte. E igualmente Vinicius: mais do que os filmes, não obstante os clássicos, julgou que a platéia merecera o prêmio, pela quantidade e qualidade dos espectadores. Em tão pouco tempo, o Clube de Cinema formara um tipo de público para dez dias seguidos somente de curtas metragens”.

Nos anos 60, o “Clube” passa a funcionar aos sábados, de manhã, no Cine Liceu. Depois, em 65, muda-se para o Cine Guarany, também aos sábados, fazendo confluir para suas sessões cinéfilos e estudantes, universitários e secundaristas, os quais, após os espetáculos, servem-se do “Bar e Restaurante Cacique” para um bate-papo em torno dos filmes apresentados, numa época em que ainda se pode transitar pelo centro da cidade, quando a Bahia ainda oferece a oportunidade de se “tê-la” característica e provinciana.

Dois anos depois, reformando-se o antigo “Popular” (na Rua da Oração, paralela a Saldanha da Gama, onde fica o Cine Liceu), Walter concentra as atividades cineclubistas nesta sala exibidora, inaugurando a programação em junho de 1967, com Terra em Transe, de Glauber Rocha, numa homenagem ao dileto cineclubista que atinge, então, dimensão internacional. As projeções tornam-se ininterruptas, com sessões contínuas, modelando-se Walter no esquema programático do Cine Paissandu, do Rio de Janeiro. A experiência, no entanto, por causa das injunções do mercado exibidor, não dá certo.

Em 1968, o Clube de Cinema transfere-se para a Reitoria, com projeções semanais, aos sábados pela noite. Neste mesmo ano acontece, por iniciativa de Walter, um Curso Livre de Cinema, que se estende por todo o ano, com aulas duas vezes por semana. O patrocínio é da Universidade Federal da Bahia. Walter da Silveira realiza seu sonho de dar um curso completo sobre a história e a estética da “sétima arte”. Além de um estilista admirável, irrepreensível nas suas construções lingüísticas e na manipulação da sintaxe (como tão bem atestam seus escritos), Walter da Silveira possuía o dom da oratória. Antes de cada filme, discorria sobre o cineasta e a importância da obra fílmica, envolvendo a platéia com a sua “oralidade” transparente e vivaz. O ano de 1970 surge fatídico, pois vem a falecer em novembro.

Há críticos e críticos. No prefácio de Fronteiras do Cinema, diz Jorge Amado: “Não farei a Walter da Silveira a injustiça de chamá-lo de crítico de cinema, de tal maneira a expressão se tornou um insulto, um nome feio”.

Estamos ante um ensaísta de cinema, continua Jorge Amado, com estatura de historiador de cinema – e o caminho da história da arte cinematográfica certamente será por ele palmilhada. Um grande ensaísta de cinema pela seriedade do conhecimento, pela decência de sua posição feita de amor pela criação do homem no plano da cinematografia, por seu livre pensamento, pela intransigência de seus pontos de vista que são, ao mesmo tempo, resultados de uma visão maleável e flexível, contendo uma realidade de experiência vivida (“a crítica que não refletir essas vivências de desespero – escreve ele sobre o drama do cinema – arrisca-se a parcial e injusta”).”

Pelo muito que Walter da Silveira estudou, viu, contemplou, degustou e usufruiu o prazer estético-cinematográfico, pode se dizer que pouco deixou em termos de bibliografia sobre sua arte predileta. A maior parte de seus escritos encontra-se, entretanto, espalhada pelos jornais baianos nos quais colaborava com relativa intensidade, enquanto não se encontrava, como advogado trabalhista, atuando em defesa dos pobres e oprimidos. Assim, este dublê de advogado e ensaísta de arte, pai de prole numerosa, bastante devotado à família, havia de desdobrar-se para, nos intervalos das lides judiciais, refletir sobre a natureza da arte do filme, sobre o específico cinematográfico.
A foto mostra Walter da Silveira ao lado do cineasta Nelson Pereira dos Santos.